Mildred Pierce versão 2011 é um deslumbre.
A versão original, feita 66 anos antes, em 1945, é um grande clássico. Tem no papel título uma das maiores estrelas do cinema, Joan Crawford; o diretor é Michael Curtiz, o autor de Casablanca, entre muitos outros belos filmes. Mildred Pierce original (no Brasil, Alma em Suplício) teve seis indicações ao Oscar: melhor filme, melhor roteiro, melhor fotografia, melhor atriz para Joan Crawford, melhor atriz coadjuvante para Eve Arden e Ann Blyth. Só Joan Crawford ganhou o prêmio, mas o filme é sem dúvida um dos melhores melodramas já feitos pelo cinema americano.
O filme de Michael Curtiz, no entanto, não é fiel ao romance Mildred Pierce, que havia sido publicado em 1941. Grandes, importantes modificações foram feitas na trama.
Já a refilmagem de 2011 é, por tudo o que se diz (eu mesmo não li o livro), extremamente fiel à história original. Segundo a Wikipedia, diversos dos diálogos do romance foram fielmente transcritos, palavra por palavra.
É uma minissérie de cinco capítulos com cerca de uma hora cada um, co-produzida pela HBO e pela Metro-Goldwyn-Mayer. E que produção. Teve um orçamento de US$ 20 milhões, bastante confortável para um filme feito para a TV. É uma produção suntuosa, superlativa.
A reconstituição de época – a história se passa em Los Angeles e arredores, entre 1931 e 1937 – é uma daquelas obras de artesanato perfeitas, que enchem os olhos do espectador. São nomes para se guardar, os da equipe técnica: Edward Lachman, diretor de fotografia; Mark Friedberg, desenho de produção; Peter Rogness, direção de arte, e Ann Roth, figurinos.
Não foram econômicos – muito ao contrário. Fizeram questão de gastar muito, de esnobar: há longos travellings pelas ruas de uma Los Angeles reconstruída meticulosamente; vêem-se dezenas e dezenas de carros dos anos 1930 passando pelas ruas; há dezenas e dezenas de cenários de interiores de casas, lojas, restaurantes, tudo cheio de pequeninos detalhes. O número de extras que passa pelas ruas é impressionante.
O IMDb informa, por exemplo, que Kate Winslet usa 66 diferentes roupas ao longo da série.
O que não deixa de ser um tanto irônico, já que a história se passa na Grande Depressão, o período mais negro da história dos Estados Unidos, com milhões de desempregados e famintos, e a minissérie foi feita em 2010, quando o país (assim como o resto do mundo) ainda não havia se recuperado da grande crise econômica iniciada em 2008, a segunda maior da história econômica americana.
“Como Joan Crawford teria odiado Kate Winslet”, escreveu Stephen King
Mildred Pierce teve 11 prêmios, fora outras 31 indicações. Para o Globo de Ouro, teve indicação de melhor obra na categoria de minissérie e/ou filme feito para a TV, melhor ator coadjuvante para Guy Pearce, melhor atriz coadjuvante para Evan Rachel Wood e melhor atriz para Kate Winslet. Kate levou o prêmio.
Só por Kate Winslet já valeria a pena ver Mildred Pierce 2011.
Claro, a série tem diversas qualidades. Além do apuro técnico, do deslumbre visual, mas há muito mais. A trama é excelente, forte; trata de vários temas importantes, de forma corajosa. A direção, de Todd Haynes, esse jovem diretor de imenso talento, é impecável. Todo o elenco está muito bom.
Mas Kate Winslet é um show à parte.
Bem, Kate Winslet é mesmo um show, em qualquer filme de que participa. Eu ousaria dizer que Kate Winslet é hoje a atriz mais completa, mais versátil, mais talentosa do cinema de língua inglesa depois de Meryl Streep.
Exagero? Pode ser. Mas a moça, nascida em Reading, perto de Londres, em 1975 (estava portanto com 36 anos em 2011), já ganhou 48 prêmios e teve outras 69 indicações, numa carreira de 40 títulos. Teve seis indicações ao Oscar – ganhou um, por O Leitor, de 2009. Seis indicações ao Bafta – ganhou dois, como coadjuvante em Razão e Sensibilidade, de 1996, e como atriz principal por O Leitor.
Entre os diretores que tiveram o privilégio de dirigi-la estão Roman Polanski, Alan Parker, Kenneth Brannagh, Stephen Soderbergh, Peter Jackson, Michel Gondry, James Cameron, Philip Kaufman, Michael Winterbottom, Marc Forster, Jane Campion.
Não seria fácil para nenhuma atriz interpretar o papel que foi feito por Joan Crawford no auge de sua força na tela. Não deve ter sido fácil nem mesmo para Kate – mas ela se sai maravilhosamente bem na prova de fogo.
O escritor Stephen King, autor de tantos livros adaptados para o cinema, escreveu sobre a minissérie; reclamou que é longa demais, mas fez os maiores elogios a Kate Winslet, e terminou dizendo: “Como Joan Crawford a teria odiado!”
Poucos personagens do cinema sofrem tanto quanto Mildred Pierce
A ação de Mildred Pierce se estende, como já foi dito, por vários anos. Começa em 1931, período que ocupa os três primeiros dos cinco capítulos da minissérie; no quarto capítulo, há um salto no tempo para 1937. A personagem título participa praticamente de todos os fatos mostrados ao longo dos 341 minutos de duração. Tudo gira em torno de Mildred Pierce – portanto, Kate Winslet está em cena praticamente ao longo de todas essas 5 horas e 41 minutos.
É um tour de force. Mas, com Kate Winslet, isso não é problema.
Poucos personagens do cinema sofrem tanto quanto Mildred Pierce. A vida dela é uma série interminável de duríssimas batalhas, provações, privações.
Mildred é uma mulher forte, obstinada, trabalhadora, organizada, centrada. Dá a volta por cima como o narrador do samba de Paulo Vanzolini – mas, assim que acaba de dar uma volta por cima, é abatida por um novo golpe. E aí, de novo, ela “reconhece a queda e não desanima, levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima”. Para ser nocauteada novamente pelo destino, pela vida, por algumas das pessoas que a cercam.
Bem no início da narrativa, Mildred incentiva o marido, Bert Pierce (Brían F. O’Byrne, excelente, na foto abaixo), a cascar fora de casa. Está cansada de saber que Bert tem uma amante, uma tal Maggie Biederhof.
Nas primeiras tomadas, Mildred está na cozinha, preparando tortas e bolos que vende para pessoas da vizinhança, em Glendale, norte de Los Angeles. Bert está cuidando do jardim. Moram numa casa confortável, algo como classe média média da Califórnia, o que para nós mais pareceria classe média para alta.
Quando ele entra na cozinha para tomar um refresco e dizer que vai sair, Mildred puxa a discussão. Como em tantas discussões, o tom vai subindo – e bem rapidamente chega-se ao ponto em que Mildred diz que, se ele sair e for se encontrar com a tal Biederhof, então que faça a mala e saia de casa de uma vez.
A minissérie de quase 6 horas de duração está nos seus primeiros 7 minutos quando Bert Pierce pega uma malinha, entra no seu carro e vai embora. Mildred está sozinha na vida para cuidar das duas filhas, Veda (Morgan Turner), de uns 12 anos, e Ray (Quinn McColgan), de uns 7 ou 8.
Corta. Mildred ainda está trabalhando na cozinha quando entra Lucy (o papel da sempre ótima Melissa Leo), a melhor amiga dela. Mildred conta que Bert acaba de ir embora. Lucy pergunta: – “Então, o que você vai fazer?”
Mildred não responde. Não sabe o que responder. Apenas faz um meneio com a cabeça. E Lucy diz:
– “Você acaba de entrar para o maior Exército da Terra. Você é a grande instituição americana que nunca é mencionada no 4 de Julho.”
(Seria necessário lembrar que o 4 de Julho é o 7 de Setembro deles, o dia da Independência?)
Mildred sai à cata de qualquer emprego. São tomadas belas – e tristíssimas
Todd Haynes e seu co-roteirista, Jon Raymond, fazem questão de não explicitar qual era o passado daquele casamento que se desfaz bem no iniciozinho da história. Não há flashback algum, em toda a narrativa, que segue rigorosamente a ordem cronológica.
Enquanto o marido traidor e a mulher trabalhadora discutem, a câmara passeia um pouco pela casa da família. Vemos um quadro com o desenho de um empreendimento imobiliário chamado Pierce Homes, depois uma foto daquele loteamento.
Assim, aqui e ali vão sendo dadas ao espectador algumas pinceladas de informações. Dá para deduzir que a família de Bert tinha algum dinheiro, alguns imóveis; que Bert havia criado aquele loteamento, e tinha juntado algumas economias. Mas isso foi no passado, antes de a ação começar e o país mergulhar na depressão a partir do crack da Bolsa de Nova York em 1929. Naquele início de história, em 1931, Bert – como muitos milhões de americanos naqueles anos da Grande Depressão – estava desempregado. Provavelmente ainda tinha algum dinheiro poupado, mas Mildred tinha que se virar cozinhando para fora para conseguir enfrentar as despesas diárias, comprar as roupas das duas garotas.
Nas primeiras semanas após Bert sair de casa, ele não dá pensão alguma para Mildred.
E ela, até então apenas uma dona de casa sem qualquer preparo para um trabalho fora, se vê na necessidade de procurar um emprego – qualquer um que seja.
As sequências, neste primeiro capítulo, de Mildred à procura de um emprego são de uma magnífica beleza – e de uma tristeza profunda.
Lá pelas tantas, a câmara do diretor de fotografia Edward Lachman mostra um close-up dos pés de Mildred. Ela tira por um momento o sapato do lugar, e a câmara mostra que há sangue no ponto em a parte de trás do sapato encosta no iniciozinho da perna.
É para comover mesmo o espectador – e comove.
Um melodrama sobre família criado por um escritor de tramas policiais
É fascinante ver que essa história comovente, esse grande melodrama que mostra as durezas enfrentadas por uma mulher de fibra na luta pela sobrevivência, tenha sido escrito por um homem, e não por uma mulher.
Não seria de se estranhar se Mildred Pierce, o romance que deu origem ao grande clássico de 1945 e a esta minissérie de 2011, fosse assinado por uma Fannie Hurst, que teve vários de seus livros transformados em filmes – Imitação da Vida, feito em 1934 com Claudette Colbert e refeito em 1959 com Lana Turner no papel central, Acordes do Coração, de 1946, com Joan Crawford, Esquina do Pecado, de 1932, com Irene Dunne como protagonista e refeito em 1941 com Margaret Sullavan e em 1961 com Susan Hayward.
São, todos esses filmes citados aí, melodramas cuja figura central é sempre uma mulher batalhadora lutando numa sociedade machista. “A grande instituição americana que nunca é mencionada no 4 de Julho”, como diz, com uma ironia cruel, a personagem de Melissa Leo.
Então seria de se esperar a história de Mildred Pierce de uma Fannie Hurst, ou de outra escritora americana da primeira metade do século XX, cujos livros viraram filmes, como Ellen Glasgow (Nascida para o Mal/In This Our Life), Carol Brink (Desejo Atroz/All I Desire) ou Olive Higgins Prouty (A Estranha Passageira/Now Voyager).
Pois não só o autor é homem como é um escritor que ficou famoso por suas históriais policiais. Mildred Pierce é uma criação de James M. Cain. Eu não me lembrava disso, e fiquei espantadíssimo ao ler seu nome dos créditos iniciais no primeiro capítulo da série.
James M. Cain, o autor dos livros que deram origem a dois dos mais clássicos filmes noir da história, Pacto de Sangue/Double Indemnity (1944), de Billy Wilder e com Barbara Stanwyck, e O Destino Bate à Sua Porta (1946), de Tay Garnett e com Lana Turner.
James Mallahan Cain (1892–1977) foi, diz a Wikipedia, “um escritor e jornalista americano. Embora ele próprio se opusesse com veemência a ser rotulado, ele é em geral associado à escola de ficção americana sobre crimes com os detetives hardboiled, e é visto como um dos criadores do romance noir. Diversos de suas novelas policiais inspiraram filmes de imenso sucesso.”
Diferentemente de muitos de seus personagens – gente classe média média, ou média baixa, de pouca instrução –, Cain nasceu em uma família razoavelmente abastada de Maryland e teve ótima educação. O pai era professor respeitado e a mãe, cantora de ópera, e o jovem James chegou a pensar numa carreira como cantor. (O tema ópera está bem presente nos dois capítulos finais de Mildred Pierce.) Formou-se no Washington College, do qual seu pai foi diretor, e começou a carreira de jornalista em Baltimore.
Seu primeiro romance foi The Postman Always Rings Twice, lançado em 1934. Antes mesmo que Tay Garrett fizesse O Destino Bate à Sua Porta, um então jovem diretor italiano filmou a história, sem dar o crédito ao autor; Obsessão/Ossessione, de 1942, foi o primeiro filme de Luchino Visconti.
A mesma história trágica seria filmada novamente nos anos 1980 por Bob Rafelson, com Jessica Lange e Jack Nicholson nos papéis que no filme de 1946 foram de Lana Turner e John Garfield. O mundo gira e a Lusitana roda, e então, no filme de 1981, Jack Nicholson come Jessica Lange em cima da mesa da cozinha do bar à beira da estrada. No tempo de Lana Turner, a sensualidade era apenas insinuada. Bastante insinuada, é verdade, mas sem qualquer explicitude.
Fã dos velhos melodramas, Todd Haynes era o nome ideal para refazer Mildred Pierce
A primeira versão de Mildred Pierce, vi muitos anos atrás, e não me lembro como são as insinuações de sensualidade. Na minissérie de agora, há várias seqüências bem claras de sexo, quase quasepornôs. Naquela época não podia, agora fode, perdão, pode.
O diretor Todd Haynes é um apaixonado pelos melodramas dos anos 1940, 1950. Em 2002, quando estava com 41 anos (nasceu em 1961 em Los Angeles, a cidade em que se passa a trama de Mildred Pierce), fez um filme extraordinário, Longe do Paraíso/Far From Heaven, com Julianne Moore, Dennis Quaid e Dennis Haysbert. Longe do Paraíso é uma bem feitíssima homenagem ao maior diretor de melodramas do cinema americano, o alemão de nascimento Douglas Sirk – não por coincidência o autor do citado acima Imitação da Vida.
Longe do Paraíso é uma espécie de adaptação de uma das histórias filmadas por Douglas Sirk, Tudo o que o Céu Permite/All That Heaven Allows, de 1955. A ação dos dois filmes se passa nos anos 50. Assim como a personagem de Jane Wyman no filme dos anos 50, a personagem de Julianne Moore é uma mulher de classe média alta, que vive uma vida confortável num belo subúrbio americano. Assim como no anterior, a mulher vai sentir atração por um homem mais pobre que ela, um jardineiro. Assim como no anterior, os conflitos familiares vão explodir durante uma festa.
Muitos dos temas de Longe do Paraíso estão em Mildred Pierce. Nos dois, o personagem central, o foco da história, é uma mulher. Nos dois, a protagonista tem que enfrentar os preconceitos de uma sociedade hipócrita.
Mildred Pierce, no entanto, mais do que Longe do Paraíso, vai fundo na questão dos preconceitos sociais – o desprezo que os mais ricos têm pelos menos afortunados, mesmo quando estes conseguem, através de trabalho duro, suado, amealhar suas próprias fortunas.
Pior ainda: a própria Mildred tem seus preconceitos sociais. Aferrada à sua condição de classe média, resiste o quanto pode à idéia de trabalhar em posições consideradas inferiores. E sua filha Veda é o preconceito social ambulante, o classismo escancarado, nojento, abjeto.
Todd Haynes é bom de melodrama, de dramas com boas observações sociais, mas não é cineasta de um gênero só. Em 2007, por exemplo, fez Não Estou Lá/I’m Not There, um filme belíssimo (mas complexo, difícil como o personagem retratado) sobre “as várias vidas de Bob Dylan”.
Mas o fato é que ele conhece tudo sobre melodrama. Era o nome mais certo para fazer uma refilmagem de Mildred Pierce.
Gilberto Braga e Aguinaldo Silva jamais esconderam que Vale Tudo vem de Mildred Pierce
Já considerava esta anotação pronta quando dei com um artigo de Artur Xexéo publicado em O Globo em 27 de abril de 2011, mais de dois anos atrás. O texto de Xexéo é ótimo, como sempre, e traz uma informação bem importante que não estava na minha anotação. Então vou transcrever partes do artigo dele:
“Pode um romance, escrito 70 anos atrás, retratando modos e costumes de sua época, fazer algum sentido em 2011? Mildred Pierce, a minissérie que a HBO está exibindo e cujo último capítulo vai ao ar no próximo domingo (1º de maio de 2011!), está provando que sim. (…) O livro de James M. Cain, escrito em 1941, virou um film noir clássico em 1945, inspirou uma telenovela brasileira em 1988 e agora é uma minissérie de TV que, neste 2011, destaca-se na dramaturgia fílmica americana deixando para trás qualquer filme de cinema que aquele país tenha produzido este ano. (…)
“Quem tiver a chance de ver o filme, disponível em DVD (no Brasil, a versão em disco foi rebatizada de Alma em Suplício) e figurinha carimbada na programação de canais especializados em títulos de outrora, certamente verá semelhanças entre ele e a novela Vale tudo, de Gilberto Braga e Aguinaldo Silva. Os autores nunca esconderam a fonte de inspiração. No filme e na novela, a crise econômica — década de 40 nos Estados Unidos, anos 80 no Brasil — envolve toda a ação. O negócio da protagonista (Mildred no cinema, Raquel na novela) é comida. O ex-marido de Mildred e o ex-marido de Raquel são desempregados e gente boa.”
Sensacional. Eu não me lembrava, se é que já soube, que a história de Raquel-Regina Duarte e sua filha Maria de Fátima-Glória Pires em Vale Tudo é calcada na de Mildred Pierce. (A íntegra do artigo de Artur Xexéo pode ser lida aqui.)
Aqui, um toque extremamente pessoal – e um quase spoiler
O texto já está bem grande, e, se algum heróico leitor tiver conseguido chegar até aqui, poderia perfeitamente deixar o texto de lado agora. O que vem a seguir é uma observação extremamente pessoal – e depois algo que pode ser um spoiler.
Dei de presente o DVD da minissérie para minha filha, alguns meses atrás. Era um bom presente, já que todas as referências à série eram extremamente positivas, mas era também interesseiro, porque eu poderia aproveitar e ver os DVDs dela.
Outro dia fucei os DVDs de Fernanda e peguei uma dúzia de filmes emprestados. Perguntei se já tinha visto Mildred Pierce, e ela disse que não, mas que eu poderia pegar numa boa porque ela não teria tempo mesmo de ver, dedicada que está a cuidar de Marina.
Quando terminamos de ver a série, Mary comentou que foi ótimo que Fernanda não tenha tido tempo de ver Mildred Pierce. Não é, de forma alguma, uma obra que deva ser vista por mulheres que deram à luz há pouco tempo.
É a mais pura verdade.
Mildred Pierce é uma das mais cruéis histórias de relação mãe e filha que já foram filmadas.
Os conflitos entre a mãe (interpretada por Ingrid Bergman) e a filha (vivida por Liv Ullmann) de Sonata de Outono de Ingmar Bergman são fichinha perto do que a pobre Mildred Pierce vive com Veda, a filha primogênita (interpretada por Morgan Turner nos três primeiros capítulos e por Evan Rachel Wood, na foto, nos dois últimos).
Veda é uma das criaturas mais abomináveis que já passaram por uma tela.
A rigor, os confrontos entre Mildred e Veda são uma das bases de toda a trama, são um dos temas básicos da obra. Eu não quis salientar isso mais no começo desta anotação porque os confrontos vão num crescendo, e só explodem mais abertamente a partir do quarto capítulo, e então antecipar isso pode de fato ser um spoiler.
Acho – acho, não; tenho a certeza de que não vou devolver Mildred Pierce para minha filha. Jovens mães felizes não têm por que ver tanta tristeza.
Anotação em julho de 2013
Mildred Pierce
De Todd Haynes, EUA, 2011.
Com Kate Winslet (Mildred Pierce),
e Brían F. O’Byrne (Bert Pierce), Guy Pearce (Monty Beragon), Melissa Leo (Lucy Gessler), James Le Gros (Wally Burgan), Morgan Turner (Veda Pierce adolescente), Evan Rachel Wood (Veda Pierce jovem adulta), Quinn McColgan (Ray Pierce), Mare Winningham (Ida Corwin), Hope Davis (Mrs. Forrester), Murphy Guyer (Mr. Pierce pai de Bert), Diane Kagan (Mrs. Pierce mãe de Bert), Marin Ireland (Letty)
Roteiro Todd Haynes e Jon Raymond
Baseado no livro de James M. Cain
Fotografia Edward Lachman
Música Carter Burwell
Desenho de produção Mark Friedberg
Direção de arte Peter Rogness
Figurinos Ann Roth
Produção HBO, Metro-Goldwyn-Mayer, Killer Films. DVD Warner Bros.-HBO.
Cor, 341 min (5 horas e 41 min)
***1/2
Bom dia, Sérgio! Comprei o filme de 1945 se não me engano por alguma dica sua aqui no site. O filme é genial e vou atrás dessa mini-série também.
Apenas um comentário, sobre as cenas mais “explícitas”. No filme de 1945 realmente não havia nada comparado ao que se vê hoje, talvez se veja mais do que seja necessário (e olhe que não sou moralista). Mas no filme de 1945 há uma cena (se não puder publicá-las no site, sendo spoiler, eu entendo)na qual Mildred surprende Veda beijando seu marido (de Mildred), pelo que me lembro, que beijo!Esse ficou mais marcado em mim que qualuqre outra cena explícta ou não que vi no cinema!
Ótima minissérie, mas assim como o Stephen King eu também achei longa; o quarto episódio foi quase desnecessário, com apenas um acontecimento importante. O quinto também foi meio arrastado até culminar com o flagra (pelo qual “esperei” desde o começo, porque era óbvio que ia acontecer alguma coisa entre aqueles dois).
Kate Winslet está muito bonita, não me lembro de tê-la visto tão magra antes. Acredito que ela não tenha emagrecido tanto, até porque não era gorda, mas ainda assim fez uma baita diferença no rosto dela. Só nos dois últimos episódios é que ela ficou meio estranha no papel, era jovem demais pra ter uma filha naquela idade. Guy Pearce conseguiu ser o canastrão de sempre (me espanta saber que ele recebeu indicação de melhor ator coadjuvante!), mas todos os outros atores muito bons (não gostei da atriz que faz a filha já adulta. E por que ninguém deu uma daquelas tortas pra ela comer todos os dias, durante as filmagens? Parecia uma caveirinha ambulante).
Eu não sabia que os personagens Raquel e Maria de Fátima tinham sido inspirados no romance que originou o filme. Quando a novela passou pela primeira vez eu era pré-adolescente, via apenas uns pedaços, não seguia, mas lembro de ficar chocada com o desprezo e o ódio gratuito que a Maria de Fátima tinha pela mãe, e não sentia a menor vergonha em demonstrar, assim como a víbora Veda.
Essa relação de crueldade na minissérie é tão grande que às vezes eu terminava de ver um episódio e ficava pra baixo por um tempo (concordo que jovens mães felizes não têm por que assisti-la).
As cenas de sexo são bem claras mesmo, algumas bastante sensuais, outras vexatórias (como a primeira noite da Mildred com o Wally. Meu Deus, o que foi aquilo? Cara tosco e desajeitado), mas não acho que chegaram ao ponto do quase pornô (tanto que você citou isso, mas não etiquetou o filme). Ainda estávamos longe da revolução sexual, mas a Mildred levava uma vida sexual agitada. Isso ficou meio fora de contexto, até porque ela era conservadora, e as pessoas certamente falariam mal (até hoje falam!), mas a minissérie mostra o fato como algo natural para a época.
Voltando à relação mãe-filha: acredito que a Mildred era culpada também pelo relacionamento doentio. Apesar de tudo de ruim que a Veda fazia, ela continuava como um capacho dela, era praticamente uma empregada submissa da megera. Acho que esse tipo de relação é uma simbiose, que deve gerar prazer e culpa. E o pior é que realmente existem relações assim, eu conheço algumas. A Mildred também tinha um pouco da Veda, aquele orgulho de se achar superior, aquela obsessão em querer que a filha fosse uma pianista famosa a todo custo não era normal. Doença, amor tirano, sei lá. Freud certamente explicaria sem precisar acender o charuto.
O HBO começou há dias a funcionar em Portugal (o internet streaming) e ontem descobri que está lá esta série e comecei a ver com grande prazer.
Só vi o primeiro episódio mas chegou para verificar o seu alto grau de qualidade.
Gostei muito de voltar a ver a Kate Winslet a minha actriz favorita.
Lá no HBO há muita coisa e eu ainda ando a explorar; vi Hook de Steven Spielberg e I Am Legend de Francis Lawrence; também comecei a ver 2 ou 3 séries de que nunca ouvi falar.
Parece que vou cancelar o Netflix até que renovam o catálogo, coisa que não fazem há muito tempo. Pelo contrário retiram do catálogo boas séries que ainda não acabaram como Call the Midwife.
Acabei de ver a série e acho que é realmente de grande qualidade.
Concordo com Jussara quando escreve “Mildred era culpada também pelo relacionamento doentio. Apesar de tudo de ruim que a Veda fazia, ela continuava como um capacho dela, era praticamente uma empregada submissa da megera.”
Veda é das personagens mais abjectas que eu me lembro de ter visto.
É um filme que não é agradável de ver e de ouvir também, com a música estridente de piano e depois com os gorjeios da “prima-dona”.