O Segredo das Viúvas / Love Nest

 

Nota: ★★½☆

(Disponível no Cine Antiqua do YouTube em dezembro de 2021.)

Os atores principais de Love Nest, ninho de amor, no Brasil O Segredo das Viúvas, uma comedinha da 20th Century Fox de 1951, são June Haver, William Lundigan e Frank Fay. O diretor se chama Joseph N. Newman. Aposto que só experts como Rubens Ewald Filho saberiam quem são essas pessoas…

Os nomes dos atores que aparecem antes do título do filme, nos créditos iniciais, são esses aí. É o chamado top billing, algo extremamente importante naquela época do studio system de Hollywood. Depois do título, que é quando aparecem os atores menos famosos e menos importantes no filme, surge uma relação de quatro nomes. Um deles é Marilyn Monroe.

São essas coisas da História. O Segredo das Viúvas/Love Nest não é uma porcaria, não, de forma alguma – mas está também bem longe de ser um grande filme, ou um filme importante. É uma comedinha agradável, gostosa, talvez um tanto ingênua, suave demais para os dias de hoje. Tem elementos bem interessantes, temas de vários outros filmes da época: a volta para casa dos homens que combateram na Segunda Guerra Mundial, a questão da procura por habitações nas grandes cidades no imediato pós-guerra, e – fantástico! – uma figura parecida com o Barba Azul, o sujeito que casa com um porrilhão de mulheres.

Não me lembrava de ter ouvido falado nele, mas fiquei com vontade vê-lo assim que o nome apareceu numa busca por filmes antigos no YouTube, porque sou absolutamente apaixonado pelo cinema de Hollywood dos anos 30 aos 60.

Mas o fato é que, a rigor, a rigor, O Segredo das Viúvas/Love Nest é apenas uma comedinha bem mediana, sem importância – a não ser pelo fato de que tem Marilyn Monroe.

Tudo na vida de Marilyn Monroe foi rápido demais.

Entre 1947 e 1952, apareceu em nada menos que 18 filmes – em geral, em papéis curtinhos. Dois deles eram grandes filmes; três ou quatro outros tinham alguma importância, deixaram marcas; os demais, como este Love Nest aqui, não passavam de medianos.

Em 1953 ela teve pela primeira vez o papel principal em um filme. Em 1955 já era a maior estrela do cinema americano – e depois disso só fez mais cinco filmes. Quando morreu, em 5 de agosto de 1962, era a maior estrela do cinema mundial e estava com apenas 36 anos.

“And it seems to me that you lived your life like a candle in the wind”, diria sobre ela a canção maravilhosa de Elton John e Bernie Taupin. Para mim parece que você viveu sua vida como uma vela no vento. É uma beleza de definição.

A moça achou que fez um bom negócio – mas que nada…

O filme abre com uma tomada geral dos arranha-céus de Manhattan – quase uma panorâmica – para em seguida baixar para um lugar específico, um endereço que está anotado num papel que Jim Scott segura na mão – “337 Gramercy Place”. Jim (o papel de William Lundigan, na foto acima) ainda está de farda, e carrega não uma mala, mas um sacão gigantesco, como a gente vê em tantos filmes americanos sobre soldados. A farda me pareceu de um soldado mesmo, um private – não de um oficial.

(Aaaahhnnn… Gente que entende explica no IMDb que dá para perceber pelas insígnias no uniforme que Jim era um “Staff Sergeant”, e pertencia à 1ª Divisão de Infantaria do Exército dos EUA.)

Veremos que Jim está chegando diretamente de Paris. Não havia avisado a Connie (June Haver, na foto acima) que chegaria naquele dia. Veremos também que ainda não fazia três anos que Jim e Connie haviam se casado – e durante uns dois anos e meio ele havia estado longe, do outro lado do oceano.

Depois de tantas histórias de maridos voltando para casa e surpreendendo a mulher com outro homem, eu teria aconselhado Jim a avisar a mulher que chegaria naquele dia. Mas esta aqui é uma comedinha talvez um tanto ingênua, suave, e não haverá flagra algum na chegada de Jim. Há até um quase flagra: ele entra no apartamento que ela havia indicado em carta, e está lá um homem no chuveiro. Mas não é um amente dela, coisa alguma – é que ela havia se mudado para o apartamento que fica junto do piso, um pouco abaixo da calçada.

Não, não, não há drama na chegada de Jim à casa, não há outro homem na vida de Connie. De forma alguma. Ela estava lá esperando por ele ansiosa, doidinha pra que ele chegasse.

A questão é que, com o dinheiro do soldo do Exército que ele havia mandado para ela durante aqueles mais de dois anos, Connie havia comprado aquele prédio ao qual Jim chega, no número 337 da Gramercy Place. Um antigo predinho de uns cinco ou seis andares, sem elevadores. Connie tinha a certeza de que havia feito um maravilhoso negócio, uma barganha – e que eles seguramente ganhariam muito dinheiro, a vida toda, com os aluguéis dos apartamentos do prédio. Dessa maneira – Connie achava –, Jim, quando voltasse da Europa, dispensado do Exército, poderia tranquilamente se dedicar ao que ele mais gostava de fazer: escrever.

A base da trama do filme é esta: Connie, com a certeza de estar fazendo um grande negócio, usou todo o dinheiro economizado pelo casal para comprar um pequeno prédio antigo na crença de que poderiam viver da renda dos aluguéis, e assim permitindo que o marido escrevesse sua ficção.

Claro que, entre o sonho de Connie e a vida real, há a distância entre a nascente e a foz do Mississipi, do Nilo, do Amazonas. Entre o nosso Sol e a estrela mais perto dele, a Proxima Centauri, ali a 40 trilhões de quilômetros.

Não passa uma hora sequer sem que um dos inquilinos peça ajuda a Connie e a Jim para resolver algum problema em seu apartamento.

Pior ainda: mais adiante, Jim, Connie e o espectador ficarão sabendo que, antes de ser comprado por ela, o prédio havia sido visitado pela fiscalização municipal, e notificado de que teria que trocar a fiação, antiquíssima, com sério risco de em algum momento provocar um incêndio.

Foi por isso foi que o prédio havia sido colocado à venda por um preço que Connie considerou uma pechincha, uma barganha: US$ 22 mil.

Mais tarde eles descobrirão que o prédio havia sido anunciado antes por US$ 17 mil. Connie não havia feito um grande negócio; havia na verdade caído numa esparrela, num conto do vigário.

O roteirista é autor de várias obras-primas

Esta, então, é a base da trama – os tormentos de um jovem casal que de repente se viu proprietário de um lugar que dava um trabalho incrível e simplesmente poderia ser declarado condenado caso eles não trocassem toda a fiação – algo para o que eles simplesmente não tinham dinheiro.

O filme se baseia no livro The Reluctant Landlord, o senhorio relutante, de Scott Corbett – e o título indica que de fato a trama se centra no relacionamento do casal com seus inquilinos.

O roteiro é assinado por I.A.L. Diamond – e eu me surpreendi bem quando vi o nome dele nos créditos iniciais.

I.A.L. Diamond é o nome mais importante que aparece nos créditos de A Surpresa das Viúvas/Love Nest, além do de Marilyn Monroe. E não é preciso ser Rubinho Ewald para saber quem é I.A.L. Diamond. O sujeito foi o autor, ao lado de Ben Hecht e Charles Lederer, do roteiro original de O Inventor da Mocidade/Monkey Business (1952), a deliciosíssima comédia do grande Howard Hawks. A partir de 1957, tornou-se parceiro de Billy Wilder, e foi um dos autores dos roteiros de nada menos dos 12 últimos filmes realizados pelo excepcional realizador – de Amor na Tarde (1957) até Amigos, Amigos, Negócios à Parte (1981), passando pelas obras-primas Quanto Mais Quente Melhor (1959) e Se Meu Apartamento Falasse (1960).

I.A.L. Diamond, nascido na Romênia em 1920 e morto em Beverly Hills, Califórnia, em 1988, foi um grande, excelente roteirista.

Talvez tenha sido dele – um escritor chegado a uma ironia, uma gozação, uma ferina crítica a alguns comportamentos – a idéia de aumentar a importância, na trama, de Charles Patterson (Frank Fay, na foto acima), o tal Barba Azul.

Esse Charlie Patterson é um senhorzinho mais velho, sempre muito bem vestido e muito bem falante, gentil, educado. Talvez até educado demais: é daquele tipo que faz questão de estar sempre demonstrando que tem imensa cultura, que conhece tudo, em especial as coisas mais elegantes, chiques. E faz questão de usar sempre um linguajar mais culto, refinado.

Elogia as mulheres com uma bela verborragia – e as mulheres se derretem com ele.

Charlie se muda para o predinho do casal Jim e Conney – e logo está lançando todo o seu charme para a senhora Eadie Gaynor (Leatrice Joy,  na foto acima), uma mulher simpaticíssima, bela e viúva.

Jim e Conney desconfiam que há algo estranho no passado daquele senhorzinho. E a polícia logo vai aparecer para confirmar que o casal tinha razão: o sujeito tinha se casado diversas vezes, e sempre abandonava a mulher da vez levando algum dinheiro dela – não todo o dinheiro dela, mas uma parte substancial.

Situações para Marilyn mostrar seu corpo estrondoso

Certo, mas… E Marilyn Monroe?

Ela surge na tela quando o filme está com 31 dos seus 84 minutos.

Um apartamento havia ficado vago, e Jim diz a Connie que seria uma ótima oportunidade de colocar lá um camarada do Exército, que havia servido com ele na França.

Vai aí nesse ponto um detalhinho mínimo – o fato de a quase totalidade dos substantivos e adjetivos na língua inglesa não flexionarem segundo o gênero, não haver masculino ou feminino. Jim deve ter dito a Connie algo como “Bobbie, a buddy of mine”, Bobbie, um companheiro meu, o que serve para homens ou mulheres.

O fato é que Connie esperava aparecer um homem – e o que surge diante dela para ocupar um dos apartamentos do prédio é aquela Marilyn Monroe toda.

Evidentemente, Connie terá muito, mas muito ciúme daquele avião, aquele mulherão de fechar o comércio – e não adiantarão muito as tentativas de Jim de dizer que nunca houve nada entre os dois, que simplesmente foram colegas de Exército.

Há várias citações da sigla WAC. Ed Forbes (o papel de Jack Paar), o maior amigo de Jim, fica, evidentemente, encantado com Bobbie, e refere-se a ela como WAC. A sigla é de Women’s Army Corps, uma unidade do Exército americano criada para as mulheres durante a Segunda Guerra que foi extinta nos anos 1970.

Bem. O diretor do filme, Joseph N. Newman, pode não ter deixado uma grande marca na História do cinema, mas não era um idiota, e então, embora Bobbie não tenha grande importância na trama, nós a vemos sentada arrumando a meia de nylon de maneira a mostrar o início das coxas majestosas, depois a vemos sem a blusa, apenas com o sutiã e um corpete transparente, e inventou-se uma situação em que ela toma banho de sol vestindo um maiô que hoje parece a coisa mais absolutamente comportada do mundo, mas deve ter causado taquicardia em muito homem mundo afora naquele início dos anos 50.

Um registro sobre os filmes de Marilyn

Afirmei lá em cima que, dos 18 filmes em que Marilyn apareceu entre 1947 e 1952, em geral em papéis bem pequenos, há dois grandes, e uns três ou quatro de alguma importância. Achei que não seria o caso de me alongar muito sobre a carreira da atriz naquele ponto do texto, mas é preciso fazer os registros direitinho.

Os dois grandes filmes são O Segredo das Jóias/The Asphalt Jungle (1950), o tenso, belo policial de John Huston, e A Malvada/All About Eve (também de 1950), o clássico de Joseph L. Mankiewicz sobre traição e ambição no mundo do teatro de Nova York.

Os filmes dessa época que chamei de importantes são

Almas Desesperadas/Don’t Bother to Knock,

O Inventor da Mocidade/Monkey Business,

Páginas da Vida/O. Henry’s Full House e

Travessuras de Casados/We’re not Narried, todos eles de 1952.

O filme em que ela enfim teve o papel principal, em 1953, foi Torrente de Paixão/Niágara. A partir daí foi a glória total:

Os Homens Preferem as Louras/Gentlemen Prefer Blondes,

Como Agarrar um Milionário/How to Marry a Millionaire,

O Rio das Almas Perdidas/River of No Return,

O Mundo da Fantasia/There’s no Business Like Show Business,

O Pecado Mora ao Lado/The seven Year Itch,

Nunca Fui Santa/Bus Stop,

O Príncipe Encantado/The Prince and the Showgirl,

Quanto Mais Quente Melhor/Some Like it Hot,

Adorável Pecadora/Let’s Make Love,

Os Desajustados/The Misfits.

O diretor Joseph N. Newman fez 53 filmes e/ou séries

Algumas informações básicas sobre o diretor e os dois atores principais deste O Segredo das Viúvas/Love Nest:

* O diretor Joseph N. Newman teve vida longa, entre 1909 e 2006. Começou nos estúdios de Hollywood como office boy e foi subindo; trabalhou como assistente de grandes realizadores, como Ernst Lubitsch e George Cukor. Como diretor, sua filmografia tem 53 títulos, entre eles umas duas dezenas de curta-metragens. Numa passada de olhos, não percebi nenhum título importante entre seus longas, mas vale registrar que, nos aos 1960, dirigiu episódios da famosérrima série Além da Imaginação/The Twilight Zone e de The Alfred Hitchcock Hour.

* June Haver (1926-2005), a lourinha bonitinha e mignonzinha que faz Connie Scott, tem apenas 19 títulos no currículo, e este filme aqui foi seu penúltimo; depois dele, apareceu apenas em A Noiva de Papai, de 1953. Interessante: no ano seguinte, 1954, ela se casou com o ator Fred MacMurray – e parou de trabalhar! Viveriam juntos até a morte dele, em 1991.

* William Lundigan (1914-1975) tem 87 títulos na filmografia como ator, numa carreira iniciada em 1937. Era conhecido por ter um porte atlético (jogou futebol americano, basquete e tênis na juventude) e pela voz poderosa. Não conheço nenhum dos seus filmes mais famosos, entre os quais O Estrangulador Misterioso e O Que a Carne Herda, ambos de 1949.

Maltin deu 2 estrelas, o Guide de Tulard ignorou o filme

Leonard Maltin deu 2 estrelas em 4 para o filme: “Comédia alegre mas sem graça sobre soldado que retorna ao país cuja mulher comprou um pequeno prédio de apartamentos caindo aos pedaços, e cujos moradores se transformam em parte de suas vidas. Interessante apenas pela então iniciante Monroe e o futuro apresentador de TV Paar.”

Então tá: Jack Parr, que interpreta Ed, o grande amigo de Jim Scott, se tornaria em 1957 o apresentador do Tonight Show, e ficou tão famoso que o programa passou a se chamar The Jack Paar Show.

Acho que já deixei claro que, diferentemente do que Leonard Maltin pensa, não é apenas a jovem Marilyn que interessa no filme. Ele tem, sim, outros pontos interessantes. Mas de fato é um filme que foi sendo esquecido, que não deixou marca. Para confirmar isso, registro que nem o gigantesco Guide des Films de Jean Tulard, que comenta sobre mais de 15 mil títulos, nem o ótimo, cuidadoso Le Petit Larousse des Films fala sobre Nid d’Amour, como o filme foi chamado na França.

Para encerrar, aqui vai um dos itens da página de Trivia do IMDb sobre o filme:

Uma das primeiras aparições de Marilyn Monroe no cinema foi em um filme chamado Scudda Hoo! Scudda Hay!, no Brasil Torrentes de Ódio, uma comédia passada num ambiente rural em que dois irmãos de criação competem por uma mesma garota. A garota, a estrela do filme, era June Haver. Na versão final do filme, Marilyn só teve uma fala – ela passava pela personagem de June Haver, à saída da missa do domingo, e dizia “Hi”. Seu nome não aparecia nos créditos.

As voltas que o mundo dá. Naturalmente, quando o filme foi lançado em home vídeo, primeiro em VHS e depois em DVD, trazia Marilyn na capa, com o maior destaque possível. Quem hoje sabe quem foi June Haver, além dos experts como Rubens Ewald Filho?

Anotação em dezembro de 2021      

O Segredo das Viúvas/Love Nest

De Joseph N. Newman, EUA, 1951.

Com June Haver (Connie Scott),

William Lundigan (Jim Scott)

e Frank Fay (Charles Kenneth Patterson), Marilyn Monroe (Roberta Stevens, Bobbie), Jack Paar (Ed Forbes), Leatrice Joy (Eadie Gaynor), Henry Kulky (George Thompson)

Roteiro I.A.L. Diamond

Baseado no livro “The Reluctant Landlord”, de Scott Corbett

Fotografia Lloyd Ahern Sr.

Música Cyril J. Mockridge

Montagem J. Watson EWebb Jr.

Casting George J. Light

Direção de arte George Patrick, Lyle R. Wheeler

Produção Jules Buck, 20th Century Fox.

P&B, 84 min (1h24)

**1/2

Título na França: Nid d’Amour.

3 Comentários para “O Segredo das Viúvas / Love Nest”

  1. Como eu sou um apaixonado por cinema clássico de Hollywood, eu conheço June Haver e sou apaixonado por ela. Amo a em The Dolly Sisters e em Three Girls in Blue. Apesar de ser bonita e talentosa nunca atingiu o patamar de estrelato da estrela que supostamente estava a substituir, Betty Grable. Chegou a tentar ser freira. Esteve num convento como noviça

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