François Truffaut dirigiu 24 filmes, nos parcos 52 anos que teve para viver. E, destes, três foram curta-metragens. Realizou 21 longa-metragens – bem menos que muitos outros, mas o bastante para assegurar seu nome entre os mais importantes realizadores da História do cinema.
“Eu não sei se François Truffaut foi o melhor realizador do mundo, mas na sua humanidade, nas suas declarações e na sua escrita, e julgando pelas inúmeras cartas que ele recebeu dos mais longínquos cantos dos Estados Unidos, da Escandinávia, do Japão e de outros países, creio que ele foi o mais respeitado e amado do mundo.”
A frase é de Helen Scott, a amiga americana de Truffaut, criada na França, que serviu de intérprete na série de entrevistas que o francês fez com seu ídolo Alfred Hitchcock no início dos anos 60 e que resultaram no livro HitchcockTruffaut.
Gostei dela para a abertura desta página, a primeira filmografia de um realizador que publico no site. Teria que ser a filmografia dele, o cineasta que mais admiro, desde sempre – mas não vou ficar falando eu mesmo nesta abertura. Dou opiniões demais nos comentários sobre os filmes; nas páginas com as filmografias de grandes realizadores e atores que estou inaugurando aqui, assim como nas listas de melhores filmes de cada década, quero ser bem objetivo.
Nas aberturas das filmografias, minha idéia é apenas juntar algumas belas frases sobre o artista, certeiras tentativas de definição dele e de sua obra.
Aqui vai mais uma – esta é Georges Kiejman, que foi advogado do realizador:
“François não fazia filmes sociais, filmes com uma mensagem. Mas a descrição da felicidade dos indivíduos não é em si mesma a adoção de uma posição política?”
Jean Tulard diz, equivocando-se de cara no numeral “primeiro”: “Desde seu primeiro curta-metragem, Les Mistons (o despertar da sexualidade num grupo de garotos durante as férias de verão), ele mostrava onde iria se situar: dentro de uma tradição francesa fundada na observação da vida cotidiana e no estudo das personalidades.” E ele conclui: “Se não se tornou um Hitchcock, foi pelo menos um novo Jean Renoir. Sua morte tomou as dimensões de luto nacional na França.”
Truffaut seguramente terá adorado ler – na nuvem do céu em que está sentado – a comparação com Jean Renoir: era o cineasta francês que ele mais adorava. Mais que admirava: idolatrava.
“O segredo comum do homem e da obra é exprimido por seu amigo e roteirista Jean-Louis Richard, em uma frase à qual é preciso dar todo o seu peso: ‘É talvez o único homem verdadeiramente modesto que eu jamais conheci’.”
Esse texto acima está ao final de Le Livre François Truffaut, da Collection Grands Cineastes, uma publicação do jornal Le Monde com os Cahiers du Cinéma, a revista em que Truffaut atuou desvairadamente como crítico ao longo dos anos 50, antes de passar para o outro lado do balcão e fazer filmes que seriam criticados pelos outros.
O texto, assinado por Cyril Neyrat, prossegue com a citação de uma frase de Michelangelo Antonioni: “Fazer um filme para mim é viver”. “A célebre frase de Antonioni se aplica a poucos cineastas de forma tão perfeita quanto a Truffaut. Ela exprime outra contradição essencial de sua obra. Ele dizia por um lado detestar os documentários: não se deve copiar servilmente a vida, mas estilizar, condensar, para seduzir e divertir. De outro lado, o cinema deveria reencontrar da vida a imperfeição, a vibração. Poucas obras expõem tão frontalmente a articulação complexa do cinema e da vida.”
Que maravilha…
Filmografia como diretor | ||
Roteiro, argumento | ||
1955 | Une Visite (curta-metragem) | Truffaut |
1957 | Os Pivetes/Les Mistons (curta-metragem) | Truffaut, baseado em conto de Maurice Pons |
1 – 1959 | Os Incompreendidos/Les Quatre-Cents Coups | Truffaut, com Marcel Moussy |
2 – 1960 | Atirem No Pianista/Tirez Sur Le Pianiste | Truffaut & Marcel Moussy, bas romance de David Goodis |
3 – 1962 | Jules e Jim – Uma Mulher para Dois/Jules et Jim | Truffaut & Jean Gruault, bas romance de Henri-Pierre Roché |
1962 | O Amor aos 20 Anos/L’Amour à 20 Ans (segmento “Antoine et Colette”) | Truffaut |
4 – 1964 | Um Só Pecado/La Peau Douce | Truffaut & Jean-Louis Richard |
5 – 1966 | Fahrenheit 451 | Truffaut & Jean-Louis Richard, bas romance Ray Bradbury |
6 – 1968 | A Noiva Estava de Preto/La Mariée Était en Noir | Truffaut & Jean-Louis Richard, bas romance William Irish |
7 – 1968 | Beijos Proibidos/Baisers Volés | Truffaut, Claude de Givray e Bernard Revon |
8 – 1969 | A Sereia do Mississipi/La Siréne du Mississipi | Truffaut, bas romance William Irish |
9 – 1970 | Domicilio Conjugal/Domicile Conjugal | Truffaut, Claude de Givray & Bernard Revon |
10 – 1970 | O Garoto Selvagem/L’Enfant Sauvage | Truffaut & Jean Gruault, bas memórias de Jean Itard |
11 – 1971 | As Duas Inglesas e o Amor/Les Deux Anglaises et le Continent | Truffaut & Jean Gruault, bas romance Henri-Pierre Roché |
12 – 1972 | Uma Jovem Tão Bela Como Eu/Une Belle Fille Comme Moi | Truffaut & Jean-Loup Dabadie, bas romance Henry Farrell |
13 – 1973 | A Noite Americana/La Nuit Américain | Truffaut, Jean-Louis Richard & Suzanne Schiffman |
14 – 1975 | A História de Adèle H./L’Históire d’Adèle H. | Truffaut, Jean Gruault & Suzanne Schiffman, bas diários de Adèle Hugo |
15 – 1976 | Na Idade da Inocência/L’Argent de Poche | Truffaut & Suzanne Schiffman |
16 – 1977 | O Homem Que Amava as Mulheres/L’Homme qui Aimait les Femmes | Truffaut, Michel Fermaud &
Suzanne Schiffma |
17 – 1978 | O Quarto Verde/La Chambre Verte | Truffaut & Jean Gruault, bas romance Henry James |
18 – 1979 | O Amor em Fuga/L’Amour en Fuite | Truffaut, Marie-France Pisier, Jean Aurel & Suzanne Schiffman |
19 – 1980 | O Último Metrô/Le Dernier Métro | Truffaut & Suzanne Schiffman |
20 – 1981 | A Mulher do Lado/La Femme d’à Côté | Truffaut, Suzanne Schiffman e Jean Aurel |
21 – 1983 | De Repente, Num Domingo/Vivement Dimanche | Truffaut, Suzanne Schiffman & Jean Aurel, bas romance Charles Williams |
* Dos 21 longa-metragens, 10 se baseiam em obras literárias:
2 – 1960 – Atirem No Pianista
3 – 1962 – Jules e Jim – Uma Mulher para Dois
4 – 1964 – Um Só Pecado
5 – 1966 – Fahrenheit 451
6 – 1968 – A Noiva Estava de Preto
8 – 1969 – A Sereia do Mississipi
11 – 1971 – As Duas Inglesas e o Amor
12 – 1972 – Uma Jovem Tão Bela Como Eu
17 – 1978 – O Quarto Verde
21 – 1983 – De Repente, Num Domingo
* 11 são roteiros originais de Truffaut e amigos:
1 – 1959 – Os Incompreendidos
4 – 1964 – Um Só Pecado
7 – 1968 – Beijos Proibidos
8 – 1969 – A Sereia do Mississipi
9 – 1970 – Domicilio Conjugal
13 – 1973 – A Noite Americana
15 – 1976 – Na Idade da Inocência
16 – 1977 – O Homem Que Amava as Mulheres
18 – 1979 – O Amor em Fuga
19 – 1980 – O Último Metrô
20 – 1981 – A Mulher do Lado
* 2 são baseados em histórias reais, escritas por quem as viveu:
10 – 1970 – O Garoto Selvagem
14 – 1975 – A História de Adèle H.
* 5 são thrillers – ou, como se diz na língua dele, polars:
2 – 1960 – Atirem No Pianista
6 – 1968 – A Noiva Estava de Preto
8 – 1969 – A Sereia do Mississipi
12 – 1972 – Uma Jovem Tão Bela Como Eu
21 – 1983 – De Repente, Num Domingo
Na foto abaixo, uma cena de A Noite Americana: o realizador Ferrand (interpretado por Truffaut) dirige a atriz Julie Baker (o papel de Jacqueline Bisset), observado pelo ator Alphonse (o papel de Jean-Pierre Léaud.
* Curiosidade: os títulos dos filmes de François Truffaut em Portugal e nos Estados Unidos.
No original | Em Portugal | Nos EUA |
Une Visite | ||
Les Mistons | The Kids | |
Les Quatre-Cents Coups | Os 400 Golpes | The Four-Hundred Blows |
Tirez Sur Le Pianiste | Disparem sobre o Pianista | Shoot the Piano Player |
Jules et Jim | Jules e Jim | Jules and Jim |
Antoine et Colette | Antoine e Colette | Antoine and Colette |
La Peau Douce | Angústia | The Soft Skin |
Fahrenheit 451 | Grau de Destruição | |
La Mariée Était en Noir | A Noiva Estava de Luto | The Bride Wore Black |
Baisers Volés | Beijos Roubados | Stolen Kisses |
La Siréne du Mississipi | A Sirene do Mississipi | Mississipi Mermaid |
Domicile Conjugal | Domicílio Conjugal | Bed & Boartd |
L’Enfant Sauvage | O Menino Selvagem | The Wild Child |
Les Deux Anglaises et le Continent | As Duas Inglesas e o Continente | Two English Girls |
Une Belle Fille Comme Moi | Uma Bela Rapariga | Such a Gorgeous Kid Like Me |
La Nuit Américain | A Noite Americana | Day for Night |
L’Históire d’Adèle H. | A História de Adèle H. | The Story of Adele H |
L’Argent de Poche | Na Idade da Inocência | Small Change |
L’Homme qui Aimait les Femmes | O Homem que Gostava das Mulheres | The Man Who Loved Women |
La Chambre Verte | O Quarto Verde | The Green Room |
L’Amour en Fuit | Amor em Fuga | Love on the Run |
Le Dernier Métro | O Último Metrô | The Last Metro |
La Femme d’à Côté | A Mulher do Lado | The Woman Next Door |
Vivement Dimanche! | Finalmente! | Confidentially Yours |
Novembro de 2020
Olá! Que boa surpresa! Truffaut realmente conseguiu proezas em sua breve carreira. Ainda hoje, ao ver seus filmes, é possível sentir que por trás da câmera tinha um ser humano muito sensível, amável e inteligente. Mesmo pra quem conhece pouco dele, como eu.
Aguardemos os próximos diretores singulares que virão…
Obrigado!