4.0 out of 5.0 stars
Anotação em 2009: Acho que não há fã de westen (e são milhões e milhões) que não considere Matar ou Morrer/High Noon como um dos melhores da história. As listas dos dez melhores westerns de todos os tempos em geral incluem o filme – e as que não incluírem estão erradas, na minha opinião. Para mim, este é o melhor faroeste de todos.
Mas não é apenas para fãs de western. É um grande filme, uma obra-prima, um grande painel político de um país.
Está no livro 1001 Filmes para se Ver Antes de Morrer. Está entre os 51 westerns do livro 501 Must-see Movies. Está entre os 5 westerns do livro Hollywood Picks the Classics. A edição de colecionador está no 1,000 Best Movies on DVD. Está em segundo lugar entre os 10 melhores westerns do American Film Institute (o primeiro é Rastros de Ódio/The Searchers, de John Ford, de 1956). Está entre os 130 melhores filmes segundo a votação popular no iMDB.
Foi indicado a sete Oscars, levou quatro – ator para Gary Cooper, montagem, canção original (Dimitri Tiomkin e Ned Washington) e trilha sonora. Teve outros 11 prêmios e oito indicações. Entre esses outros prêmios, levou os Globos de Ouro por ator em drama para Gary Cooper, atriz coadjuvante para Katy Jurado, fotografia em preto-e-branco e trilha sonora.
Pausa para uma explicação
Já que estou falando do filme que eu considero o melhor western que já foi feito, vou aproveitar para dar uma explicação, fazer um esclarecimento. Não sou um profundo conhecedor de westerns, e nem mesmo um fanático pelo gênero. Muitos apreciadores de western têm entrado no site – e boa parte deles deve ficar bem insatisfeita, decepcionada, porque não tenho tantos filmes assim na tag western. Não é culpa minha. Aconteceu de a Wikipédia em português ter colocado link para este site no seu item Ligações Externas; é a segunda indicação de site em português. Aproveito então para pedir desculpas a esses leitores que chegam aqui através da Wikipédia e se decepcionam.
Explicação dada, voltamos a High Noon. Vou aproveitar, como sinopse, o primeiro parágrafo do resumo que o próprio American Film Institute faz do filme:
“Às 10h30 de uma tranqüila manhã de 1870, três bandidos chegam à cidade de Hadleyville, exatamente no momento em que seu xerife, Will Kane, está se casando com uma bela quaker chamada Amy Fowler. Para agradar Amy, Will renuncia a seu posto imediatamente após a cerimônia, mas fica perturbado porque o novo xerife só chegará no dia seguinte. De repente, o chefe da estação ferroviária chega com a terrível notícia de que Frank Miller, um bandido violento que Will prendeu por assassinato cinco anos antes, recentemente recebeu perdão e deve chegar a Hadleyville no trem do meio-dia.”
Will Kane (o papel de Gary Cooper, um dos melhores de sua carreira extraordinária) e Amy (Grace Kelly, com aquela beleza absurda) chegam a deixar Hadleyville, em uma carroça, mas não vão longe. Will logo pára, compreende que tem que voltar e enfrentar a ameaça – o novo xerife ainda não chegou. E volta. Amy é a primeira pessoa a abandoná-lo – diz que, se ele insistir em voltar para lutar contra aqueles homens, ela tomará o trem do meio-dia e irá embora sozinha. Ao contrário de tantos outros que abandonarão Will Kane sozinho por tibieza, fraqueza, covardia, Amy toma a decisão por uma questão de foro íntimo, de crença: sua religião é contra o uso de armas de fogo.
Cada minuto de ação no filme corresponde a um minuto real
São muitas as características que fazem de High Noon um filme absolutamente extraordinário, mas talvez a mais aparente, a mais especial, a que o torna único seja o fato de que a ação se passa em tempo real, ou seja, cada minuto de ação corresponde a um minuto do que vemos na tela. Não há corte no tempo, aquela coisa presente em todo tipo de narrativa.
E aí me lembro – perdão pela digressão – de uma seqüência fantástica de A Rosa Púrpura do Cairo, de Woody Allen, de 1985, em que o personagem do filme que Mia Farrow vê seguidas vezes, e que saiu da tela e entrou na realidade. Ele está para beijá-la, e de repente olha em torno e não compreende o que está acontecendo: por que as luzes não estão diminuindo? Por que não haverá o fade-out, o desaparecimento da imagem, o corte da cena depois do beijo, para depois surgir o fade-in, a volta, a nova seqüência em que o casal aparecerá depois da cena de amor, satisfeito, feliz?
Em Matar e Morrer não há corte no tempo. Às 10h30 da manhã daquele domingo, no momento em que o xerife Will Kane está se casando com Amy Fowler, os três bandidos atravessam a cidade a cavalo, rumo à estação ferroviária, onde vão esperar a chegada de Frank Miller no trem do meio-dia. Uma hora e meia, 90 minutos – o filme dura 85 minutos. Durante 85 minutos de extraordinário cinema, acompanharemos os 85 minutos de busca desesperada de Will Kane por auxiliares que possam enfrentar com ele os quatro bandidos que estão aí para matá-lo.
Nestes 57 anos que se passaram desde que Fred Zinnemann dirigiu High Noon, foram feitos vários outros filmes em tempo real, ou com boa parte em tempo real. Em 1952, era uma raridade absoluta. Que eu saiba, ou que seja importante, apenas Alfred Hitchcock, o mestre louco, tinha feito algo assim, em Festim Diabólico/Rope, de 1948, no qual ele ousava mais ainda: fez o filme inteiro em um único gigantesco plano seqüência de 80 minutos – 80 minutos de duração de filme, 80 exatos minutos de ação, dentro de um apartamento, a câmara movendo-se em torno de três atores. (Na verdade, não era exatamente um único, porque não havia bobinas de filmes que durassem tanto tempo, mas ele criou seu filme de tal forma que parece um único plano seqüência.)
Uma busca desesperada, diversos personagens, uma montagem brilhante
Fred Zinnemann, ao contrário, não faz planos seqüência; nem mesmo planos muito longos. Há muitos cortes – vemos Will Kane em suas andanças pela cidade à procura de ajuda, mas vamos vendo também diversos outros acontecimentos na cidade. Vemos os bandidos fumando, bebendo, esperando na estação. Vemos o dono da barbearia em seu trabalho, ele também dono da funerária, preocupado com o fato de que só há dois caixões prontos – ele manda seu auxiliar fazer pelo menos mais dois, correndo. Vemos o hotel da cidade, em que vive Helen Ramírez (a bela mexicana Katy Jurado, com um rosto forte, severo, impressionante, na foto), a dona do maior saloon da cidade, que no passado namorou o bandido Frank Miller, depois namorou o xerife Will Kane e agora namora Harvey (Lloyd Bridges, o pai de Jeff e Beau Bridges), o delegado auxiliar de Kane. Vemos o saloon Ramírez, onde um bando de gente bebe desde cedo, e o gerente diz satisfeito para os bêbados matinais que Will Kane estará morto cinco minutos depois que Frank Miller descer do trem. Vemos a igreja que reúne as boas famílias da cidade.
Para mostrar várias ações paralelas que se passam todas naqueles 90 minutos entre o casamento e a hora da chegada do trem com o bandido que vem matar o xerife, o diretor Zinnemann fez um uso genial do trabalho de montagem. Quando estão faltando uns dois minutos para o meio-dia, o high noon do título original, aí então ele dá uma aula de cinema: em dois minutos, ele mostra tomadas dos diversos, dos muitos personagens envolvidos na trama: o xerife Will Kane, Amy, Helen Ramírez, os bandidos, os fiéis na igreja, a cadeira em que Frank Miller estava sentado quando foi condenado. É estonteante: tomadas rápidas, close-ups dos personagens, dos relógios.
Depois dessa seqüência de diversas tomadas, uma passeada geral pelos protagonistas todos da história, há uma tomada que é um show. Vemos o rosto de Will Kane em grande close-up; aí a câmara pega o corpo inteiro do xerife e vai ampliando o campo; um longo zoom para trás, a câmara vai subindo, subindo, subindo, carregada por uma grua, um guindaste, e vemos Will Kane, cada vez menor dentro do campo de visão que se amplia, caminhando sozinho na rua deserta rumo ao seu destino.
A pequena e covarde cidade espelha toda uma sociedade
Carl Foreman conseguiu, em seu roteiro magistral, dar ao espectador uma visão geral de quem são as pessoas, como é a organização social daquela cidadezinha – e conseguiu transformar Hadleyville num microcosmo que espelha toda uma sociedade, todo um país. Não me ocorre um trabalho tão extraordinário de composição de um roteiro que faça isso, que mostre uma pequena cidade como uma célula de um corpo maior, um espelho de toda a socieade, a não ser Caçada Humana/The Chase, o grande filme de Arthur Penn.
É um bangue-bangue para espectador nenhum botar defeito – nem os que não gostam de bangue-bangue, nem o mais fanático adorador de western. Mas é muito mais que um western. É um filme intrinsecamente político, é a radiografia de uma sociedade, é uma grande parábola sobre os Estados Unidos de 1952, um país assolado por uma louca, insana, doentia caça às bruxas, em que, a partir de um comitê do Congresso sobre “atividades anti-americanas”, dezenas e dezenas de artistas de cinema, teatro, televisão, música, foram acusados de ser comunistas ou simpatizantes do comunismo, e por isso proibidos de trabalhar. O império da deduragem, do medo, da paranóia.
Está no iMDB: “O filme foi feito para ser uma alegoria mostrando que muitas pessoas em Hollywood não se opuseram ao Comitê sobre as Atividades Anti-Americanas do Congresso, durante a época da caça às bruxas do senador Joseph McCarthy.” E o próprio iMDB informa que o roteirista Carl Foreman entrou na lista negra do comitê logo após o lançamento de filme; na verdade, ele já havia se exilado na Inglaterra quando o filme foi completado.
“Matar ou Morrer se passa em tempo real, com a hora fatal se aproximando enquanto a música tema (a balada Do not forsake, oh my Darling) insiste em frisar os acontecimentos, com aqueles que o xerife supõe que vão ajudá-lo caindo como pinos de boliche”, diz o livro 1001 Filmes para Ver Antes de Morrer. E acrescenta, em um bom e preciso texto: “No clímax, que continua pungente mesmo nestes dias de filmes de ação de um homem contra um exército, ele é deixado praticamente sozinho contra quatro vilões. O filme de Zinnemann é ao mesmo tempo um excelente faroeste de suspense e uma perfeita alegoria do clima de medo e suspeita que prevalecia nos Estados Unidos durante a era McCarthy.”
Uma obra-prima. Que não perde nada com o passar do tempo, nem com as sucessivas revisões. Ao contrário: a cada vez fica ainda melhor.
Matar ou Morrer/High Noon
De Fred Zinnemann, EUA, 1952
Com Gary Cooper (Will Kane), Grace Kelly (Amy Fowler Kane), Katy Jurado (Helen Ramirez), Thomas Mitchell (Jonas Henderson), Lloyd Bridges (Harvey Pell), Otto Kruger (Judge Percy Mettrick), Lon Chaney (Martin Howe), Harry Morgan (Sam Fuller), Ian MacDonald (Frank Miller), Eve McVeagh (Mildred Fuller), Morgan Farley (pastor), Harry Shannon (Cooper), Lee Van Cleef (Jack Colby), Robert Wilke (James Pierce), Sheb Wooley (Ben Miller), Tom London (Sam)
Roteiro Carl ForemanBaseado na história The Tin Star, de John W. Cunningham
Música Dimitri Tiomkin. Letra da canção por Ned Washington
Produção Stanley Kramer Productions, distribuição United Artists
P&B, 85 min
14/8/2009
R, ****
Título em Portugal: O Comboio Apitou Três Vezes. Título na França: Le train sifflerá 3 fois
Foi o primeiro título a que assisti quando me propus a conhecer o gênero ‘western’. E foi, de fato, uma grande lição! Que filme!
Esse filme prova a qualidade de atores e diretores que eram cam capazes de produzir
grandes obras que os de hoje nao seriam ca
pazes sem a tecnologia de que dispôe.
Matar ou Morrer é realmente um filme ímpar…a música tema então, é maravilhosa!É tudo de bom!!!!!!!!!
Fantástico PB ação baseada no tempo cravado -talvez ele seja o numero um, passando mesmo os de John Ford – belos relógios americanos do século XIX, em desfile, marcando o passar dos minutos até a chegada do trem, numa fotografia até hoje de cair o queixo – a musica é excelente, principalmente a abertura com o grande Frankie Lane falecido ha uns 15 anos – uma nota se me permitem, dizem que o Presidente Clinton assistiu a esse filme mais de cem vezes!
Concordo totalmente contigo Sergio,não há como não considerar este filme como um dos melhores da história.Um verdadeiro clássico.
Merecidíssimo o oscar para Gary Cooper.Ele estava soberbo neste filme.Aquelas cenas onde ele anda pelas ruas buscando ajuda e,já quase ao chegar do trem,quando ele para,o olhar carregado,angústia,aflição,olha para o nada que aquela cidade ficou,enxuga o suor e caminha para a decisão.O que ele passou de credibilidade nessas cenas (foi demais !!)é digno de aplausos.O filme foi Gary Cooper.
O relógio sempre mostrando a chegada da hora decisiva,as varias tomadas dos trilhos prenunciando a chegada do trem,tirando isto não vou falar nada dos outros “detalhes” que fizeram deste filme um clássico,pois já fizeste isto com muita competência.
Achei a Grace pequena neste filme,gostei bem mais da Katy Jurado,muito linda também.Ela também mereceu o prêmio que ganhou.
Como tu costumas dizer,opinião,cada um tem a sua.Eu ainda não vi esse “rastros de ódio” e,para mim,o melhor de todos os westerns continua sendo “Era uma vez no Oeste”.Sabe,a história me “tocou” mais,me sensibilizou mais
Além do que,a música é lindíssima.
Li que “era uma vez no oeste”,foi muito mal de bilheteria e que só foi reconhecido mais tarde e, hoje é aclamado como um dos maiores e melhores filmes de todos os tempos.
Considerado tbm o melhor western já produzido
Será que eu estou enganado?? O grande Lee Van Cleef entrou mudo e saiu calado.Não teve um diálogo.Início de carreira? Mas,Lloyd Bridges tbm estava iniciando e teve várias e várias falas,não entendi.
Assim como em “Charada”,Audrey Hepburn era muito nova para Cary Grant,aqui neste,achei o Gary Cooper envelhecido para a Grace.
Bem,talvez não houvesse um ator mais novo com o talento dese “monstro sagrado”.
Enfim,um clássico,filmaço,maravilhoso ! !
“Matar ou morrer” e “Era uma vez no este”sem colocar pontuação,os dois maiores westerns de todos os tempos.
Abraço, Sergio.
Matar ou Morrer, Era uma vez no Oeste e Shane, em minha percepção, formam uma tríade inseparável, um triângulo em que cada ângulo aponta para uma visão diferente, mas não contraditória, das demais. Shane é o personagem místico, do nada vem e para o nada volta; o Xerife representa o bem; o Gaita é a mão da vingança. As estratégias dos diretores são fantásticas e a produção de cada filme é magistral. Gosto de vê-los como western e como pinturas da natureza humana, com suas fraquezas e fortalezas.
Um filme onde todas as gerações se identificam com seus valores.Por isso será eternamente lembrado.
1952 – o filme Matar ou Morrer critica a perseguição (paranoica e infundada) aos artistas nos EUA de Mcarthy por apoiarem o sonho socialista, sindicalista, marxista.
1952 – Stálin mostra ao mundo como o comunismo/socialismo é só amor, alegria e que não há motivos para se preocupar. A arte na URSS vai de vento em popa e os jornalistas comemoram a liberdade de expressão.