Verão Violento / Estate Violenta

Nota: ★★★☆

(Disponível em DVD da Versátil.)

Para seu segundo longa-metragem, após estrear com uma adaptação de romance de Vasco Pratolini, o diretor Valerio Zurlini criou ele mesmo a trama. É uma história de amor em tempos de guerra e vendaval político – embora o protagonista, Carlo, tente de todas as maneiras ficar longe tanto da guerra quanto da política.

O Verão Violento ou Estate Violenta dos títulos é o de 1943, conforme nos informa um grande letreiro logo ao fim dos créditos iniciais. 1943: a Itália da ditadura fascista de Benito Mussolini é aliada da Alemanha nazista na Segunda Guerra Mundial.

O filme não nos informa disso, e o espectador não tem a obrigação de saber, mas exatamente naquele verão as tropas aliadas invadiram a Itália pelo extremo Sul, pela ilha da Sicília, e começaram a subir, enfrentando, claro, a resistência dos soldados italianos, com o apoio dos alemães.

A ação se passa bem longe daquelas batalhas: no começo da narrativa, Carlo Caremoli está chegando de trem a Riccione, uma localidade junto a Rimini, no litoral do Adriático, não muito longe de Veneza.

Carlo é interpretado por um Jean-Louis Trintignant muito belo e muito jovem, que havia começado a carreira apenas quatro anos antes, em 1955 – Verão Violento é de 1959. É um rapaz rico, classe média alta, assim como seus amigos que o recebem em festa, um grupo grande de moças e moços jovens, boas vidas, que estão ali – aparentemente – em férias, férias de verão.

Digo aparentemente porque Zurlini e os dois escritores que assinam com ele o roteiro – a fantástica Suso Cecchi D’Amico e Giorgio Prosperi – não se preocuparam em dar para o espectador algumas informações básicas sobre aqueles jovens. São provavelmente estudantes, estão provavelmente cursando faculdade em alguma cidade maior da região, talvez Bolonha (que, aliás, é a cidade natal de Valerio Zurlini). Os pais de alguns deles vivem ali, em Riccione; o pai de Carlo tem uma casa – uma imensa mansão – ali. Ele diz, num diálogo no início da narrativa: – “Eu venho aqui há dez anos”.

Veremos bem mais adiante que Carlo foi criado pelo pai; a mãe abandonou a família quando o filho era bem pequeno. O pai, Ettore (uma participação especial de Enrico Maria Salerno), é fascista, figura importante no regime, com muitos contatos no partido e no governo. Provavelmente o pai ajudou Carlo a conseguir escapar do alistamento militar. Lá pelas tantas o rapaz menciona que até então havia conseguido não ser convocado.

Não se explica por que todos aqueles amigos de Carlo também conseguiram não ser convocados. São vários: Giorgio (Raf Mattioli). Daniele (Giampiero Littera), Giulio (Bruno Carotenuto)… As moças mais próximas a eles são Serena (Cathia Caro) e Rosanna (Jacqueline Sassard, na foto abaixo).

São todos alegres, brincalhões, belos, boas vidas. Rosanna, em especial, é muito bela – e, quando ela e Carlo se revêem, numa festa na casa de um dos amigos do grupo, demonstram que fazia tempo que não se encontravam. Carlo faz expressões de que está surpreso como a moça cresceu, ficou ainda mais bela. Indica-se que vai rolar ali um namoro.

Carlo, repito, tenta ficar longe de confusão, de política, da guerra – mas é difícil fugir da guerra num país em guerra. Já nessa primeira sequência da reunião do rapaz com seus amigos, o rádio começa a dar notícias do enfrentamento do Exército italiano com forças canadenses. É Rosanna que corre até o rádio, muda de estação, procura uma da Suíça – e encontra uma emissora que toca um tango.

Um rapaz bem jovem, uma linda viúva

É um avião da Luftwaffe que faz com que Carlo fique conhecendo Roberta, a mulher por quem vai se apaixonar loucamente.

Mas também, diabo, como não se apaixonar loucamente por uma Roberta que vem na pele de Eleonora Rossi Drago?

Acontece na sequência seguinte àquela da festa dos jovens – e é uma beleza de sequência.

Todo o grupo de amigos está na praia, na boa, como se tudo estivesse na absoluta calma na Itália. De repente, do nada, um avião da Lutfwaffe passa em vôo rasante, bem baixinho, levando pânico à multidão que tomava sol na praia como se não houvesse amanhã.

Por que razão um avião do país aliado assustaria o povo na praia fazendo um vôo rasante, isso não se sabe – mas a sequência é bela, muitíssimo bem realizada.

Uma criança de assusta, se apavora com o barulho arrasador do avião e com toda a confusão de pessoas correndo de um lado para o outro. Carlo corre para socorrê-la, e a garotinha – aí de uns três ou quatro anos – se agarra a ele. A mãe da garota vem correndo ao encontro dos dois, e, quando o filme está com exatos dez minutos, Carlo e os espectadores batem os olhos pela primeira vez em Eleonora Rossi Drago, perdão, em Roberta Parmesan,

Roberta – Carlo e os espectadores ficarão sabendo – é viúva de um oficial da Marinha italiana, herói de guerra, morto em combate. Vive numa bela mansão com a mãe, uma mulher absolutamente rígida (o papel de Lilla Brignone), a filha Colomba e uma empregada.

Uma viúva de 30 anos, mãe de uma criança. Um rapaz que devia provavelmente estar aí com uns 21. Na Itália dos anos 40, em especial para a mãe de Roberta, rígida, rigorosa, severa, um caso de amor entre duas pessoas assim é algo que simplesmente não pode acontecer.

Esta é a base de Verão Violento.

A Grande História vai aqui e ali aparecer, como pano de fundo. Haverá uma revolta contra os fascistas ali em Riccione – reflexo de um movimento que àquela altura se espalhava por vários locais da Itália. E a guerra da qual Carlo tenta se esconder vai chegar bem perto dele e de Roberta.

Burgueses, esses desprezados pelo cinema italiano

Usei duas vezes a expressão “boas vidas” para descrever aquele grupo de jovens. Foi de propósito, é claro – porque Carlo, Giorgio, Daniele, Giulio fazem lembrar demais Alberto, Fausto, Riccardo, Leopoldo e Moraldo, os cinco Vitelloni, Os Boas Vidas do terceiro filme dirigido por Federico Fellini, de 1953 – apenas seis anos antes, portanto, deste Estate Violenta aqui.

Um grupo faz lembrar demais o outro porque são todos eles jovens, bem humorados – e boas vidas. Boas vidas, algo afinal um tanto raro no cinema italiano daqueles anos 50 – o neo-realismo se dedicou a mostrar a vida dos trabalhadores, dos pobres, dos desvalidos. Nunca dos borghese – nem dos piccoli nem dos grandi.

E há ainda uma grande coincidência: o local da ação. Riccione fica logo ao Sul de Rimini, na província de Rimini – exatamente a cidade em que Fellini nasceu. E Sirena, a cidade em que vivem os boas vidas do seu filme, se parece muito com a cidade natal dele.

Além de serem da mesma região, o Norte da Itália, Fellini e Zurlini eram também contemporâneos: o primeiro é de 1920, o segundo, de 1926.

Valerio Zurlini viveu muito pouco – morreu em 1982, com apenas 56 anos. Dirigiu 12 documentários, e apenas nove longa-metragens, entre 1955 e 1976. Apesar da produção relativamente pequena, é admiradíssimo, respeitadíssimo pela crítica. Todos falam dele com especial carinho. Eis, por exemplo, o verbete sobre Zurlini no Dicionário Cineastas de Rubens Ewald Filho:

“(1926-1982). Um dos diretores mais importantes do cinema italiano na década de 1955-65. Nascido em Bolonha, em 19 de março, estudou Direito, envolvendo-se em teatro universitário. Se interessou por cinema a partir de 1948, quando realizou alguns curtas que tiveram grande repercussão (Storia di un Quartiere, Pugilatori, Il Blues della Domenica, Il Mercato delle Facce, Stazione Termini, Soldati in Cittá, ctc). Escreveu o roteiro de Guendalina, de Lattuada (ele esteve envolvido amorosamente com a estrela do filme, Jacqueline Sassard), e seu primeiro longa foi baseado em Vasco Pratolini. Suas obras-primas são Verão Violento e

Dois Destinos, embora depois de algum tempo de inatividade forçada voltasse em plena forma com seu A Primeira Notte de Tranquilidade. Deixou como testamento uma ambiciosa, mas frustrada, adaptação de romance de Dino Buzzatti, Il Deserto dei Tartari. Quando morreu em Verona em 27 de outubro de 1982, estava preparando o roteiro de Lo Scialo, de Patrolini, projeto depois feito por Franco Rossi para a tevê em 1987. Embora fosse um homem de esquerda, como quase todo cineasta italiano de seu tempo, Zurlini era principalmente um humanista. Sabia contar uma história humana de forma arrebatadora. A morte prematura nos roubou de um grande e ainda pouco reconhecido talento. Em 2001, a Mostra Internacional de São Paulo fez uma retrospectiva completa de sua obra (incluindo o inédito La Soldatesse, que levou o nome de Mulheres no Front.”

Então Zurlini teve um caso de amor com Jacqueline Sassard, a bela atriz que faz Rosanna, a moça que fica apaixonada por Carlo e o perde para a viúva mais velha que as pessoas do grupo…

Jacqueline Sassard, francesa de Nice, estreou naquele filme de Alberto Lattuada com roteiro de Zurlini, Guendalina, quando tinha apenas 17 anos. De 1940, estava portanto com 19 quando este Verão Violento foi lançado. Viveu 81 anos (morreu na Suíça em 2021), mas abandonou o cinema em 1969; fez apenas 19 filmes.

Para fazer Rosanna, Jacqueline foi dublada, assim como o outro francês do elenco, Jean-Louis Trintignant (os dubladores foram Adriana Asti e Paolo Ferrari).

Trintignant parece tão jovem quanto os demais atores que fazem os papéis dos amigos de Carlo. No entanto, estava, em 1959, com 29 anos – é de 1930. Na vida real, ele é apenas cinco mais novo que       Eleonora Rossi Drago, que é de 1925 – embora, na trama, a viúva Roberta seja uns dez anos mais velha do que Carlo.

Uma atriz de beleza fenomenal

Eleonora Rossi Drago. Que mulher maravilhosa, que beleza, meu…

“Ela nunca encontrou a fama internacional de crossover destinada a Sophia Loren e Gina Lollobrigida”, escreveu Gary Brumburgh no IMDb, “e a maior parte dos espectadores americanos não reconheceria, mas a voluptuosa, visualmente esplêndida Eleonora Rossi Drago certamente fez os corações dos homens pulsarem na Europa com suas dezenas de princesas e sedutoras nos filmes italianos dos anos 1950 e 1960. Eventualmente ele viria a ganhar o respeito como uma ótima ariz em filmes de Luigi Comencini e Michelangelo Antonioni, entre outros. Mas, na maioria das vezes, ela jogou corajosamente a carta do sexo em uma carreira que se estendeu por um pouco mais de duas décadas.”

O rapaz parece mais deslumbrado com Eleonora do que eu mesmo…

“Ela nasceu Palmira Omiccioli (algumas fontes dizem Palmina), perto de Gênova, Itália, em 23 de setembro de 1925, filha de um capitão do mar. Casou-se aos 17 anos e teve uma filha, FIorella, mas o casamento (com um homem chamado Cesare Rossi) não durou. Encontrou trabalho como manequim de uma loja de departamentos e começou a criar roupas ela mesma. De beleza arrebatadora, começou a competir em concursos de misses, e terminaria em quarto lugar no de Miss Itália. Gina Lollobrigida foi a terceira colocada.”

Que fantástico! Em quarto lugar, Eleonora Rossi Drago, e em terceiro Gina Lollobrigida. Diacho! Quem seriam as duas primeiras, meu Deus do céu e também da Terra?

O texto do fã americano prossegue: “Ela se mudou para Roma e em 1949 começou a receber pequenos papéis em filmes. Suas duas primeiras aparições importantes vieram com Janelas Fechadas (1951), com Massimo Girotti, um melodrama sobre prostituição, e o altamente controvertido A Voz da Carne, em que Marcello Mastroianni e Amedeo Nazzari lutam violentamente pelo afeto dela. Janelas Fechadas foi dirigido por

Luigi Comencini e considerado um grande sucesso. Impressionado, Comencini a escalou para o principal papel feminino de seu filme seguinte,

Mercado de Mulheres (1952), outro melodrama espalhafatoso sobre prostituição com Vittorio Gassman e Sophia Loren.

“Era óbvio que Rossi Drago tinha os ingredientes de uma deusa do sexo, mas ela constantemente se esforçava para melhorar sua reputação em interpretações em filmes mais elegantes. Em 1955 chamou a atenção da crítica ao atuar no teatro como Helena na peça de Tchekhov Tio Vânia, ao lado de Marcello Mastroianni como Astrov. Seu melhor momento no cinema veio naquele mesmo ano, com o lançamento de As Amigas, de Antonioni. (…) Entre outros dos seus grandes papéis nos anos 1950 foram em Kean (1957), de novo ao lado de Vittorio Gassman, que também dirigiu, e a premiada co-produção Itália-França Verão Violento (1959), em que interpretou uma mulher casada que se aproxima da meia-idade e se rende a um homem mais novo (Jean-Louis Trintignant) durante o verão de 1943, no auge do fascismo. O filme deu a ela o prêmio de melhor atriz dado pelo fórum de jornalistas italianos e ainda o de melhor atriz do Festival de Cinema de Mar del Plata, na Argentina.

“No entanto, para ter trabalho, ela foi forçada a aceitar papéis provocativos de menor qualidade – papéis que em geral enfatizavam seus atributos físicos. Enquanto Sophia Loren tinha um Carlo Ponti para promovê-la internacionalmente, Rossi Drago era menos afortunada. Nos anos 60, ela foi relegada a filmes de aventuras sem importância, de horror e capa-e-espada como David e Golias (1960), com Orson Welles interpretando o Rei Saul; Der Teppich des Grauens, ou o tapete de horror (1962); e A Espada do Conquistador (1961), ao lado de um Jack Palance no papel de estuprador. E não foi muito notada como a mulher de Lot no gigantesco fracasso A Bíblia (1966), de John Huston.

“As coisas não melhoraram, e, depois de aparecer com Helmut Berger na muito criticada refilmagem de O Retrato de Dorian Gray (1970), com Pier Angeli no trivial Nelle pieghe della carne (1970), de Sergio Bergonzelli, ela decidiu parar. Casou-se com o empresário siciliano Domenico La Cavera em 1973, e aposentou-se em Palermo. Morreu aos 82 anos, de hemorragia cerebral, em 2 de dezembro de 2007.”

O diretor Valerio Zurlini, ao contrário do que fizeram vários outros, não usou a atriz como um objeto sexual. De forma alguma. Há uma sequência em que ela aparece de maiô, subindo no barco em que estão Carlo, Rosanna e seus amigos, depois de nadar longamente. Dá para ver que tem um corpo belíssimo – mas é só. As tomadas em que vemos suas coxas são bem rápidas.

O que Zurlini e seu diretor de fotografia Tino Santoni mostram muito, detalhadamente, com esmero e elegância, é seu rosto magnífico.

Na minha opinião, Eleonora Rossi Drago é a melhor coisa deste bom filme.

Anotação em maio de 2022

Verão Violento/Estate Violenta

De Valerio Zurlini, Itália-França, 1959

Com Eleonora Rossi Drago (Roberta Parmesan),

Jean-Louis Trintignant (Carlo Caremoli)

e Jacqueline Sassard (Rosanna), Lilla Brignone (a mãe de Roberta), Raf Mattioli (Giorgio), Federica Ranchi (Maddalena, a cunhada de Roberta), Cathia Caro (Serena), Giampiero Littera (Daniele), Bruno Carotenuto (Giulio), Tina Gloriani (Emma), Adriana Asti (dubladora de Jacqueline Sassard), Paolo Ferrari (dublador de Jean-Louis Trintignant)

e, em participação especial, Enrico Maria Salerno (Ettore Caremoli, o pai de Carlo)

Roteiro Valerio Zurlini e Suso Cecchi D’Amico & Giorgio Prosperi 

Argumento Valerio Zurlini

Fotografia Tino Santoni

Música Mario Nascimbene     

Montagem Mario Serandrei    

Direção de arte Massimiliano Capriccioli, Dario Cecchi

Figurinos Dario Cecchi

Produção Silvio Clementelli, Titanus, Société Générale de Cinématographie

P&B, 98 min (1h38)

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