Nosso Amor de Ontem / The Way We Were

Nota: ★★★½

(Disponível em DVD.)

É uma preciosidade, uma pérola este The Way We Were, no Brasil Nosso Amor de Ontem, em que Sydney Pollack dirigiu o talento e a beleza de Barbra Streisand e Robert Redford em uma história de amor que é também um painel, um afresco sobre três décadas da Grande História dos Estados Unidos.

Ao rever o filme agora, 2022, quase 50 anos após seu lançamento, em 1973, me ocorreu que The Way We Were é um Sydney Pollack – esse diretor de obras que sempre têm a política como elemento fundamental – em momento Ettore Scola, o cineasta também sempre político que fez diversos painéis, afrescos sobre a História italiana.

E é impossível não pensar também, meio século depois do encontro dos então fulgurantemente jovens e belos Barbra Streisand-Robert Redford, como a trajetória desses dois artistas é importante, magnífica, gigantesca. Não são apenas atores; são, os dois, também diretores e produtores de obras belas, premiadas, reverenciadas.

Redford ganhou 43 prêmios, fora outras 55 indicações. Só ao Oscar, teve três indicações – uma como ator, uma como produtor, uma como diretor. Venceu esta última, pela direção de Gente como a Gente/Ordinary People (1981). Em 2002, recebeu um Oscar honorário, com a inscrição: “Ator, diretor, produtor de Sundance, inspiração para realizadores independentes e inovadores em todos os lugares.” Sim, o Sundance Institute, que ele criou, e o Sundance Film Festival, que realiza todos os anos, são certamente os melhores incentivadores dos cineastas independentes mundo afora, ajudando a patrocinar a produção de roteiros e filmes.

Barbra além de tudo é uma das maiores cantoras dos Estados Unidos. É, como a define o IMDb, “uma das personalidades de maior sucesso no show business”. “É a única pessoa que já recebeu os seguintes prêmios: Oscar, Tony, Emmy, Grammy, Golden Globe, Cable Ace, National Endowment for the Arts e os Peabody Awards, assim como o Kennedy Center Honor, a láurea pelo conjunto da obra dada pelo American Film Institute e o prêmio Chaplin da Film Society do Lincoln Center.”

Só no cinema, carreira como cantora à parte, Barbra coleciona 58 prêmios, fora outras 83 indicações. Só no Oscar, teve cinco indicações, como atriz, produtora e compositora, e levou duas estatuetas para casa,

a de melhor canção por Nasce uma Estrela versão 1976 e a de melhor atriz por Funny Girl (1968).

Não são apenas grandes atores, diretores, produtores – são dois monstros-sagrados.

Uma judia comunista, um Wasp bom nos esportes

Barbra faz Katie Morosky, judia, de origem simples, comunista de carteirinha, presidente da Liga da Juventude Comunista na faculdade, uma mulher dedicada à causa política 110% de seu tempo, trabalhadora, determinada, incansável. E, por tudo isso, uma pessoa maravilhosa – mas muitas vezes, em muitas ocasiões, uma chata. Às vezes, insuportavelmente chata, chata de galocha.

Redford faz Hubbel Gardiner, o protótipo do All-American Hero, Wasp (branco, anglo-saxão, protestante), excelente em todos os esportes, todos, todinhos. Uma pessoa séria, muito mais inteligente e sensível do que seria de se esperar daquela figura atlética e sempre brincalhona. Ah, sim: e bem de vida. De família bem de vida.

O tipo físico dos dois atores ajudava a compor os personagens. Aos 31 anos no lançamento do filme em 1973, Barbra era uma mulher bela, belíssima, com aqueles gigantescos olhos de um azul mais belo que de um céu sem nuvens, aquele rosto bem feito – mas de uma beleza que não tinha nada a ver com o padrão, com o tipo Barbie, que encanta a todos de imediato. E ainda tinha o nariz um tanto avantajado e o cabelo encaracoladinho típico de muitos judeus.

Enquanto Redford, aos 37 anos, era aquele deus Apolo, aquela coisa de deixar todas as mulheres absolutamente encantadas e todos os homens – à exceção, talvez, de Paul Newman e Alain Delon – morrendo de inveja.

Quem criou Katie Morosky e Hubbell Gardiner foi Arthur Laurents, que já estava então um pouquinho passado da meia-idade – nascido em 1917, tinha portanto 56 anos. Em 1937, ano em que começa a ação, estava com 20, fazia faculdade – exatamente como suas criaturas Katie e Hubbell.

Esse detalhe revela bastante. O autor da história e do roteiro de The Way We Were tinha exatamente a mesma idade de suas criaturas – o que indica que certamente eles têm muito de suas idéias e ideais, seu caráter, sua visão de mundo. E vale aquela máxima de Liev Tolstói, que virou uma frase exemplar da sabedoria popular, do senso comum: se quiser falar para todo o mundo, escreva sobre a sua aldeia. Arthur Laurents – cujo nome está associado aos roteiros de Festim Diabólico (1948), Quando o Coração Floresce (1955), Bom Dia, Tristeza (1958), West Side Story (1961) – com toda certeza falava de coisas que conhecia bem, quando criou Katie, Hubbell e a história deles.

Sim: há muito de Arthur Laurents nos personagens e na história. Falo disso mais adiante.

Em um bar chique, Katie reencontra o colega

O roteiro de The Way We Were começa com uma narrativa-laço, ou in media res, o latinorium para “no meio das coisas”. É aquele tipo de narrativa que começa mostrando um momento especialmente interessante, um momento de clímax, que é para segurar logo a atenção do espectador, fisgá-lo, enlaçá-lo, não permitir que ele desista de acompanhar a história, vá fazer outra coisa. Aí a narrativa volta no tempo, faz um flashback, e vem contando a história na ordem cronológica, até chegar de volta – em geral bem no final do filme – àquele momento climático. E aí prosseguir, seguir em frente, até o desfecho.

Como se, num vídeo de um jogo de futebol, se começasse pelo lance do pênalti aos 44 minutos do segundo tempo. Mostra-se o lance do pênalti, mostra-se que ali vai se decidir o resultado da partida – e aí, antes de mostrar se o batedor fez o gol ou se errou, volta-se atrás, para mostrar toda a partida, desde o apito inicial até o fim.

O roteiro de Arthur Laurents usa esse esquema de narrativa-laço, só que com duas características específicas. Em primeiro lugar, não começa com um momento especial, climático. A ação começa – antes dos créditos iniciais – com Katie-Barbra Streisand chegando para trabalhar, num estúdio de emissora de rádio de Nova York, onde ela é a assistente principal do diretor-produtor-roteirista de uma novela. Não é um dia especial, e não há naquela abertura nada de absolutamente extraordinário: é uma abertura que serve para nos apresentar a personagem central da história, essa Katie trabalhadora, esforçada, um ser político 110% do tempo.

A segunda característica especial é que, ao contrário do usual, o flashback não vai durar a imensa maior parte do filme. De jeito nenhum. O momento em que houve o flashback chega quando o filme ainda está no começo de seus 118 minutos de duração.

Nesse inicinho, vemos Katie trabalhando no estúdio da rádio, vemos que chega atrasado o seu chefe, Bill Verso (o papel de Herb Edelman). Bill convida sua assistente para tomar umas no El Morocco, lugar chique, caro, bacana, no qual ela jamais havia entrado.

Um tempinho depois que chegam ao tal El Morocco, abarrotado de gente, e conseguem atravessar a multidão até o bar, o balcão diante do qual há aquelas cadeiras altas, sem encosto, deparam-se com um deus Apolo em sono profundo, encostado no sujeito sentado na cadeira seguinte. O sujeito veste uma impecável farda branquinha, branquinha, de oficial da Marinha americana. Katie sabe quem ele é, fala seu nome: – “Hubbell Gardiner…”, com uma expressão de absoluta surpresa e total encanto. Uma mocinha bonita estava com ele, mas não conseguia acordá-lo. Bill Verso, sujeito bem mais velho, convida a moça para dançar, e então Katie fica sozinha diante de Hubbell.

Close-up de Katie-Barbra Streisand, aquela mulher de beleza nada convencional, os olhos de azul claríssimo absolutamente abertos. Close-up de Hubbell-Robert Redford, aquele deus Apolo, olhos absolutamente fechados. Os dedos de longuíssimas unhas vermelho vivo de Katie passam pela testa de Hubbell, como se levemente tirando de cima dos olhos os cabelos louros dele.

Estamos com 5 minutos de filme, e vem o início do flashback, embrulhado nos lentos, tranquilos créditos iniciais. Enquanto rolam os créditos, ao som da canção “The Way We Were”, na voz de Barbra Streisand, vemos imagens de Katie e Hubbell na faculdade, ele o All-American Hero bom de esporte, ela a sempiterna ativista política, presidente da Liga da Juventude Comunista.

O flashback dura 25 minutos. Aos 30 minutos de filme, estamos de volta ao ponto de partida: Katie, Bill Verso, a moça que estava com Hubbell e o próprio Hubbell, bêbado feito um gambá, estão saindo do El Morocco. Pegam um táxi, que primeiro pára junto do prédio em que mora Katie – Bill está louco para se livrar dela e do militar para ficar a sós com a moça.

Katie mora num predinho sem elevador, e no último andar. Hubbell vai subindo duramente depois dela. Assim que entra no apartamento, exausto pela subida, parece querer vomitar. Katie indica o banheiro, enquanto corre para fazer um café. Daí a poucos minutos, vê que Hubbell caminhou tirando a roupa até o quarto, aboletou-se na cama e está dormindo o sono profundo dos bêbados.

O espectador tem que perceber as épocas da ação

Estamos aí com 33 minutos de filme. O laço já foi jogado: a partir daí, a narrativa seguirá em estrita ordem cronológica.

O diretor Sydney Pollack optou por não colocar, hora alguma, letreiros com as datas em que acontecem os fatos. Gosto dos filmes que dizem em letreiros o quando e o onde; essas informações ajudam muito o espectador a acompanhar a ação. Mas admiro a decisão de Pollack de evitar essa coisa que tem seu lado um tanto óbvio, um tanto didático. Como fez seu filme para o público adulto, e basicamente para o público americano mesmo, Pollack deve ter dado de barato que todo espectador saberia perfeitamente identificar as épocas descritas ao longo do filme.

O começo da ação – os primeiros 5 minutos, o reencontro de Katie com Hubbell bêbado – é em 1943, ou inicinho de 1944; a Segunda Guerra Mundial está no auge. Quando há o flashback, e eles estão na faculdade, é sem dúvida alguma 1936 ou 1937. Aí vai-se caminhando para a frente, passa-se por 1943, 1944, depois se avança para o finalzinho dos anos 40, inicinho dos 50. Há um corte no tempo, e a sequência final do filme acontece ali já passado 1955.

O espectador fica sabendo de cada uma dessas datas por indícios, às vezes não absolutamente explícitos, mas sempre claros, francos.

Na sequência de abertura, por exemplo – belas tomadas gerais de Nova York, enquanto vemos uma mulher, Katie, é óbvio, correndo, entrando em um prédio –, há um número muito grande de militares fardados. Na tomada em que Katie entra no prédio, dá para ver uma inscrição numa parede: “FDR ‘44”. O presidente Franklin Delano Roosevelt foi eleito para um terceiro mandato em 1940; em 1944, foi candidato novamente, e eleito para um quarto mandato. (Morreria em 12 de abril de 1945, no início do quarto mandato; a legislação seria mudada a partir daí, impedindo que um presidente fosse reeleito mais de uma vez.)

Franklin D. Roosevelt e também sua mulher Eleonor são muito, mas muito citados ao longo do filme.

É bastante fácil determinar que, quando começa o flashback, e Katie e Hubbell estão muito jovens na faculdade, estamos em 1936 ou 1937. Katie, a presidente da Liga da Juventude Comunista, está fazendo discursos contra o fascismo que ameaça a Espanha, pedindo a união de todos contra o fascismo – a senha para chamamento para a luta na Guerra Civil Espanhola (1936-1939).

Mais tarde, depois que termina o flashback e voltamos a 1943 ou inicinho de 1944, ainda se fala da guerra que está se desenrolando, a Segunda Guerra Mundial. Oficial da Marinha, como já foi dito, Hubbell está lotado em Washington, seguramente em algum posto do Departamento da Defesa. Há uma longa sequência no dia em que se anuncia no rádio a morte de Roosevelt – e o presidente morreu em abril de 1945, poucas semanas antes da rendição da Alemanha nazista.

A sequência do dia da morte de Roosevelt – do Partido Democrata, um político bem progressista, segundo os padrões americanos – é importante, porque marca bem os problemas da relação entre Katie e Hubbell. Os dois haviam marcado encontro em um bar, e se encontram depois que as rádios haviam noticiado a morte do presidente. Estão tristes, é claro, assim como a imensa maioria dos americanos – mas Katie, em especial, está absolutamente arrasada. Para fugir um pouco da tristeza, da depressão, Hubbell vai com Katie para a casa do grande amigo J.J. (o papel de Bradford Dillman), onde há sempre um grande grupo, gente alegre – pessoas ou apolíticas ou abertamente republicanas, portanto o oposto de Katie.

Lá pelas tantas, estão fazendo piadas sobre Roosevelt e Eleonor, e Katie tem uma explosão, xinga todo mundo, sai de lá furiosa.

Na sequência seguinte, Hubbell a procura para dizer que eles não dão certo. Eles se amam – mas não dão certo. Melhor cada um ir para um lado.

Não vão cada um para um lado naquele momento. Continuam juntos, mudam-se para Los Angeles – um produtor de Hollywood havia chamado Hubbell para ir para lá, transformar em roteiro o primeiro romance que ele havia escrito.

Estão em Hollywood quando começa a loucura, a absoluta insanidade do macarthismo, a caça às bruxas, a perseguição a todas as pessoas que haviam tido qualquer contato com o comunismo. Quem era classificado como comunista entrava para a lista negra – e os estúdios, as emissoras de rádio, a então jovem televisão, todas as empresas do show business eram proibidas de contratar quem estava na lista negra.

O macarthismo começou por volta de 1950.

A forma de enfrentar a paranóia criada pela HUAC, o Comitê da Câmara sobre as Atividades Anti-Americanas, vai dividir mais uma vez o casal. Katie se junta aos famosos Dez de Hollywood, que se dispuseram a enfrentar o comitê usando uma emenda da Constituição para não responder às perguntas de Joseph McCarthy e seus seguidores. Hubbell, sempre longe de atitudes mais fortes, mais radicais, é contra.

O amor acaba, mas foi uma maravilha enquanto durou

Ao rever o filme agora, pela primeira vez em décadas, me ocorreu que a gente conhece bastante sobre o macarthismo, aquele período da paranóia anticomunista do início dos anos 50. Hollywood já produziu um monte de filmes sobre o macarthismo, a lista negra, vários deles grandes filmes. Nos créditos finais de Testa-de-Ferro por Acaso/The Front, de 1976, abaixo dos nomes das pessoas aparece a inscrição: “blacklisted in 1952”, “blacklisted in 1953”. O diretor Martin Ritt havia entrado para a lista negra; o ator Zero Mostel também, o roteirista Walter Bernstein também.

The Front é um dos grandes filmes sobre a paranóia anticomunista, mas além dele seria obrigatório citar os bem recentes e ótimos Apresentando os Ricardos (2021) e Trumbo – Lista Negra (2015), e também Culpado por Suspeita (1991). Os irmãos Coen chegaram a fazer uma comédia gozando a paranóia daquele período de trevas, o ótimo Ave, César (2016).

Pois bem. O que fiquei pensando depois de rever este belíssimo filme aqui foi que a gente conhece bastante sobre o período do macarthismo – mas há poucos filmes sobre os anos anteriores a ele, os anos 30 e 40, em especial, em que ser comunista nos Estados Unidos não era assustador. Em que, muito ao contrário, era algo absolutamente normal – como mostra muito bem o personagem dessa Katie Morosky.

Diversos, diversos, diversos artistas eram declaradamente comunistas – e daí? It’s a free country, como se costuma dizer em centenas de filmes. Em um país livre, há comunistas, por que não?

Isso é algo que The Way We Were expõe muito claramente – era algo normal haver comunistas nos Estados Unidos nos anos 30, 40.

Achei essa característica do filme algo interessantíssimo, fascinante. Não me lembrava de ter percebido essa característica das outras vezes que vi, tanto tempo atrás.

Foi só depois do final da Segunda Guerra, com o início da Guerra Fria, que passou a haver as condições para o aparecimento da paranóia anticomunista, que chegou ao ponto máximo no macarthismo.

Há uma segunda coisa que o filme mostra que é fascinante, me pareceu agora, também. O fato de que nem toda bela história de amor só termina com a morte de um dos amantes.

Claro, isso é uma obviedade. A cada momento, em cada esquina vemos histórias de amor que acabam. Paulo Mendes Campos fez uma das crônicas mais lindas da língua portuguesa que tem exatamente o título de “O Amor Acaba”. Mas o que o filme mostra – e isso a gente muitas vezes não percebe – é que o fato de um casal decidir não ficar mais junto não significa que a história de amor deles não deu certo.

Deu certo – e foi maravilhoso, e foi belo – enquanto durou, uai!        Infinito enquanto dura, como ensinou Vinicius de Moraes. “My breaking heart and I agree / That you and I could never be / So with my best, my very best / I set you free”, como diz a letra em inglês de “Que reste-t-il de nos amours”, de Charles Trenet. Meu coração partido e eu concordamos: você e eu não poderíamos nunca ser. Então, com meu melhor, meu muito melhor, te deixo livre, como escreveu o letrista Albert Beach.

Nosso Amor de Ontem me fez lembrar de outro belo filme que mostra essa mesma coisa, o simpático Terapia do Amor/Prime (2005) – que, aliás, termina ao som de “I Wish You Love”, que foi o nome dado à versão em inglês da canção de Trenet.

Redford preferia um tom mais político ainda

Canções de amor, belas canções de amor. “The Way We Were”, a canção composta pelo autor da trilha sonora do filme, Marvin Hamlisch, com letra de Marilyn & Alan Bergman, o casal nota mil das letras de músicas americanas, é uma absoluta maravilha. Ela tem exatamente o tom, o clima do filme – um tanto de nostalgia, um tanto de tristeza com que a gente se lembra de como a gente era tempos atrás, mais uma dose grande de espanto diante de uma beleza.

“The Way We Were”, a canção, foi um sucesso extraordinário. Fui conferir no livro The Billboard Book of US Top 40 Hits: a gravação de Barbra Streisand ficou 17 semanas entre as mais vendidas nos Estados Unidos, a partir de 22 de dezembro de 1973; durante três semanas, ficou no topo da lista, em primeiro lugar.

Levou o Oscar de melhor canção, assim como a trilha sonora de Marvin Hamlisch. Foram as duas estatuetas que o filme ganhou, entre as seis categorias em que foi indicado. As outras indicações foram melhor atriz para Barbra Streisand, melhor fotografia para Harry Stradling Jr, melhor direção de arte e decoração de interiores para Stephen B. Grimes e William Kiernan, melhor figurino para Dorothy Jeakins e Moss Mabry.

A página de Trivia do IMDb sobre o filme tem 45 itens, com informações deliciosas, curiosas, importantes. Vou tentar me segurar para falar aqui apenas de algumas delas – e ao mesmo tempo acrescento outros tópicos.

* Embora os créditos digam “escrito por Arthur Laurents”, o que significa que ele foi o autor tanto do argumento, da trama, quanto do roteiro, diversos outros roteiristas deram pitacos. A lista é grande – e excelsa, augusta. Tem Francis Ford Coppola – e é bom lembrar que o grande diretor é também um roteirista de mão cheia, com 29 títulos na filmografia como escritor. Tem o próprio Dalton Trumbo, um símbolo dos roteiristas perseguidos pelo macarthismo e colocados na lista negra. Tem Paddy Chayefsky (4 indicações ao Oscar de melhor roteiro, 3 vitórias), Alvin Sargent (3 indicações ao Oscar, 2 vitórias). E ainda Herb Gardner e David Rayfiel (um dos autores do roteiro de Três Dias do Condor, também dirigido por Sydney Pollack e também estrelado por Redford).

* O dramaturgo, diretor de teatro, produtor e roteirista Arthur Laurents pode ter aceitado sugestões desse monte de talentos aí – mas há muito dele na história e nos personagens que criou. Como já disse bem acima, ele é de 1917, e portanto, em 1937, a época em que Katie e Hubbell estão na faculdade, ele também tinha lá seus 20 anos e fazia faculdade, na Cornell University. E há pontos autobiográficos ali. Transcrevo o item da Trivia do IMDb: “O roteirista Arthur Laurents baseou a história em seu romance com o ator bissexual Farley Granger. As diferenças de personalidade entre eles eram imensas: Laurents era judeu e um ativista político, enquanto Granger era um despreocupado Branco Anglo-Saxão Protestante.”

* Houve rusgas entre Laurents e o diretor Pollack durante as filmagens. Pollack fazia alterações no roteiro, deixando Laurents frustrado, chateado. Os dois discutiam – e Barbra Streisand sempre que possível defendia os pontos de vista do roteirista.

* Sujeito político o tempo todo, um ativista, Robert Redford demonstrou ter ficado desapontado com alguns cortes feitos no filme depois de uma daquelas exibições prévias para os realizadores sentirem a reação do público. “Acho que teríamos preferido um roteiro mais político, mais do estilo de Dalton Trumbo, mas finalmente Sydney se decidiu pelo lado da história de amor. Ele dizia: ‘Isto aqui é primeiramente e principalmente um caso de amor’, e concordamos com isso. Confiamos em seu instinto, e ele estava certo.”

Bem… Sei lá eu… Sim, claro, é uma história de amor, uma bela história de amor. Mas a política está lá no filme, o tempo todo.

* Agora, que o instinto de Pollack estava certo, disso não há dúvida. O filme foi o quinto de maior bilheteria em 1973. Está no livro Box Office Hits: rendeu R$ 22,4 milhões. (Em segundo lugar naquele ano ficou outro filme com Robert Redford, Golpe de Mestre/The Sting.)

* Redford e Pollack eram companheiros de ideais, de visão da política (progressistas, bem à esquerda no espectro político americano), amigos – e gostavam de trabalhar juntos. Fizeram juntos nada menos de sete filmes, em que suas posições políticas ficam bem claras – e, de quebra, tinham belíssimas atrizes ao lado de Redford. Eis a relação:

Esta Mulher é Proibida/The Property is Condemned (1966), com Natalie Wood;

Mais Forte Que a Vingança/Jeremiah Johnson (1972);

Este Nosso Amor de Ontem/The Way We Were;

Três Dias do Condor/Three Days of the Condor (1975), com Faye Dunaway;

O Cavaleiro Elétrico/The Electric Horseman (1979), com Jane Fonda;

Entre Dois Amores/Out of Africa (1985), com Meryl Streep;

Havana (1990), com Lena Olin.

* Assim como seus personagens Katie e Hubbell, Barbra e Redford eram (e ainda são hoje, certamente) personalidades bem diferentes um do outro. No livro que citei logo acima, Box Office Hits, a autora Susan Sackett os define como “o casal mais esquisito que jamais existiu”. Ela lembra ainda que a revista Newsweek chamou os personagens de Srta. Esquerda e Sr. Direita, e fez a seguinte consideração: “Este é um daqueles filmes de uma espécie em extinção, em que os astros, por sua mera presença, alteram a história. De uma certa forma, eles são a história”.

Barbra Streisand e Robert Redford tinham – relata o IMDb – maneiras opostas de ver o processo de criação do personagem, de preparação para o trabalho diante das câmaras. Redford é do tipo intuitivo, que confia na espontaneidade; chega a hora de filmar, e pronto, ele atua. Barbra, ao contrário, é do tipo que gosta de analisar cuidadosamente a personalidade da personagem, seu jeito de ver o mundo, o tipo de reação que teria em cada momento. Pollack declarou em entrevista: “Barbra me telefonava toda noite às 9, 10 da noite, para falar sobre o trabalho no dia seguinte, e ficávamos uma, duas horas no telefone.”

Mas, segundo o IMDb, apesar de todas as diferenças, os Barbra e Redford se respeitaram, e acabaram se dando bem. E usando as próprias diferenças em benefício do filme.

* Um detalhe sensacional na página de Trívia do grande site enciclopédico: Barbra deu pitacos na própria canção-titulo do filme. Sugeriu a Marvin Hamlish uma pequena alteração em um momento da melodia. E ainda sugeriu que a primeira palavra da letra fosse alterada. O casal Bergman havia escrito “Daydreams light the corners of my mind”. Impossível traduzir bem isso, mas vamos lá, seria literalmente “sonhos acordados acendem os cantos da minha mente”. Barbra disse que “memories” ficaria melhor que “daydreams”. É claro que é melhor mesmo, uai! E ficou “memoires light the corners of my mind”…

* Nos créditos iniciais aparece o verbo “introducing” antes do nome de Lois Chiles, moça de beleza fenomenal – e, ao contrário da de Barbra, uma beleza absolutamente Barbie, toda certinha. Lois Chiles faz Carol Ann, amiga de Hubbell e sua turma desde sempre, namorada dele na faculdade, depois mulher de J.J., que depois trai J.J. com o próprio Hubbell, que aí traía Katie.

Ele não mereceu o crédito de “introduzindo”, mas este também foi o primeiro filme de James Woods – que, tadinho, ao contrário de Lois Chiles, sempre foi bem feioso. James Woods faz o papel de Frank McVeigh, que, na faculdade, era da juventude comunista e absolutamente apaixonado por Katie.

Há quem diga que o belo filme é uma porcaria

Nenhum filme é uma unanimidade, e então vejo no livro de Susan Sackett que a revista Time de-tes-tou o filme. A autora destaca um trecho da crítica: “Este filme mal-escrito, com atuações miseráveis, dirigido de forma entediante (…), não tem na verdade nada a não ser juntar dois tipos quentes numa obra de época para despertar nostalgia.”

“Nostalgia” está no título do verbete sobre o filme no livro Cinema Year by Year 1894-2000, que fala sobre obras e acontecimentos como se fossem notícias de jornal da época. Assim, no capítulo com as informações sobre 1973, há um grande título ocupando todas as quatro colunas num alto de página: “Bob and Barbra act out thirty years of nostalgia”, Bob e Barbra interpretam 30 anos de nostalgia. A “notícia”, datada de Nova York, 17 de outubro, um dia depois da première de gala, define o filme como “um drama romântico que se desenrola ao longo de três décadas de história política da América”. “Ela é uma ativista de esquerda e ele é um tipo literário Wasp que se encontram, casam e divorciam enquanto a Segunda Guerra Mundial dá lugar à Guerra Fria e à ameaça do macarthismo. O roteiro é de Arthur Laurents, que atravessou aqueles dias de medo e traição em Hollywood no início dos anos 50.”

Mestre Jean Tulard não gostou nada. Diz ele, mal-humorado, em seu Guide des Films, sobre Nos Plus Belles Années: “Todos os clichês de um best-seller e Barbra Streisand como bônus. Pollack parece ter renunciado. Apenas Redford se dá bem, com elegância.”

Leonard Maltin deu 3 estrelas em 4: “História de amor tipo primeira classe sobre ativista política Streisand e seu oposto, o Wasp Redford, do final dos anos 30 até o início dos 50. Cortes feitos antes do lançamento tiraram a mais interessante sequência sobre a Hollywood da era da lista negra e deixaram Hamilton e Lindfors com papéis pequenos, e alguma confusão na parte final da trama. Mesmo assim bastante bom, com roteiro literário de Arthur Laurents baseado em seu próprio romance.”

Ahnn… Murray Hamilton faz o papel de Brooks Carpenter; confesso que nem reparei nesse personagem. Viveca Lindfors (1920-1995) faz Paula Reisner, uma personalidade importante na Hollywood do início dos anos 50, esquerdista, uma das poucas pessoas que ficam de fato amigas de Katie.

Roger Ebert deu ao filme 3 estrelas 4, e todos os seus elogios são para Barbra. “Barbra Streisand faz tudo tão bem, é quase falta de educação querer que algo mude. Ela nos dá personagens inteligentes, engraçadas, que se apaixonam perdidamente em filmes que parecem querer ser mais do que eles são.”

Bem mais adiante, ele diz: “É fácil perdoar o filme por causa de Streisand. Ela está fantástica. Ela é a atriz mais inteligente, mais rápida do cinema hoje, dando a seus personagens uma energia feroz e ao mesmo tempo vulnerável de forma tocante.”

Eu acho Nosso Amor de Ontem uma beleza de filme.

Anotação em junho de 2022

Nosso Amor de Ontem/The Way We Were

De Sydney Pollack, EUA, 1973

Com Barbra Streisand (Katie Morosky),

Robert Redford (Hubbell Gardiner)

e Bradford Dillman (J. J.), Lois Chiles (Carol Ann), Patrick O’Neal (George Bissinger, o diretor de cinema), Viveca Lindfors (Paula Reisner), Allyn Ann McLerie (Rhea Edwards), Murray Hamilton (Brooks Carpenter), Herb Edelman (Bill Verso), Diana Ewing (Vicki Bissinger), Sally Kirkland (Pony Dunbar), Marcia Mae Jones (Peggy Vanderbilt), James Woods (Frankie McVeigh), Constance Forslund (Jenny), Robert Gerringer (Dr. Short)

Argumento e roteiro Arthur Laurents

Colaboraram no roteiro, não creditados, segundo o IMDb, Francis Ford Coppola, Paddy Chayefsky, Herb Gardner, David Rayfiel, Alvin Sargent, Dalton Trumbo

Fotografia Harry Stradling Jr.

Música Marvin Hamlisch       

Montagem John F. Burnett

Direção de arte Stephen B. Grimes

Decoração de interiores William Kiernan

Figurinos Dorothy Jeakins, Moss Mabry.

Produção Ray Stark, Rastar Productions, Columbia Pictures. DVD Sony.

Cor, 118 min (1h58)

31/5/2022, com Marynha.

***1/2

Título na França: Nos Plus Belles Années. Em Portugal: O Nosso Amor de Ontem.

6 Comentários para “Nosso Amor de Ontem / The Way We Were”

  1. O filme é ótimo, bem dirigido e a fotografia belíssima característica do final dos anos 60 e começo dos 70 do século passado, a trilha é um sabor. Barbra, está estupenda, a personagem é realmente muito chata, então precisava que fosse uma atriz carismática e talentosa como Barbra, e gostei bastante da forma que ela conduziu uma personagem extremamente intransigente. O personagem de Reford, não é exatamente um santo, mas o ator coloca todo seu charme e talento para que a gente fique sempre do lado dele. No final é uma linda história de amor que não deu certo. Mas no final de contas as grandes histórias de amor do cinema não acabam muito bem, e que o digam ”…E o Vento Levou” (1939), ”Um Dia Muito Especial” (1977), ”Casablanca” (1942), ”Desencanto” (1945), ”Doutor Jivago” (1965), ”Annie Hall” (1977), ”Ensina-me a Viver” (1971)…

  2. O filme é fantástico, a música na interpretação de Bárbara é sublime, Redford, é Redford!

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