Mal de Pierres, no Brasil Um Instante de Amor, foi indicado para nada menos que 8 Césars, o maior prêmio do cinema francês, inclusive nas principais categorias: melhor filme, melhor direção para Nicole Garcia, melhor atriz para Marion Cotillard, melhor roteiro adaptado para a própria Nicole Garcia e Jacques Fieschi.
Foi ainda escolhido para participar da mostra competitiva do Festival de Cannes. E diz o IMDb que, ao final da apresentação na Croisette, o filme foi agraciado com sete minutos de aplausos de pé.
Com todo o respeito que Nicole Garcia e Marion Cotillard merecem (e elas merecem imenso respeito), Mal des Pierres me pareceu pior que um filme ruim. É uma porcaria horrorosa, pavorosa, um abacaxi azedo.
E a tal da Gabrielle, a protagonista da história, o papel dessa atriz lindérrima a não mais poder, é seguramente uma das personagens mais chatas, mais sem graça, mais sem qualquer tipo de élan de toda a História da humanidade, desde que, nas cavernas, as mamães começaram a contar histórias para nanar seus filhinhos.
O filme dá pequenos saltos, solavancos
Ficamos conhecendo Gabrielle na primeira sequência deste filme extremamente longo (120 minutos que demoram demais para passar), sentada no banco de carona do carro dirigido por seu marido, José (Alex Brendemühl), numa estrada da França, nos anos 50. No banco de trás está o filho do casal, garoto aí de uns 14 anos. (É péssimo admitir, mas não guardei o nome do personagem, não sei o nome do ator.)
Nesta sua primeira aparição, Gabrielle tem o jeito de uma boa esposa e boa mãe. Está cuidando de providenciar uma comidinha e um suco para o filho e para o marido.
Estão viajando – saberemos bem rapidamente – de La Ciotat, cidade industrial próxima de Marselha, para Lyon, no centro do hexágono que é a França, onde o garoto participará de uma competição nacional de piano.
As sequências são rápidas e a montagem é esquisita – o filme dá pequenos saltos no tempo, solavancos. Não é uma passagem de tempo natural, normal. Coisa estranha. Deve seguramente ter sido estudada, planejada para ser assim, por algum motivo que este mortal aqui não conseguiu captar.
Mas o fato é que, muito rapidamente, a família chega a um hotel em Lyon tarde da noite e logo em seguida está indo de manhã para o local da apresentação dos jovens pianistas. Estão indo de táxi. O táxi pára de repente porque um caminhão à sua frente parou também. Gabrielle então olha para fora, vê o nome da transversal da rua em que estão – e de repente diz que vai descer ali. Que marido e filho sigam na frente – ela daqui a pouco se reunirá a eles. Vão, vão, ela diz, com voz de mando.
Caminha pela tal rua cujo nome, evidentemente, fez cair uma ficha na cabeça dela. Vai até um determinado número, um pequeno prédio. Vê o nome de um dos moradores no local de recepção de cartas – André Sauvage. Primeiro andar. Vai até o apartamento, bate a campainha, expressão de alta ansiedade.
O filme não tinha ainda 5 minutos, e me vi comentando com Mary: – “Lá vem flashback”.
Os filmes não precisam ser surpreendentes, de forma alguma. Mas também não têm a obrigação de ser óbvios demais da conta. Quando os filmes são óbvios demais da conta, estão chamando os espectadores de burros.
A adolescente Gabrielle se oferece para o professor
Corta, e lá vem flashback. A mesma Gabrielle-Marion Cotillard bela de morrer, mas com um cabelo penteado de tal forma que é para o espectador achar que ela está uns 15, 16 anos mais jovem que nas sequências anteriores, está caminhando num rio gostoso, pequeno, agradável, límpido. A água bate na xoxotinha dela – e digo isso porque o filme faz questão de nos mostrar os pelinhos púbicos de Gabrielle, mocinha adolescente. A adolescente Gabrielle – o filme nos mostra – está tentando esfriar a xoxotinha.
Na sequência seguinte, Gabrielle está se oferecendo para o professor. O professor não cai na dela.
Nas sequências seguintes, vemos que Gabrielle é filha de fazendeiros se não ricos, ao menos bem de vida. Na fazenda da família planta-se lavanda. (Não que eu reconhecesse a plantação – mas Mary identificou logo. E ainda acrescentou que as plantações de lavanda são exclusividade da Provence francesa.)
Numa festa – aparentemente para comemorar o final da colheita –, Gabrielle se oferece de novo ao professor, entregando a ele uma cartinha com dizeres bastante explícitos. Danadinha, essa menina Gabrielle, que numa fazenda da Provence no final dos anos 40 conhecia tantos termos assim bem específicos; por muito menos D. H. Lawrence tinha sido censurado na Inglaterra. Mas tudo bem, vamos em frente.
O professor recusa o assédio de Gabrielle. E ela depois, na frente de todo mundo, no meio da festa, o agride.
A mamãe de Gabrielle a leva a um médico, que dá alguns conselhos e chega a sugerir que há lugares em que pessoas assim meio fora do normal poderiam ser internadas.
A mamãe de Gabrielle decide oferecê-la em casamento a José, um imigrante espanhol que fugiu do regime fascista do generalíssimo Franco e trabalha na fazenda, junto com dezenas e dezenas e dezenas de outros refugiados espanhóis.
Se José topar casar com a doidinha, e levá-la para viver um tanto longe dali, em La Ciotat, por exemplo, a mamãe e o papai de Gabrielle vão recompensá-lo, dar a ele um bom capital de giro para que inicie um negócio lá na cidade cheia de operários que ganham bem.
Gabrielle só aceita dar para o marido por dinheiro
Como é que é mesmo?
O que fazia trabalhando na colheita em uma fazenda um sujeito que, conforme a mãe de Gabrielle aponta, é um pedreiro?
Ah, cacete – dirão as pessoas que se apaixonaram por essa belíssima história de amor –, mas por que a preocupação com esse tipo de detalhe? Bobagem…
Legal.
Será citado que a cidadezinha mais próxima da fazenda da família de Gabrielle é Bargemon. Ora, ora. Olhando-se o mapa, percebe-se que Bargemon está não muito longe de Nice, e não muito longe da fronteira com a Itália. E longe pra cacete, mas pra cacete, da Espanha. A presença daquelas dezenas de espanhóis na fazenda dos pais de Gabrielle é algo tão absolutamente implausível quanto uma família francesa, ainda que da Provence, vender a filha para um imigrante, na segunda metade dos anos 1940.
Mas é isso que acontece no filme de Nicole Garcia que teve 8 indicações ao César.
Gabrielle, que estava tão absolutamente doidinha para dar o professor, não quer saber de jeito nenhum de dar para o espanholão nada feio. Diz pra ele de cara: não vai rolar, tá? Ele diz que tudo bem, se vira nos bordéis.
Em La Ciotat, José passa bem rapidamente de pedreiro com algum capital inicial dado pelos sogros a um empreendedor bastante bem sucedido. Constrói para a mulher que não o ama e não dá para ele uma casa de sonhos, junto do mar.
Lá pelas tantas, Gabrielle pergunta ao marido quanto ele paga para as putas. E aí diz que topa dar para ele, mediante o mesmo pagamento que ele faria às putas.
Luchino Visconti já havia nos contado uma história assim, com imenso charme e inteligência, e a beleza extraordinária de Romy Schneider, em um dos episódios de Boccaccio ’70 – mas tudo bem. A gente está cansado de saber que nada se cria, tudo se transforma ou se copia.
Um tratamento caríssimo em clínica na Suíça
Gabrielle tem dores horríveis no ventre. Fica grávida, mas perde o bebê.
Vão a uma médica, que identifica que é o mal de pierres do título original francês – uma doença rara, que faz surgirem pedras no esôfago, causa terríveis dores e faz que com as mulheres sofram aborto natural. Há um tratamento contra a doença, em clínicas especializadas, na França mesmo e também na Suíça, mas é tudo caríssimo.
E se eu não quiser me tratar?, diz Gabrielle, infeliz com a vida, chata a não mais poder, uma pustema, uma pessoa por quem nem São Francisco teria qualquer simpatia.
Vamos fazer o tratamento, diz José.
O imigrante espanhol que começou a vida como pedreiro mas participando de colheitas em fazenda na Provence e agora virou um empreiteiro tem dinheiro para pagar um tratamento em clínica caríssima na Suíça.
Mal de pierres, o mal das pedras, tem o nome científico de esclerodermia. É uma doença rara – e o tratamento continua sendo o de águas termais, como mostra o filme. Essas informações me foram transmitidas pela Mary, após pesquisa no Santo Google.
Quando o filme está com 47 minutos, aparece Louis Garrel, esse ator que me parece o Jean-Paul Belmondo número 3. Feio que nem a fome, mas charmoso – e as mulheres adoram. Depois de Belmondo, o cinema francês teve Romain Duris. Feio que nem a fome, mas charmoso – e as mulheres adoram. Tenho imensa simpatia por Belmondo, gosto de Romain Duris. Esse Louis Garrel me parece um chato, mas vá lá. Ele aparece quando o filme está com 47 de seus loooooongos 120 minutos. Quem fez a conta não fui eu, foi o IMDb.
Louis Garrel faz o papel do tenente André Sauvage. Combateu na Indochina, tadinho. Tem um rim só. Sofre muito.
Gabrielle, aquela pentelha, aquele traste, aquela coisa que não serve pra coisa alguma, que vive com um marido bom demais da conta mas não liga nada pra ele, e só dá pra ele mediante pagamento, apaixona-se perdidamente pelo tenente André Sauvage e…
Uma ótima atriz que virou ótima diretora
Acho que preciso de fato consultar um psiquiatra. Por que será que gasto tantas linhas falando de um filme horroroso como este aqui?
Bem, digo mais uma vez que Nicole Garcia merece imenso respeito. Atriz maravilhosa, me conquistou dirigida por cineastas tão díspares quanto Alain Resnais, Bertrand Blier e Claude Lelouch. Com o primeiro, trabalhou em Meu Tio da América (1980). Com o segundo, fez A Filha da Minha Mulher (1981), e, com o terceiro, o realizador francês mais desprezado pelos críticos de cinema, e um dos que mais adoro, teve uma belíssima participação na maravilha que é Retratos da Vida/Les Uns et Les Autres (1981).
Na maturidade, a partir de 1990, passou a escrever e a dirigir. Fez Place Vendôme (1998), O Adversário (2002), Um Belo Domingo (2013).
Merece imenso respeito.
Mas fez, em 2016, seu primeiro filme desde Um Belo Domingo, um abacaxi azedo.
Se não fosse por Nicole Garcia, teria talvez escrito só umas 20 linhas, ou não teria escrito nada sobre esta absurda bobagem. Como é uma obra dela, fui atrás de informações sobre o romance em que o filme se baseia.
Tem exatamente o mesmo título do filme, só que em italiano: Mal di Pietre. Mal di Pietre foi o segundo romance da escritora Milena Agus, nascida em Gênova em 1955, filha de pais da ilha da Sardenha. Entre permanecer em Gênova, ou ir para Roma, Paris, Londres, Nova York, Milena Agus optou por voltar às raízes, e radicou-se em Cagliari, capital da Sardenha, onde escreve seus livros (mais de dez, até agora) e dá aulas de italiano e de História.
A Wikipedia tem longo, detalhado resumo do romance Mal di Pietre. A ação se passa na Sardenha, a partir de 1943, ainda durante a Segunda Guerra Mundial. Gabrielle é uma adolescente que se cortava, se agredia fisicamente – e escrevia poemas eróticos e entregava para qualquer homem que aparecesse à sua frente. Os pais pensaram em interná-la em um hospício, mas acabam resolvendo oferecê-la em casamento a um sujeito que aparece por lá.
Creio que foi na adaptação que a história se perdeu
A escritora Milena Agus recebeu diversos prêmios literários, foi saudada como um dos principais nomes da Primavera Literária da Sardenha.
Não dá, evidentemente, para ter idéia de como é o romance Mal di Pietri apenas com base no resumo que faz a Wikipedia. Mas creio que, com base nele, dá, sim, para dizer que um dos problemas deste Mal des Pierres é o que os franceses sempre consideraram importante em um filme, a adaptation.
Na maioria dos países, usa-se alguma coisa como “roteiro de fulano de tal, baseado em” – e aí se diz a história em que o roteiro se baseou, se um romance, se uma peça de teatro. Em geral, na maioria do países, quando o filme conta uma história baseada em idéia original do próprio diretor, usam-se expressões como “por fulano de tal”, ou “escrito e dirigido por fulano de tal”.
Os franceses fazem questão de assinalar quem fez a adaptation e quem escreveu os dialogues.
Para deixar claro que alguém escreveu a história, e depois outra pessoa ou outras pessoas adaptaram aquela história para a linguagem cinematográfica, enquanto outras ainda cuidavam especificamente dos diálogos.
Gente como Ingmar Bergman e Woody Allen, para dar só dois exemplos que nos créditos merecem aparecer como “escrito e dirigido por”, fazem tudo isso: bolam a idéia original, transformam a idéia original numa história, redigem os diálogos e escrevem também o roteiro – o guia de como será a filmagem, câmara no rosto de fulano, corta, plano geral mostrando isso, corta, plano tal mostrando aquilo, música de tal e tal tipo.
Os créditos deste Mal des Pierres são assim: “Roteiro, adaptação e diálogos de Nicole Garcia e Jacques Fieschi”.
Então estão aí os responsáveis por esta idiotice imensa: Nicole Garcia e Jacques Fieschi.
Ao tentar adaptar para a França pós-final da guerra uma história que se passa na Sardenha a partir de 1943, fizeram besteira.
Criaram uma história não crível. Absurda. E chata.
Não sei se a Gabrielle italiana da Sardenha do romance – pelo jeito uma adolescente piradinha, doida para dar para qualquer um, num lugar e numa época em que as mulheres só podiam dar para seus maridos – faz sentido, se conquista a simpatia dos leitores.
Essa Gabrielle francesa da Provence do filme é mostrada como uma moça apaixonada por um rapaz específico, e que fica doidinha porque ele a rejeita. E é uma pessoa chata, boba, rasa, idiota, imbecil.
Como gostar de um filme que conta a história – meio ridícula, meio absurda, meio babaca – de uma mulher chata demais da conta, e seu devaneio, na idade madura, por um sujeito igualmente chato demais da conta?
A adaptação é tão grostesca, tão vagabunda, que Nicole Garcia e Jacques Fieschi nos tentam impingir um happy ending!
Ah…
Anotação em novembro de 2018
Um Instante de Amor/Mal des Pierres
De Nicole Garcia, França-Bélgica-Canadá, 2016
Com Marion Cotillard (Gabrielle)
e Alex Brendemühl (José), Louis Garrel (tenente André Sauvage), Brigitte Roüan (Adèle), Victoire Du Bois (Jeannine), Aloïse Sauvage (Agostine), Daniel Para (Martin), Jihwan Kim (Blaise, o ordenança), Victor Quilichini (Marc Rabascal), Ange Black-Bereyziat (Marc Rabascal), Sören Rochefort (Georget), Camilo Acosta Mendoza (Camilo), Francisco Alfonsin (Paco),
Julio Bollullo Carasco (Julio)
Roteiro, adaptação e diálogos Nicole Garcia e Jacques Fieschi
Baseado no romance de Milena Agus
Fotografia Christophe Beaucarne
Música Daniel Pemberton
Montagem Simon Jacquet
Casting Stéphane Batut e Richard Rousseau
Produção Les Productions du Trésor, StudioCanal, France 3 Cinéma, Pauline’s Angel, My Unity Production.
Cor, 120 min
1/2
Título em inglês: From the Land of the Moon.
Olá Sérgio!
Realmente este filme é um horror! Nada salva! Gosto muito da Marion Cotillard mas realmente ela fez um papel horrendo, chato, que fiquei intrigada de como ela aceitou tal papel!!
Sérgio ri muito quando vc diz “Acho que preciso de fato consultar um psiquiatra” rsrsrs…filme realmente horroroso!
Abraços
Muito bom o filme. Você não entendeu nada.
Alguém, por favor, pode me explicar o final? Rs
Os comentários acima são dispensáveis, quem os escreveu não entendeu nada!!!!
Nunca vi um comentário de cinema tão grosseiro, desrespeitoso e estúpido. O filme é bom, a história também e os atores ótimos. Uma lástima o tipo de tratamento a uma obra séria do cinema.