Os anos 30 foram dourados para os filmes de horror e de gângster, em Hollywood; os anos 40 foram dourados para os filmes noir, e os 40 e os 50, para os musicais. Da mesma forma, os 80 foram os anos dourados dos filmes de aventura & fantasia & ação & bom humor para jovens de todas as idades.
A trilogia De Volta para o Futuro é um perfeito exemplo disso. Que delícia são os três filmes que Steven Spielberg e seus amigos Frank Marshal e Kathleen Kennedy produziram e Robert Zemeckis dirigiu, em 1985, 1989 e 1990.
Criados por Zemeckis e Bob Gale, os filmes são inteligentes, cheios de piadas espertas, com tramas fantasiosas belamente construídas, personagens interessantes, e sequências de ação que realçam a criatividade, e não a violência, ao contrário de tanta porcaria de filme de ação que viria depois.
Tiveram imenso – e merecidíssimo – sucesso. O primeiro custou US$ 19 milhões, pouco, em termos de Hollywood, e rendeu fantásticos US$ 210 milhões. Foi o filme de maior bilheteria no ano de lançamento, 1985, deu origem a diversos videogames e a uma série de desenhos animados, foi citado pelo então presidente Ronald Reagan, virou – como diz Bob Gale, orgulhoso de sua criação – parte da cultura americana.
Hoje, 2019, 34 anos após o lançamento, De Volta para o Futuro é tema de vinheta dos canais Telecine.
De fato, é um filme que marcou época. É, com todo direito, um novo clássico.
Assim, por tudo isso, é fascinante rever os três filmes hoje e saber que não era intenção dos realizadores já deixar o caminho aberto para sequências – embora a cena final do primeiro pareça ter sido bolada para chamar para a Parte II.
E é também fascinante, até incrível, saber que Zemeckis e Gale tiveram grande dificuldade para conseguir o aval de algum estúdio para fazer o primeiro filme. Bob Gale conta que os dois começaram a escrever o roteiro em setembro de 1980, embora já estivessem com a idéia original na cabeça fazia bastante tempo – e só conseguiram lançar o filme em 1985. Segundo afirma o IMDb, o roteiro foi rejeitado 40 vezes antes de ser aceito pela Amblin, a empresa de Spielberg, e pela Universal.
Família triste, namorada bonitinha e um bom amigo
Zemeckis, Gale e os produtores tiveram uma sorte grande quando finalmente o filme começou a sair do papel: os dois atores principais, que interpretam os protagonistas da saga, foram bem escolhidos, parece que gostaram demais dos papéis e se entregaram a eles, e tiveram uma boa química atuando juntos. Christopher Lloyd, aos 47 anos, com um rosto expressivo, capaz de esbugalhar os olhos quase a ponto de ficar parecido com o Marty Feldman de Jovem Frankenstein, é a perfeita cara do cientista louco – e cientista piradão é exatamente o que é o doutor Emmett Brown, mais conhecido como simplesmente Doc.
E Michael J. Fox, então com 24 anos, carinha baby face de mais novo ainda que isso, parece ter sido feito para o papel desse Marty McFly, garotão que cursa o segundo grau, adora tocar guitarra, é um ás do skate, morre de medo de não ter seus talentos reconhecidos, é absolutamente incapaz de ser chamado de covarde, sente-se muito mal com sua família disfuncional e triste e, talvez por isso, seja muito apegado ao cientista maluco da cidade.
Hum… A família de Marty é mais triste que disfuncional, eu acho. O pai, George McFly (Crispin Glover), é o retrato acabado daquilo que a sociedade americana chama, pavorosamente, de loser, perdedor: é uma pessoa sem brilho, sem charme, sem encanto, e, sobretudo, um fraco, um tíbio, que se vê inteiramente dominado por um brutamentos que acontece de ser supervisor dele em seu trabalho, um tal Biff Tannen (Thomas F. Wilson). A mãe, Lorraine (Lea Thompson), é uma mulher mal tratada pela vida e por si própria, um tanto inchada, que bebe demais e parece não ter propósito algum. E os irmãos, Dave e Linda (Marc McClure e Wendie Jo Sperber), são uns bobos.
(Tanto Crispin Glover quanto Lea Thompson eram bem jovens; neste primeiro filme, eles aparecem boa parte do tempo como adolescentes, em 1955; nas poucas cenas em que aparecem já na meia idade, em 1985, estão fortemente maquiados.)
As coisas boas na vida do adolescente Marty, naquela sua cidadezinha da Califórnia, Hill Valley, são sua namorada Jennifer (Claudia Wells, na foto acima) e a amizade com o Doc, o cientista doidão.
No passado, o rapaz interage com os futuros pais!
Quando a ação começa, em 1985 – exatamente o ano em que o filme foi lançado –, Doc está acabando de criar a invenção em que vinha trabalhando havia 30 anos, na qual havia investido todo o dinheiro que herdou da família rica: uma máquina do tempo, uma máquina para viajar através do tempo. A máquina do tempo do Doc Emmett Brown é um DeLorean – o carro esportivo que foi fabricado entre 1978 e 1982 e teve adoradores como os das Ferraris. Só que equipado com um monte de engenhocas inventadas e produzidas pelo próprio Doc – em especial, um treco chamado capacitador de fluxo, idéia que tinha surgido na cabeça do cientista maluco exatamente no dia 5 de novembro de 1955.
Doc chama Marty para filmar seu primeiro experimento com a máquina do tempo, tarde de uma noite daquele ano de 1985, no estacionamento de um grande supermercado. Aí então, por uma série de eventos casuais, em especial a chegada de um grupo de terroristas líbios que quer se vingar do Doc, que havia roubado uma quantidade de plutônio anteriormente roubada por eles de uma instituição governamental americana, Marty entra no DeLorean máquina do tempo e vai parar exatamente no dia 5 de novembro de 1955, ali mesmo, na cidade de Hill Valley. Especificamente no longo descampado onde começava a ser construído o loteamento em que Marty morava em 1985.
Marty passa assim a andar na cidade dele – só que 30 anos antes dos dias de hoje, os dias em que ele tem aí uns 17, 18. E vai ficar conhecendo a jovem Lorraine, que viria a ser sua mãe, e estava então com uns 17, 18 anos, e era uma gatinha linda. E também, é claro, o jovem George, que viria a ser seu pai, e estava então com os mesmos 17, 18 anos, e era tímido, medroso, um fraco, de quem um tal Biff, sujeito grandão e ruim feito comida podre, fazia gato e sapato.
Um filme que remetia à nossa infância, juventude
Hum… Não pretendia relatar a trama de De Volta para o Futuro, que, afinal, já é por demais conhecida. Mas acabei me alongando mais do que gostaria ao tentar apresentar apenas os fatos básicos, sem o que ficaria difícil fazer considerações…
A primeira consideração, claro, é que os dois Bobs, Zemeckis e Gale, foram absolutamente felizes ao criar essa trama.
Meu, um personagem que viaja no tempo, volta ao passado, a vários anos antes de nascer, e tem a oportunidade de conviver com a menina e o garoto que viriam a ser seus pais… Que maravilha de idéia, que maravilha de ponto de partida para uma história!
Mais ainda: um personagem que viaja no tempo e vai parar em 1955! A época em que boa parte do público na época de lançamento do filme era criança!
Quero dizer: para todas as pessoas que foram jovens – bebês, crianças, adolescentes – nos anos 50, aquilo é absolutamente fascinante! Para todas as pessoas nascidas, digamos, entre o fim da Segunda Guerra, 1945, e o auge da Guerra Fria, aí por 1960, voltar a 1955 é assim um sonho dourado. Por que, afinal, chamava-se Anos Dourados a maravilhosa minissérie de Gilberto Braga dirigida por Roberto Talma passada nos anos 50? Por que essas gerações, a minha e as que vieram logo antes e logo depois da minha, se apaixonaram perdidamente por A Última Sessão de Cinema (1971), a obra-prima de Peter Bogdanovich sobre jovens que estavam chegando perto da primeira maturidade em meados dos anos 50 no interiorzão do Texas?
Steven Spielberg, de 1946, estava portanto com 9 aninhos em 1955, o ano em que Doc teve a idéia de criar um tal de capacitador de fluxo, que permitiria a criação de uma máquina do tempo, o ano em que a bela Lorraine foi beijada em um baile pelo tímido George McFly. Os dois Bobs que criaram a história e escreveram o roteiro, Robert Zemeckis e Bob Gale, de 1951, tinham 4. Os críticos de cinema, muitos deles, são da mesma geração: Roger Ebert é de 1942, Leonard Maltin, de 1950, Janet Maslin, de 1949.
Como não nos apaixonarmos, todos nós, as pessoas dessas gerações, por um filme passado em 1955, que nos fazia lembrar nossa infância, nossa juventude?
Piadas sensacionais, que ficam na memória da gente
São maravilhosas, deliciosas as brincadeiras, as piadas, as gozações que essa situação – um adolescente de 1985 visitando o ano de 1955, convivendo com os adolescentes que viriam a ser seus pais. De algumas, me lembrava perfeitamente, ao revermos o filme agora, em uma grande maratona, um sábado inteiro dedicado aos três De Volta para o Futuro; de outras, tinha me esquecido. Rimos demais de todas.
Não consigo deixar de registrar ao menos algumas:
* No cinema da praça central de Hill Valley, em 1955, está passando Cattle Queen of Montana, com Barbara Stanwyck e Ronald Reagan. Sequer me lembrava que a grande Barbara havia contracenado com o canastrão. Montana, Terra do Ódio, vejo agora, é de 1954, do diretor Allan Dwan. La Stanwyck contracenou com atores melhores, em sua excelsa carreira – Gary Cooper em Adorável Vagabundo e Bola de Fogo, Henry Fonda em As Três Noites de Eva, Fred MacMurray em Pacto de Sangue…
* Quando o Marty de 1985 vai procurar o Doc de 1955, e conta que chegou do futuro, numa máquina inventada por ele, Doc, o cientista maluco, mas não tanto assim, duvide-o-dô e faz pouco. Pergunta para o garoto que ele chama de future boy: então me diga, quem é o presidente dos Estados Unidos em 1985?
Marty conta a verdade dos fatos: Ronald Reagan. Mas quem poderia, em 1955, imaginar que aquele ator chinfrim poderia vir a ser o presidente dos United States of America? (Quem, em 2017, poderia imaginar que um deputado tosco, ignorante, do baixo clero, retrógado, admirador da ditadura, seria presidente do Brasil em 2019?)
Aí então Doc, cheio de ironia, pergunta: sei, e quem é o vice – Jerry Lewis? E não me diga que a primeira-dama é Jane Wyman!
* Lorraine, a garotinha que viria no futuro a ser a mãe de Marty, cuida do rapaz depois que ele é atropelado pelo pai dela. Com o apoio da mãe, bota o rapaz – que caiu no chão da rua inconsciente – para dentro de casa, até que ele fique bom. Lorraine tira a calça jeans dele, para que ele fique mais à vontade – e, absolutamente surpresa, vê pela primeira vez na vida uma cueca roxa, tipo calcinha, e não samba-canção, e com a inscrição Calvin Klein. Quando ele acorda, ela passa a chamá-lo de Calvin Klein.
* Na lanchonete, Marty dá de cara com o jovem funcionário ali, que, 30 anos tarde, seria o prefeito da cidade. O garotão, negro, diz que quer ser alguém – e Marty sugere que, é, talvez você possa ser o prefeito! E o rapaz se entusiasma – mas o gerente da lanchonete tenta cortar o barato dele dizendo onde já se viu haver um prefeito negro. Pois é… Os tempos mudam, e nem sempre para pior. Quem imaginaria, em 1955, que os Estados Unidos teriam um presidente, um grande presidente, um estadista, negro?
* Muita coisa, claro, muda para pior. O que era uma sala de cinema em 1955 vira uma Assembléia de Cristo em 1985. O cinema que passava o filme recém lançado com Barbara Stanwyck e Ronald Reagan em 1955 em 1985 só passa filmes pornôs. Igualinho que nem a gente viu tantas vezes na vida real.
* Lá pelas tantas, na praça central da cidade, perseguido pelo jovem Biff e sua gangue, Marty simplesmente inventa o skate!
* Para dar um tremendo susto no bobão do George McFly, que viria no futuro a ser seu pai, Marty aparece como se fosse um extra-terrestre, mete no ouvido de George um solo de guitarra de Van Halen, e se apresenta como Darth Vader, recém-chegado de Volcano.
* E há toda a deliciosa sequência no baile, o famoso baile Encantamento Submarino, que se realiza no sábado da tempestade, na escola em que todos eles estudaram. Marty, chegado de 1985, acontece de ir para o palco para substituir o guitarrista que havia machucado a mão, e toca uma versão furiosa de “Johnny B. Goode”. É tudo sensacional naquela sequência – mas o guitarrista de mão machucada ligando para Chuck Berry para dizer que estava ouvindo o som que ele dizia que queria criar é absolutamente sensacional.
Ah…
E Marty dizer, para os jovens que simplesmente haviam parado de dançar para olhar, estupefatos, aquele louco fazendo um barulho incrível… – “Acho que vocês ainda não estão preparados para isso… Mas seus filhos vão adorar…”
Ah…
O filme mexe com os grandes questionamentos
Todas as piadas são deliciosas, e as cenas de ação, belissimamente executadas. Mas a maior maravilha do primeiro De Volta para o Futuro, na minha opinião, é a coisa de o viajante no tempo, o sujeito que vem do futuro, ter a capacidade de interferir nas ações dos personagens do passado.
Essa é, creio, a parte séria neste filme deliciosamente brincalhão, feito para divertir, para agradar aos nascidos entre 1945 e 1960, mas, sobretudo, para agradar aos filhos dessas gerações aí, os que eram jovens nos anos 80, como minha filha.
O Doc diz e repete várias vezes que, ao voltar ao passado, as pessoas não podem interferir no curso das coisas. Marty poderia observar o que acontecia quando seus pais eram adolescentes – mas não poderia interferir, mexer na história deles. Porque isso alteraria todo o curso da História – e isso não é permitido, isso não se pode jamais fazer.
E, no entanto, é tudo, ou quase tudo, que o jovem Marty de 1985 faz, quando pousa na sua cidade exatos 30 anos antes, na semana decisiva que antecedia o baile na escola em que seus pais tinham dado seu primeiro beijo – o que os marcou para sempre, e levou a que eles, anos depois, se casassem e tivessem três filhos.
Marty interfere no curso da História.
Ao mexer na forma com que o jovem George tratou a jovem Lorraine, Marty altera tudo o que aconteceria na vida daquele casal – e, portanto, e como consequência, em como seriam os filhos deles.
Ao criar o primeiro filme de sua trilogia diversão para jovens de todas as idades, Robert Zemeckis e Bob Gale acabaram mexendo com esses questionamentos que se fazem os adultos, os maduros: e se?
Cada espectador pode perfeitamente ser levado, depois de ver o filme, a se perguntar e “se?”
E se eu não tivesse ido para o Colégio de Aplicação, aos 10 anos de idade? Com toda certeza toda a minha vida seria completamente diferente. E se eu nunca tivesse conhecido a Suely, a mãe da minha filha? E se o Fernando Portela, o editor, e Sandro Vaia, o chefe de reportagem, não tivessem gostado do meu trabalho no Jornal da Tarde, quando fui lá fazer um teste, uma experiência? Se eu não tivesse virado jornalista, teria feito o que na vida?
E se, naquela encruzilhada, eu tivesse tomado não a estrada da direita, mas a da esquerda?
Two roads diverged in a yellow wood,
And sorry I could not travel both
And be one traveler, long I stood
And looked down one as far as I could
To where it bent in the undergrowth.
Se eu não tivesse tido a oportunidade de ler esses versos de Robert Frost, quando era ainda bem garoto, eu seria muito diferente do que sou hoje?
E se? E se? E se?
Ao levantar essa questão do “e se?”, De Volta para o Futuro faz lembrar muito A Felicidade Não Se Compra/It’s a Wonderful Life, a obra-prima de Frank Capra de 1946. A segunda parte, em especial, tem muito, muito a ver a trama do filme que virou um clássico associado ao Natal. Vou falar muito disso quando escrever sobre a Parte II.
A dupla Zemeckis-Bob Gale é extraordinária
Vejo que a página de Trivia do IMDb sobre o primeiro De Volta para o Futuro tem nada menos que 295 itens. 295 itens de informações interessantes!
Quanto mais itens de Trivia um filme tem no IMDb, maior o encantamento que ele deixou entre os leitores do site, entre as pessoas que gostam de filmes. Mais cult é o filme, em suma. Juro que jamais tinha visto uma quantidade tão grande de itens interessantes sobre um filme no belo site enciclopédico. São tantos, tantos, tantos, que nem vou chegar perto deles. Preguiça enorme. Caso o eventual leitor queira se aventurar, é só clicar aqui.
Antes de transcrever algumas opiniões sobre o filme de gente douta, quero explicar e justificar a afirmação que fiz lá no início, de que os 80 foram os anos dourados dos filmes de aventura & fantasia & ação & bom humor para jovens de todas as idades.
Não é nada difícil. É só lembrar alguns títulos. Caçadores da Arca Perdida (1981), Indiana Jones e o Templo da Perdição (1984), Indiana Jones e a Última Cruzada (1989).
Star Wars: Episódio V – O Império Contra-Ataca (1980), Star Wars: Episódio VI – O Retorno do Jedi (1983).
Gremlims (1984), Os Goonies (1985), O Enigma da Pirâmide (1985) – todos os três com Steven Spielberg como produtor executivo.
O Feitiço de Áquila (1985).
Os Caça-Fantásmas (1984).
O díptico Tudo por Uma Esmeralda (1984) e A Jóia do Nilo (1985).
Acho que provei o que disse.
Leonard Maltin classifica De Volta para o Futuro como ficção científica e comédia, e dá 3 estrelas em 4:
“Um adolescente dos anos 80 viaja para trás no tempo até os 50, onde ele deve dar um jeito de fazer seus pais se encontrarem – ou senão ele não vai existir! Maravilhosa comédia sobre viagem no tempo demora um pouquinho para engrenar, mas, quando engrena, é muito divertida, e vai crescendo até chegar a um clímax como em outros roteiros de Bob Gale-Robert Zemeckis (Used Cars, I Wanna Hold Your Hand, 1941). Lloyd se destaca em especial como o cientista maluco que faz toda a história acontecer. Huey Lewis, que canta a música do filme que virou sucesso, ‘The Power of Love’, faz uma participação especial como um professor da high-school. Produzido por Spielberg e companhia, foi seguido por duas continuações e uma série animada de TV.”
Ah, sim, Huey Lewis. O cantor e compositor estava no auge da fama em 1985 – um tanto como Cindy Lauper era o must da época em que cantou na trilha sonora de outra produção de Steven Spielberg para o público juvenil, Os Goonies. E a canção “The Power of Love”, que ele canta no filme, é forte, poderosa, gruda na cabeça do espectador. Os realizadores ofereceram para ele o papel de um professor da high-school que lidera a banca examinadora que ouve os jovens talentos. Marty se apresenta com seu conjunto, bem no início do filme – e o professor interpretado por Huey Lewis manda parar uns 30 segundos depois do início da música, dizendo que é barulhento demais.
Uau: Carros Usados/Used Cars (1980), Febre de Juventude/I Wanna Hold Your Hand (1978), 1941: Uma Guerra Muito Louca. Não me lembrava que os roteiros desses filmes eram dessa dupla Bob Gale-Robert Zemeckis. São três ótimos filmes. Os caras são bons demais mesmo.
“Um filme cheio de graça com seus paradoxos”
Pauline Kael, a prima donna da crítica americana, terrivelmente chata, cricri, define o filme como “um pedaço da Pop Art Americana, uma comédia amalucada inteligente e em geral atraente”, mas… Christopher Lloyd é um bobo, e a jovem Lorraine de Lea Thompson tem um jeito de pessoa voltada para a luxúria que é extasiante, mas quem tem mais força no elenco é Crispin Glover (na foto acima), embora ele interprete George McFlay, futuro pai de Marty, como uma caricatura dolorosa.
Pauline Kael sabe ser chata.
O grande Roger Ebert deu 3.5 estrelas em 4 para o filme – e, em seu texto, longo como sempre, diz que o filme tem semelhanças com A Felicidade Não se Compra/It’s a Wonderful Life, de Frank Capra – algo que eu sempre achei, e sobre o que pretendo, como já disse, escrever no texto sobre o De Volta para o Futuro Parte II.
Roger Ebert começa seu texto assim: “Uma das coisas em que todos os adolescentes acreditam é que seus pais nunca foram adolescentes. Foram, talvez, crianças. Mas agora são inegavelmente adultos. Como eles poderiam ter sido adolescentes e não entenderem os seus próprios filhos? Essa visão é na verdade bastante otimista, já que assume que você pode aprender alguma coisa sobre os adolescentes sendo um deles. Mas Back to the Future é ainda mais esperançoso: ele argumenta que você pode viajar até o tempo em que seus pais eram adolescentes e dar um um jeito nas coisas no momento em que eles mais precisam de ajuda.”
Mais adiante, ele diz: “Como o filme tem tanta graça com seus paradoxos e situações difíceis de um garoto se encontrando com seus próprios pais, não vou discutir a trama em detalhes. Não vou sequer chegar àquele momento horripilante em que Marty descobre que sua mãe está a fim dele. As surpresas do filme são alguns dos seus grandes prazeres. Back to the Future foi dirigido por Robert Zemeckis, de Romancing the Stone, que mostra não apenas um ótimo toque cômico mas também algum do humanismo alegre, positivo, de um Frank Capra. O filme, na verdade, se parece com It’s a Wonderful Life mais do que com outros filmes mais convencionais sobre viagens no tempo. É sobre um personagem que começa com uma visão da vida e da realidade, e tem a oportunidade de, através de uma intervenção mágica, descobrir outra. Steven Spielberg foi o produtor executivo, e a visão de mundo do filme (garoto esperto de subúrbio yuppie redefine a realidade para seus pais) é parte do enfoque básico de Spielberg. Desta vez ele vem com charme, inteligência e um monte de risadas.”
Quando eu crescer, queria escrever sobre filmes como Roger Ebert.
De Volta para o Futuro é uma absoluta delícia.
Aqui, meu comentário sobre a Parte II. E aqui, o texto sobre a Parte III.
Anotação em fevereiro de 2019
De Volta para o Futuro/Back to the Future
De Robert Zemeckis, EUA, 1985
Com Michael J. Fox (Marty McFly), Christopher Lloyd (Dr. Emmett Brown)
e Lea Thompson (Lorraine Baines, a futura mãe de Marty), Crispin Glover (George McFly, o futuro pai), Thomas F. Wilson (Biff Tannen), Claudia Wells (Jennifer Parker, a namorada de Marty), Marc McClure (Dave McFly, o irmão de Marty), Wendie Jo Sperber (Linda McFly, a irmã de Marty), George DiCenzo (Sam Baines, o pai de Lorraine), James Tolkan (Mr. Strickland, o bedel da escola), Jeffrey Jay Cohen (Skinhead), Casey Siemaszko (3-D), Billy Zane (Match), Harry Waters Jr. (Marvin Berry), Donald Fullilove (Goldie Wilson), Lisa Freeman (Babs), Cristen Kauffman (Betty), Elsa Raven (a ativista pró torre da igreja), Will Hare (Pa Peabody), Ivy Bethune (Ma Peabody), Jason Marin (Sherman Peabody), Katherine Britton (a filha de Peabody)
Argumento e roteiro Robert Zemeckis & Bob Gale
Fotografia Dean Cundey
Música Alan Silvestri
Montagem Harry Keramidas e Arthur Schmidt
Casting Jane Feinberg, Mike Fenton e Judy Taylor
Produção Neil Canton, Bob Gale, Universal Pictures, Amblin Entertainment. Produtores executivos Kathleen Kennedy, Frank Marshall e Steven Spielberg.
Cor, 116 min (1h56)
R, ****
Absolutamente de acordo. É uma delícia bem como os 2 filmes seguintes.
As viagens no tempo proporcionam sempre paradoxos impossíveis.
Se fosse possível viajar no tempo eu poderia ir até 1900 e matar um dos meus antepassados; mas matando um dos meus antepassados eu não poderia existir. E agora?
Legal o paralelo entre Zemeckis e Capra. Estou de acordo. Zemeckis em alguns filmes parece um Capra moderno, em especial em Forrest Gump. Ab!