Niagara, no Brasil Torrente de Paixão, de 1953, é muito provavelmente o primeiro filme noir em Technicolor. O primeiro noir com o batom da femme fatale absolutamente vermelho forte, vivo, diferentemente dos grandes noirs que vieram antes, todos em glorioso preto-e-branco, com jogos de luz e sombra, chiaroscuro, herança de uma das suas maiores influências, o expressionismo alemão dos anos 20.
Não poderia mesmo ser em preto-e-branco. Toda a ação do filme se passa junto das Cataratas do Niágara, as Niagara Falls, na fronteira de Estados Unidos com Canadá, entre dois dos Grandes Lagos, uma das paisagens mais belas do planeta. Como desperdiçar tanta beleza, tirando das cataratas o esplendor de suas cores?
Apesar das cores, do Technicolor, no entanto, Torrente de Paixão é noir até a raiz dos cabelos dos atores principais. É noir a não poder mais, a quintessência do noir.
Rose Loomis é parente próxima da Phyllis Dietrichson de Pacto de Sangue/Double Indemnity (1944) e da Cora Smith de O Destino Bate à Porta/The Postman Always Rings Twice (1946).
Phyllis queria se livrar do marido rico mas mais velho, aborrecido, e encontrou num vendedor de seguros um sujeito perfeito – um pato, um bobo, um sucker – para ajudá-la. Cora também queria se livrar do marido mais velho, para pegar o dinheiro dele e sair para sempre daquele posto de gasolina e bar de beira de estrada, e encontrou no aventureiro que apareceu por ali o sujeito perfeito – um pato, um bobo, um sucker – para ajudá-la.
A história de Rose Loomis é muitíssimo parecida com as de Phyllis e Cora. A maior diferença entre os três filmes talvez seja o fato de que, neste Torrente de Paixão, o pato, o bobo, aparece bem menos na tela. Nos dois filmes anteriores, o homem que cai na teia armada pela femme fatale é protagonista da história tanto quanto ela, a mulher. Neste aqui, o homem aparece bem pouco. O espectador quase nem fica sabendo seu nome (é Patrick). O ator que o interpreta, Richard Allan, não tinha fama alguma, e jamais viria a ter.
Quase dá para dizer que vemos mais os sapatos desse Patrick do que o seu rosto. Sapatos de duas cores – marrons, mas com grandes desenhos brancos no peito do pé.
De resto, a Rose de Torrente de Paixão é loura como Cora. E a atriz que a interpreta era uma estrela fulgurante, impressionante – assim como as duas estrelas que haviam representado Phyllis e Cora, respectivamente Barbara Stanwyck e Lana Turner. Boas atrizes, mulheres de grande beleza e sex appeal.
Na verdade, a atriz que interpreta Rose acabou virando maior que Barbara Stanwyck, que Lana Turner, que qualquer outra estrela. O maior símbolo sexual da História do cinema.
E aí é que há uma característica estranha neste Torrente de Paixão. Como Rose é interpretada por Marilyn Monroe, o filme acabou ficando muitíssimo menor que sua estrela.
À menção de Niagara, Torrente de Paixão, quem gosta de cinema da era clássica de Hollywood vai primeiro se lembrar de Marilyn, e não propriamente do filme.
E é um bom filme.
O roteiro original Charles Brackett é sólido, firme
Fiquei pensando isso enquanto o revia agora para escrever esta anotação. Marilyn engole a obra. Eu mesmo não lembrava que Torrente de Paixão é tão bom. Lembrava de Marilyn – e não das qualidades do filme.
É um roteiro original – a história foi escrita diretamente para o filme. Leva a assinatura de Charles Brackett, Walter Reisch e Richard Breen. Charles Brackett (1892-1969) é também o produtor; acumulou praticamente sempre as duas funções, a de roteirista e produtor. Havia acabado de terminar uma das mais celebradas parcerias da história de Hollywood com Billy Wilder, ao lado de quem escreveu os roteiros de 14 filmes entre 1938 e 1950. Saíram das mãos de Billy Wilder e Charles Brackett os roteiros de várias obras-primas – Ninotchka (1939), Farrapo Humano (1945), até Crepúsculo dos Deuses (1950)
Brackett e os seus dois colaboradores fizeram um bom roteiro, sólido, firme, em que tudo se encaixa, não há furo algum e não há nada sobrando – a não ser, talvez, os últimos 15 minutos da narrativa, em que se quis criar muita tensão com as cenas de ação na parte alta das águas, acima das quedas.
Não é fácil para um homem tenso ser casado com uma mulher linda
O filme abre com uma série de planos gerais das cataratas. É de madrugada, chegam os primeiros raios de sol, e então não há ninguém à vista, com exceção de um único homem que vagueia na parte de baixo das quedas, e está se ensopando com os pingos d’água constantes ali. É o personagem interpretado por Joseph Cotten (na foto). Veremos que se chama George Loomis. Ouvimos sua voz em off:
– “Por que as cataratas tinham que me arrastar para cá às 5 horas da manhã? Para me mostrar como elas são imensas e como eu sou pequeno? Para me lembrar que elas podem seguir em frente sem qualquer ajuda? Está certo, elas conseguiram. Mas por que não? Elas tiveram dez mil anos para ficar independentes. O que há de tão maravilhoso nisso? Acho que eu também conseguiria, só que talvez levasse um pouco mais de tempo.”
É, George Loomis não está num bom momento da vida.
Ele caminha pelas ruas na belíssima paisagem, ainda desertas àquela hora da manhã. Chega até as Rainbow Cabins, um hotelzinho, uma pousada formada por diversos chalezinhos, uma coisa simples, para classe média média, nada sofisticado, apesar da localização privilegiadíssima, com vista total para as cataratas.
A câmara mostra o interior do chalé que George está ocupando – e lá está Rose Loomis, deitada na cama, fumando. Ao perceber pelos ruídos que o marido está chegando, apaga o cigarro, finge que está dormindo. Quando George entra, chama por ela baixinho, como que para confirmar que ela está mesmo dormindo. Ela não responde.
Nem 5 minutos de filme ainda, e o espectador já sabe que não apenas George Loomis não está num bom momento, como sabe também que aquele casamento não vai bem.
Há uma diferença de idade grande entre o sr. e a sra. Loomis. Não se fala a idade dos dois, mas a distância é visível, e forte. Em 1953, ano de lançamento de Niagara, Joseph Cotten (1905-1994) estava com 48 anos, e parecia bem mais velho que isso. Marilyn (1926-1962) estava com 27.
Não deve ser nada, nada, nada fácil a vida de um homem atormentado, tenso, beirando os 50 e parecendo bem mais, que está casado com aquela mulher de fechar todo o comércio do mundo.
Um casal problemático. E um outro casal alegre, de bem com a vida
Sim, os Loomis são um casal complicado, problemático.
E eis que chega às Rainbow Cabins um casalzinho jovem, belo e com toda a aparência de ser feliz. São de Ohio, e, apesar de bem jovens, e estarem chegando à capital da lua de mel da América do Norte, já estão casados há uns três anos. Ray Cutler (Casey Adams, na foto abaixo) trabalha na filial de sua cidade de uma grande empresa canadense da área de alimentos, e a visita às Cataratas do Niágara tem dupla finalidade. Em parte, querem aproveitar uns dias de férias. Mas Ray também quer conhecer J.C. Kettering (Don Wilson), o vice-presidente da empresa, que mora exatamente ali, no lado canadense das quedas.
Ela se chama Polly, é a típica jovem americana casada da classe média, saudável, alegre, bem disposta – e além de tudo bem bonita. É o papel da bela e talentosa Jean Peters, que, dois anos depois do lançamento do filme, em 1955, abandonou o cinema para viver longe dos holofotes com o marido, o bilionário recluso Howard Hughes.
Os Cutler tinham feito a reserva para o chalé B – exatamente o chalé que ainda estava ocupado pelo casal problemático.
O sr. Qua (Russell Collins), o recepcionista e faz tudo das Rainbow Cabins, bate à porta do chalé B, com o casal Cutler atrás dele. Rose Loomis aparece, pede desculpas, explica que seu marido não conseguira dormir à noite, tinha chegado de manhãzinha e então finalmente tinha pego no sono. Será que eles não poderiam ficar mais uns dias?
Simpáticos, prestativos, os Cutler se apressam a dizer ao sr. Qua que tudo bem, que eles podem ficar em outro chalé, sim.
Uma bela sequência: a jovem Polly flagra Rose com outro homem
Daí a pouco Rose se despede do casal e do sr. Qua, dizendo que iria fazer algumas compras e pedindo que tomassem conta do marido enquanto ela estivesse fora. Ela fala de um jeito que dá a entender que o marido está mal, está doente. Até menciona o nome de um hospital em que ele esteve internado – e Ray Cutler reconhece o nome de um faladíssimo sanatório.
A câmara mostra os jovens Cutler observando Rose enquanto ela caminha sobre saltos altos, requebrando a derrière mais poderosa que já apareceu numa tela de cinema.
Daí a pouco Ray e Polly vão fazer sua primeira visita às cataratas. Num trecho delas, há uma loja de souvenirs, e, no mesmo prédio, um elevador que desce vários metros para que os turistas vejam as quedas mais ou menos na metade da altura delas. Antes de saírem do prédio para apreciar a vista, os visitantes devem deixar os sapatos num grande vestiário, calçar galochas e pegar com os funcionários grandes capas de chuva, pois os decks de onde se avistam as quedas estão permanentemente castigados pelo vapor da água que cai.
A sequência é bem feitíssima.
De um ponto mais alto, Ray segura uma grande máquina fotográfica. Para quem gosta de detalhes, é uma Argus C3, uma das câmaras fotográficas mais vendidas nos Estados Unidos nos anos 40 e 50. Polly está mais abaixo, o aguaceiro caindo bem atrás dela. Ray faz gestos que ela chegue mais para trás no deck, mais para perto da borda. Ela dá uns passos para trás, ele manda ela andar mais. Ela chega ainda mais perto do final do deck, vira-se para o lado e vê, junto das cataratas, num lugar só visto por quem se aventura até ali, Rose Loomis beijando um homem. Um outro homem.
Estamos neste momento com apenas 13 minutos de filme.
O homem, veremos depois, é o tal Patrick, que aparecerá poucas vezes na tela, apesar de sua importância na trama. Numa das vezes em que ele aparecerá mais tarde, numa pensão em que está hospedado e onde recebe um telefone de Rose, ele está esticado na cama, e a câmara se fixará nos seus sapatos marrons com grandes desenhos brancos no peito do pé.
Esses sapatos terão importância grande na teia de informações que virá mais tarde.
Marilyn, vestido vermelho vivo, e aquela abundância de carne
Na noite daquele mesmo dia, haverá uma série de acontecimentos fundamentais da história. São outras belas sequências, marcantes, dessas de ficar na cabeça de gerações de cinéfilos.
Vários dos chalezinhos das Rainbow Cabins ficam de frente para a paisagem extasiante das cataratas. Do lado contrário, do lado da entrada dos chalés, há uma extensão de gramado. Ali, à noite, um grupo de jovens casais está fazendo uma espécie de churrasco; levaram para o lugar um toca-discos, e estão botando música e dançando.
Lá pelas tantas, Rose Loomis sai de seu chalé – vestida para matar.
Vestida para matar.
Marilyn Monroe, batom exageradamente vermelho vivo, num vestido exageradamente vermelho vivo, com aquela abundância de carne que Deus lhe deu, para o bem ou para o mal – para o bem de milhões de espectadores, para o mal dela mesma, pobre Norma Jean, frágil como a chama de uma vela ao vento, como tão bem definiu Bernie Taupin na canção.
Ray e Polly estão sentados na escada de seu chalé, olhando para o grupo de jovens que dança. Diante daquela visão inusitada, Ray primeiro solta uma exclamação: – “Chamem os bombeiros!”. Em seguida, provoca a bela mulher que tem: – “Por que você nunca teve um vestido como esse?”
E Polly: – “Ouça bem. Para um vestido como aquele, você tem que começar a se preparar quando está aí com uns 13 anos.”
O marido pega o disco preferido da mulher e o estraçalha
Os casaizinhos quase que param de dançar à medida em que aquele porta-aviões se aproxima deles.
Rose carrega um disco. Chega perto do toca-discos, e pergunta ao garoto mais próximo se pode tocar aquele lá. É, evidentemente, um 78 rotações, embora naturalmente as últimas gerações não tenham idéia do que seja isso.
Quem diria não para uma Rose Loomis-Marilyn Monroe daquelas?
O garoto põe o disco. Rose prossegue seu desfile até chegar ao casal Ray e Polly. Cumprimenta, faz um comentário qualquer, e começa a cantar junto com o disco a canção “Kiss”, de Lionel Newman-Haven Gillespie.
A canção ainda não acabou quando George Loomis sai de seu chalé. Em passo acelerado, chega até o toca-discos, retira o disco que tem a canção “Kiss” e o quebra em pedacinhos.
Não é fácil quebrar um 78 rpm – os 78 eram feitos em um vinil grosso. George evidentemente corta a mão no ato de estraçalhar a canção preferida de sua mulher.
Ele volta rapidamente para seu chalé e fecha a porta.
Espantados, atônitos, os Cutlers perguntam a Rose se ela não vai até lá ver se ele se machucou muito. Polly diz que tem mercurocromo; Rose diz que será impossível falar com George naquele estado. Polly não se acanha: pega o mercurocromo, vai até o chalé, bate a porta, se oferece para passar o antisséptico e fazer um curativo na mão ferida do sujeito.
Não demora um minuto para que George abra seu coração para a desconhecida. Conta resumidamente a história trágica de sua vida. Até que vivia bem, tinha uma fazenda com uma criação de ovelhas. Aí conheceu Rose num bar – era a garçonete mais procurada de toda a região. Apaixonou-se, casaram-se, tudo virou um inferno – ela só pensa em roupas, em se exibir em bares…
George Loomis demonstra claramente para Polly, e em seguida também para Ray, que chega para ficar com a esposa, que seu estado psicológico é absolutamente lastimável.
Estamos aí com 25 minutos. O filme tem duração de 92.
Curiosamente, o trailer do filme foi feito em preto-e-branco
O trailer do filme tem uma frase de grande impacto: “Niagara e Marilyn Monroe. As duas visões mais eletrizantes do mundo”.
A página de Trivia do filme no IMDb diz: “Curiosamente, o trailer dessa produção em Technicolor era em preto-e-branco”.
De fato, isso é muito curioso. O trailer, que está no DVD do filme lançado pela Fox, é totalmente em preto-e-branco. E salta aos olhos que o produtor Charles Brackett e o diretor Henry Hathaway fizeram uma excelente escolha pelo Technicolor. Eu, que sou absolutamente apaixonado pela fotografia em preto-e-branco, admito com a maior tranquilidade: não teria sentido ver aquela paisagem em P&B.
Falei lá em cima que Niagara certamente foi o primeiro filme noir em cores. Tenho quase absoluta certeza, mas de fato não tenho elementos para garantir.
Mas há uma característica que dá para dizer com tranquilidade, com toda certeza: foi o primeiro filme em que o nome de Marilyn Monroe apareceu em primeiro lugar, à frente dos demais atores, isso que em inglês se chama de top billing.
Entre 1953 e 1954, foram lançados cinco filmes com Marilyn
Marilyn Monroe teve pequenos papéis em 13 filmes produzidos entre 1947 e 1951. Em vários deles foram papéis mínimos; um deles, por exemplo, foi o de uma garçonete de um bar. E vários deles foram filmes nada marcantes.
Dois, no entanto, ambos de 1950, são grandes filmes, e neles Marilyn teve papéis já de alguma importância e visibilidade: A Malvada/All About Eve, de Joseph L. Manckiewicz, e O Segredo das Jóias/The Asphalt Jungle, de John Huston.
Em 1952, foram lançados cinco filmes com ela; em dois deles, eram papéis pequenos – Páginas da Vida e Só a Mulher Peca. Em O Inventor da Mocidade, Travessuras de Casados e Almas Desesperadas, já interpretava personagens mais importantes.
Entre 1953 e 1954, chegaram aos cinemas cinco filmes em que Marilyn já estava entre os protagonistas: este Torrente de Paixão/Niagara, Os Homens Preferem as Louras, Como Agarrar um Milionário, O Rio das Almas Perdidas e O Mundo da Fantasia.
Foi uma ascensão fulminante. Em setembro de 1954, quando começaram as filmagens de O Pecado Mora ao Lado/The Seven Year Itch, já era a maior estrela de Hollywood. O Pecado Mora ao Lado, o primeiro dos dois que fez com o diretor Billy Wilder, teria pré-estréia de gala em Nova York em 1º de junho de 1955, o dia em que completava 29 anos de idade.
Estréia nos EUA | A ordem dos nomes nos créditos | |
Torrente de Paixão
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2/1953 | Marilyn Monroe, Joseph Cotten, Jean Peters |
Os Homens Preferem as Louras
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8/1953 | Jane Russell, Marilyn Monroe |
Como Agarrar um Milionário
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11/1953 | Betty Grable, Marilyn Monroe, Lauren Bacall |
O Rio das Almas Perdidas
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4/1954 | Robert Mitchum, Marilyn Monroe |
O Mundo da Fantasia
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1/1955 | Ethel Merman, Donald O’Connor, Marilyn Monroe |
O Pecado Mora ao Lado
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6/1955 | Marilyn Monroe, Tom Ewell |
Depois de O Pecado Mora ao Lado, faria apenas mais cinco filmes: Nunca Fui Santa/Bus Stop (1956), O Príncipe Encantado/The Prince and the Showgirl (1957), Quanto Mais Quente Melhor/Some Like it Hot (1959), Adorável Pecadora/Let’s Make Love (1960) e Os Desajustados/The Misfits (1961).
Quando morreu, em 5 de agosto de 1962, Marilyn era a maior estrela do cinema mundial. Tinha apenas 36 anos.
Apesar de ser a estrela, Marilyn ganhou menos que seu maquilador
A ascensão de Marilyn aos píncaros do estrelato foi tão rápida que produziu alguns fenômenos estranhíssimos. O IMDb conta que, embora ela fosse a estrela absoluta deste Niagara, com seu nome em primeiro lugar nos créditos, seu contrato com a 20th Century Fox ainda era como atriz que recebia salário fixo semanal. De tal maneira que ela recebeu menos dinheiro por estrelar o filme do que seu maquilador!
Quando foi filmado Os Homens Preferem as Louras, Jane Russell já era uma grande estrela, e foi dela o top billing: nos créditos iniciais está o nome dela primeiro, o de Marilyn depois. Numa das últimas entrevistas que deu, já em 1962, ano de sua morte, Marilyn contou o seguinte: “Eu me lembro quando eu ganhei o papel em Gentlemen Prefer Blondes. Jane Russell era a morena e eu era a loura. Ela ganhou US$ 200 mil, e eu ganhei US$ 500 por semana, mas aquilo era para mim, sabe?, considerável. Aliás, ela foi maravilhosa comigo.”
Em Como Agarrar um Milionário, Betty Grable, uma das maiores estrelas de Hollywood já nos anos 40, a pin up desejada por 11 entre 10 soldados americanos na Segunda Guerra, ganhou o direito a ter o top billing, como mostra a tabela acima. Só que, quando o filme foi lançado, em novembro de 1953, a fama de Marilyn já era tamanha que é o nome dela que vinha primeiro nos cartazes todos. E até mesmo no trailer.
Depois do advento dos filmes domésticos, primeiro com o VHS e o laser disc, depois o DVD e o Blu-ray, são o nome e as fotos de Marilyn que aparecem com destaque nas capas, mesmo em vários daqueles em que ela era apenas uma coadjuvante sem importância.
Pauline Kael descreve a personagem como “vagabunda amoral”
Leonard Maltin deu 3 estrelas em 4 para o filme, mas cometeu um errinho de informação em sua rápida avaliação: “História negra de crime de casal em lua de mel em Niagara Falls, a mulher planejando matar o marido. Produzido e co-escrito por Charles Brackett; bom trabalho na locação real.”
O errinho é que o casal Loomis não está em Niagara Falls para a lua de mel. Assim como o casal Cutter, eles já haviam se casado fazia alguns anos. É dito no filme que os médicos recomendaram a George Loomis descanso e terapia ocupacional, depois que ele voltou da Guerra da Coréia.
Pauline Kael, a prima donna da crítica americana, que muitas vezes é uma chata de galocha, diz o seguinte: “Não é um bom filme, mas atraentemente vistoso e perverso – o único a explorar o lado mau e desagradável da perversidade fofa e infantil de Marilyn Monroe. Este filme foi feito pouco antes de ela conquistar Hollywood com Os Homens Preferem as Louras, e sua vagabunda amoral e destrutiva – carnal em excesso – talvez ilustre o baixo conceito que Hollywood tinha por ela. A lascívia de Marilyn, com seus lábios úmidos, é o suficiente para segurar a primeira metade deste melodrama de assassinato, mas na segunda parte só há reviravoltas na trama, centrada nas cataratas de Niágara.”
Pauline Kael de fato muitas vezes é chata de galocha, mas acho que essa avaliação dela é corretíssima – a não ser a afirmação de que Marilyn conquistou Hollywood com Os Homens Preferem as Louras. Ora, ela conquistou Hollywood com aquele conjunto de filmes lançados num pequeno espaço de tempo.
Mas de fato é o único filme que mostrou um lado mal, desagradável, perverso, de Marilyn, e de fato essa Rose que ela faz é uma vagabunda amoral e destrutiva, carnal em excesso. A coisa dos lábios úmidos é forte o tempo todo no filme.
Rose Loomis é de fato um papel totalmente diferente de todos os demais que Marilyn interpretou. Na maioria deles, ela era aquela mulher gostosérrima, que arrasava corações, mas que tratava sua própria beleza, seu sex-appeal todo, com um jeito quase infantil, quase inocente. Como se sua beleza estrondosa fosse, mais que uma bênção, uma maldição.
Anotação em fevereiro de 2017
Torrente de Paixão/Niagara
De Henry Hathaway, EUA, 1953
Com Marilyn Monroe (Rose Loomis), Joseph Cotton (George Loomis), Jean Peters (Polly Cutler), Casey Adams (Ray Cutler), Denis O’Dea (inspetor Starkey), Richard Allan (Patrick), Don Wilson (Mr. J.C. Kettering), Lurene Tuttle (Mrs. Kettering), Russell Collins (Mr. Qua),
Will Wright (o homem dos barcos)
Argumento e roteiro Charles Brackett, Walter Reisch e Richard Breen
Fotografia Joe MacDonald
Música Sol Kaplan
Montagem Barbara McLean
Produção Charles Brackett, 20th Century Fox. DVD Fox
Cor, 92 min
R, ***
Hooray!!!
Como eu queria que essa moça tivesse todo o seu talento reconhecido quando estava viva…
Eu pessoalmente daria 2,5 estrelas em 4. Por acaso não é um filme que goste muito. Sérgio eu acho que o vestido dela é rosa choque e não é vermelho
A cena em que Rose (Monroe), se junta a uma festa improvisada e pede que toquem uma determinada música, ao que seu marido George sai enfurecido de seu bangalô e quebra o disco, porque ele suspeita que a canção tem um significado secreto para Rose. MARILYN MONROE, canta quase que suspirando um trecho da música, é um dos momentos do que realmente é ser uma mulher fatal, sem esforço algum, nisso precisa ser uma verdadeira atriz, para que o personagem não caísse no ridículo.
A atriz nunca esteve tão encantadora e luminosa como nesse filme, até então. A femme fatale (ou pelo que menos que tem toda a aparência de fatale), belíssima, sedutora, sensual, envolta em uma aura de mistério – como uma viúva negra, a mulher-aranha prestes a envolver em sua teia mortal o homem que se julga esperto mas na verdade se mostrará um trouxa.
À absurda beleza do rosto junta-se uma sensualidade que poucas outras atrizes transpiram. MARILYN MONROE, é a mais perfeita tradução de desejo, tesão. É não é que realmente a moça tinha talento como atriz.
Quem quiser falar mal, fale. Mas eu adoro Torrentes da Paixão. É perfeito como a direção de Arte e Fotografia conseguiram, aqui, tirar proveito da cena do LP e criar A foto (!!!), da Marilyn sentada, cantando Kiss me. Simplesmente hipnotizador…
Dúvida: O que quer dizer a frase a respeito do vestido da Rose: “Ouça bem. Para um vestido como aquele, você tem que começar a se preparar quando está aí com uns 13 anos.” (?)
Detalhe: o vestido é ROSA, não vermelho. 😉