Nota:
Anotação em 2003, com complemento em 2008: Um filme muito bom, e, se não chega a ser uma raridade, é no mínimo pouco badalado – eu nunca tinha visto, e não me lembrava de ter ouvido falar nele. É possivelmente o filme da Marilyn menos falado.
É contado em tempo real – cada minuto na ação é um minuto no relógio; são 76 minutos de ação, 76 minutos de filme, uma coisa rara. Deve haver outros, mas só me lembro de dois filmes assim, além deste aqui: Matar ou Morrer/High Noon, de Fred Zinnemann, e Festim Diabólico/Rope, de Alfred Hitchcock.
Não há sequer uma tomada externa: toda a ação se passa em ambientes fechados, em um grande hotel – no bar, onde a personagem de Anne Bancroft canta, e dentro de um quarto, onde a personagem de Marilyn Monroe é encarregada de cuidar do filho de um casal de hóspedes enquanto eles vão sair.
Foi o primeiro filme em que Marilyn teve um papel de fato importante; ela já havia aparecido em vários filmes, mas em papéis muito secundários, praticamente pontas, como O Segredo das Jóias/The Asphalt Jungle, de John Huston, e A Malvada/All About Eve, de Joseph L. Mankiewicz, os dois de 1950. No mesmo ano deste filme aqui, 1952, ela ainda faria um papel secundário em O Inventor da Mocidade/Monkey Business, a comédia escrachada, screwball depois do tempo, de Howard Hawks.
E Marilyn está linda, maravilhosamente, estonteantemente linda – embora na maior parte do filme esteja maquilada para parecer que não está maquilada, em roupa simples, pobre, sem glamour algum, algo como a Sharon Stone conseguiu naquele interessante e subestimado A Última Chance, de Bruce Beresford.
Ela interpreta – e bem – uma mulher em crise nervosa, profundamente perturbada. E é impressionante como, ao simplesmente pôr nas orelhas os brincos da madame para quem está sendo babá no quarto de hotel, ela consegue um shazam, uma transformação, um absoluto upgrade.
O filme é uma prova cabal da força, do carisma de Marilyn. De que ela de fato é muito, mas muito mais que uma fabricação da indústria do cinema e do marketing.
Eu também nunca tinha visto a Anne Bancroft tão jovem – a primeira vez que a vi foi em O Milagre de Annie Sullivan/The Miracle Worker, de Arthur Penn, de 1962 – uma década depois deste filme aqui – e ela estava totalmente desglamourizada e enfeiada para fazer a poderosa mulher que transforma a garota cega-surda-muda animal em um ser humano. E depois vieram os filmes dela madura, a partir de A Primeira Noite de um Homem/The Graduate, de 1967. Como era linda a jovem Anne Bancroft (na foto, com Richard Widmark). Este é o seu filme de estréia.
O filme tem uma forte atmosfera noir, pesada, dura, cruel.
Ao procurar na internet uma foto do filme para colocar agora no site, em 2008, encontrei o site de uma jovem escritora americana, Kim Morgan, que fez um imenso e interessantíssimo texto sobre Marilyn neste filme. Ela diz admirar especialmente o trabalho da atriz nos seus primeiros e nos seus últimos filmes. Não resisto à tentação de transcrever ao menos um trecho. A mulher é séria:
I find Marilyn’s first and last hopes at proving herself on screen immensely powerful. Such is the case in Monroe’s first starring vehicle, 1952’s Don’t Bother to Knock. There’s a prophetic sadness permeating her nuanced, fascinating performance, and for a picture of this period, her delusional babysitter (freshly released from an insane asylum) is surprisingly sympathetic. Knowing all we do about the troubled star, it most likely wasn’t a stretch for the then-relative newcomer to understand the pathology and despondency of her character Nell, a beautiful young woman burned by love who can’t handle the breach between reality and fiction. A film noir of sorts, director Roy Baker’s part-thriller, part-character-study is a tense tale with plenty of pathos geared toward Marilyn, who wasn’t the full-blown MM superstar yet. As Nell, a mysterious girl who takes on a babysitting job in a hotel where her creepy, sad-sack uncle (Elisha Cook Jr. – who else) works, Monroe enters the picture in plain clothes, dark blonde hair, and little makeup. Though she’s no plain-Jane, she looks like a “nice girl” – nice enough for hotel guests the Joneses (played by Jim Backus and Lurene Tuttle) to allow a stranger to watch over their cute little daughter Bunny (Donna Corcoran). After quickly putting the girl to bed (clearly she’s not interested in the kid), Nell plays dress-up in Mrs. Jones’ fine silk robe, perfume, and diamond jewelry.
Almas Desesperadas/Don’t Bother to Knock
De Roy Ward Baker, EUA, 1952.
Com Richard Widmark, Marilyn Monroe, Anne Bancroft
Roteiro Daniel Taradash
Baseado na novela de Charlotte Armstrong
P&B, 76 min.
***
Título em Portugal: Os Meus Lábios Queimam. Na França: Troublez-moi Ce Soir
Almas Desesperadas/Don’t Bother to Knock Dir: Roy Ward Baker, EUA, 1952. O maior mérito deste filme B é a atuação de Marilyn Monroe. Em sua carreira, a atriz teve raras chances de mostrar seu talento dramático , acabando em comédias estereotipadas. Dirigida pelo inglês Roy Ward Baker ( que mais tarde rodaria clássicos absolutos do Terror na HAMMER e na AMICUS, lendárias produtoras britânicas ), Marilyn pôde desempenhar o mais radical personagem de sua carreira: uma babá neurótica , com tendências psicóticas. Não fosse o roteiro edulcorado de Daniel Taradash , a partir do romance de Charlotte Armstrong, esse filme seria uma extraordinária peça do terror psicológico. Concebido como um mero veículo para o astro Richard Widmark ( um tanto deslocado em função dos furos do argumento ), o filme hoje deve toda a sua modesta celebridade a Marilyn Monroe , que o conduz praticamente sozinha, com o resto do elenco gravitando em sua volta. Pena que Marilyn não seguiu com o diretor Baker para a Inglaterra! A História teria sido outra… !
Não consegui encontrar em sites de filmes online. Encontrei sim, no TeleCine Cult, vai passar hoje às 18:30 hs mas, meu pacote não conta com esse canal ; tenho os TeleCines, Action, Premiun e o Pipoca.
Que pena , gostaria muito de ver a Marilyn vivendo esse personagem , como voce diz , totalmente diferente de tudo que ela fez.
Além de ter a grande Anne Bancroft e esse ator que eu gostava muito, Richard Widmark.
Deve ser, sim, um filme muito bom.
Um abraço !!