O Concerto / Le Concert

4.0 out of 5.0 stars

O Concerto é daquela excelsa, augusta, exclusiva categoria de filmes que fazem você levitar. Você não percebe, mas de repente está levitando, os pés a alguns centímetros do chão.

E, depois que o filme termina, você se pega mais uma vez pensando: mas que merda, se as pessoas são capazes de tanta beleza, talvez, quem sabe?, a humanidade não seja afinal de contas uma invenção que definitivamente deu errado…

Um maestro russo aposentado por se recusar a demitir músicos judeus

É necessária uma sinopse, no mínimo uma sinopse. Em geral, não faço propriamente uma sinopse dos filmes que comento aqui – descrevo um pouco do que se passa no início da narrativa, e aí transcrevo informações e dou minhas opiniões. Mas O Concerto me emocionou de uma forma tal que não vou fazer como faço normalmente. Até porque, se fosse descrever o início da narrativa – brilhante, brilhante –, não conseguiria me conter e escreveria um troço do tamanho de Guerra e Paz.

Transcrevo então a sinopse do site oficial do filme – um site, aliás, belíssimo, que merece uma visita.

“Na época de Brejnev, Andrei Filipov era o maior regente de orquestra da União Soviética e dirigia a célebre Orquestra do Bolshói. Mas, depois de ter-se recusado a se separar de músicos judeus, entre eles seu melhor amigo Sacha, ele foi aposentado em plena glória. Trinta anos depois, ele ainda trabalha no Bolshói, mas… como faxineiro. Uma noite em que Andrei fica até mais tarde para limpar o escritório do chefe, ele se depara com um fax endereçado à direção do Bolshói: trata-se de um convite do Théatre du Châtelet convidando a orquestra oficial para tocar em Paris… De repente, Andrei tem uma idéia louca: por que não reunir seus antigos amigos músicos, que vivem hoje de pequenas trabalhos ocasionais, e levá-los a Paris, fazendo-os passar pelo Bolshói? A ocasião tão esperada de enfim se vingar…”

A sinopse do site oficial deixa de fora uma informação fundamental, que consta da sinopse da Wikipedia, e então pego uma frase da enciclopédia virtual, com uma pequena adaptação:

Para ser a solista do violino no concerto, ele convida uma jovem instrumentista francesa, de grande fama internacional, com quem tem uma ligação inesperada, surpreendente.

Temas duros, pesados, difíceis, numa comédia às vezes escrachadíssima

Eis aí uma sinopse honesta, que adianta o tema básico do filme sem revelar nada que não possa ser revelado.

O protagonista, o maestro tornado faxineiro Andrei Filipov, é interpretado por Alekseï Guskov (o terceiro da esquerda para a direita na foto). Sacha, seu maior amigo, violinista da orquestra original desfeita nos tempos de Brejnev, agora trabalhando como motorista de ambulância em Moscou, é interpretado por Dimitri Nazarov (o primeiro à esquerda, na foto). Os dois atores russos têm interpretações sensacionais.

A jovem violinista famosa, Anne-Marie Jacquet, vem na pele de Mélanie Laurent, esse estupor.

É absolutamente necessário registrar também que O Concerto – embora aborde esses temas duros, pesados, difíceis – não é um drama. Ao contrário: é uma comédia, às vezes escrachadíssima, às vezes ultrapassando a fronteira do bom senso e caindo na farsa mais aberta, às vezes beirando o nonsense.

O diretor Radu Mihaileanu consegue a fantástica proeza de tratar de temas seriíssimos numa comédia hilariante, deliciosa, escrachada, farsesca, quase nonsense – ao mesmo tempo em que às vezes muda o tom e fala sério, muito, muitíssimo sério. E essa mistura de tons não sai do tom nunca – ao contrário, o filme é afinadíssimo o tempo todo, afinadíssimo e afiadíssimo que nem peixeira de baiano.

Então, isso registrado, posso ir aos meus devaneios.

A união mais que perfeita entre o cinema e a música

Tenho, acho que diante de tudo na vida, uma coisa associativa. Uma informação me remete a outra. Sobre os filmes, o que tenho a dizer são associações.

O Concerto, este filme tão internacional, sem fronteiras, acima de fronteiras, produzido com dinheiro de França, Itália, Romênia, Bélgica e Rússia, dirigido por um romeno, falado mezzo em russo, mezzo em francês, com atores das duas nacionalidades, que fala sobre duas das coisas mais supra-nacionalidades que existem – a grandeza da música e o horror dos regimes totalitários –, me fez lembrar de outras obras-primas: Hair, Amadeus, Retratos da Vida. Três outros desses raríssimos filmes que, como O Concerto, me fizeram levitar.

Talvez porque promovam, todos os três, assim como O Concerto, a união perfeita entre o cinema e a música, as duas artes que para mim são as maiores, as mais importantes, as mais magníficas.

Nas nossas considerações pós-filme, Mary comentou que O Concerto a tinha feito se lembrar de outro filme extraordinário, outra obra-prima: A Banda, em que egípcios e israelenses, pessoas simples, gente comum, ficam se conhecendo através da música, essa que é talvez a única expressão artística absolutamente universal, supra-nacional, a única arte que não precisa de tradução para emocionar – e unir – gente das mais diferentes culturas.

Uma sábia consideração, essa da Mary. Como sempre.

E aí, ao registrar a consideração feita pela Mary, lembro de outro grande filme, Feliz Natal/Joyeux Noël – que, por mais absurdo, incrível que pareça, se baseia em fatos reais: numa noite de Natal, durante a Primeira Guerra, a música faz com que os soldados inimigos saiam das trincheiras, promovam uma pequena trégua, se cumprimentem, vivam alguns instantes acima do que os põem em luta.

As pessoas são mais importante que os Estados, as ideologias, os nacionalismos

As pessoas estão acima dos Estados, das ideologias, dos nacionalismos. Esse é o ponto de união entre todos estes filmes citados aí acima, todos eles obras-primas, feitos por artistas geniais, todos eles usando a música como mínimo múltiplo comum, ou máximo divisor comum, whatever, para demonstrar as seguintes teses básicas:

que as pessoas são todas iguais; raça, existe uma só, a humana, seja a pele de que cor for, a íris dos olhos de que cor for; que são as ideologias, as fórmulas inventadas pelos que se pretendem dominadores das pessoas, que criam, nutrem e exacerbam os preconceitos entre os grupos de uma raça que afinal é a mesma; que, se fossem deixadas a seus próprios destinos, se não fossem instigadas pelas máquinas ideológicas e/ou governamentais, as pessoas poderiam conviver de forma melhor, talvez até fraterna.

Um filme anti-comunista. Mas, sobretudo, anti-totalitarismos

O Concerto, exatamente como Joyeux Noël, como A Banda, como também Retratos da Vida, é um filme anti-nacionalismos. É transnacional. Como Hair, é anti-racismos.

O Concerto é, agressivamente, virulentamente, poderosamente, anti-comunista. Mas, sobretudo, mais do que anti-comunista, é anti-totalitarista. Os totalitarismos são todos iguais – nós sabemos, ou deveríamos saber disso muito bem. Qualquer ideologia que se arvore em ser a salvação da nação, do povo, e que em nome dessa onisciência prenda, torture, mate, prive as pessoas das liberdades básicas, se assemelha ao pior que pode haver, seja ela dita “de direita” ou “de esquerda”.

Há poucos dias, depois de ver o filme mais recente do excelente diretor australiano Peter Weir, Caminho da Liberdade/The Way Back, sobre os campos de concentração onde o regime soviético botava para apodrecer as pessoas que lhe pareciam incômodas, anotei: “Se eu visse este filme uns 20 anos atrás, teria certamente ficado nauseado com o que chamaria de ‘propaganda anti-comunista’. Ainda tem gente, hoje, que seguramente reagiria dessa maneira ao filme.”

É fantástico, isso. A vida me poupou de conhecer pessoas que fossem capazes de defender os campos de extermínio nazistas, ou de negar a existência deles, atribuindo isso à propaganda sionista, como faz Mahmoud Ahmadinejad, da ditadura teocrática iraniana. Mas não me poupou de conhecer muitos, tantos defensores dos campos de extermínio stalinistas que argumentavam que, em defesa do povo, às vezes é preciso enfiar a mão na merda, e matar uns burgueses e contra-revolucionários sanguessugas.

É fantástico, repito. Matar seis milhões de judeus – e, além de judeus, também ciganos, homossexuais, pessoas de algum tipo de deficiência – nos campos de concentração nazistas, isso é um crime inominável. Mas matar 20 milhões de pessoas nos campos de concentração stalinistas, isso aí, não, isso é propaganda imperialista!

Não consigo compreender qual é a diferença entre um neonazista e um sujeito que ainda hoje é stalinista. Como tantos que há neste nosso pobre país.

Para Mihaileanu, o verdadeiro comunismo dura o tempo de um concerto

Ah, sim, mas até aqui quase só se falou de política, e nada sobre o filme!

Não existe absolutamente nada que não seja político. Cada menor gesto é político.

O Concerto é um filme profundamente, intrinsecamente político.

Fellini, um filo-comunista, ou no mínimo filo-socialista, que teve a sorte de viver a maior parte da vida num país democrático, fez, em Ensaio de Orquestra, um manifesto contra a hierarquia, um panfleto pró-anarquia.

Radu Mihaileanu, que viveu na Romênia sob a ditadura de Ceauscescu, faz o elogio do contrário ao que Fellini defendia.

O maestro que deixou de ser maestro e virou faxineiro porque ousou contestar o Estado comunista diz para o burocrata comunista que apagou seu brilho, e que não entende coisa alguma de música, arte:

– “Uma orquestra é um mundo, Ivan. Um mundo! Em que cada um traz o próprio instrumento, seu próprio talento, para todos tocarem juntos, durante um concerto, com o único ideal de realizar sua missão, exprimir sua capacidade, esperando alcançar a harmonia. E, para cada um deles, esse é o verdadeiro comunismo. Somente o tempo do concerto.”

São virulentos no ataque à ditadura os filmes feitos no ex-império soviético

Têm sido extremamente virulentos muitos dos filmes feitos no que até 1990 era o império soviético. Revelam um imenso ódio do longo período de tempo em seus realizadores viveram sob a ditadura. Um ódio gigantesco, mamutiano, que vem da alma, do coração, do fígado, do estômago. O país que mais tem feito esse tipo de filme, cheio de ódio da ditadura, para expurgar o passado, para se vingar do passado – tal qual faz o protagonista de O Concerto – , é a Romênia, o país natal de Mihaileanu.

Pode ser, talvez, porque, na Romênia, o comunismo tinha essa coisa do culto da personalidade do ditador exacerbada, e o ditador era especialmente grotesco. (Quem sabe quando a Coréia do Norte se libertar não serão feitos lá filmes brilhantes com um ódio imenso, vomitativo, da grotesca ditadura comuno-hereditária de Kim Il-su?)

Ou pode ser porque, por uma série de fatores, os romenos tenham desenvolvido um agudo senso de humor, uma especial índole libertária, e um imenso talento.

O fato é que o novo cinema romeno surpreende, brilha. E vários de seus filmes – Contos da Era Dourada, A Leste de Bucareste, Casamento Silencioso, Como eu Festejei o Fim do Mundo – são especialmente cáusticos, violentos, virulentos no ataque ao totalitarismo comunista.

Ivan Gavrilov (Valeri Barinov) – o ex-agente da KGB que interrompeu o concerto da Orquestra do Bolshói em 1980 denunciando Andrei Filipov como “inimigo do povo”, e agora, 30 anos depois, é secretário-geral do nostálgico Partido Comunista da Rússia –, poderia certamente argumentar, assim como os patéticos Orlando Silva e Aldo Rebelo da nossa triste realidade, que os cineastas romenos estão a soldo do imperialismo capitalista.

Uma longa tradição de grandes cineastas contra a ditadura comunista

Haja dinheiro do imperialismo capitalista para pagar cineastas do ex-império soviético. E não é só a Romênia que vomita ódio sobre o período da ditadura comunista. Da Geórgia, ex-república socialista soviética, a pátria mãe de Josef Stálin, veio, por exemplo, Os 27 Beijos Perdidos, uma beleza de filme, um sangrento, figadal ataque aos tempos da ditadura. Exemplos não faltam.

Sem falar dos grandes cineastas que, ainda durante o comunismo, e a despeito da censura rígida, fizeram belas obras atacando, da melhor forma que podiam, o totalitarismo exercido em nome do povo (e que enriquecia os happy few da nomenklatura), de Andrzej Wajda a Roman Polanski, de Milos Forman à dupla Ján Kadár & Elmar Klos, de Sergei Mikailovich Eisenstein, em seus últimos filmes, a Krzysztof Kieslowski.

Polanski cascou fora de sua Polônia comunista bem cedo, e fez filmes nos Estados Unidos, na Inglaterra, na França. Milos Forman não aguentou o tranco dos tanques soviéticos esmagando a Primavera de Praga em 1968 e foi fazer pirâmides maravilhosas no lugar do mundo onde se faziam mais pirâmides, Hollywood – e foi o segundo realizador (e o segundo imigrante) a ganhar, de uma vez só, as cinco estatuetas douradas mais importantes, por Um Estranho no Ninho, embora esse feito seja um dos menores de sua carreira descomunal.

Andrzej Wajda, tão premiado e reconhecido que o regime comunista polonês não conseguiria prender, fez e faz seus filmes grandiosos tanto lá dentro da Polônia então comunista quanto na França. Kieslowski fez a maior parte de sua obra na própria Polônia natal, apesar da censura, mas foi encerrar a carreira na França.

Pode-se falar mal da França por trocentos mil motivos, mas há que se admitir: eta país capaz de receber bem artistas banidos de seus próprios países. A França acolheu dissidentes do comunismo da mesma forma como dissidentes das ditaduras de direita que se abateram sobre a América do Sul nos anos 60 e 70, como o chileno Raul Ruiz, o argentino Fernando Solanas, o brasileiro Carlos Diegues, para mencionar apenas alguns.

Um cineasta de poucas obras, do tipo ourives cuidadoso

Radu Mihaileanu radicou-se na França em 1980 – exatamente o ano que ele escolheu para botar, em O Concerto, a demissão do protagonista Andrei Filipov da Orquestra do Bolshói. Escapou cedo da ditadura romena: tinha apenas 22 anos quando conseguiu abandonar o Paraíso do Proletariado.

Tem uma filmografia pequena. Parece ser do tipo de artista seletivo, ourives, à la Paul Simon, Dorival Caymmi, Milos Forman. O contrário dos profícuos, prolíferos, dos que produzem sem parar, à la Ingmar Bergman, Woody Allen. De seus poucos filmes, só conhecia Trem da Vida, de 1998, sobre os habitantes de uma pequena aldeia de judeus em 1941 que fogem para escapar dos nazistas. Um belo filme, com um toque de realismo fantástico.

Estava na mais plena maturidade artística quando co-escreveu e dirigiu O Concerto.

Exageros, nonsense, farsa – temperados com um imenso amor pelas pessoas

Há muitos exageros no filme. Os atores russos, incluindo aí os dois protagonistas, Alekseï Guskov como o maestro Andrei Filipov e Dimitri Nazarov como seu grande amigo Sacha, exageram nas caretas, em determinados momentos.

Exagera-se demais no retrato da Rússia hoje, 20 anos após a queda do comunismo. Mostra-se a Rússia como um país louco, completamente louco, tomado pelas máfias, desgovernado. Lá pelas tantas, há uma sequência do casamento de um grande mafioso que resvala pela mais absoluta loucura, pelo mais absoluto nonsense – a farsa absoluta.

Diversas seqüências passadas na França também são assim.

No entanto, a direção de Mihaileanu é tão brilhante, tão genial, que nada fica ridículo. O exagero se compensa com a seriedade dos temas que ele aborda – e com o imenso amor que ele demonstra pelas pessoas.

O Concerto consegue, de fato, como muito bem disse um crítico da revista Studio CinéLive, mesclar o humor (corrosivo, violento, virulento, digo eu) com “uma ternura e uma humanidade raras”.

Uma ternura e uma humanidade raras.

Radu Mihaileanu faz um cinema tão brilhante, tão terno, tão humano, quanto o dos maiores. Eleva-se ao nível de Frank Capra, John Ford.

O filme foi um grande sucesso de público na França. Estreou em 4 de novembro de 2009, com 335 cópias, número alto para “um filme de autor sem grande estrela”, segundo a Studio CinéLive, e em janeiro permanecia em cartaz em mais de 200 salas, com mais de um milhão e meio de espectadores. A revista admite, ao final de uma reportagem sobre o sucesso comercial: “Mélanie Laurent prova que pode carregar sozinha um filme”.

A Academia de Hollywood não deu pelota para O Concerto, mas ele teve indicação para o Globo de Ouro de melhor filme estrangeiro. Levou os Césars de melhor trilha sonora original e melhor; teve também as indicações para os Césars de melhor filme, melhor direção, melhor roteiro original e melhor montagem. Ao todo, foram cinco prêmios e seis indicações. Muitíssimo menos do que merece.

Uma jovem dotada de excesso de talento e sorte

Ninguém lê mais do que 140 caracteres na internet, e este texto já tem quase o tamanho de Guerra e Paz, mas ainda não falei de Mélanie Laurent.

Há que se compreender e respeitar quem fica irritado, inconformado com Deus, ou os deuses, ou o destino, pela injustíssima distribuição de talento e sorte entre as pessoas. É injustíssima mesmo. “Uns com tanto, outros tantos com algum, mas a maioria sempre sem nenhum”, como se diz no samba. Mas até agora não se descobriu uma forma de criar reforma agrária, ou sistema de cotas, para compensar a injustiça na distribuição de talento e sorte.

A garota Mélanie Laurent foi injustissimamente dotada dos dois, talento e sorte. Alguns bilhões de seres humanos nasceram sem talento e sorte, todos eles doados para essa moça.

Tive a oportunidade de reconhecer o talento de Mélanie Laurent cedo. Em 2009, vi Não se Preocupe, Estou Bem/Je Vais Bien, Ne t’en Fais Pas, de Phillippe Loiret, um filme de 2008. Anotei então: “Essa garota Mélanie Laurent de fato promete. É bonita, bastante bonita, e está muito bem no papel de Lili, essa menina comum, sem nenhum brilho especial, que vê sua vida se desestruturar por causa da ausência do irmão gêmeo. Apesar de tão jovem (nasceu em 1983), já tem mais de 20 filmes no currículo, inclusive um papel menor no bem falado De Tanto Bater Meu Coração Parou.”

Só depois de ter reconhecido o talento dela foi que a revi em Bastardos Inglórios, de Tarantino.

Entre 2009 e 2011, Mélanie Laurent fez Bastardos Inglórios, este O Concerto, dirigiu seu primeiro filme (que porra, ela nasceu em 1983!), fez teatro em Paris, e gravou um disco como cantora e compositora!

Mélanie Laurent passou dois meses estudando violino com Sarah Nemtanu, da Orchestre National de France, para se preparar para o papel de Anne-Marie Jacquet.

Transcrevo umas frases dela em entrevista à Studio CinéLive de novembro de 2009, o mês em que o filme estreou na França:

“Eu não tive mais que dois meses para saber tocar com a mão direita com bom ritmo o concerto de Tchaikovski, para a cena final de 12 minutos. Mas minha professora foi incrível. Com ela, eu aprendi a não apenas me familiarizar com o instrumento, mas também compreender o que significa ser uma instrumentista daquele nível. Eu a acompanhei a seus concertos, fui ver onde ela cresceu. E treinei tanto que tive uma tendinite!”

Um detalhinho mínimo sobre outra grande atriz. No final dos créditos finais, há um agradecimento especial a Jacqueline Bisset. Fiquei curioso, querendo saber por quê. Parece, pelo que vi rapidamente na internet, que chegaram a ser filmadas cenas em que Jacqueline Bisset faz uma personagem secundária; na montagem final, essa personagem foi excluída.

Educado, generoso, Radu Mihaileanu faz então o agradecimento.

Um final apoteótico, brilhante, antológico, para ficar para sempre na memória

Os últimos 20 minutos de O Concerto – filmados de fato no Théâtre de Châtelet, onde o filme teria uma de suas avant-premières – são um exemplo do que de mais belo a humanidade já conseguiu fazer. São antológicos, absolutamente antológicos.

O Concerto para Violino em Ré, Opus 35, de Tchaikovsiki, jogou por terra a certeza que eu, imbecil, tinha me botado, em algum momento da vida, de que o Piotri Ilitch era um romântico babaca, menor.

O Concerto para Violino em Ré, Opus 35 é de uma beleza absurda.

Aqueles últimos 20 minutos do filme, culminando com os 12 minutos em que o Concerto para Violino em Ré, Opus 35, é executado, são antológicos.

Para ficar para sempre na memória. Como o contre-plongée sobre o carro em que os hippies viajam, quase no final de Hair, cantando “Good morning, starshine”, e a moça que estava até então de olhos fechados abre os grandes olhas e entra na música, e a gente ouve a voz dela, no meio de tantas. Esse Milos Forman genial conseguiria, saindo do pop para o erudito, criar sequências brilhantes em que a ação se mistura com a música, as notas musicais saindo da cabeça de Wolfgang Amadeus Mozart diretamente para a apresentação da obra completa nos teatros.

Seqüências inesquecíveis, antológicas – como o final de Retratos da Vida/Les Uns et les Autres, de Lelouch – todos os personagens de seu filme imenso, painel do século, reunidos para ver a gigantesca apresentação pela paz mundial na Torre Eiffel, canais de TV do mundo inteiro transmitindo ao vivo, o Bolero de Ravel dançado por Jorge Donn, coreografado por Maurice Béjart.

Não sei se Radu Mihaileanu viu Retratos da Vida. Acredito que sim, acredito que até se inspirou nele, mas, é claro, não dá para saber ao certo.

Lelouch deve seguramente ter visto O Concerto. Teria ficado puto, achando que tinha sido copiado? Teria pensado em acionar advogados, ir à Justiça, cobrar por plágio? Ou, muito ao contrário, teria se emocionado com um final de filme genial empolgante, e, solitário, ou então ao lado da nova jovem mulher, das várias que já teve, aplaudido de pé, como na ópera?

Uma das muitas sortes que tive na vida foi entrevistar Lelouch, um de meus maiores ídolos. Achei uma maravilha quando ele insistiu muito em falar de generosidade. Sem generosidade, não somos nada, ele insistia em dizer.

La générosité.

Se eu estiver certo, Lelouch terá aplaudido O Concerto de pé como na ópera.

Quero rever O Concerto muitas vezes. E aplaudi-lo, de novo, de pé como na ópera.

Anotação em novembro de 2011

 

O Concerto/Le Concert

De Radu Mihaileanu, França-Itália-Romênia-Bélgica-Rússia, 2009

Com Alekseï Guskov (Andrei Simonovich Filipov), Dimitri Nazarov (Sacha, Aleksandr Abramovich Grosman), Mélanie Laurent (Anne-Marie Jacquet), François Berléand (Olivier Duplessis), Miou Miou (Guylène de La Rivière), Valeri Barinov (Ivan Gavrilov), Lionel Abelanski (Jean-Paul Carrère), Laurent Bateau (Bertrand), Vlad Ivanov (Pyotr Tretyakin), Anna Kamenkova Pavlova (Irina Filipova), Roger Dumas (Momo), Anghel Gheorghe (Vassili), Aleksander Komissarov (Viktor Vikich), Vitalie Bichir (Moïse), Despina Stanescu (Rivka)

Roteiro Radu Mihaileanu, Matthew Robbins e Alain-Michel Blanc

Baseado em história original de Héctor Cabello Reyes e Thierry Degrandi

Fotografia Laurent Dailland

Música Armand Amar

Produção Oï Oï Oï Productions, Les Productions du Trésor,

France 3 Cinéma, Europa Corp., Castel Film Romania, Panache Productions, Radio Télévision Belge Francophone, BIM Distribuzione, Canal+, CinéCinéma, France 3. Blu-ray e DVD Paris Filmes.

Cor, 119 min

****

11 Comentários para “O Concerto / Le Concert”

  1. Fui assistir a O Concerto imaginando ser um drama. Que nada. Comédia pura, mesmo que com um drama por trás. E me dei bem! O filme é muito bom. Equilibra momentos de pura comicidade com instantes sérios. Em em todos faz isso com sucesso.A última cena é apoteótica, baseada em música clássica, com Tchaikovsky por muitos minutos, que, incrível, não parecem longos.

    Sensacional!

  2. ola fiquei interessada ao ouvir falar que a origem do meu nome veio da frança ou desse filme eu queria poder ver esse filme mas,nao encontrei o nome dele e quero saber se ele ta disponivel no Brasil.

  3. Eu também levitei quando vi este filme, fiquei uns centímetros acima do chão. Que maravilha, que música! Não conhecia o concerto de violino de Tchaikovsiki e vou tentar comprar o CD. E o filme começa com o concerto nº 21 de Mozart para piano – música celestial!
    Excelente!

  4. Acabei de assistir o filme O Concerto no canal Tele Cine Cult.. Acabei de assistir e me emocionar muito. Belíssimo. Brilhante. Pra completar todos os sentimentos que vieram com o fime, seus comentários maravilhosos, contundentes, excepcionais!,, muito obrigada.

  5. Assisti ao filme ontem. Belíssimo. Também me emocionei às lágrimas. Apenas uma correção em seu comentário: a violinista em questão não é spalla, mas sim solista. O termo spalla se refere ao primeiro violino de uma orquestra, responsável pelas anotações de arcadas e sinais de interpretação de uma partitura. Ele pode ser considerado como um assistente do maestro, seu braço direito, responsável pelo naipe mais importante da orquestra. Por extensão, o primeiro instrumentista de cordas de seu naipe, pode ser considerado como spalla, mas o termo é geralmente empregado para o naipe de violinos.
    Apenas um adendo: parece que a fonte de histórias está secando nos filmes americanos. Muita computação gráfica, pouca atuação, temas repetitivos e em sua maioria violentos. Quando vemos um filme europeu ou no caso desse filme russo, percebemos que pode-se ainda encontrar uma bela história, com atores verdadeiros, e com uma filmagem impecável.
    Tenha um bom dia!

  6. Eliane e Chantal, agradeço muito pelos comentários. Chantal, obrigado pela correção; já alterei o texto.
    Um abraço.
    Sérgio

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