Apesar de ser uma produção caprichada, com a prestigiosa assinatura de Otto Preminger, e um elenco multi-estelar como o de poucos, A Primeira Vitória/In Harm’s Way (1965) não foi um sucesso de crítica na sua época. Bem ao contrário, na verdade.
E, no entanto, é um belo filme. Na minha opinião, é um dos grandes filmes feitos sobre a Segunda Guerra Mundial no front do Pacífico.
Não pretende ser um rigoroso registro histórico, uma reprodução fiel de histórias reais, como tinha sido, por exemplo, O Mais Longo dos Dias/The Longest Day, lançado três anos antes, em 1962, com o maior elenco já reunido por Hollywood, sobre o Dia D, 6 de julho de 1944, o dia do desembarque das forças aliadas na Normandia.
Os principais personagens são fictícios – embora haja, é claro, referências a personagens históricos, reais.
É como um romance histórico – baseado de fato em um romance, de autoria de um militar que teve participação direta na Guerra do Pacífico. James Bassett (1912-1978), jornalista e escritor, alistou-se na Marinha dos Estados Unidos como tenente em 1941, e tornou-se o oficial de relações públicas de um almirante que comandou flotilhas americanas em batalhas contra navios japoneses no Pacífico. Chegou ao posto de capitão e recebeu a Estrela de Bronze da Marinha antes de voltar ao jornalismo.
Foi o único filme de John Wayne com Preminger, e seu último em P&B
O romance escrito por James Bassett – que foi adaptado para o filme de Otto Preminger pelo roteirista Wendell Mayes – focaliza uma dezena de personagens, mas concentra-se em um capitão da Marinha, um perfeito e abnegado oficial, Rockwell Torrey, chamado com admiração pelos que o conheciam como The Rock, A Rocha. É o papel de John Wayne, no primeiro e único filme que fez com Otto Preminger, e que viria a ser o seu último filme em preto-e-branco.
O filme acompanha as ações do capitão Torrey, The Rock, desde o ataque japonês a Pearl Harbor, em dezembro de 1941, até a primeira vitória das forças americanas que está no título brasileiro (o mesmo adotado pelos exibidores franceses, italianos, espanhóis e portugueses).
Certamente para realçar que é um trabalho de ficção – embora inspirado em dados reais e até procurando reconstituir alguns desses fatos reais –, o filme identifica as ilhas do Pacífico onde Torrey vai chefiar as naves americanas na batalha contra as japoneses como sendo Gavabutu, Levu Vana e Tokaroa. Segundo especialistas, na verdade as ilhas mostradas e descritas na parte final do filme são as de San Cristobal, Guadalcanal e Malaita. Na verdade, a batalha por Guadalcanal começou em 7 de agosto de 1942 e só iria terminar em fevereiro de 1943, enquanto, no filme, a batalha ocorre em 1942.
Na festa para oficiais da Marinha, uma moça chama a atenção de todos
O filme tem muitas sequências de guerra, de ação, de batalha – mas elas ocupam um tanto equivalente ao usado para mostrar a vida privada dos personagens, seus relacionamentos, seus afetos.
Consegue ser muito bom nas duas faces, a das batalhas e a das vidas privadas dos personagens. O roteiro me pareceu muito bem costurado, muito bem amarrado – embora, como verifiquei depois, nossa opinião, minha e de Mary, seja bastante contrária à expressa por muita gente, na época do lançamento e também depois.
Preminger abre seu épico com um extraordinário plano-sequência em que a câmara faz um travelling por um clube de campo à noite, no Havaí: é uma festa para os oficiais da Marinha. Numa mesa à entrada da área da piscina, estão colocados os chapéus dos oficiais, e ao lado dela há um quadro com a data: 6 de dezembro de 1941.
Para o espectador menos atento ou cuidadoso, a data pode não dizer coisa alguma. Para os americanos, para qualquer americano que tenha tido educação básica, não há como saber o que virá.
A câmara vem caminhando sobre as dezenas e dezenas de pares de pessoas à beira da grande piscina, e se aproximando do lado em que uma big band toca. Entre os casais que dançam, há uma moça que chama a atenção, e, na primeira frase que ouvimos do filme, a mulher de um oficial está chamando a atenção dele para o fato de que a moça, Liz Eddington, está sky high – alta como o céu.
A mulher que diz isso – veremos em seguida – se chama Beverly, Bev para os amigos, e seu marido é o tenente William McConnel, ou Mac. (Bev é interpretada a bela Paula Prentiss, de A Trama, 1974, e As Esposas de Stepford, 1975. Mac é o papel de Tom Tryon, que tinha estado em O Mais Longo dos Dias e estava ali trabalhando pela primeira vez com Otto Preminger. Falo sobre Tryon e Preminger mais adiante.)
A câmara que vinha se movimentando desde a entrada da área da piscina, que havia passado ao longo de um de seus lados, agora se aproxima de Liz Eddington, a moça que estava sky high – uma loura belíssima.
Termina a música suave, os casais se separam para aplaudir a orquestra – e a banda ataca de um som bem mais swingado.
Liz fica mais sky high ainda. Muito antes que isso virasse moda, faz o início de uma pole dance.
As pessoas param de dançar, incapazes de tirar os olhos daquele espetáculo.
Na manhã de domingo, o oficial e a gata acordam de ressaca na praia
O tenente Mac fica incomodado. Paul, o marido de Liz, não está ali, está no mar, em exercício, em treinamento, e aquilo ali é um vexame para ele. Mac diz a Bev que vai interferir – e de fato aproxima-se do pianista da big band e pede para ele mudar de música. O pianista obedece rapidamente – faz um sinal para os colegas, a banda deixa de lado o swing sensual e retoma uma canção suave, para os oficiais e suas esposas dançarem direitinho, cheek to cheek.
O sujeito que faz o papel do pianista da big band é Jerry Goldsmith (1929-2004), o autor da trilha sonora de In Harm’s Way e de mais 101 outros títulos, 18 indicações ao Oscar.
A gata que dançava sensualmente demais para os padrões das esposas de oficiais da Marinha dos US of A é interpretada por Barbara Bouchet, que antes de ser atriz foi dançarina.
Liz Eddington-Barbara Bouchet protesta: – “Por que pararam a música?” Mas o oficial que estava com ela a convence a sair dali: o clima não está nada bom, o lugar é família demais para aquela exibição de sex-appeal toda.
A câmara ainda fica alguns minutos na pista de dança improvisada à beira da piscina. Mac e Bev ainda falam um pouco sobre Liz. Bev diz que Paul sabe como sua mulher é – e, afinal, o problema é dele.
O oficial que acompanha Liz pára o carro na entrada de um conjunto residencial para baixar a corrente da portaria. Enquanto ele vai até a corrente, Liz salta do carro e vai se encaminhando para o mar ali pertinho.
Liz e o oficial (cujo nome creio que o filme faz capaz de não revelar) vão acordar na manhãzinha de domingo, 7 de dezembro de 1941, em plena praia, de ressaca do álcool e da farra.
Criticam o filme dizendo que ele tenta ser um novo A Um Passo da Eternidade
Consta que, na época em que In Harm’s Way foi lançado, falou-se muito que era uma tentativa de emular o sucesso de A Um Passo da Eternidade/From Here to Eternity, o belo clássico de 1953 dirigido por Fred Zinnemann.
Tá, tem a ver. Doze anos antes do filme de Preminger, A Um Passo da Eternidade mostrara a vida de soldados e oficiais americanos estacionados no Havaí no momento em que aconteceu o ataque japonês a Pearl Harbor.
Diversos filmes foram feitos sobre o ataque japonês a Pearl Harbor – e não poderia ser de outra forma, já que aquele ataque, feito totalmente de surpresa, no início da manhã de um domingo preguiçoso, deixou 2.403 americanos mortos e 1.178 feridos, atingiu oito porta-aviões, outros oito navios de guerra e 188 aviões. Foi o que levou os Estados Unidos a entrarem na Segunda Guerra Mundial. Na Europa, a Alemanha já havia invadido diversos países secularmente aliados dos Estados Unidos, como a França, a Holanda, a Bélgica, e seus aviões bombardeavam o aliado mais próximo de todos, a Grã-Bretanha – e os Estados Unidos permaneciam à margem do conflito.
Depois do ataque japonês a Pearl Harbor, não havia mais jeito.
Assim, torcer o nariz para In Harm’s Way porque já havia existido From Here to Eternity me parece tão sem sentido quando ser contra O Resgate do Soldado Ryan (1998) porque já haviam sido feitos filmes sobre o Dia D, ou ser contra A Lista de Schindler (1993) porque já haviam sido feitos filmes sobre os campos de concentração nazistas.
O capitão é punido e vai trabalhar em terra – o que faz o conhecer a mocinha
Paul Eddington, o marido da bela e sensual Liz, também estava de ressaca na manhãzinha do domingo, 7 de dezembro. É acordado em sua cabine do navio pelo grande amigo – e superior hierárquico – Rockwell Torrey. The Rock dá um belo de um cutucão no amigo, diz que a amizade toda não impedirá que ele seja obrigado a tomar alguma atitude contra Paul caso ele continue bebendo demais, carregado de saudade e ciúme da mulher jovem e bela.
O comandante Paul Eddington, o segundo do capitão Torrey no navio e o segundo personagem mais importante da história, é interpretado por Kirk Douglas.
O navio de Torrey e Eddington, que estava em mar aberto, fazendo exercícios, foi um dos poucos de todos os da base de Pearl Harbour que não foram atingidos no primeiro momento pelo ataque japonês. E então ele recebe ordens do comando naval do Pacífico para ir em frente, liderando as poucas naves que restavam (uma delas comandada pelo tenente Mac), para tentar um revide.
Para poupar combustível, e poder chegar mais longe, The Rock dá ordem para que seu navio siga em frente, em reta, e não em ziguezague, que é a forma de navegar em situação como aquela, em que se está próximo dos torpedos inimigos.
O navio de Torrey é torpedeado. A nave do tenente Mac consegue destruir o submarino que lançou o torpedo, e todos conseguem retornar a salvo até a base de Pearl Harbor.
Mas, por não ter obedecido ao regulamento, deixando de fazer o curso em ziguezague, o capitão Torrey é retirado do comando de naves e colocado em serviço burocrático.
A temporada em terra firme, enquanto as Forças Armadas americanas tentam se reorganizar após o ataque a Pearl Harbor, fará com que The Rock conheça Maggie, uma enfermeira do Exército.
Assim que bate o olho em The Rock-John Wayne, Maggie decide que vai conquistá-lo.
Maggie vem na pele de Patricia Neal, e é uma das melhores coisas deste filme muito bom que a crítica detestou.
Brandon De Wilde faz o papel do filho do capitão interpretado por John Wayne
In Harm’s Way é um filme longo, como eram longos os épicos que Hollywood costumava fazer naqueles tempos. Tem 165 minutos de projeção – 2 horas e 45. Menos que as 2h58 do já falado O Mais Longo dos Dias. Até que pouco, comparado às 3h12 de Cleópatra (1963), ou às 3h32 de Ben-Hur (1959). O próprio Otto Preminger havia feito Exodus (1960) com 3h28.
O ataque japonês a Pearl Harbor, o enfrentamento dos navios chefiados por The Rock com os japoneses, a volta para o Havaí, a punição com serviço burocrático, os primeiros encontros do capitão com Maggie, tudo isso ocupa menos de um terço do filme.
Vai surgir um absolutamente inesperado encontro de The Rock com o filho que ele não via fazia 18 anos: quando Jere tinha apenas 4 anos de idade, o militar havia se divorciado de sua mulher, uma milionária da Nova Inglaterra, e jamais voltara a ver o filho. Reencontram-se – ou encontram-se pela primeira vez, a rigor – ali, no Havaí, e através de Maggie. Ela divide a habitação de enfermeira da Marinha com uma jovenzinha aprendiz Annalee Dorne (Jill Haworth), que anda namorando um garoto tenente da Marinha cujo sobrenome é Torrey.
Quando o pai de Jere Torrey fica conhecendo o rapaz – ao mesmo tempo que o espectador –, a impressão não é nada boa. É um almofadinha, um espertinho que quer fugir da linha de combate e aproveitar ao máximo as benesses da proximidade com figuras influentes como o comandante Neal O’Wynn (Patrick O’Neal), congressista que renunciou ao mandato para trabalhar como ajudante de ordens do almirante Broderick, um militar com gigantesca ambição política.
Com o passar do tempo, no entanto, o garoto Jere vai mudar.
Não reconheci o jovem ator que interpreta Jere, ao ver o filme agora pela primeira vez, 52 anos depois de seu lançamento. É Brandon De Wilde, o ator que, em Shane (1953), interpretava o garotinho Joey Starrett, aquele que ficava berrando “Shaaaaaane, come back, Shane!”
Brandon De Wilde viveu apenas ridículos, absurdos 30 anos. Assim como outro jovem e belo ator da mesma época, James Dean, morreu em acidente de carro – estava indo visitar a mulher no hospital em que tinha sido submetida a uma operação, no Colorado.
Acho que Neil Young estava sendo irônico quando escreveu que é melhor morrer jovem, é melhor queimar logo do que ir sumindo. Só pode.
Foi o conservador Wayne que sugeriu o progressista Douglas para o papel
Em 1965, já faziam muitos anos que o nome de Kirk Douglas era sempre o primeiro a aparecer nos créditos iniciais, porque era um astro gigantesco, dos maiores de Hollywood. No entanto, em In Harm’s Way o nome de Kirk Douglas aparece em segundo lugar, depois do de John Wayne. John Wayne, afinal, na época era o maior de todos.
Kirk Douglas era um astro tão gigantesco que havia brigado feio com Stanley Kubrick durante as filmagens de outro épico, Spartacus (1960). E isso assim porque não eram estranhos, Kubrick e ele, de forma alguma: haviam feito juntos Glória Feita de Sangue/Paths of Glory (1957), um filme saudado unanimemente como obra-prima, dos mais fortes libelos anti-guerra jamais feitos. Mas, nas filmagens da superprodução, desentenderam-se de maneira muito, mas muito feia. Há quem atribua à dose exagerada de encheção de saco de Kirk Douglas durante as filmagens de Spartacus a decisão de Kubrick de sair de seu pais e não voltar a fazer filmes lá. (2001 – Uma Odisséia no Espaço, de 1968, foi o último filme que o cineasta realizou nos Estados Unidos. Mudou-se em seguida para a Inglaterra.)
O IMDb registra que Kirk Douglas topou ser o segundo nome porque sua carreira não andava lá assim muito bem. Sua Última Façanha (1962), um western fora do tempo, ousado, rebelde demais, tinha sido um grande fracasso.
O IMDb registra também que Kirk Douglas ficou surpreso ao saber que John Wayne havia sugerido seu nome para interpretar o comandante Paul Eddington. Isso porque os dois não se conheciam pessoalmente, embora fossem colegas de trabalho na indústria cinematográfica de Hollywood – e, sabidamente, suas opiniões políticas não eram nada próximas. Wayne sempre foi conhecido como um sujeito conservador, de direita, republicano – o contrário de Douglas, sempre tido como progressista, de esquerda, democrata.
Deram-se bem, no entanto, os dois gigantes, para usar a palavra presente nos títulos dos outros filmes que fizeram juntos, À Sombra de um Gigante (1966) e Gigantes em Luta (1967). As empresas dos dois, a Batjac de Wayne e a Bryna de Douglas, se uniram para produzir À Sombra de um Gigante (1966), uma ode a Israel.
Essa coisa de uma amizade que é muito maior do que diferenças de opiniões políticas é uma maravilha. Faz uma tremenda falta no Brasil – mas não quero nem chegar perto desse tipo de assunto aqui.
Um dos itens da página de Trivia do filme no IMDb afirma que John Wayne e Otto Preminger “deliberadamente evitaram discutir temas políticos durante as filmagens”.
No ano do lançamento do filme, Patricia Neal teve uma série de derrames
John Wayne e Patricia Neal haviam trabalhado juntos em Águas Traiçoeiras, de 1951. Maurice Zolotow, biógrafo de Wayne, registrou que o grande ator falava que Patricia Neal havia amadurecido muito, tanto como atriz quanto como mulher, desde aquela época.
Claro que amadureceu, não é? Foram 14 anos, uai…
Em entrevista, Patricia Neal afirmou: – “Adorei John Wayne. Nos demos muito bem! A primeira vez que trabalhamos juntos, não gostei nada dele. Mas, em Honolulu, ele era um homem muito mais feliz.”
Mais feliz, ela falou.
Muito provavelmente mais tranquilo, mais sábio. Mas seguro de si.
Mas também doente. Logo após o final das filmagens de In Harm’s Way, houve o diagnóstico de câncer de pulmão. Ele seria operado, e ficaria livre daquele câncer, faria ainda 18 filmes – todos em cores, o tempo do preto-e-branco tendo ficado para trás. Morreria apenas em 1979, de outro câncer.
Além de atriz maravilhosa, Patricia Neal foi uma mulher bastante especial. Em 1965, exatamente o ano em que este filme foi lançado, teve uma série de derrames. Lutou bravamente, e conseguiu continuar a carreira. Em 1981, Glenda Jackson interpretou a colega em um elogiado filme para a TV, The Patricia Neal Story. Viria a morrer em 2010 – de câncer de pulmão –, após viver bravos 84 anos.
Um pequeno, delicioso detalhe, mostra a luta de Preminger contra a censura
É muito difícil acreditar nisso hoje, mas em 1965 ainda não havia sido inteiramente banido o Código Hays, o código de auto-censura que os estúdios haviam tido que engolir desde o início dos anos 30, sob pressão de grupos conservadores.
Otto Preminger foi um dos diretores que insistiram em brigar contra as regras do Código. Só para dar um exemplo: em 1959, havia conseguido uma vitória e tanto, ao forçar o estúdio para o qual então trabalhava, a Columbia, a exigir que a pronúncia da palavra “panties” (calcinha) fosse permitida em Anatomia de um Crime, já que era um tema fundamental no julgamento que é a base da trama.
O Código Hayes proibia que os filmes mostrassem que pessoas não casadas trepavam.
E então, embora Maggie fosse divorciada, e The Rock também, e ambos fossem absolutamente maduros, e pudessem fazer o que bem entendessem na intimidade de suas casas, a rigor a personagem de Patricia Neal não poderia dar para o de John Wayne.
Mas Maggie não quer saber. Visita o capitão na véspera de ele embarcar para novo posto. E, com a segurança firme de uma mulher madura, vira-se para ele e diz uma frase que dá a entender que está ali prontinha.
The Rock-John Wayne então liga para o comandante Powell, seu grande amigo, com quem divide a casa de militar, e pergunta se ele pode dormir fora.
A câmara de Otto Preminger focaliza os pés de Maggie-Patricia Neal – ela está tirando os sapatos.
Meu, como podem falar mal de um filme que tem esses deliciosos detalhes?
É muito ator bom para um filme só. Ainda tem Henry Fonda
Há tomadas em que vemos, ao mesmo tempo, John Wayne, Kirk Douglas e Burgess Meredith. É muito ator bom para um plano só.
John Wayne, Kirk Douglas, Patricia Neal, Tom Tryon, Paula Prentiss, Brandon de Wilde, Jill Haworth, Stanley Holloway (sim, o pai de Eliza Doolittle em My Fair Lady, aos 73 anos, faz o papel de um australiano que colabora na luta contra os japas, Clayton Canfil), Burgess Meredith, Franchot Tone, George Kennedy…
E ainda tem Henry Fonda e Dana Andrews.
Os dois trabalharam mais de uma vez com Otto Preminger: em Tempestade Sobre Washington/Advise & Consent (1962), Henry Fonda fez o papel fundamental, importantíssimo, do sujeito que é indicado para secretário de Estado pelo vice-presidente que está para assumir a presidência na vacância do cargo.
Dana Andrews era um dos atores preferidos de Preminger. Havia feito o policial que investiga o desaparecimento de Laura no filme que leva o nome da personagem, um dos maiores clássicos do cinema de todos os tempos, de 1945. E fizeram juntos também Anjo ou Demônio?/Fallen Angel (1945) e Passos na Noite/Where the Sidewalk Ends (1950).
Para Henry Fonda, o filme reservou um papel de um homem bom, sábio, admirável, o almirante CINCPAC – as iniciais de Commander-in-Chief-Pacific Fleet.
Já para seu veterano colaborador Dana Andrews, sobrou o papel do almirante Broderick – que, o espectador verá, é um horror, um pustema, um blefe, um idiota.
Trabalhar com Otto Preminger não era fácil. É o que dizem muitas, muitas, muitas testemunhas.
Vienense, nascido em 1906, emigrado para os Estados Unidos para fugir do nazismo, Otto Preminger – dizem – parecia, nos estúdios, um sargento da Gestapo, absolutamente mal-humorado, bravo, dominador, violento.
Tom Tryon, o ator que faz o tenente Mac, que logo na sequência de abertura tenta conter a incontível sensualidade de Liz Eddington, assustou-se demais com aquele comandante prussiano. Pensou em abandonar a carreira, segundo relatou a amigos.
Estranho, porque, em O Cardeal, de 1963, já havia trabalhado sob a batuta prussiana de Preminger.
O filme inovou ao trazer os créditos apenas no final
In Harm’s Way tem uma inovação, uma pequena ousadia: ao contrário de todos, absolutamente todos os filmes de seu tempo, e de todos os que vieram antes, não tem créditos iniciais.
Aparece apenas o título do filme – e já começa o maravilhoso plano sequência da abertura no baile dos oficiais da Marinha na véspera do ataque dos japoneses a Pearl Harbor.
Só ao final, terminada a narrativa, vêm os créditos – créditos cuidadosos, longos, com design elegante, criativo, de autoria de Saul Bass, um absoluto mestre, autor de alguns dos mais fascinantes créditos iniciais da História do cinema, como, por exemplo, os de Um Corpo Que Cai, Psicose, O Homem do Braço de Ouro, A Volta ao Mundo em 80 Dias, Santa Joana, Intriga Internacional, Anatomia de um Crime.
A partir do final dos anos 80, isso passaria a ser absolutamente comum, normal: no início do filme, apenas os nomes das companhias produtoras e o título; os créditos, mesmo, só ao final. Steven Spielberg e Clint Eastwood sempre fizeram desse jeito. Hoje em dia, esse esquema talvez seja mais usado do que o outro, o dos créditos iniciais.
Mas, em 1965, aquilo era uma gigantesca surpresa.
In Harm’s Way.
Harm’s way é uma expressão idiomática que significa um lugar ou uma situação perigosa.
O IMDb diz que o título original do filme se baseia em uma frase de John Paul Jones, capitão do Exército que lutou contra os ingleses na guerra pela independência dos Estados Unidos: “I wish to have no connection with any ship that does not sail fast, for I intend to go in harm’s way.” Não desejo ter conexão alguma com qualquer navio que não navegue depressa, porque pretendo ir em direção ao perigo.
The Rock, o capitão Torrey, cita a frase história de John Paul Jones lá pelo meio da narrativa.
Os críticos chamaram o filme de melodramático, banal, raso…
Leonard Maltin deu apenas 2.5 estrelas em 4 ao filme, que definiu como “um relato melodramático de batalhas no Pacífico Sul no início da Segunda Guerra Mundial”. Segundo o autor do guia de filmes mais vendido do mundo no tempo em que se vendiam guias de filme, o maior interesse do filme é seu elenco, formando por astros veteranos e também recém-chegados.
O livro The Paramount Story desce o pau, diz que é cheio de clichês, parecendo uma novela de televisão. E o Guide des Films de Jean Tulard enfileira uma série de adjetivos pesados. Diz que as cenas “intimistas”, entre aspas, são de uma banalidade aflitiva e da profundidade de uma revista de fotonovelas, e define o filme como um fracasso absoluto.
Pois eu – repito – gostei bastante do filme. Ele me conquistou já na primeira sequência, com Barbara Bouchet escandalizando os oficiais e suas mulheres com sua dança sensual. E os 165 minutos não me pareceram longos, de forma alguma – o que para mim prova que se trata de um bom filme.
E John Wayne fala uma das mais belas frases sobre essa insanidade absoluta que é a guerra. Na véspera da batalha que seria decisiva contra a grande frota japonesa, ele diz para seu amigo Powell:
– “Todas as batalhas são travadas por homens com medo, que preferiam estar em qualquer outro lugar.”
Anotação em julho de 2017
A Primeira Vitória/In Harm’s Way
De Otto Preminger, EUA, 1965.
Com John Wayne (capitão Rockwell Torrey, The Rock), Kirk Douglas (comandante Paul Eddington), Patricia Neal (tenente Maggie Haynes), Tom Tryon (tenente William McConnel), Paula Prentiss (Bev McConnel), Brandon de Wilde (Jeremiah Torrey), Jill Haworth (Annalee Dorne), Dana Andrews (almirante Broderick), Stanley Holloway (Clayton Canfil), Burgess Meredith (comandante Powell), Franchot Tone (almirante chefe do CINCPAC), Henry Fonda (almirante chefe do CINCPAC), Patrick O’Neal (comandante Neal O’Wynn), Carroll O’Connor (tenente comandante Burke), George Kennedy (coronel Gregory), Barbara Bouchet (Liz Eddington), Tod Andrews (capitão Tuthill), Larry Hagman (tenente Cline), Hugh O’Brian (major da Aviação)
Roteiro Wendell Mayes
Baseado no romance de James Bassett
Fotografia Loyal Griggs
Música Jerry Goldsmith
Montagem George Tomasini e Hugh S. Fowler
Produção Otto Preminger Films, Paramount Pictures.
P&B, 165 min (2h45)
***
Título na França: Première Victoire. Em Portugal: A Primeira Vitória.
Que texto maravilhoso!!! Também gostei muito desse filme, e já separei para re-re-re-assistir no feriado (aqui onde moro) do fim de semana que coincide com o aniversário do Kirk Douglas.
CENTO E UM ANOS, RAPAZ!!!
O que me chamou a atenção foi como naquele tempo todos os mocinhos eram tipo assim meio…. passados. A exceção aconteceu com f James Dean. Outros célebres eram James Stewart e Gary Cooper – que a rigor em absoluto eram jovens, como depois, como hoje. Ou será que falei besteira, hein? ah, o comentário está excepcionalmente ótimo, parabéns!
Comentário muito bom e preciso, gostei muito dos detalhes como o fato do pianista no bar, em Pearl Harbor, ser o maestro Jerry Goldsmith, entre outros.
Apenas um detalhe, não havia nenhum porta-aviões americano na base havaiana no dia do ataque, o que custaria caro mais tarde aos japoneses.
Já vi o filme várias vezes na TV e cópias gravadas.
Atualmente pedi o DVD para ve-lo tantas vezes quanto quiser.
Gosto muito dele.
Abçs,