Emma

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3.0 out of 5.0 stars

Emma, co-produção Inglaterra-EUA de 1996, adaptação do  romance de 1815 de Jane Austen, é uma absoluta gracinha, uma delícia, uma coisa fofa, delicada, meiga.

Não tinha visto na época – por algum motivo que desconheço, perdi, não fui atrás. O tempo passa depressa demais, e já lá se vão 18 anos desde que o filme foi feito. Me surpreendi ao ver nos papéis que representam em Emma tantos bons atores que vim vendo amadurecer ao longo dos últimos anos todos. Como estão jovenzinhos demais Gwyneth Paltrow, Jeremy Northam, Toni Collette, Ewan McGregor, Polly Walker! Como estava ainda jovem a esplendorosa Greta Scacchi, que vi recentemente já com as inevitáveis marcas do tempo em O Livro das Revelações, de 2006!

Muito provavelmente, se tivesse visto Emma na época em que ele foi lançado, e revisse hoje, não teria essa sensação de estranhamento. Ela acontece – pelo menos comigo, não sei como funciona para os outros – quando vejo pela primeira vez um filme feito alguns ou muitos anos atrás. É como se as coisas ficassem fora de perspectiva, fora da ordem correta.

Gwyneth Paltrow, por exemplo. Vi diversos filmes com ela, mais ou menos na ordem correta, na ordem cronológica, e aí é natural, normal, é como se a gente estivesse acompanhando o amadurecimento da pessoa: Dois Corações, uma só Batida/Shout (1991), O Peso de um Passado/Flesh and Bone (1993), O Jogo da Verdade/Moonlight and Valentino (1995), De Caso com o Acaso/Sliding Doors (1997), Segredo de Sangue/Hush (1998), Grandes Esperanças (1998), Um Crime Perfeito (1998), Mais que o Acaso/Bounce (2000), Possessão (2002), A Prova (2005), Confidencial/Infamous (2006), Correndo com Tesouras (2006), Sonhando Acordado/The Good Night (2006), Amantes/Two Lovers (2008), Contágio (2011), para citar apenas os filmes dela que já estão neste 50 Anos de Filmes. (Cacete: como tem filme da moça aqui!)

zzemma5Gwyneth Kate Paltrow, filha de um produtor e diretor, Bruce Paltrow, e de uma grande atriz, Blythe Danner, é de 1972. Estava com 19 aninhos quando, em seu segundo trabalho para o cinema, fez a jovem Wendy de Hook, a Volta do Capitão Gancho, que Steven Spielberg lançou em 1991. Ao longo dos anos 90, sua carreira deslanchou com a rapidez de um raio – em 1998, por outro filme passado na Inglaterra de séculos atrás, Shakespeare Apaixonado, ganharia o Oscar.

Estava com 24 aninhos quando teve a oportunidade de interpretar Emma Woodhouse, a protagonista, personagem título da adaptação do romance de Jane Austen. Emma tinha 22, e Gwyneth tinha um rostinho bem jovem que às vezes até parece de uma garotinha de uns 16, 17 anos.

É a atriz perfeita para o papel. Gwyneth Paltrow não tem aquele tipo de beleza óbvia, à la Barbie – bem ao contrário. Seguramente muita gente pode achá-la até feia, ou no mínimo nada bonita. Na minha opinião, é uma jovem de beleza encantadora. Sabe ser charmosa, simpática, resoluta, às vezes brava, às vezes muito autoconfiante, às vezes frágil. Exatamente como Jane Austen deve ter imaginado sua Emma.

Emma passa a acreditar que tem os dons de uma perfeita casamenteira

Emma é uma garota rica, das mais ou a mais rica da pequenina cidade do belíssimo interior inglês naquele começo de século XIX. Seu pai, Mr. Woodhouse (Denys Hawthorne), é um bom homem, simpático, cheio de pequenas idiossincrasias, como é permitido aos bons cavalheiros, em especial um viúvo de há muito – a mãe de Emma havia morrido quando ela era bem garotinha.

Mr. Woodhouse, magnânime, havia criado em sua casa um jovem, agora um rapaz aí de uns quase 30 anos, Mr. Knightley (o papel de Jeremy Northam). Dessa maneira, Emma tinha tido um irmão de criação, embora sem qualquer laço de sangue – uma boa companhia, com quem conversava muito e com quem em geral jamais concordava, o que fazia bem à sua natureza de pessoa de opiniões firmes.

Emma teve também, desde cedo, uma preceptora, a quem amava de paixão – Miss Taylor (o papel de Greta Scacchi, esse monumento boticelliano, na foto abaixo).

Agora já adulta, podendo dispensar a preceptora, Emma mexeu uns pauzinhos para aproximar Miss Taylor de um vizinho e amigo de seu pai, Mr. Weston (James Cosmo). Viúvo, Mr. Weston era bem mais velho do que Miss Taylor, mas o que isso importa, se era um homem rico, de boa origem, de posses?

zzemma3Assim, quando a narrativa começa, está sendo realizado o casamento de Mr. Weston e a antiga Miss Taylor, daí para a frente Mrs. Weston.

E então a jovem Emma passa a achar que possui o fino dom de saber aproximar senhores e jovens senhoritas casadoiras. Passa a acreditar piamente que é uma perfeita casamenteira, um Cupido descido sobre o belo e tranquilo campo inglês daqueles tempos não atribulados.

Torna-se amiga de uma jovem sem posses, Harriet Smith (o papel da excelente australiana Toni Collette, então também com juvenis 24 aninhos de idade). Harriet está um tanto encantada com Robert Martin (Edward Woodall), um honesto e trabalhador pequeno fazendeiro, que a pediu em casamento. Mas Emma decide que Mr. Martin é pouco para sua amiga, e passa a batalhar para que Mr. Elton (Alan Cumming), o jovem pastor da localidade, se interesse por Harriet. Até a grama verde do campo inglês pode ver que Mr. Elton só tem olhos para ela, Emma – mas Emma, cega pela certeza de que é um Cupido perfeito, não consegue perceber isso.

Bem intencionada, cheia de boa vontade, Emma cometerá equívocos em cima de equívocos.

Uma penca de bons atores de uma geração dourada

A belíssima Polly Walker, que conheci na série Roma, faz o papel de Jane Fairfax, uma jovem de outra cidade que vai passar uma temporada no lugarejo em que vivem Emma e os personagens principais.

Ewan McGregor só aparece lá pela metade do filme, com um cabelão enorme, no papel de Frank Churchill, o filho do primeiro casamento de Mr. Weston, que morava longe e reaparece para provocar frisson entre as jovens solteiras do lugar, inclusive a própria Emma.

O escocês Ewan McGregor é exatamente da mesma geração da americaníssima Gwyneth Paltrow e da australiana Toni Collette: nasceu em 1971, um ano antes das duas (e quatro anos antes da minha filha). É um dos bons atores dessa geração dourada, e sua capacidade de trabalho é fenomenal. Nisso, ele se parece com Steven Soderbergh, com Daniel Auteil, com Selton Mello, com Wagner Moura. Esses caras fazem três, quatro, cinco filmes por ano – não dá para entender como arranjam tempo. O dia deles parece ter 36 horas, e o ano, uns 430 dias.

zzemma6Entre 1993, ano em que estreou em duas minisséries, e 2014, Ewan McGregor juntou 67 títulos em seu currículo. E há diversos belos títulos no meio dessa enxurrada de 67 – Laura, a Voz de uma Estrela/Little Voice (1998), Velvet Goldmine (1998), Um Toque de Esperança/Brassed Off (1999), O Sonho de Cassandra (2007), O Escritor Fantasma (2010), Os Homens Que Encaravam Cabras (2009), Toda Forma de Amor/Beginners (2010), Amor Impossível/Salmon Fishing in the Yemen (2011), O Impossível (2012). Isso para citar só alguns dos que já estão aqui no 50 Anos de Filmes, sem falar da segunda trilogia da saga Star Wars, em que interpretou o jovem Obi-Wan Kenobi.

Bem menos assíduo nas telas que Gwyneth, Toni Collette e Ewan McGregor, e certamente mais low profile, mais discreto que todos eles, Jeremy Northam (na foto acima) é tão talentoso quanto, e ainda tem uma estampa tão fina quanto a de outros galãs ingleses, como Cary Grant e Hugh Grant. Tem, como os colegas, belos filmes no currículo, inclusive Amistad (1997), Cadete Winslow (199), A Taça de Ouro (2000), Assassinato em Gosford Park (2001), Criação (2009).

Emma é todo recheado de diálogos gostosos, inteligentes, espertos. Mas as seqüências em que Emma e seu irmão de criação Mr. Knightley – Gwyneth e Jeremy Northam – duelam são especialmente deliciosas.

No último de seus grandes romances, Jane Austen estava mais otimista

Não entendo coisa alguma de Jane Austen (1775-1817). Confesso, com alguma vergonha, que nunca a li – uma falha que espero ainda ter tempo de corrigir, até porque tenho uma edição preciosa, linda, com letras grandes, reunindo três de seus romances, inclusive Emma. Só a conheço via cinema. Com meu mínimo, ínfimo conhecimento de suas histórias através dos filmes, fiquei com a sensação, enquanto via o filme pela primeira vez na vida, de que Emma era uma obra mais inicial, anterior a Razão e Sensibilidade/Sense and Sensibility e Orgulho e Preconceito/Pride and Prejudice.

Isso porque Emma é ainda mais puro, mais ingênuo, mais inocente, mais jovial – e mais esperançoso – do que as duas outras histórias posteriores. Na minha imensa ignorância, fiquei achando que Emma é, para Jane Austenm algo assim como Helena na obra de Machado de Assus – uma obra ainda do romantismo de um escritor que em seguida entraria na fase mais madura, pós romantismo, realista.

Tudo errado. Razão e Sensibilidade é de 1811. Orgulho e Preconceito é de 1813. Mansfield Park foi publicado em 1814, e Emma viria em 1815, dois anos antes da morte da escritora, aos ridículos, ínfimos 41 anos de idade.

Mas é interessante ver que, no último de seus grandes romances, a escritora se mostrava mais otimista do que nos anteriores.

Gwyneth Paltrow faria uma participação especial em outro filme do diretor

Emma foi indicado a dois Oscars. Perdeu o de figurinos, mas levou o de trilha sonora, para Rachel Portman, essa compositora extraordinária, do primeiríssimo time dos que compõem hoje para o cinema.

Douglas McGrath é o autor do filme: escreveu o roteiro e dirigiu. O cara é competente nas duas coisas – como escritor e como diretor. Para se ter idéia de como o sujeito é competente, basta dizer que ele foi o co-autor do roteiro de Tiros na Broadway/Bullets over Broadway, o Woody Allen de 1994. É um dos raríssimos casos – se não for o único – em que Woody Allen divide a autoria do roteiro com alguma outra pessoa.

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Foi também o autor e o diretor de Confidencial/Infamous (2006), um dos dois filmes feitos na mesma época contando a mesma história: como o escritor Truman Capote saiu de seu mundo dourado – e veado – de Manhattan e foi aos cafundós do Kansas para entrevistar os personagens do absurdo assassinato de uma família inteira por dois assaltantes, o que resultou numa das narrativas mais absolutamente brilhantes escritas no século XX, A Sangue Frio.

Confidencial/Infamous, repito, é de 2006, exatos dez anos após Emma. Para abrir a narrativa, o autor-diretor chamou novamente Gwyneth Paltrow. A atriz faz uma participação especial, apenas – só aparece na sequência inicial, cantando “What is this thing called love”, de Cole Porter. A sequência é tão absolutamente brilhante que, quando anotei sobre o filme, só falei sobre ela.

Gosto dessas histórias de encontros e reencontros, de amizades que continuam através do tempo.

Anotação em agosto de 2014

Emma

De Douglas McGrath, Inglaterra-EUA, 1996

Com Gwyneth Paltrow (Emma Woodhouse), James Cosmo (Mr. Weston), Greta Scacchi (Mrs. Weston), Alan Cumming (Mr. Elton), Denys Hawthorne (Mr. Woodhouse), Sophie Thompson (Miss Bates), Jeremy Northam (Mr. Knightley), Toni Collette (Harriet Smith), Ewan McGregor (Frank Churchill), Kathleen Byron (Mrs. Goddard), Phyllida Law (Mrs. Bates), Polly Walker (Jane Fairfax), Edward Woodall (Mr. Robert Martin), Rebecca Craig (Miss Martin)

Roteiro Douglas McGrath

Baseado na novela de Jane Austen

Fotografia Ian Wilson

Música Rachel Portman

Montagem Lesley Walker

Casting Mary Selway e Sarah Trevis

Cor, 121 min

Produção Miramax Films, Matchmaker Films.

***

6 Comentários para “Emma”

  1. Adoro este filme. Vejo, revejo. E leio e releio Jane Austen (sim – você precisa corrigir essa falha). Mr. Knightley é o meu protagonista favorito de Austen, e Northam o encarna bem (ah, ele também está em Possessão, com Gwyneth, só que em outro ‘tempo’ dentro da história… ).

    Bem depois de ver e rever esta versão de “Emma” para o cinema, fui ver a minissérie para a TV inglesa. Apesar da competência da produção (ah, esses ingleses…) o elenco deixa a desejar, comparado a este; a sem sal Romola Garai (fraca como atriz) é, para dizer suavemente, pálida diante de Gwyneth – e quem viu as coadjuvantes (e ótimas) Sophie Thompson como a senhorita Bates e Juliet Stevenson (como você não falou dela?) como a nova rica e falsamente elegante Srta. Elton não consegue aceitar bem suas substitutas.
    Um filme para rever, rever, e rever.

  2. Acho que a década de 1990 foi a em que mais vi filmes, ainda era a época do VHS e lembro que eu alugava vários nos finais de semana; só não lembro se cheguei a ver este Emma.
    Não sou fã da Gwyneth Paltrow, acho que peguei birra dela em algum período, tem uma carinha de entojo, mas também não chego a detestar.

    Eu também nunca li nada da Jane Austen, tenho um pouco de preguiça de romances nesse estilo. Posso estar enganada, mas pelo o que já ouvi falar, e pelos filmes que vi, sua obra me parece ser algo muito “mulherzinha”, uma palavra que nem curto, mas também não encontrei outra melhor.

    “Gosto dessas histórias de encontros e reencontros, de amizades que continuam através do tempo.” Eu também.

    Talvez as presenças de Ewan McGregor e Jeremy Northam me façam ir atrás desse filme. Veremos.

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