Cartas para Julieta / Letters to Juliet

2.5 out of 5.0 stars

Piegas e bonitinho. Ou então – se o espectador deixar de lado seu rígido espírito crítico – extremamente romântico e bem bonitinho. É assim este Cartas para Julieta, mais uma comedinha romântica do cinemão comercial americano passada na Itália.

Impressionante como os americanos e os ingleses amam histórias de amor passadas na Itália.

Para os cinéfilos mais velhos, há o doce prazer da presença de Vanessa Redgrave, essa deusa que deixou toda uma geração mesmerizada por suas atuações em Blow-up (1966), Isadora (1968) e Julia (1977). E é interessante ver Vanessa fazendo uma personagem que, quando jovem, se apaixonou por um italiano interpretado por Franco Nero. Na vida real, os dois belos atores se conheceram em 1967, durante as filmagens do musical Lancelot (ele foi Lancelot, ela, Guinevere), e nunca mais se separaram.

Continuam belos, a inglesa e o italiano – ela estava com 73 anos quando Cartas para Julieta foi lançado, em 2010, e ele, com 69.

O personagem dele, embora fundamental na trama, só aparece quando o filme já se aproxima do final. O dela só aparece quando o filme está aí com uns 20, talvez 30 minutos.

Sophie, a protagonista, é checadora de fatos, mas quer mesmo, claro, ser repórter

A ação começa – depois de deliciosos créditos iniciais em que há dezenas de desenhos e fotos de casais se beijando – em Nova York. Sophie Hall, a protagonista da história (interpretada por Amanda Seyfried, com aqueles imensos olhos verdes), é uma checadora de fatos que trabalha para a revista The New Yorker. Está, naquele momento, tentando localizar o sujeito que aparece, com o uniforme e o boné branco de marinheiro, na famosérrima foto tirada por Alfred Eisenstaedt na Times Square em 14 de agosto de 1945, em que um outro marinheiro dá um beijo apaixonado numa enfermeira, e virou um símbolo daquele dia em que os americanos saíram às ruas para comemorar o fim da Segunda Guerra Mundial, com a capitulação do Japão após as bombas atômicas lançadas sobre Hiroshima e Nagasaki.

O pessoal da revista tinha conseguido obter o nome daquele marinheiro – mas havia dezenas e dezenas de pessoas com aquele nome, e o trabalho de Sophie era ligar para cada um deles e perguntar onde ele estava naquele dia de 1945.

Depois de diversas tentativas, ela acaba localizando o homem que diz que era da Marinha, sim, e de fato estava na Times Square e estava mesmo na foto. Sophie então o questiona sobre o casal, se ele sabe se o beijo foi espontâneo ou foi uma encenação para o fotógrafo.

De posse da garantia dada por ele de que o marinheiro e a enfermeira se beijaram mesmo, de verdade, espontaneamente, ela vai levar a informação a seu chefe, Bobby, o editor da grande revista (interpretado, numa participação especial não creditada, pelo ator e produtor Oliver Platt).

Sophie aproveita para demonstrar que seu sonho é escrever, ser repórter. Bobby diz que gosta muito dela como checadora de fatos.

Mulheres de todas as idades e todos os cantos do mundo escrevem para Julieta

Sophie está noiva, há um ano, de Victor (o papel de Gael García Bernal), um jovem chef talentoso, apaixonadíssimo por seu trabalho, que está prestes a inaugurar o seu próprio restaurante. Os dois estão para embarcar para a Itália, para o que chamam de uma pré-lua de mel. Na verdade, Victor, um absoluto workaholic, vai aproveitar a viagem para visitar possíveis fornecedores para seu restaurante – produtores de vinho e de massa.

A rigor, a rigor, conforme a pobre Sophie e o espectador verão, Victor vai passar todo o tempo trabalhando, durante a viagem à Itália. Sophie ficará sempre em segundo – ou décimo-nono, ou trigésimo-quarto – plano.

Nos primeiros dias em Verona, Sophie acompanha o noivo em suas viagens a locais da região para encontrar futuros fornecedores. Depois, um tanto entediada com aquilo, resolve deixar Victor trabalhar sozinho.

E então vai visitar a casa de Julieta. A casa que é tida como aquela em que morava Julieta Capuletto, a heroína de Romeu e Julieta.

Fica fascinada – assim como muito provavelmente ficarão todos os espectadores – ao ver a grande quantidade de mulheres, de todas as idades, vindas de todos os lugares do mundo, que escrevem cartas a Julieta, e as deixam penduradas num dos muros da casa.

Tem gente que joga moedas na Fontana di Trevi – tema, aliás, de um dos muitos filmes americanos sobre romances passados na Itália, A Fonte dos Desejos/Three Coins in the Fountain (1954). Tem gente que prega cadeado numa ponte sobre o Sena em Paris. Pois é. E tem muitas mulheres que escrevem para Julieta, em geral pedindo conselhos.

Sophie descobre as “secretárias de Julieta”, e passa a trabalhar com elas

Checadora de fatos, com espírito de repórter, Sophie observa que, ao final do dia, uma jovem recolhe as cartas deixadas no muro e as coloca numa cestinha. Resolve seguir a moça – e então chega a uma grande sala em que aquela moça, Isabella (Luisa Ranieri, lindérria), trabalha com três senhoras mais velhas, Francesca (Marina Massironi), Donatella (Lydia Biondi) e Maria (Milena Vukotic), respondendo às cartas da mulherada.

Chamam-se de “as secretárias de Julieta”, e há menção ao fato de que aquele trabalho é pago pela prefeitura de Verona.

(Sim, elas existem mesmo. Não é invenção dos criadores da história e do roteiro, Jose Rivera e Tim Sullivan. Eles partiram desse fato real para criar a trama.)

As secretárias de Julieta são simpáticas, cativantes, interessantes. Isabella convida Sophie para ajudá-las – e, afinal, escrever é o que a garota quer fazer na vida. Então Sophie acaba ficando por ali, junto das secretárias de Julieta, enquanto Victor prossegue na sua exploração culinária da região.

Aí, por acaso, Sophie mexe com um tijolo solto do muro das cartas, e descobre um envelope muito, muito antigo, com evidentes marcas da passagem do tempo. Tem a data de 50 anos antes, e é assinada por Claire Smith-Wyman, que pergunta a Julieta o que ela deve fazer na vida. É uma inglesa que havia passado algum tempo em Verona, a cidade do amor, e tinha se apaixonado perdidamente por um rapaz, um camponês chamado Lorenzo Bartolini, mas sua família a havia levado de volta para a Inglaterra.

Sophie passa a tarde inteira escrevendo para Claire Smith-Wyman sua primeira carta em nome de Julieta.

Uma semana depois, Claire Smith-Wyman aparece em Verona. Resolvera seguir o conselho de Julieta, 50 anos depois de pedi-lo, e procurar Lorenzo Bartolini.

Claire, obviamente, é o papel de Vanessa Redgrave.

Lá pelas tantas, Cartas para Julieta vira um road movie. E tome belas paisagens

Ela vem acompanhada do neto, Charlie (Christopher Egan), um jovem advogado com os dois pés absolutamente plantados em terra firme, que acha uma completa, absoluta loucura a coisa da carta assinada por Julieta e a decisão da avó de voltar à Itália para tentar reencontrar a paixão da adolescência.

A velha dama inglesa vai simpatizar de cara com a garotinha americana que escreveu a carta em nome de Julieta. Bem ao contrário, Charlie e Sophie vão ter imensa antipatia um pelo outro – e qualquer pessoa que tenha visto duas ou três comedinhas românticas está cansado de saber o que isso significa. Quanto mais mocinho e mocinha se desentendem ao longo do filme, mais fulminante será a descoberta de que se amam desde sempre e para sempre.

Com sua experiência de checadora de fatos, Sophie se oferece para ajudar Claire a descobrir o paradeiro de seu amor da juventude. Como no caso do ex-marinheiro da Times Square em agosto de 1945, a jovem americana e a senhora inglesa vão descobrir que há dezenas e dezenas de Lorenzo Bartolinis na Itália.

Victor continua trabalhando sem parar. Sophie fareja que a história da busca de Claire por seu Lorenzo dá uma maravilhosa reportagem. E então Cartas para Julieta vira um road-movie, com Claire, Charlie e Sophie percorrendo as estradas do Norte da Itália, em especial da Toscana.

E dá-lhe belíssimas paisagens. E dá-lhe que vai acontecer tudo o que o espectador imagina que vai mesmo acontecer nas vidas daquelas pessoas.

Uma cena belíssima – sorte de Amanda, uma dureza para Vanessa

Há uma bela cena no filme em que Claire-Vanessa Redgrave vai ao quarto de Sophie-Amanda Seyfried e penteia os cabelos da jovem. Pouco antes, Charlie havia sido ríspido com Sophie, fazendo menção à perda dos pais, sem saber que a mãe da garota havia abandonado a família quando ela tinha apenas 9 anos. Então Claire a procura para fazer um carinho;  educadamente, britanicamente, não faz menção à grosseria cometida pelo neto.

É de fato uma bela cena. Mary disse isso, enquanto víamos o filme: “Que bela cena!”

Amanda Seyfried é uma boa atriz. Tem tido bons papéis. Teve uma sorte de cão de contracenar com a deusa Vanessa Redgrave.

O IMDb nota que não deve ter sido nada fácil para Vanessa Redgrave fazer aquela cena de carinho com uma jovem: fazia pouco tempo que ela havia perdido a filha, Natasha Richardson, morta após um acidente enquanto esquiava, aos 45 anos.

Foi o último filme dirigido por Gary Winick, que morreria no ano seguinte ao lançamento, em 2011, com apenas 49 anos de idade, vítima de um câncer. Dirigiu apenas 10 longa-metragens, muitos deles comédias românticas, como De Repente 30 (2004) e Noivas em Guerra (2009).

Alguns fatos e curiosidades sobre o filme:

* A idéia de escrever a história surgiu a partir do lançamento do livro Letters to Juliet, de Lise Friedman e Ceil Friedman, uma obra de não-ficção sobre as “secretárias de Julieta” da cidade de Verona.

* Embora seja uma produção americana, e não uma co-produção EUA-Itália, tanto o diretor de fotografia, Marco Pontecorvo, quanto o autor da trilha sonora, Andrea Guerra, são italianos. Andrea é filho do grande roteirista Tonino Guerra, que escreveu roteiros para Federico Fellini, Michelangelo Antonioni, Giuseppe Tornatore, Francesco Rosi, Paolo e Vittorio Taviani. Andrea Guerra assinou as trilhas de mais de cem filmes, entre eles Um Amor Quase Perfeito (2001), Hotel Ruanda (2004), À Procura da Felicidade (2006) e O Lado Bom da Vida (2012). Na equipe técnica também há vários italianos.

* As cenas na casa de Julieta em Verona foram de fato filmadas lá. A casa foi fechada à visitação pública durante os dias de filmagem – foi a primeira vez em décadas que isso aconteceu.

* A atriz que faz Patricia – a moça que está junto com Charlie nas sequências finais do filme –, Ashley Lilley, é uma das maiores amigas de Amanda Seyfried. Ela já havia trabalhado com a amiga em Mamma Mia! (2008).

O belo texto que a jovem americana escreve em nome de Julieta

Só quando o filme se aproxima do fim o espectador fica conhecendo o que Sophie escreveu na carta para Claire, que a fez viajar rapidamente de volta à Itália na tentativa de reencontrar o grande amor da sua adolescência. O texto é um brilho:

“Prezada Clara, ‘e’ e ‘se’ são duas palavras que absolutamente não ameaçam coisa alguma. Mas, se colocadas lado a lado, elas têm o poder de assombrar você pelo resto da vida: e se? E se? E se? Não sei como sua história terminou, mas se o que você sentiu na época era amor verdadeiro, então nunca é tarde demais. Se ele fosse verdadeiro naquele tempo, por que não seria verdadeiro agora? Você só precisa da coragem de seguir seu coração. Não sei como é um amor como o de Julieta – amor para deixar tudo pelos amados, amor para cruzar oceanos –, mas gostaria de crer que se eu fosse sentir esse tipo de amor, então eu teria a coragem de agarrá-lo. E, Claire, se você não fez, espero que algum dia ainda faça. Todo o meu amor, Julieta.”

Não há absolutamente problema algum se um filme for piegas 

De volta ao começo:

Uma lista para justificar aquela afirmação feita lá em cima, de que é impressionante como os americanos e os ingleses amam histórias de amor passadas na Itália.

A Princesa e o Plebeu/Roman Holiday (1953)

A Fonte dos Desejos/Three Coins in the Fountain (1954)

Quando o Coração Floresce/Summertime (1955)

Começou em Nápoles/It Started in Naples (1960)

Quando Setembro Vier/Come September (1961)

Em Roma na Primavera/The Roman Spring of Mrs. Stone (1961)

Candelabro Italiano/Rome Adventure (1962)

Uma Janela para o Amor/A Room with a View (1985)

Uma Paixão em Florença/Up at the Villa (2000)

Sob o Céu de Toscana/Under the Tuscan Sun (2003)

De Encontro com o Amor/The Shadow Dancer (2005)

O Turista/The Tourist (2010)

Para Roma Com Amor/To Rome with Love (2012)

E tem muito mais. Uma lista mais completa seria imensa. Mais do que filmes americanos e ingleses com histórias de amor passadas na Itália, talvez só os com histórias de amor passadas na França.

E volto também à afirmação inicial, de que este Cartas para Julieta é “piegas e bonitinho”.

Chamar um filme de piegas, na minha opinião, não é uma crítica, uma condenação, uma reclamação. De forma alguma. É apenas uma constatação, sem juízo de valor.

O Dicionário Unesp do Português Contemporâneo diz que piegas é “sentimental em excesso”.

Quando eu era bem menino, me derreti absolutamente com a beleza de Suzanne Pleshette em Candelabro Italiano. Sabia cantar “Al di la” de cor e salteado.

Imagino que milhões de meninos e meninas no mundo inteiro tenham se derretido absolutamente com Cartas para Julieta. E, afinal, como diria Paul McCartney em Silly Love Songs, what’s wrong with that?

O que há de errado em um filme ser piegas – ainda mais sendo bonitinho?

Anotação em abril de 2017

Cartas para Julieta/Letters to Juliet

De Gary Winick, EUA, 2010.

Com Amanda Seyfried (Sophie Hall), Vanessa Redgrave (Claire Smith-Wyman), Chris Egan (Charlie Wyman), Gael García Bernal (Victor)

e Franco Nero (Lorenzo), Luisa Ranieri (Isabella), Marina Massironi (Francesca), Lydia Biondi (Donatella), Milena Vukotic (Maria), Luisa de Santis (Angelina), Oliver Platt (Bobby), Marcia de Bonis (Lorraine)

Argumento e roteiro Jose Rivera e Tim Sullivan

Fotografia Marco Pontecorvo

Música Andrea Guerra

Montagem Bill Pankow

Produção Summit Entertainment e Applehead Pictures

Cor, 105 min

**1/2

5 Comentários para “Cartas para Julieta / Letters to Juliet”

  1. Casalzinho bonito, Franco e Vanessa, eu não sou uma cinéfila assim tão “mais velha”, mas só assisti para vê-los. Continuam lindos, e, juntos, ficam mais lindos ainda. Eu lembro de ter visto os dois antes, mas o filme chamava “Camelot”, não era?
    Os seus textos de domingo sempre alegram meu final de semana 🙂

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