Blow-up

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Nota: ★★★★

Uma das muitas coisas que me impressionaram, ao rever Blow-up agora, exatos 49 anos depois de ter visto duas vezes quase em seguida, com poucos dias de diferença, em 1967, foi: mas que antena fantástica tinham mestre Michelangelo Antonioni e seus colaboradores para escolher as pessoas nesta sua primeira aventura fora da Itália, em língua estrangeira.

Meu Deus: Vanessa Redgrave! Sarah Miles! Jane Birkin! Verushka!

Na trilha sonora, Herbie Hancock.

Na tela e no som, os Yardbirds.

Verushka meio que sumiu na poeira do tempo, mas, nos anos 60, era uma super hiper top model. Aparece em uma longa sequência no início do filme, posando para o fotógrafo que é o protagonista da história, Thomas, interpretado por David Hemmings. E depois, bem no final, na festa em uma gigantesca casa em que todo mundo está absolutamente chapado; pela manhã, antes de começar a sessão de fotos com Thomas, ela havia dito que viajaria para Paris às 11 horas. Quando a encontra na festa, Thomas questiona isso: – “Achava que você estaria em Paris”. Ao que ela, chapadona em plena Swingin’ London, responde: – “Eu estou em Paris”.

Jane Birkin estava com 20 anos, mas parecia ter uns 16. Tinha feito pequenos papéis em dois filmes e uma série de TV. Blow-up a lançou para o mundo. Apenas três anos mais tarde, em 1969, teria um papel importante em A Piscina, ao lado de um trio de grandes atores, Alain Delon, Romy Schneider e Maurice Ronet – e estouraria no mundo inteiro como a primeira mulher a gemer gemidos de orgasmo em disco, ao lado do marido, Serge Gainsbourg, em “Je t’aime… moi non plus”

Vanessa Redgrave estava no auge da beleza jovem, aos 29 anos de idade. Filha de atores (Michael Redgrave e Rachel Kempson), irmã de atrizes (Lynn e Corin Redgrave), à época ainda casada com diretor (Tony Richardson), no futuro mãe de atrizes (Natasha Richarson e Joely Richardson), ativista política, tão radical de esquerda na Inglaterra quanto daí a pouquinho seria Jane Fonda nos Estados Unidos, Vanessa era a coisa mais cool, mais in, que poderia haver. Já havia feito muita série de TV, mas no cinema, estreou mesmo naquele ano, como a Anne Boleyn em O Homem Que Não Vendeu Sua Alma e em Blow-up como a principal personagem feminina, a misteriosa mulher que namorava um homem bem mais velho no parque, no momento exato em que Thomas resolve fotografar tudo, aproveitando a bela luz do sábado.

E Sarah Miles… Ah, como é linda, como é fascinante Sarah Miles! Como foi marcante na cabeça do jovem Sérgio Vaz, e, tenho a certeza, na cabeça de milhares e milhares de jovens mundo afora…

Sarah Miles estava com 25 anos, em 1966, o ano de Blow-up. Tinha já nove títulos no currículo – inclusive O Criado/The Servant, de Joseph Losey, e Cerimônia Macabra/The Ceremony (os dois de 1963), de Laurence Harvey –, quando foi escolhida para o papel de Patricia, a vizinha e amiga do fotógrafo Thomas que, de noite, sem querer, ele vai flagrar trepando, sem manifestar o mínimo gosto pela coisa.

Não faria filme algum, a magnífica Sarah Miles, de 1966 até 1970, quando apareceria então como a personagem título do esplendoroso A Filha de Ryan, do mestre David Lean.

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Como explicar para quem nasceu na era digital o que é uma ampliação de foto?

Uma outra coisa que ficou batucando na minha cabeça, ao rever o filme depois de um intervalo de tempo tão grande, foi que a trama é datada.

Não que o filme pareça datado. Não, de forma alguma: ele me pareceu fresco, recente, novinho em folha. Não perdeu nada da beleza, do impacto, do encanto – e da capacidade de causar tanta perplexidade, com tanta simbologia aberta a mil interpretações.

Mas a trama é datada porque tudo, ou quase tudo, se refere à fotografia pré-digital, à fotografia com filme, aquele filme que precisava ser revelado em laboratório, a partir do qual se fazia o contato, e, com base no negativo revelado, faziam-se as ampliações em papel.

Blow-up é ampliação de foto.

“A photographic enlargement”, diz, sobre o substantivo blow-up, o Dictionary of English Language and Culture da Longman.

As pessoas nascidas depois que os filmes fotográficos viraram peças de museu e objetos de uso apenas e tão somente de veteranos profissionais terão, seguramente, alguma dificuldade para compreender a trama.

Bem, compreender a trama já é de fato uma tarefa difícil para qualquer um…

Mas como explicar para alguém que já nasceu na era da foto digital o que é uma ampliação?

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Um filme que é como os círculos concêntricos de uma pedra jogada no lago

Está bem no meio dos 111 minutos de duração do filme a longa, bem longa sequência em que Thomas primeiro revela o filme que havia tirado horas antes no parque, e em seguida começa a fazer blow-ups, ampliações, de várias das fotos. Ampliações grandes, enormes. Nada de 10 x 15. Grandes fotos, do tamanho de pôsteres, meio metro de base.

E isso é uma das muitas coisas fascinantes deste filme esplêndido. O coração da trama fica exatamente no meio dos 111 minutos de narrativa.

Blow-up é um filme que é assim uma espécie de efeito de se jogar uma pedra na água. Aquela série de círculos concêntricos que se formam numa superfície de água calma quando jogamos ali uma pedra.

Tudo o que acontece na abertura tem a ver com o que acontece no final. A grosso modo, pode-se dizer que o que acontece quando o filme está com 10 minutos terá muita semelhança com aquilo que vemos quando faltam 10 minutos para o filme terminar.

O mesmo com 15 minutos. Ou 20 minutos.

Círculos concêntricos.

Bem no meio, o coração da trama.

O filme abre e fecha com as mesmas figuras, um grupo de mímicos.

Quando estamos aí com uns 15 minutos, por exemplo, surgem no estúdio de Thomas duas adolescentes típicas daqueles tempos, da Swingin’ London, de minissaia, meias-calças de cores berrantes – interpretadas por Jane Birkin e Gillian Hills. Pois elas reaparecerão depois da metade do filme – exatamente como os mímicos do comecinho reaparecem no final.

Bem no meio, bem no centro da narrativa, quando o filme de 111 minutos está aí 55 minutos de duração, Thomas começa a trabalhar no filme que havia feito no parque, mais cedo, naquele sábado londrino. Vai para o laboratório, põe o negativo para ser revelado, e depois examina o negativo, e começa a fazer as ampliações.

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“Um fotógrafo de moda faz em um parque fotos de um casal”

Diacho! Falei, falei, falei, mas não apresentei ainda sequer uma rápida sinopse.

Recorro ao Cinéguide, o livro que, de todos os alfarrábios que tenho, é o que mais consegue fazer sinopses curtas, curtíssimas, sintéticas. Eis o que ele diz:

“Um fotógrafo passeia em um parque de Londres e fotografa um casal de namorados. Depois, ao ampliar as fotos, descobre uma mão segurando um revólver e um corpo caído entre os arbustos.”

Perfeita sinopse, perfeito resuminho básico da trama. Eu jamais seria capaz de tamanha concisão.

O Petit Larousse de Films faz uma sinopse mais detalhada, mais contextualizada. Vai sem aspas para me desobrigar de ser absolutamente literal:

Um fotógrafo de moda faz em um parque fotos de um casal para ilustrar, com essa imagem pacífica, tranquila, um livro “duro”. Mas ele crê ver, num canto, alguma coisa horrível. Amplia suas fotos mais e mais; porém, à medida em que para ele vai ficando claro que um assassinato foi cometido, a granulação da foto, que também se amplia, dificulta que se enxergue com clareza as imagens.

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O total silêncio amplifica o clima de mistério nas duas sequências-chave

Sim: uma trama de crime, de mistério. Um thriller – ou, como dizem os franceses, um polar.

Um Antonioni que é um thriller!

Gênio é assim: o que se mete a fazer, faz com brilho.

Há um genuíno clima de mistério, de suspense, de deixar o espectador extremamente intrigado, na sequência brilhante do parque, que dura mais de cinco minutos, e é extremamente valorizada pelo silêncio absoluto.

Thomas tinha ido ver uma loja de antiguidades – estava interessado em comprá-la. Ao sair da loja, vê que ali pertinho, a uma quadra, está um parque. O dia está lindo, está um sábado de céu claro, e ele vai até lá. Faz diversas fotos do parque – até que vê o casal que namora ali, e começa a fotografá-lo. Uma moça jovem, atraente, saia preta pouco acima do joelho, uma camisa xadrez preta e branca, uma grande gravata – o papel de Vanessa Redgrave, essa deusa. Um homem bem mais velho que ela, cabelos brancos, de terno e gravata.

Thomas já está de saída quando a moça corre atrás dele, o rosto tenso, nervoso.

– “O que você está fazendo? Pare! Pare! Me dê essas fotos. Você não pode fotografar as pessoas desse jeito!”

– “Quem falou que eu não posso? Só estou fazendo meu trabalho. Algumas pessoas são toureiros, algumas pessoas são políticos. Eu sou fotógrafo.”

Por que a moça ficou tão absolutamente tensa, transtornada, com o fato de alguém ter tirado fotos dela com o homem? O que há ali de tão estranho?

A moça vai reaparecer mais tarde, junto da porta do estúdio de Thomas, implorando para que ele entregue o filme.

Ao fim de uma visita longa, que inclui um oferecimento de sexo em troca do filme, com a moça tirando a gravata e a blusa e ficando só com a saia durante um bom tempo no estúdio, Thomas, esperto, entrega a ela um outro filme qualquer – para, depois que ela sai, entrar no laboratório e revelar o filme feito no parque.

Toda a longa seqüência situada aí bem no meio do filme é de um brilho absurdo – e, de novo, o silêncio absoluto é um elemento poderoso para criar o clima de mistério, de suspense.

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Um filme que tem gosto de sexo, drogas & rock’n’roll como a Swingin’ London

É realmente fascinante: Michelangelo Antonioni faz um belo thriller.

E seu thriller escancara todo o clima da Swingin’ London, aqueles anos de absoluta agitação na então absolutamente austera capital do Império Britânico. Blow-up tem todo o tom dos anos do reinado dos Beatles, dos Rolling Stones, da minissaia de Mary Quant, da moda exuberante da Carnaby Street, da ascensão dos jovens ao poder. Blow-up tem gosto de sexo, drogas & rock’n’roll – o gosto da Londres daqueles anos 60.

A sequência do clube noturno em que os Yardbirds estão tocando é absolutamente fantástica.

É noite de sábado – toda a ação do filme se concentra em 24 horas, da manhãzinha de sábado até a manhã de domingo –; Thomas já havia feito todas as ampliações, já havia até mesmo voltado ao parque e visto o corpo. Sim, o corpo estava lá, exatamente onde ele intuiu que estaria, ao examinar as ampliações das fotos. E então ele procurava por Ron, seu amigo, o sujeito que iria publicar o livro de suas fotos “duras” – retratos amargos dos deserdados, dos miseráveis da rica metrópole.

De repente, num trecho agitado da noite londrina, pensa ter visto a moça do parque, e sai tentando encontrá-la. É nessa busca por ela que acaba entrando no clube noturno em que os Yardbirds estão tocando para uma platéia absolutamente mesmerizada.

O amplificador do guitarrista começa a dar problema. O guitarrista vai ficando irritado, bate com a guitarra no amplificador. A irritação vai aumentando exponencialmente, e ele começa a pisotear a guitarra, enquanto o cantor continua a cantar, o baixista continua a tocar. Quando finalmente ele quebra a guitarra, lança a haste para cima do público.

Aí se dá uma completa mudança no comportamento da pequena multidão. Aquelas dezenas de pessoas que ouviam o som pauleira quietinhas, paralisadas, mesmerizadas, passam a se agitar em frenesi, em histeria, todos querendo tocar no pedaço da guitarra do conjunto como se fosse um item especial, mágico, uma varinha de condão.

Thomas acaba conquistando o troféu, e sai com ele do clube. Anda um pouco pela calçada, e joga no chão a haste da guitarra.

Um grupo de jovens vê aquilo no chão, pega, examina por um segundo, e joga fora de novo.

Nunca houve, na História do cinema, uma sequência tão esplêndida, tão explícita, tão didática, demonstrando que tudo na vida depende do contexto.

Dentro do clube, o pedaço de guitarra era o objeto de desejo absoluto, era ouro em pó, diamante gigante.

Lá fora, era um pedaço de pau inútil. Lixo.

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Quando um personagem de Antonioni pergunta, o outro não responde

É thriller, tem clima de mistério, suspense, tem todo o ar, o jeito, o cheiro da Swingin’ London – mas é Michelangelo Antonioni, o cineasta da trilogia da incomunicabilidade, A Aventura-A Noite-O Eclipse.

E então dá-lhe incomunicabilidade.

O conterrâneo de Antonioni Sergio Endrigo cantava que “la voce dell’uomo quando parla gli rispondo”, “la voce dell’uomo quando canta io l’ascolto”.

Os personagens de Antonioni, não. Quando alguém fala, o outro não escuta, ou não escuta direito, ou não entende direito o que foi dito. Quando alguém fala, o outro não responde, ou no mínimo não responde exatamente o que foi perguntado, ou não consegue exprimir o que sente.

Thomas, o fotógrafo, não consegue exprimir o que sente. Fala pouco – e, quando tenta explicar o que sente, o que viu, se atrapalha.

Ele diz que viu um assassinato – mas depois se desmente. Até porque de fato não foi ele que viu – foi a sua máquina fotográfica que viu.

Mas não é só ele que não consegue se comunicar com os outros. Patricia, a vizinha e grande amiga – a personagem da maravilhosa Sarah Miles – também é assim.

O diálogo entre os dois, quando o filme já se aproxima do fim, é absolutamente extraordinário. É exatamente o contrário do que diz a letra de “La Voce dell’uomo”, de Endrigo. É a absoluta incapacidade de um ouvir o outro, e responder. Na verdade, a rigor, não é um diálogo, é um não-diálogo.

Thomas havia voltado, já de noite, ao parque, havia visto o cadáver. Ao voltar para o estúdio, sente necessidade de falar com alguém, e por isso entra, sem bater, como era de seu costume, na casa de Patricia. Bill, o marido dela, está por cima dela na cama – e Thomas os vê através de uma veneziana aberta. O rosto dela está voltado para cima, e ela vê Thomas. Sua expressão mostra claramente que ela não está sentindo coisa alguma com o amante em cima dela, dentro dela. Thomas sai de mansinho.

Entra no estúdio, e aí percebe que, enquanto esteve fora, exatamente enquanto esteve no parque confirmando que houve, de fato, um assassinato, alguém – a moça misteriosa, ou seu cúmplice, o homem que atirou – havia entrado lá, roubado todas as ampliações que ele havia feito, e também os negativos.

Todas as ampliações, não. Haviam deixado uma – exatamente a ampliação mais detalhada de um pedaço do chão do parque, onde estava aquilo que ele sabia que era um corpo. Mas a ampliação havia sido tamanha que não se distingue direito o que está na fotografia. Só se vêem grandes grãos – exatamente como nos quadros abstratos que Tom, o vizinho, o marido de Patrícia, pinta.

Ampliada demais, uma fotografia deixa de ser figurativa, vira abstrata.

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Um extraordinário não-diálogo, em que um fala e o outro não escuta

E então Patricia aparece no estúdio. Pouco depois de Thomas tê-la visto sendo comida pelo marido, ela vai ver o outro.

O espectador percebe que Patricia tem uma queda forte por Thomas. É possível que os dois tenham tido um caso no passado – isso não se sabe, não é dito, apenas me ocorreu.

Este é o diálogo, quer dizer, o não diálogo:

Ela: – “Você estava procurando alguma coisa, agora há pouco?”

Ele: – “Não. (Pausa.) Já pensou em se separar dele?”

Ela: – “Acho que não.”

Ele (depois de outra pausa): – “Vi um homem ser assassinado esta manhã.”

Ela: – “Onde?”

Ele: – “Levou um tiro. Num parque.”

Ela: – “Tem certeza?”

Ele: – “O corpo ainda está lá.”

Ela: – “Quem era?”

Ele: – “Alguém.”

Ela: – “Como aconteceu?”

Ele: – “Não sei. Não vi.”

Ela: – “Não viu?”

Ele: – “Não.”

Ela: – “Não deveria avisar a polícia?”

Ele (apontando para a única ampliação que restava): – “Este é o corpo.”

Ela (pegando a ampliação, examinando a imagem): – “Parece uma das telas de Bill.”

Ele: – “É.”

Ela (evidentemente se referindo ao casamento que vai mal): – “Você me ajuda? Não sei o que fazer.”

Ele (depois de um longo silêncio): – “O que é?”

Ela (desistindo de falar de seu problema, fugindo do assunto): – “Por que será que atiraram nele?”

Ele: – “Não perguntei.”

Patricia dá um sorriso triste, o sorriso mais triste do mundo, e vai embora.

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Que cada um inteprete a sequência final do jeito que quiser

Sobre a sequência final, o jogo de tênis sem bola que os mímicos encenam, só vou dizer o óbvio: é uma das mais belas seqüências que o cinema já fez, nestes mais de 110 anos.

Agora, a interpretação, o que ela significa, nesse terreno minado não vou entrar.

É aberto. É para cada espectador entender do jeito que quiser.

Eu tenho a minha interpretação, mas nem o caso de dizer. Cada um pode ter a sua.

Basta dizer que é uma das mais belas coisas que o cinema já fez.

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O produtor Carlo Ponti pagou a Julio Cortázar US$ 4 mil pelo conto

Michelangelo Antonioni levou a Palma de Ouro em Cannes por Blow-up. O filme teve também duas indicações ao Oscar – melhor diretor e melhor roteiro original.

O que é estranho, já que, a rigor, a rigor, o roteiro não é original. Os créditos do filme dizem que a história é de Michelangelo Antonioni, “inspirada em um conto de Julio Cortázar”, e o roteiro é de Antonioni e seu fiel companheiro de escrita Tonino Guerra.

De fato a trama do filme tem muito pouco a ver com o conto que inspirou Antonioni a criar sua história. O conto se chama “As Babas do Diabo”, e está no livro As Armas Secretas, de 1959. O conto narra a história de Roberto Michel, um tradutor franco-chileno, residente em Paris, um apaixonado por fotografia que acidentalmente fotografa uma mulher que beija um adolescente num parque.

O produtor Carlo Ponti – ele mesmo, o marido de Sophia Loren – comprou por US$ 4 mil os direitos autorais do conto. Em uma entrevista de 1973 a Hugo Guerrero, publicada na revista Siete Días, de Buenos Aires, Cortázar disse: “Por Blow-up, esse gênio das finanças modernas que é Carlo Ponti me ofereceu e eu aceitei US$ 4 mil; eles ganharam US$ 25 milhões com o filme. Isso não tem qualquer importância. O resultado é que Antonioni fez um filme admirável.”

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Brian De Palma e Francis Ford Coppola homenagem o filme de Antonioni

Dois grandes realizadores americanos homenagearam, citaram, recriaram, fizeram referência a Blow-up: Francis Ford Coppola em A Conversação (1974) e Brian De Palma em Blow Out, no Brasil Um Tiro na Noite (1981).

Que o filme de De Palma é uma espécie de nova versão da trama básica de Blow-up não há dúvida alguma. É óbvio a começar do próprio título. Em Blow Out (estouro, estampido), um engenheiro de som, ao gravar ruídos numa noite, com um gravador de rolo profissional, sensibilíssimo, acaba gravando o barulho que é distintamente, claramente, de um tiro. Sem querer, sem saber, o técnico de som pode ter testemunhado um crime.

Já o paralelo entre Blow-up e A Conversação não é tão óbvio. Na verdade, eu nem tinha feito qualquer comparação entre os dois filmes, até ler um texto assinado por Lucia Bozzola no belo site AllMovie:

“Em parte uma homenagem ao clássico filme de arte de Michelangelo Antonio Blow-up (1966), The Conversation era uma volta aos filmes de arte de pequena escala para Francis Ford Coppola”, diz a abertura do texto. E em seguida ela explica:

“O consagrado fotógrafo Thomas (David Hemmings) sai por um parque londrino fotografando tudo o que está à sua frente. Num diálogo crucial, dirá que não viu o que aconteceu – foi sua câmara que viu. Assim como Harry Caul não se importa com o que dizem as pessoas que ele espiona, o fotógrafo Thomas não vê as coisas – ele as fotografa. Depois do trabalho de campo, depois de fazer centenas de cliques, dentro de seu laboratório, ao revelar e ampliar as fotos que fez, é que ele observa que talvez tenha fotografado um crime. Exatamente como acontece com Harry, em seu escritório-oficina: ao ouvir o que gravou, percebe que pode ter gravado a combinação de um crime a ser executado. Haverá depois a reviravolta, mas não importa: para Harry, na conversação gravada havia a combinação de um crime a ser executado.”

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Há, é claro, quem simplesmente não entenda por que elogiam o filme

Detalhinho à moda daquela história de Seis Graus de Separação (1993): David Hemmings conseguiu a proeza de trabalhar, num intervalo de apenas dois anos, ao lado de Vanessa Redgrave em Blow-up e de Jane Fonda em Barbarella (1968). As duas musas da esquerda anglo-saxônica daqueles tempos se encontrariam em Julia (1977), de Fred Zinnemann, baseado em um episódio da vida de outra eterna esquerdista, a escritora Lillian Hellman.

Outro detalhinho: há controvérsia até sobre a grafia do título do filme. Nos próprios créditos iniciais está grafado Blowup, tudo junto, sem o hífen que os dicionários da língua inglesa exigem. Nos seus guias de filmes, que vendiam feito água, antes da internet, Leonard Maltin grava assim, Blowup. Pauline Kael também grafa assim.

No entanto, cartazes do filme usam a forma Blow-up. Muita gente também usa assim, e foi essa forma, afinal, que adotei.

Me recuso, no entanto, a dar importância ao título absolutamente idiota que os exibidores brasileiros adotaram – Blow-up – Depois Daquele Beijo. Depois Daquele Beijo é a puta madre que pariu quem inventou essa asneira.

Ah, sim: Maltin dá 3.5 estrelas em 4 para o filme: “Hipnótica parábola da cultura pop do autor-diretor Antonioni sobre fotógrafo pego em um estilo de vida passivo. Um filme provocativo, que prende o espectador, rico em simbolismos e significados em diversos níveis. Música de Herbie Hancock.”

Pauline Kael começa o texto dela assim: “Quando o filme saiu, a mistura de suspense com vagueza e confusão parecia exercer uma fascinação entorpecedora para algumas pessoas que elas associavam com arte e intelectualidade”. Poupo o eventual leitor e também o meu site do resto do texto da prima-donna da crítica americana.

O CineBooks’ Motion Picture Guide deu 3.5 estrelas em 5. No meio do texto sobre o filme, o guia diz o seguinte: “Um dos mais bem sucedidos filmes de arte que já foram feitos, Blowup marcou o salto de Antonioni para a arena comercial, depois de uma carreira em boa parte confinada aos festivais de cinema. Da perspectiva dos anos 90, no entanto, é difícil entender por que se falou tanto do filme. Os ‘Swinging 60s’ parecem tão datados quanto a trilha de Herbie Hancock, é difícil ver a atuação de Hemmings e os toques neo-surrealistas são simplesmente irritantes.”

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“Eu imagino que Antonioni foi feliz enquanto produziu este filme.”

Roger Ebert, o crítico que, ao contrário de tantos críticos, amava ver filmes, escreveu sobre Blow-up em seu precioso livro A Magia do Cinema, em que examina 100 filmes que considera os melhores que viu. Chamaram especialmente minha atenção os dois trechos abaixo:

“O filme gira em torno de um personagem atolado no enfado e no fastio, e incitado por intermédio das fotografias a um estado de paixão. Quando vemos Thomas se movimentando entre o quarto escuro e as ampliações, reconhecemos o êxtase de um artista adentrando uma área de criação; já não está mais preocupado com lucro, ambição ou com os desvios da sua sórdida personalidade, mas é alguém que está seduzido pelo seu trabalho. Sua cabeça, as mãos e a imaginação trabalham numa sincronizada harmonia. Ele se sente feliz.”

“Somos felizes quando fazemos o que gostamos, e infelizes quando procuramos prazer a todo custo. Eu imagino que Antonioni foi feliz enquanto produziu este filme.”

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Anotação em agosto de 2016

Blow-up

De Michelangelo Antonioni, Itália-Inglaterra, 1966

Com David Hemmings (Thomas),

e Vanessa Redgrave (Jane), Sarah Miles (Patricia), Jane Birkin (adolescente), Gillian Hills (adolescente), Peter Bowles (Ron), Harry Hutchinson (o funcionário do antiquário), John Castle (Bill, o pintor marido de Patricia), Susan Broderick (a dona do antiquário), Mary Khal (editora de moda), Ronan O’Casey (o namorado de Jane no parque), Tsai Chin (a secretária), Verushka (modelo), Jill Kennington (modelo), Peggy Moffitt (modelo), Rosaleen Murray (modelo), Ann Norman (modelo), Melanie Hampshire (modelo), The Yardbirds (eles mesmos)

Roteiro Michelangelo Antonioni e Tonino Guerra

História de Michelangelo Antonioni, inspirada em um conto de Julio Cortazar

Diálogos em inglês Edward Bond

Fotografia Carlo Di Palma

Música Herbie Hancock

Montagem Frank Clarke

No DVD. Produção Bridge Films, Carlo Ponti Production, Metro-Goldwyn-Mayer. DVD Warner Bros.

Cor, 111 min

R, ****

21 Comentários para “Blow-up”

  1. Para mim este é um dos filmes mais aborrecidos e disparatados que vi. Não consigo perceber onde estão as qualidades que os críticos encontraram. Nulidade absoluta, total.

Comentário

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