3.0 out of 5.0 stars
Anotação em 2010: Amor à Primeira Vista é o típico filme que a turma papo-cabeça, fã da Mostra e dos iranianos, chamaria, com o narizinho empinado, de “filminho americano”. Gostei bastante dele.
Perdi na época, 1984 – não sei por quê –, e nunca tinha visto. Com cinco minutos de filme, comentei com Mary: ih, é igualzinho Desencanto – Desencanto, A Brief Encounter, de David Lean, de 1945. Naquele clássico, o personagem de Trevor Howard é casado, o de Celia Johnson, também; encontram-se na estação de trem que ambos freqüentam, apaixonam-se. São demais os perigos desta vida.
Deu vontade de rever Desencanto.
Poderia ter, com cinco minutos de ação, ficado com pé atrás, crispado, com prevenção contra o filme. Não fiquei. Como ficar com pé atrás diante de Meryl Streep e Robert De Niro, esses dois atores espetaculares, maravilhosos, vivendo essa história tão simples, tão absolutamente lugar-comum (como dizia Luiz Vilela, quer lugar-comum mais comum que a vida?), que quase todos nós conhecemos de perto, que muitos de nós já vivemos?
Brrr… Que horror; não interessa nada a ninguém, mas eu por mim confesso que tudo que não gostaria na vida seria passar por isso de novo.
Esquemático e previsível
Esse diretor Ulu Grossbard não tem lá um grande nome. Só me lembro de ter visto dois outros filme dele, Liberdade Condicional/Straight Time, de 1978, em que Dustin Hoffman faz um ex-presidiário que, após cumprir pena, é atraído de volta para o crime, e de Nas Profundezas do Mar Sem Fim/The Deep End of the Ocean, de 1999, sobre um tema importantíssimo, a discussão sobre quem tem o direito de ficar com o filho, os pais biológicos ou os pais de criação. Sobre este último filme, que tem no elenco Michelle Pfeiffer e Whoopi Goldberg, fiz uma anotação rápida, e disse que ele é todo esquemático e previsível.
Sim: Amor à Primeira Vista também é um filme esquemático e previsível. Desde as primeiras seqüências – Meryl Streep e Robert De Niro no trem do subúrbio para Manhattan, depois eles nas ruas da capital do mundo, às vezes no mesmo lugar, ainda sem se conhecer –, sabemos o que vai acontecer.
É esquemático e previsível – e no entanto é um bom filme. Ou é um bom filme na minha opinião, ou é um filme de que gostei bastante, que são apenas outras maneiras de dizer a mesma coisa.
Onde está o ponto que o transforma num bom filme? Sem dúvida alguma são os dois grandes atores. Talento – é isso que faz a diferença. E talento Meryl Streep e Robert De Niro têm de sobra. Nos últimos anos, De Niro andou se perdendo um pouco, se repetindo, entrando no esquema de representar De Niro o tempo todo. Meryl Streep, não, Meryl Streep nunca deu um passo em falso, tudo que ela faz é brilhante. Mas em 1984, neste filme aqui, os dois – já então grandes astros, grandes atrações de bilheteria, reconhecidos e incensados – estavam na sua melhor forma.
Todos os seus pequenos gestos, os olhares, os olhares desviados, as frases entrecortadas, a voz que às vezes hesita, tudo é um brilho.
E é preciso reconhecer também que o roteirista Michael Cristofer tem seu mérito. Não procurou criar situações estranhas, esquisitas, diferentes; ao contrário, todas as situações, em especial na metade inicial do filme, são plausíveis, são simples, são comuns, são o dia-a-dia das pessoas. Poderia ter caído na tentação de fazer diálogos “inteligentes”, frases bem feitas, elaboradas; não caiu nessa tentação. Ao contrário, todos os diálogos são simples, naturais, banais, comuns, de gente como a gente.
Banal. O roteiro e a atuação dos dois grandes monstros garantem a naturalidade, a banalidade dessa história que se repete em no mínimo oito de cada dez relacionamentos humanos – Frank está lá casado com Ann (Jane Kaczmarek) e muito feliz, Molly está lá casada com Brian (David Clennon) e também feliz. Em volta deles os casamentos estão se destroçando. Ed (Harvey Keitel), o grande amigo de Frank, tem uma amante faz um ano; Isabelle (Dianne Wiest), a grande amiga de Molly, ainda não se separou do marido, mas tem casinhos com garotões.
Frank e Molly estão bem em seus casamentos; não estão atrás de uma aventura. Mas são demais os perigos desta vida, para morrer basta estar vivo, para se apaixonar também – e aí a terra treme, e a vida que se levava até então desmorona que nem castelo de cartas.
Uma dura crítica à simplicidade da história
Vou atrás de outras opiniões, na certeza de encontrar adjetivos tipo óbvio, previsível.
Epa: surpresa! Leonard Maltin dá 2.5 estrelas em quatro, sintetiza sua sinopse em duas frases – mas não cai de pau. “Filme simples e direto sobre duas pessoas casadas que – contra sua vontade – têm um caso. Brief Encounter não chega a ser, mas De Niro e especialmente Streep o elevam para acima do ordinário.”
Pauline Kael, como seria de se esperar, desce a ripa. Diz que os casamentos dos dois ficaram vazios – e aí é um erro de julgamento sério, porque o filme mostra que o casamento de Frank e Ann, em especial, é bom, os dois se amam, são ternos um com o outro. Depois Dona Pauline faz uma frase de efeito: “É agradável ver esses dois (Meryl e De Niro, claro) num filme em que eles não estão carregando todos os pecados da humanidade sobre seus ombros, mas eles foram longe demais na direção oposta – não estão carregando coisa alguma.” E finaliza dizendo que a música de Dave Grusin é ultra-medíocre. Nisso aí ela tem razão: Dave Grusin é um compositor medíocre, na minha opinião.
Roger Ebert entendeu como defeito o que eu entendi como qualidade – a simplicidade das situações e dos diálogos. Deu 2 estrelas em 4: “Este filme é o caso mais claro que já vi em muito tempo da guerra entre astros de cinema e os roteiros que dão para eles. O filme é uma história de amor. Os astros são Robert De Niro e Meryl Streep – provalmente os melhores atores do cinema americano abaixo dos 50 anos (De Niro estava com 41, e Meryl, 35). Eles têm uma química genuína juntos na tela e um inegável carisma. E eis que este filme não dá a eles nem uma frase memorável, nem uma situação inventiva, nem um momento em que não padecemos diante de um colar de clichês.”
Depois de descer a lenha em tudo, Ebert conclui: “É incrível, mas há passagens em que este filme funciona. Elas se devem inteiramente à química, às genuínas qualidades humanas de Streep e De Niro. Eles carregam a trama e o diálogo sem brilho por causa da boa vontade que eles criaram em nós, e por causa de seu próprio magnetismo, sua habilidade de investir um certo charme pessoal em diálogos que não valem nada. Falling in Love é um exemplo definitivo de boas atuações num filme ruim.”
O guia de Jean Tulard faz uma sinopse e um breve – e um tanto misterioso – comentário: “Brève Rencontre (o título francês de Brief Encounter do mestre Lean) versão 1984. É tão sábio, tão antiquado, algumas décadas mais tarde.” Sábio e antiquado? Bem, sage, além de sábio, significa também ajuizado, ponderado, bem comportado. Será que Tulard quis dizer que o filme é careta? Deve ser.
Bem. Como diz minha cunhada Nilza, numa frase tão curta quanto sage (em qualquer sentido), cada um, cada um. Eu gostei muito ver Meryl e De Niro viverem a história mais comum do mundo.
Ah, sim, é preciso registrar. Meryl Streep, a atriz de mil faces, está estupidamente bela neste filme.
Outro registro necessário: o título brasileiro do filme é imbecil. Não é amor à primeira vista; os dois levam um bom tempinho para se apaixonar.
Outros filmes com Meryl Streep já no site | Outros filmes com Robert De Niro já no site | |
1963 | Festa de Casamento/The Wedding Party | |
1968 | Quem Está Cantando Nossas Mulheres/Greetings | |
1976 | Taxi Driver | |
1979 | A Vida Íntima de um Político/The Seduction of Joe Tynan | |
1985 | Plenty – O Mundo de uma Mulher | |
1987 | Os Intocáveis/The Untouchables | |
1995 | As Pontes de Madison/The Bridges of Madison County | Cassino/Casino |
1996 | As Filhas de Marvin/Marvin’s Room | As Filhas de Marvin/Marvin’s Room |
1997 | Mera Coincidência/Wag the DogCop Land | |
1998 | A Dança das Paixões/Dancing at Lughnasa | Grandes Esperanças/Great Expectations |
2005 | Terapia do Amor/Prime | O Amigo Oculto/Hide and Seek |
2006 | O Diabo Veste Prada/The Devil Wears PradaA Última Noite/A Prairie Home Companion | |
2007 | Ao Entardecer/Evening | Stardust – O Mistério da Estrela/Stardust |
2008 | Dúvida/DoubtMamma Mia! | As Duas Faces da Lei/Righteous Kill |
Amor à Primeira Vista/Falling in Love
De Ulu Grossbard, EUA, 1984
Com Meryl Streep (Molly Gilmore), Robert De Niro (Frank Raftis), Harvey Keitel (Ed Lasky), Jane Kaczmarek (Ann Raftis), George Martin (John Trainer), David Clennon (Brian Gilmore), Dianne Wiest (Isabelle)
Roteiro Michael Cristofer
Fotografia Peter Suschitzky
Música Dave Grusin
Direção de arte Santo Loquasto
Produção Paramount
Cor, 107 min
***
Título em Portugal: Encontro com o Amor. Título na França: Falling in Love
Mais uma ótima resenha, Sérgio! Parabéns!
Eu lembro que quando assisti a esse filme, achei-o razoável, sendo que o que mais gostei foi da atuação de Meryl e De Niro, principalmente de Meryl Streep, sempre ótima em tudo que faz!!
Pô, muito obrigado, Fernando. Muita gentileza sua em ter o trabalho de fazer o elogio.
Legal que você tenha gostado na época em que viu. É um filme fácil de se meter o pau, como eu tentei dizer. Mas acho que todo filme que fala de gente normal – não super-herói, não super-bandido – já merece algum crédito… Um abraço, e obrigado.
Sérgio
É simples e… gostoso de ver. Eles são bons e passam muito bem seus “feelings” para o espectador. E essa foto? Certeza que ele é o De Niro? Apostaria que não.. Parece outro parceiro dela, num filme espetacular… Fico com a dúvida para mim… Não me arrisco a citar quem…
Cara Maria, obrigado pelo comentário – e pela menção à foto. Fui checar, e eu também fiquei em dúvida se a foto que estava ai no post era deste filme, e então a substitui.
Um abraço.
Sérgio
Oi, Sérgio, sabe q gostei muito do filme? E ao contrário do q vc falou, não achei nem esquemático, muito menos previsível. Vc sempre diz q aceita discordâncias, está na hora de provar a sua coerência!Pois se vc mesmo observou q Molly e Frank eram felizes em seus respectivos casamentos. Frank me pareceu ter uma vida mais harmoniosa com Ann;observei q na manhã de Natal, apesar de acordados pelos filhos, eles se abraçaram com carinho e acertaram nas escolhas feitas para os presentes desse dia transparecendo, o tempo todo, muito afeto entre eles. Já em relação a Molly e Brian, existia realmente um certo vazio pois, depois de tantos anos de casados, ambos erram nos presentes q trocam. O relacionamento parece mais frio e Molly passou o filme mais preocupada com a saúde do pai, o q a levava a fazer essas viagens quase diárias de trem, do q com qq coisa relacionada ao marido, q ficou um personagem quase que ausente.
Então, como seria previsível q eles se apaixonassem ?Vc mesmo diz q são demais os perigos da vida, certo? Uma hora a gente acha q vive bem com a mulher/o marido e, de repente, como aconteceu com eles, tudo muda. Pode ser q não tenha sido amor à primeira vista mas q o encantamento, principalmente da parte de Frank por Molly, brotou logo, isso é indiscutível. E apesar de tão bem casado, ele joga tudo para cima, quer ficar com a amada, quer novamente sentir a paixão q esfriou com o casamento. A pp Ann ressaltou quando ele falou a respeito:”mas quem, hoje em dia, está apaixonado?”Sinal de q, até p ela existia apenas aquele carinho q nasce de um casamento harmonioso, mas não sentia mais aquilo q, como vc mesmo diz, faz a terra tremer e a vida tomar outro sentido.
Enfim, uma linda história de amor, sensível, romântica e com protagonistas, sem dúvida, maravilhosos!
Guenia Bunchaft
http://www.sospesquisaerorschach.com.br
Uma pergunta besta: quem sabe o nome da musica de abertura ?
Também gostei demais deste filme.
Exato como voce diz. Como não gostar da Meryl e do De Niro ?
Caramba!! Também me lembrou “Desencanto”. E também me lembrou um pouco, ” As Pontes de Madison “, pelo “drama” vivido pela Molly em relação ao Frank.
Situações diferentes mas me lembrou o mesmo vivido pela Francesca em relação ao Robert.
É claro e muito claro que “As Pontes” é um filme infinitamente superior.
A diferença é que aqui eles ficam juntos.
Achei que a Molly sim, já tinha um casamento desgastado, “mascarado”. Já o Frank tinha um casamento que (parecia) feliz. Se fôsse o contrário, não teria se apaixonado tão fácil pela Molly. É opinião minha. E terei sempre esta opinião. Se o homem (aqui, no caso) ama sua mulher, está feliz no casamento, ele pode até sentir uma atraçao por outra mulher mas vai ficar só nisto. Ele não tem motivos para trair e até, deixar sua mulher.
Ele está sendo sujo consigo mesmo.
A Molly tinha motivos para sentir aquela atração.
Bote coincidência nisso. Eles estavam sempre no mesmo caminho . Um detalhe: pegar um trem as nove horas da manhã com lugar para sentar , acho que só ali, mesmo. Aqui, é uma utopia.
Quando eles se reencontram já no final (que é clichê)tudo bem, mas não tinha como ser de outro jeito. Os casamentos já eram. Tudo estava desfeito, pronto para eles refazerem, então por que não terminarem juntos? Sem sentido seria se não ficassem.
Meryl Streep, como uma mulher pode ser tão linda?
Aquele olhar apaixonado da Meryl, meu Deus!!
É mais devastador do que qualquer furacão, qualquer terremoto, maremoto, tudo junto.
Em tempo: já que estava no lucro vendo este filme com a Meryl, logo depois vi outro com esta Deusa maior. “A Difícil Arte de Amar” (Heartburn) de 1986 – Mike Nichols.
Aqui ela atua ao lado de Jack Nicholson.
Gosto muito do Jack mas em alguns filmes com ele, fico achando que ele vai fazer a cara do Jack Torrance, “O Iluminado”.
E esta é a grande diferença com relação a Meryl Streep, como voce mesmo diz, “a atriz de mil faces”.
Se um dia ” A Difícil Arte de Amar ” estiver no “50 anos de filmes”, deixo minha opinião.
Um abraço !!
Amei esse filme. Robert e Meryl são excelentes atores. Robert De Niro é um grande ator de Hollywood, como muitos filmes tem bons trabalhos. O filme superou as minhas expectativas, o ritmo da historia nos captura a todo o momento. Li boas criticas do Hands of Stone filme , acho que teve um excelente elenco. De todos os filmes que estrearam o ano passado, este foi o meu preferido.
Olá Sergio, qto tempo! Não poderia deixar de falar sobre este maravilhoso filme! Ah, que dupla, são demais! Que história de amor, apesar de casados, (deixa pra lá) com dois incríveis e lindos! Tudo me deixa no ar e me deixa até hoje, pois não sei quantas vezes já assisti! Mas, Sérgio, a cena que mais me encanta, me emociona, é o encontro deles no quarto do apartamento,(emprestado de um amigo)! Que cena, que amor verdadeiro, que respeito e que responsabilidade! Amei…amei…amei… Ah tenho o DVD! Uauuu…rsrsrs…
Abraços