Entre Dois Amores / Out of Africa

Nota: ★★★½

Out of Africa, no Brasil Entre Dois Amores, é um desses filmes que dão imenso prazer de rever. Fazia muitos anos que não o revia. É uma beleza, uma maravilha.

Para começo de conversa: é um dos filmes que têm as mais belas, extasiantes imagens da África. Possivelmente é o filme que tem as mais belas tomadas gerais do continente tão velho, em termos de História, História Natural, e tão jovem em termos sociais, políticos. Sydney Pollack e seu diretor de fotografia David Watkin se esmeraram no garimpo de imagens da natureza bruta africana. É literalmente de tirar o fôlego a beleza das tomadas gerais.

E quando, lá bem para o fim da narrativa, Denys, na pele de Robert Redford, leva Karen Blixen-Meryl Maravilha Streep literalmente às nuvens, num aviãozinho teco-teco daqueles pioneiros, e a música de John Barry, propositalmente melosa, feita para emocionar, acompanha o vôo e as paisagens suntuosas, não tem muito jeito: é de chorar – de alegria, de tristeza, de pura emoção.

Mary chorou feito um bebê.

Uma história de vida absolutamente fantástica

Lembrando: Out of Africa se baseia em livros – pelo menos um deles abertamente autobiográfico – de Isak Dinesen, o pseudônimo literário de Karen Christenze Dinesen (1885-1962), que mais tarde passaria a ter o nome de baronesa Karen von Blixen-Finecke.

Simplificando, como faz o filme, Karen Blixen.

Não tive ainda o prazer de ler Isak Dinesen. Não tenho idéia de quanto ela romanceou, enfeitou, fantasiou suas experiências reais. Nem de quanto o roteirista Kurt Luedtke ainda romanceou, enfeitou, fantasiou em cima dos fatos reais da vida de Karen Blixen. Dá para saber, isso sim, que houve pelo menos um grande enfeite: a mulher real era bastante feia – e, no filme, tornou-se hollywoodianamente belíssima. Meryl Streep está sensacionalmente bela em Out of Africa.

Mas o fato é que a história que o filme mostra é absolutamente fantástica.

Que extraordinária vida teve Karen Blixen, a personagem do filme.

Uma jovem dinamarquesa viajando para o interiorzão do Quênia

Nas primeiras tomadas, vemos uma Meryl Streep envelhecida pela maquiagem (na época do filme, a extraordinária atriz estava com 36 aninhos), sonhando com a África – e com Denys.

E temos então um rápido intróito. No início do século XX, a jovem Karen Blixen, dinamarquesa de família muito rica, descobre que o amante, um barão sueco, a trai. Karen é grande amiga do irmão do amante, Bror (o papel do grande, imenso Klaus Maria Brandauer, na foto acima, de, entre tantos outros belos filmes, o Mephisto de István Szabó). Klaus é nobre, tem o título de barão – mas não tem dinheiro. Karen tem dinheiro, e gostaria de ter um título nobiliárquico. São grandes amigos, gostam-se muito. Por que não se casarem, os dois?

Fim do intróito, surgem os créditos iniciais.

Estamos em 1913, e a jovem dinamarquesa Karen Blixen está empreendendo longa viagem de trem de Mombasa, porto no Oceano Índico, rumo a Nairóbi, a capital do Quênia, e de lá para uma pequenina cidade do interiorzão, onde o barão Bror von Blixen-Finecke havia resolvido, sabe-se lá por que cargas d’água, se instalar.

O generoso dote da família burguesa de Karen havia sido pago ao barão sem tostão, e o barão havia comprado uma grande fazenda no interiorzão perdido do Quênia. Faltava selar o casamento, o que seria feito no clube inglês da cidadezinha situada a duas horas de viagem da fazenda. (Sim, o clube inglês: o Quênia, em 1913, assim como um terço das terras do planeta, fazia parte do Império Britânico)

O trem em que viajava a futura baronesa pára no meio do nada. Um caçador, aventureiro, bastante conhecido na região, chamado Denys, deposita no trem uma grande carga de marfim, presas de elefantes.

(Sorry, verdes, ambientalistas, naturebas de todas as espécies: o herói da vida de Karen von Blixen-Finecke, o herói do filme, abatia elefantes. No Quênia, em 1913, ainda não havia o politicamente correto.)

Momentos antes de se casar com seu amigo Bro, Karen conhece o grande amor de sua vida.

Pela primeira vez na História, uma mulher adentra o clube inglês

A vida de Karen Blixen nos muitos anos que se seguirão a este início de filme será uma imensa aventura. E a história de amor que ela viverá com Denys é das mais arrebatadas, mais extraordinárias de que se tem notícia.

Denys-Robert Redford é o amante que certamente todas as mulheres gostariam de ter.

Ainda bem no início do filme, há uma seqüência belíssima. Exausta, nórdica perdida naquele calor queniano, Karen vai ao clube inglês à procura do noivo. E entra num dos salões onde nunca antes na História uma mulher havia entrado. As caras dos ingleses diante daquela heresia são deliciosas.

A verdadeira Karen Blixen foi uma mulher muitíssimo adiante do seu tempo. Uma mulher de força admirável, de ânimo inquebrantável. Muitas décadas antes das passeatas feministas de Betty Fridman, Karen Blixen reduziu o milenar machismo às favas.

É fascinante ver que, para escrever seus livros, tenha escolhido um nome masculino – Isak. Fogo com fogo se combate.

Meryl Streep espantosamente bela, dando uma força impressionante a seu personagem

Dizer que Meryl Streep é uma atriz excepcional é chover no molhado. Mas devo dizer que, ao rever agora o filme, me surpreendi com a força da interpretação dessa atriz maravilhosa como Karen Blixen. É muito impressionante. Ela não precisa dizer frase alguma – só sua expressão diz tudo, e muito mais.

Bobagem, imbecilidade dizer isso, mas digo: esta é uma das melhores atuações de Meryl Streep. Bobagem, imbecilidade – porque são umas 40 as melhores atuações de Meryl Streep.

Mas, meu Deus do céu e também da terra, como ela está absolutamente bela!

Meryl Streep contracenou com praticamente todos os grandes atores americanos e ingleses dos anos 70, 80, 90, 2000. (Sorte deles.) Quando estava com 46 estupidamente belos anos, fez, ao lado do já velhinho Clint Eastwood, uma das seqüências mais sensuais do cinema, dançando na cozinha da casa de sua personagem, uma interiorana reprimida, em As Pontes de Madison.

Faz aqui sequências igualmente sensuais, ao lado do então jovem Robert Redford, no auge daquela beleza toda dele.

São maravilhosas as seqüências em que Denys leva Karen para safáris, para conhecer a África que ele, Denys, tem certeza de que vai acabar em breve. Uma noite, e não acontece nada; duas noites, e não acontece nada. A tensão e o tesão sobem como no Bolero de Ravel.

Mas talvez a seqüência mais espantosamente bela deste filme espantosamente belo seja aquela, quando estamos aí com uns 30 minutos de narrativa, em que Denys e seu amigo Berkeley (Michael Kitchen) visitam a fazenda dela. Jantam como se estivessem num castelo europeu; bebem bom vinho, e então os homens pedem que ela conte uma história. Karen Blixen, a mulher que, como Isak Dinesen, se transformaria em uma das pérolas da literatura dinamarquesa, pega o mote dado pelos seus convivas, e inventa, na hora, uma história que poderia ter sido criada por Sherazade.

É de interromper o filme, ficar solenemente de pé e aplaudir como na ópera.

Onze indicações, sete Oscars – mas Meryl Streep não levou

Out of Africa teve espantosas 11 indicações ao Oscar – e venceu em sete categorias. Ganhou os Oscars de melhor filme, melhor direção, melhor roteiro adaptado para Kurt Luedtke, melhor trilha sonora para John Barry, melhor fotografia para David Watkin, melhor direção de arte e melhor som.

Não levou os prêmios de coadjuvante para Klaus Maria Brandauer, melhor figurino, melhor montagem – e melhor atriz para Meryl Streep!

Meu Deus do céu e também da terra, Meryl Streep não ganhou o Oscar naquele ano!

Vou ao Tudo sobre o Oscar, ótimo livro de Fernando Albagli.

Vixe Maria! Naquele ano, concorriam com Meryl Streep Whoopi Goldberg por A Cor Púrpura, Anne Bancroft por Agnes de Deus, Jessica Lange por Um Sonho, Uma Lenda, e Geraldine Page por Regresso para Bountiful. Cinco atrizes maravilhosas, estupendas. Ganhou Geraldine Page.

Me lembro bem das excelentes interpretações de Whoopi Golberg e de Anne Bancroft. Não gostaria de ter participado da votação.

Mas uma estatueta de gesso, ainda que pintada de dourado, é uma bogagem, certo?

Meryl Streep está soberba, magnífica, neste filme soberbo, magnífico.

Uma historinha pessoal, sem qualquer interesse

Ao rever o filme agora (em Belo Horizonte, com Marynha e Dona Lúcia), me lembrei de uma historinha pessoal, que não tem interesse algum para ninguém, mas que conto porque gosto das historinhas pessoais que não têm interesse para ninguém além de mim mesmo.

Eu estava nos meus últimos meses da revista Marie Claire, quando uma jornalista de excelente currículo, então editora importante do Estadão, e por acaso descendente de dinamarqueses, e fã de Karen Blixen/Isak Dinesen, se ofereceu para fazer uma matéria sobre a escritora. Havia visitado o Museu Karen Blixen, na Dinamarca – a antiga casa da escritora, transformada em museu –, e lido muito do que ela havia escrito.

Regina Lemos já havia se afastado da direção da revista, dedicando-se a projetos especiais, e eu era teoricamente o redator-chefe respondendo a uma nova diretora de redação que não me reconhecia como tal. A tramitação de uma proposta de pauta era algo complicadíssimo. Em princípio, a nova diretora aceitou a proposta da matéria sobre a vida de Karen Blixen – como dizer não à sugestão de reportagem sobre aquela mulher interpretada por Meryl Streep, que viveu um romance de sonho com Robert Redford?

Houve trocentas reuniões com a competente jornalista que oferecia a idéia e o texto.

No fim, a matéria não saiu.

Não por culpa da jornalista que havia proposto a pauta. Nem, também, creio, por culpa das muitas exigências da nova diretora de redação.

Acho que, no frigir dos ovos, a matéria gorou porque não poderia haver nada mais fascinante que o filme. Uma reportagem sobre a verdadeira Karen Blixen, por melhor que fosse, não poderia jamais ter o charme, o encanto, a beleza de Out of Africa.

É como dizia o redator-chefe do Shinbone Star, o jornalzinho da pequena cidade do Oeste retratada por John Ford em O Homem Que Matou o Facínora: “Quando a lenda vira um fato, publique-se a lenda”.

Pode ser lenda, pode ser imaginação do roteirista, mas a história de amor de Karen e Denys é uma das mais belas histórias de amor que o cinema já mostrou.

Anotação em abril de 2012

Entre Dois Amores/Out of Africa

De Sydney Pollack, EUA, 1985

Com Meryl Streep (Karen Blixen-Finecke), Robert Redford (Denys Finch Hatton), Klaus Maria Brandauer (barão Bror Blixen-Finecke), Michael Kitchen (Berkeley), Mallick Bowens (Farah)

Roteiro Kurt Luedtke

Baseado em Out of Africa e outros textos de Isak Dinesen; em Isak Dinesen: The Life of a Storyteller, de Judith Thurman; e em Silence Will Speak, de Errol Trzebinski

Fotografia David Watkin

Música John Barry; com obras de Wolfgang Amadeus Mozart

Produção Mirage Enterprises, Universal Pictures. DVD Universal

Cor, 161 min

***1/2

 

8 Comentários para “Entre Dois Amores / Out of Africa”

  1. Belíssimo é o mínimo que posso dizer, um encanto para os olhos, os ouvidos, para toda a pessoa.
    As paisagens, a música – glorioso Mozart que escreveu o concerto para clarinete – as personagens, os actores, tudo.
    Tenho o filme em DVD e também tinha o livro (Out of Africa) de Karen Blixen que li e que perdi em empréstimos.
    Out of Africa é um livro de memórias e tenho outro livro dela com o título original Shadows on the Grass (Sombras no Capim em Portugal) que continua o primeiro de certa forma e acrescenta detalhes.
    Uma maravilha de fime.

  2. Eu lembro pouco do filme – mas agora o reveria com prazer e mais interesse, porque depois disso li A Fazenda Africana (Out Of Africa) e li a biografia de Karen Blixen/Isak Dinesen, e li outros livros da escritora e virei fã.

  3. Eu estava louco procurando por este filme nos sites online porque nas locadoras nem brincando, vou encontrar.
    Graças a Deus encontrei na TV.
    Ainda não li teu texto sôbre este filme, Sergio. Vou deixar para fazer isto depois que assisti-lo. Tanto tempo procurando por ele . . . não quero saber nada, antes. Depois , com certeza , vou me deliciar lendo teu comentário.
    Vim aqui agora e só li os comentários do José Luís e da Carla e,a intenção maior, foi de dizer para a Carla, se ela vier aqui na página novamente, que vai passar hoje as 22 hs e amanhã as 15 hs no TCM, canal da net.
    Vou assistir e depois volto com uma opinião.
    Um abraço !!

  4. É brincadeira. Digo isto para não dizer coisas bem piores que disse aqui em casa.
    Não assisti na terça,para assistir o futebol e deixei para ver na quarta.
    Tranquilo, beleza. Qual o que . . .
    É aquela coisa, quando não é para ser, não é mesmo.
    Quarta feira , estou assistindo e com 15 minutos de filme faltou luz aqui e em outras ruas do bairro.
    Quando a luz voltou , uma hora e quinze minutos depois , não tinha mais como continuar assistindo.
    Agora é esperar prá ver se passa novamente na TV ou continuar procurando nos sites de filmes online.
    Tudo bem , eu chego lá .
    Um abraço !!

  5. Lindo filme..assisti apenas uma vez e não me saiu da memória…..hoje procurando algo sobre o livro…encontrei estes comentários….”..abolutamente fantásticos”.. Voltei no tempo, no dia que vibrei e chorei vendo esse filme maravilhoso… Parabéns!!!!

  6. Estamos em 2020 e em plena pandemia do Corono Vírus e resolvi assistir pela enésima vez este filme belíssimo.
    Só tenho uma palavra para descrever: Emocionante.

  7. Após algumas buscas, encantei-me com esse artigo; estou em uma pesquisa sobre a África bruta e creio que esse filme seja uma ótima referencia. Estou à procura do filme online, alguém poderia me ajudar? obrigada desde já!

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