The White Lotus

3.5 out of 5.0 stars

The White Lotus, minissérie de 6 episódios da HBO de 2021 passada num resort caríssimo no Havaí, tem momentos cômicos e paisagens deslumbrantes, cheias de cores fortes, mas deixa no espectador um gosto bem amargo. Como se ele tivesse assistido a um drama serííssimo, em preto-e-branco, sobre a vida de seres miseráveis no sertão nordestino, num vilarejo do fundo da absoluta pobreza africana ou numa favela carioca ou paulistana.

O tom é leve, muitas vezes bastante bem humorado – mas é um retrato cruel a respeito do bicho homem, essa raça capaz de conter um Bach e um Trump, um Tom Jobim e um Bolsonaro.

A menção a dois artistas que conseguem nos elevar às alturas e a dois dos mais diabólicos políticos das últimas muitas décadas não é gratuita. Os personagens de The White Lotus estão literalmente no que pode haver de mais paradisíaco neste planeta – e no entanto sofrem como se estivessem no quinto dos infernos, ou num país governado por um desses políticos, o que dá no mesmo.

A referência a Johann Sebastian, essa tem diretamente, explicitamente a ver com a série: no último dos seis episódios (cada um deles de cerca de uma hora), ouvimos o trecho da cantata que no Brasil se chama “Jesus Alegria dos Homens”. Ao som da música quase divina, vemos um dos protagonistas da história loucamente drogado, absolutamente longe da realidade.

A realidade, segundo a série, é quase sempre um horror, um inferno.

Droga é um elemento importante da trama.

Música é outro elemento fundamental da série. The White Lotus tem várias qualidades, mas uma das maiores, me pareceu, é a trilha sonora. É uma absoluta maravilha.

Todos nós temos alguma idéia de como é o som tradicional do Havaí – já houve filmes e séries demais passadas naquele arquipélago que para boa parte das pessoas é sinônimo de paraíso, e alguma coisa certamente ficou na cabeça de cada um. Muitos de nós podem não conhecer o formato do ukelele, o pequeno violão havaiano, mas seguramente identificam seu som.

A trilha – assinada por Cristobal Tapia de Veer – tem muito do som tradicional do Havaí, do ukelele. Mas vai muito além de simplesmente evocar o mais tradicional. Faz um uso extraordinário da percussão – a percussão, elemento tradicional de etnias, grupos sociais mais primitivos, mais ligados à terra original, pode ser algo absolutamente extraordinário, como já nos demonstraram gênios como Naná Vasconcelos.

As melodias, as harmonias da trilha criada por esse de Veer (como pode um holandês ser tão havaiano?) são muitas vezes irônicas, debochadas, outras vezes sensuais. Ajudam a formar o clima – é algo fundamental da série.

A trilha é tão fantástica que me ative a ela antes de dar uma visão da trama.

Perdão.

Dinheiro, melanina – a luta entre os have e os have-not

The White Lotus focaliza alguns turistas que chegam para passar uma semana no hotel que dá o nome à série, um hotel de luxo numa das ilhas menores e mais preservadas do Havaí. Mostra quem são, como é seu comportamento, como eles se dão entre eles e com os outros – e a forma com que se relacionam com os funcionários do lugar.

Os turistas personagens da história são, no total, dez, todos eles americanos, vindos, claro, da mainland, do continente. Há uma mulher solitária de meia-idade, depois um cara que ela conhece, um casal jovem em lua de mel mais a mãe do rapaz que chega mais tarde, e uma família – pai, mãe, filho, filha e uma amiga da filha.

Do imenso número de funcionários do White Lotus, a série focaliza uns cinco.

Quinze personagens, entre turistas e empregados do hotel.

O hotel, repito, é caro, carésimo, e portanto os turistas (ou quase absolutamente todos) são muito ricos. Podres de ricos. Stinking rich.

The White Lotus, a rigor, é uma série sobre o fosso entre as classes sociais. Os have e os have-not.

Se se passasse no Rio de Janeiro, outro dos lugares mais belos do mundo, e não no Havaí, em vez de have e have-not poderíamos nos lembrar do samba que diz a verdade dura: “uns com tanto, outros tantos com algum – mas a maioria sem nenhum”.

Se fosse na Grã-Bretanha, poderia ser algo  como Assassinato em Gosford Park (2001), aquela maravilha de Robert Altman, ou Downton Abbey (2010-2015), a série absolutamente perfeita.

Como se passa no Havaí, que, embora seja um paraíso, pertence aos Estados Unidos da América, o país mais rico e mais avançado do mundo, em que nas últimas décadas tudo, mas absolutamente tudo, acaba tendo a ver com a cor da pele das pessoas, The White Lotus fala muito sobre a cor da pele das pessoas.

O fosso social. A luta de classes. A luta dos primatas bípedes dotados de pouca melanina contra os primatas bípedes dotados de muita melanina – e a questão de que os que têm pouca melalina têm mais dinheiro do que os que têm muita.

Nada menos de 15 personagens, e um só autor

Muitos personagens, e portanto muitos atores: nos créditos iniciais, repetidos a cada episódio, aparecem com destaque, antes do título da série, os nomes de dez atores – em ordem alfabética do sobrenome, de Bartlett, Murray, até Zahn, Steve. A ordem alfabética é uma maneira de indicar que todos esses dez atores interpretam personagens de igual importância na história.

O elenco é todo muito bom, as interpretações são uniformemente boas – mas é interessante que não há ali nenhum grande astro, ao menos nenhum de fama internacional. São todos eles experientes, com vários títulos em suas filmografias; alguns aparecem em diversos filmes já comentados neste + de 50 Anos de Filmes – mas não há grandes astros.

Muitos personagens, muitos bons atores – e um único criador, um único autor da história e do roteiro, Mike White. Que foi também um dos produtores executivos, e mais ainda: o diretor de todos os seis episódios. Isso é algo bastante raro nas séries, sejam americanas, francesas, inglesas, espanholas, o que for: o comum é haver mais de um roteirista, mais de um diretor – às vezes bem mais de um. O roteiro de Lupin, por exemplo, tem dois autores e mais três colaboradores; os oito episódios da primeira temporada de Amor Moderno/Modern Love são assinados por 12 pessoas.

Mike White, bem ao contrário, fez tudo sozinho.

É um roteirista, produtor e diretor californiano de Pasadena, nascido em 1970, que começou a carreira aos 28 anos, em 1998; de lá para cá, colocou seu nome como roteirista e/ou autor da história em 21 títulos – filmes e séries de TV. É dele o roteiro original de Escola de Rock (2003), aquele com Jack Black, que fez bastante sucesso e deu origem a uma série de TV do mesmo nome que teve 42 episódios entre 2016 e 2018. É dele também o roteiro da divertida animação Emoji: O Filme, que minha neta Marina adora.

Mike White soube construir bem os diversos personagens de The White Lotus, e a história de criou é bem interessante, com algumas belas sacadas. A começar pela que abre a série.

Alguém foi morto no White Lotus

A primeira sequência se passa na sala de um aeroporto em que passageiros aguardam a chamada para seu vôo. Os alto-falantes anunciam um vôo para Honolulu, a capital e cidade mais populosa do Estado-arquipélago, na ilha de Oahu. A câmara focaliza um rapaz de uns 30 e tantos anos, grandão, com uma expressão triste, preocupada. Um casal está sentado bem à frente dele, e a mulher puxa conversa. Diz que ficou no hotel tal e tal, muito bom – e ele, onde ficou? – “O White Lotus”, ele responde, sem alterar a expressão nublada. A mulher reage de imediato: – “O White Lotus? Nosso guia contou que alguém foi morto lá.”

O rapaz comenta, expressão sempre tristonha, pensativa: – “O corpo vai ser levado agora.” A mulher: – “Para Honolulu? No nosso vôo?”

O rapaz ainda deixa escapar que estava em lua de mel. Quando a mulher e também o marido perguntam onde está a mulher dele, o rapaz – que, veremos, se chama Shane Patton (Jake Lacy, na foto acima) – corta o papo, se levanta e vai até o janelão daquela sala de espera. Lá embaixo, na pista, um caixotão está sendo levado para junto de um avião da Haiwaiian Airlines; a câmara o mostra de perto, e dá para ver uma folha de papel com a identificação: “Human remains”, restos humanos.

Corta – vemos um barco com uma dezena de pessoas a bordo. Um letreiro nos informa: “Uma semana antes”.

Naquele barco está um novo grupo de turistas que se dirige para o hotel White Lotus. São os personagens que vamos acompanhar ao longo das seis horas seguintes, uma hora para cada episódio, cada episódio mostrando basicamente os eventos de um dia.

Vou apresentar esses personagens, assim como as principais pessoas da staff do White Lotus que os espera perto do embarcadouro do próprio hotel.

A começar pelo único que o espectador conhece antes de ver todos eles reunidos no barco – o rapagão Shane interpretado por Jake Lacy. Veremos que Shane é filho de um milionário da área imobiliária de Nova York, e trabalha no império que o pai construiu.

A mulher dele, Rachel (Alexandra Daddario), é uma jovem belíssima, de corpo escultural, perfeito; vem de uma família de classe média, e obviamente não está acostumada à vida de rico e a conviver com os valores de rico que só fala em dinheiro e coisas que têm relação a ele. Jornalista, trabalha como free-lancer. Embora já tivesse até emplacado alguns textos em publicações importantes, ainda não se sente estabelecida na profissão.

Não é spoiler adiantar que as expectativas que Shane e Rachel têm na vida são bastante diferentes. Shane gostaria muito de ter uma esposa-troféu como o pai tem. (A mãe do rapagão, Kitty, apelido perfeito para uma esposa-troféu – gatinha –, vai aparecer lá pelas tantas; é o papel de Molly Shannon.) Rachel gostaria de fazer alguma coisa na vida – e ser esposa-troféu não é, de forma nenhuma, a sua aspiração.

Uma mulher solitária. E uma família complicada

Tanya McQuoid (Jennifer Coolidge, na foto acima) é uma mulher rica, entrada na meia-idade, solteira, solitária, carente afetiva profissional, insegura, traumatizada por pai e mãe – as cinzas da qual, aliás, ela carrega numa rica urna, com a intenção de lançá-las sobre as águas do Pacífico, já que a mãe adorava o mar.

Tanya McQuoid – que adora repetir seu sobrenome, deixando claro que ele é imponente e ao mesmo tempo exigindo que ele seja pronunciado corretamente – é, para simplificar, uma tragédia ambulante, tadinha.

Depois de ser magnificamente massageada e bem tratada, Tanya vai ter uma simpatia quase paixão pela gerente do spa do hotel, uma mulher doce, simpática e extremamente competente, Belinda Lindsey (o papel de Natasha Rothwell). Vai sugerir à ótima profissional que poderia financiar um negócio gerido por ela própria – a independência, deixar de trabalhar para os outros, montar seu próprio spa!

E mais tarde vai conhecer um senhorzinho viúvo que também chega ao hotel, Greg (Jon Gries).

E então temos a família Mossbacher. Pai, mãe, dois filhos e uma convidada – uma amiga da filha.

Nicole Mossbacher (Connie Britton, na foto abaixo) é uma executiva extremamente, mas extremamente bem sucedida. Administra sua própria empresa, algo na área de finanças – ou seria uma trading, da área de importação e exportação? Não sei bem, mas não importa. Nicole é uma super bem sucedida mulher de negócios, e é claríssimo para todos da família (e seguramente para os amigos e conhecidos) que ela ganha muito mais do que o marido – embora Mark tenha também um ótimo emprego.

Mark (Steve Zahn, na foto abaixo) evidentemente tem problemas com o fato de sua mulher ser mais bem sucedida que ele. Mark, na verdade, é um homem bom, bom caráter – mas é chegado a ter problemas. Ele e Nicole se amam – mas têm problemas, Ele tem problemas no relacionamento com os filhos. No momento em que chega ao White Lotus, está com um problema seriíssimo: aguarda o resultado dos exames para ver o que há com seus testículos; Mark teme que seja câncer, morre de medo, é claro, mas tem quase certeza de que é câncer. Naquela semana em que a família ficará naquele lugar paradisíaco, receberá uma bem problemática notícia a respeito de seu pai – morto anos e anos atrás. A notícia vai deixá-lo completamente desnorteado.

O caçula dos Mossbacher, Quinn (Fred Hechinger, na foto abaixo), tem 16 anos e é um adolescente típico. Se pudesse, se as pessoas em volta deixassem, Quinn passaria as 24 horas do dia mexendo em seu celular e seu Nintendo, jogando – e vez por outra batendo uma punheta.

Relatar o que acontecerá com Quinn mais para o fim da série seria spoiler – mas a verdade é que ele um ótimo garoto, um menino bem legal. Comparado com sua irmã mais velha, é um santo, um gênio da raça.

Olivia Mossbacher (o papel de Sydney Sweeney) é um horror, um nojo. Pode até ser que venha a melhorar quando virar adulta, mas, nesse período em que a vemos, ela com uns 20, talvez 22 anos, é de assustar.

Duas adolescentes que desprezam a humanidade

Não há personagem em The White Lotus que seja mais repugnante que Olivia. E tão repugnante quanto ela, só mesmo Paula (Brittany O’Grady), sua colega de faculdade, amicíssima, unha e carne com ela – ou, pelo menos, é como elas nos parecem a princípio.

A imagem que a série nos dá de Olivia e Paula, nos primeiros dos seis episódios, é a de duas garotas absolutamente, totalmente metidas, presunçosas, que se crêem as criaturas mais inteligentes, mais geniais do mundo. O resto da humanidade está milhas e milhas abaixo do nível delas. A começar por quem está por perto, no caso Mark, Nicole e Quinn, e depois os demais hóspedes do hotel, e os funcionários.

Têm um profundo desprezo pelo resto da humanidade.

Claro: odeiam toda a sociedade, a forma com que ela formou, seus valores. Todo o Sistema é ruim, podre; a exploração do homem pelo homem é a marca de como a sociedade se estrutura – e, naturalmente, os brancos como Olivia e sua família são os culpados pela pior injustiça de todas, a cometida pelos brancos contra os negros como Paula. Bem, Paula não é negra, é morena – e é extraordinariamente bela, registre-se. Mas, para boa parte dos Estados Unidos – e dos países em que os pontos de vista dos ativistas negros americanos passam a prevalecer, como por exemplo este nosso triste país periférico –, quem tem um pinguinho de sangue de negro é negro.

Todo rico branco é duplamente criminoso, e tudo o que puder ser feito para tirar deles e dar para os não brancos deve ser feito. É uma questão básica de justiça.

Essa visão de mundo levará a um evento surpreendente, inesperado, chocante – o evento mais impactante de toda a série, ao lado do fato, mencionado na abertura, de que há um assassinato no hotel na semana que a série focaliza.

Uma mochila com drogas para muitos doidões

A família Mossbacher e sua convidada ocupam uma das maiores suítes do hotel. A idéia, é claro, era que o quarto principal ficaria com pai e mãe e a ampla sala serviria com folga para dormirem os três jovens. Olivia e Paula, no entanto, infernizam a vida do pobre Quinn e o obrigam a dormir na cozinha, um cômodo apertado e sem janelas. Da segunda noite em diante o garoto vai dormir na praia. Bem, ele acabará gostando, mas aí é outra história.

Expulsar o garoto da ampla sala dá um pouco da dimensão de como são absolutamente intoleráveis as tais de Olivia e Paula.

A princípio, o espectador poderá pensar que as duas garotas têm um caso. Depois ele pode concluir que Olívia é apaixonada por Paula. Depois verá que não é bem assim – a coisa é mais complexa.

Ah, e ainda há um detalhe importante. As duas só conseguem enxergar a vida com algum bom humor se estiverem chapadonas, doidonas. Paula levou na sua mochila – incrível que tenha passado na boa pelas alfândegas, na saída do continente e na chegada a Honolulu – um coquetel de drogas de fazer a alegria de uma dúzia de doidões.

A mochila em que Paula carrega seus remédios de tarja preta e mais todo tipo de droga, incluindo até mesmo a suave maconha, será um item importante na trama.

O gerente parece perfeito, mas é alucinado

Armond, o gerente do hotel (o papel de Murray Bartlett, na foto acima), é uma figuraça. À primeira vista, parece quase perfeito – e o “quase” vai porque ele é solícito demais, gentil demais, sempre sorridente demais, beirando o servilismo.

Como de perto ninguém é normal, quando a série vai se aproximando mais dele vamos vendo que o gerente quase perfeito tem, ao contrário do que aparenta, sérios problemas de fabricação. O primeiro grande erro que comete é aceitar duas reservas simultâneas para uma das suítes especiais do hotel, a Suíte Abacaxi. (O abacaxi é a fruta havaiana por excelência: o interior das ilhas do Havaí parece muitas vezes uma interminável plantação de abacaxis.) Coloca nela um casal de alemães – mas a suíte havia sido reservada para os recém-casados Rachel e Shane Patton. Ter sido colocado numa suíte diferente daquela reservada por sua mamãe vai se tornar um gigantesco problema para Shane – fato este que, por sua vez, será um elemento forte para fazer Rachel perceber que o rapaz com quem casou não era exatamente o que ela queria na vida.

Para se vingar da encheção de saco de Shane, o gerente Armond vai fazer uma gigantesca besteira envolvendo o jovem casal e a chatérrima da solitária Tanya McQ!uoid. Mas muito pior ainda: a tensão diante daqueles problemas todos, e mais um acontecimento relacionado com a mochila de drogas de Paula, provocarão um efeito devastador sobre ele.

Belinda, a gerente do spa (o papel, repito, de Natasha Rothwell, na foto abaixo) é um oásis de absoluta sanidade, simpatia, doçura, no meio daquele paraíso tão cheio de problemas. É competente ao extremo, sabe como tratar bem os hóspedes, é uma pessoa resolvida, tranquila. Tudo na sua vida ia bem – até que uma branca rica atiça nela a vontade de não trabalhar mais para os outros, ter a sua própria empresa.

Os turistas chegam à ilha de barco e saem de avião

O espectador não é obrigado a saber, é claro, mas a ilha em que fica o fictício hotel The White Lotus é Maui, uma das três principais do arquipélago, e a que é considerada a mais preservada e acolhedora e, ao mesmo tempo, com a melhor infra-estrutura para o turismo de quem pode gastar mais.

Oahu é a ilha principal, a mais populosa, onde fica Honolulu, a capital, e algumas das praias mais famosas, como Waikiki, uma espécie assim de Copacabana deles, onde há uma concentração de grandes hotéis e arranha-céus. Em Oahu é que fica também Pearl Harbor, a base militar americana que foi atacada de surpresa pelos japoneses em dezembro de 1941 – o evento que fez os Estados Unidos finalmente se unirem aos Aliados na luta contra o Eixo nazi-fascista.

A ilha de Havaí é a maior em território, e a que tem o grande vulcão Hi’iaka e o Parque Nacional dos Vulcões, mostrado em vários filmes, como, por exemplo, o ótimo O Mistério da Viúva Negra (1987), de Bob Rafelson. A Big Island, como é conhecida, é citada uma ou duas vezes na série.

A série dá de barato que todo mundo entende perfeitamente que os turistas chegam ao Havaí no aeroporto de Honolulu, e de lá vão de avião ou de barco para o hotel que reservaram, se o hotel for em outra ilha que não Oahu. É provável que a imensa maior parte dos americanos saiba perfeitamente disso, mas, para o espectador brasileiro, pode parecer estranho que os personagens da série cheguem ao hotel The White Lotus de barco e saiam de lá de avião. Mas é isso: de Honolulu, na ilha de Oahu, para a ilha de Maui, onde fica o hotel, os turistas da história são levados de barco, porque é mais bonito do que a viagem de avião – super rápida, menor que um vôo Rio-São Paulo.

Sei que é super rápida porque está dito no Google – mas também porque fiz a viagem, de ida e volta, entre Oahu e Maui, num pequeno avião da mesma Hawaiian Airlines. Mas isso foi há muito tempo – e, definitivamente, é outra história.

Em breve, novos turistas, novas histórias

Importante e interessante é saber que The White Lotus foi toda filmada… no hotel The Four Seasons da ilha de Maui. Meu, então aquilo que vemos na tela é nada mais, nada menos, que o Four Seasons de Maui – e o Four Seasons, diabo, é a cadeia dos melhores, mais caros, mais exclusivos hotéis do mundo.

Hum,.. Um caso extremo de merchandising? Sei não, sei não. A informação de que a série foi filmada no Four Seasons aparece em letrinha bem pequena, bem no fim dos créditos finais de cada episódio – quando a imensa maior parte dos espectadores já desligou a TV, ou já avançou para o episódio seguinte.

Absolutamente diferente, por exemplo, do que Jerry Lewis fez em Mensageiro Trapalhão/The Bellboy, que se passa quase inteiramente no Fontainebleau de Miami (1960). Na deliciosa comédia de Jerry Lewis, há trocentas e trinta e nove referências ao nome Fontainebleau.

Dá para perceber, quando a gente vê os seis episódios de The White Lotus, que aquilo foi feito para ser uma minissérie – daquelas boas, porretas, que contam uma história com começo, meio e fim, e pronto, acabou.

Informa-se que o criador, roteirista e diretor Mike White imaginou a coisa assim mesmo: uma minissérie com começo, meio e fim, e pronto, acabou.

Mas aí é que está essa coisa do Sistema, do Capitalismo Opressor. Muito diferentemente de nos regimes ditos justos, aqueles que buscam o mundo ideal da Justiça, tipo a União Soviética de Stálin, onde faziam-se filmes no estilo que ele mandasse, acontece que no sempre decadente, vil, porco capitalismo a opinião pública tem o direito de dizer o que deseja – e, diabo, como esse The White Lotus fez um sucesso incrível, os consumidores, perdão, os espectadores demonstraram que querem mais – e já se anunciou que haverá uma segunda temporada.

Claro: novos turistas chegarão ao White Lotus, com seus problemas, seus amores, seus temores. Uma história nova virá. Depois, dependendo do lucro, virá uma terceira temporada.

Ah, o Sistema…

Anotação em setembro de 2021

The White Lotus

De Mike White, criador, roteirista, diretor, EUA, 2021

Com Murray Bartlett (Armond, o gerente do hotel), Connie Britton (Nicole Mossbacher, a executiva de sucesso), Jennifer Coolidge (Tanya McQuoid, a solitária e problemática), Alexandra Daddario (Rachel Patton, a recém-casada), Fred Hechinger (Quinn Mossbacher, o filho mais novo de Nicole), Jake Lacy (Shane Patton, o recém-casado), Brittany O’Grady (Paula, a amiga de Olívia), Natasha Rothwell (Belinda Lindsey, a gerente do spa do hotel), Sydney Sweeney (Olivia Mossbacher, a filha mais velha de Nicole), Steve Zahn (Mark Mossbacher, o marido de Nicole)

e Jon Gries (Greg, o hóspede que namora Tanya), Kekoa Kekumano (Kai, o funcionário que namora Paula), Lukas Gage (Dillon, funcionário), Molly Shannon (Kitty Patton, a mãe de Shane), Jolene Purdy (Lani, a trainee que esconde a gravidez), Alec Merlino (Hutch), Christie Volkmer (Christie), Michael Trisler (o instrutor de mergulho), Marc Volkmer (o alemão em lua de mel), Mara Kahn (a alemã em lua de mel), Tana Kamine (a mulher no aeroporto), Mark Kamine (o marido no aeroporto)

Argumento e roteiro Mike White

Fotografia Ben Kutchins

Música Cristobal Tapia de Veer

Montagem Heather Persons, John M. Valerio

Casting Katie Doyle, Meredith Tucker       

No HBO Max. Produção Rip Cord Productions, distribuição HBO Max.

Cor, cerca de 360 min (6h)

Disponível na HBO Max em setembro de 2021.

***1/2

 

2 Comentários para “The White Lotus”

  1. The white lotus vai pra minha interminável lista. No momento estou assistindo Nove Desconhecidos, Prime, que também se passa em um Spa chiquérrimo e estranho, comandado por ninguém menos que Nicole Kidman! Cada personagem e dois funcionários com histórias próprias e Nicole, imitando sotaque russo, com uma cara bem .estranha e linda em algumas tomadas. Assista e comente, please.

  2. Gostei muito da série. E a personagem da Jennifer Coolidge é hilária e trágica ao mesmo tempo. A crítica americana adorou. Disse que a atriz (que costuma fazer sempre o papel de loira burra, gostosona) finalmente encontrou uma personagem em que pudesse interpretar a excentricidade, insegurança e comicidade de uma personagem meio maluquinha com um toque de humanidade, sem as armadilhas de construção da personagem que poderia descambar para uma caricatura. A série tem personagens chatíssimos e personagens engraçados. Eu gostei dos atores que fazem o casal com os filhos jovens, acho que são competentes e estão bem. E concordo com você, a personagem da massagista Belinda é um poço de doçura. Vi tudo de uma vez só. Recomendo. Entretenimento puro. Com uma certa pitada de crítica social: tanto ao privilégio branco quanto ao politicamente correto vigente e à condescendência da ultra-politização das situações do cotidiano e dos costumes pelas novas gerações. Bem atual.

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