Tudo por uma Esmeralda / Romancing the Stone

Nota: ★★★½

Os anos 1980 foram, para o cinema de Hollywood, a década do escapismo, do divertissement, dos filmes de aventura – e Tudo por uma Esmeralda / Romancing the Stone, que Robert Zemeckis lançou em 1984, foi um dos mais gostosos de todos eles.

Uma delícia de diversão – e um filme bonito de se ver. Afinal, tem Kathleen Turner, no auge da beleza jovem-madura, e, de quebra, Michael Douglas.

Deu tão certo a dupla – ou a trinca, se incluirmos aí o baixinho e engraçadíssimo Danny DeVito – que eles voltaram à carga no ano seguinte, com outra aventura de Joan Wilder e Jack Colton, A Jóia do Nilo.

Depois desses dois filmes de diversão pura, a trinca ainda iria se reunir uma terceira vez, em 1989, mas aí para um drama apavorante, chocante, sobre o fim de um casamento, que na verdade é um violento libelo contra o consumismo – A Guerra dos Roses, dirigido pelo próprio Danny DeVito.

Mas em Tudo por uma Esmeralda não há libelo algum, não se questiona nada, não se vai contra nada. É diversão pura, brincadeira, gozação, fantasia – um filme absolutamente não indicado para pessoas mal humoradas de uma maneira geral e, muito especialmente, aos fãs dos “filmes de arte”, possuidores de narizinho empinado e que discursam contra “filme americano”. Esses aí, se encararem Tudo por uma Esmeralda, correm sério risco de ter choque anafilático.

Tinha me esquecido de como o filme é bom. Quer dizer, tinha ótima lembrança dele como um filme gostoso, divertido, mas nunca mais tinha revisto, desde a época do lançamento, acho, e então confesso que até me assustei ao rever agora – e Mary teve a mesma sensação. É bom demais. Merece, de fato, estar na lista dos melhores divertissements dos anos 80, ao lado dos três volumes de Indiana Jones, Feitiço de Áquila/Ladyhawke, Jogos de Guerra, a trilogia De Volta Para o Futuro, Uma Cilada para Roger Rabbit, para citar os que primeiro vêm à minha cabeça.

E, diacho, é impressionante: De Volta para o Futuro e Roger Rabbit são também de Robert Zemeckis. O cara não é fácil.

O filme começa com uma sequência no Velho Oeste

Começa no Velho Oeste: um bandidão com a cara do pior bandidão dos western spaghetti de Sergio Leone aponta uma espingarda para uma linda mulher – a beleza de Kathleen Turner, os 29 anos de idade, é tão forte que periga doer.

Bandidão: – “Como é que vai ser, Angelina?”

A voz em off de Joan Wilder-Kathleen Turner, narrando para o espectador: – “Era Grogan, o homem mais sórdido, mais sujo, mais burro a Oeste do Rio Missouri”.

A voz da narradora é tão bela, tão sensual quanto a mulher que está ali diante de Grogan (Ted White), de camisola branca, a pele suada.

Bandidão: – “Você pode morrer de dois jeitos, meu anjo: rápido como a língua de uma serpente, ou mais devagar que o melaço em janeiro”.

Joan Wilder, narrando: – “Mas estávamos em outubro.”

Bandidão: “Vou te matar, merda, mesmo se for o 4 de Julho! Onde está? Passe para cá.”

E Grogan, o bandidão, pega um alforje, provavelmente cheio de ouro.

Joan Wilder, narrando: – “Agora que ele tinha o que queria, eu disse para ele ir embora”.

Bandidão: – “Ainda não, anjo” – e mostra uma cara de tarado diante daquela Kathleen Turner todinha, suada, a camisola não cobrindo direito os seios e as coxas.

E aí Angelina pega uma faca, e lança sobre o bandidão: – “Foi o fim de Grogan… O homem que matou meu pai, violentou e matou minha irmã, queimou meu rancho, matou meu cachorro e roubou minha Bíblia.”

Sai cavalgando – mas diante dela de repente surgem três outros bandidões:

– “Mas se há uma lei no Oeste, é esta: bastardos têm irmãos.”

Nessa hora, surge o herói. Do alto de um penhasco, dá três tiros, e lá se vão três bandidos desta para melhor.

Angelina, a heroína da história, e o herói, seu amor, seu salvador, cavalgam um rumo ao outro na paisagem linda da Velho Oeste, de fazer John Ford suspirar de saudade lá no céu. Abraçam-se, e vivem felizes para sempre.

Corta, e Joan Wilder está sentada em seu apartamento em Nova York, terminando mais aquele romance de aventura, apondo um “Fim” à última lauda na máquina de escrever, e chorando copiosamente de emoção, de tristeza, de felicidade.

Ela se levanta e começa a percorrer os cômodos da casa à procura de lenço de papel para enxugar as lágrimas, assoar o nariz – e não há uma caixa de lenço de papel em lugar algum. O que há, em todos os lugares em que vai procurar lenço de papel, são post-its com o lembrete: “Comprar lenço de papel”.

Um prólogo, um intróito, antes da trama principal

É uma abertura brilhante, deliciosa, esta, criada na cabeça de uma moça que, como Joan Wilder, é uma escritora: Diane Thomas assina sozinha o roteiro. A idéia original, a história, os personagens, o roteiro – é tudo dela.

Há uma lenda sobre Diane Thomas – e uma tragédia. Volto a ela mais tarde.

Para começar o filme, Diane Thomas criou uma história que não tem a ver com a trama que virá em seguida – aquele final do livro que a personagem Joan Wilder está escrevendo.

Esse esquema de começar um filme de aventura com uma historinha à parte, um prólogo, uma aberturazinha, um aperitivo, hors d’oeuvre, não foi uma invenção dos anos 80, mas foi bem uma marca dos filmes de Hollywood naquela década. Os três filmes de Indiana Jones também têm esse esquema.

Continua sendo usado. A versão de Kenneth Branagh do Assassinato no Expresso Oriente também começa com um intróito, uma historinha que não existe no livro de Agatha Christie. E, claro, já era usado antes dos anos 80. Os filmes de James Bond costumavam ter essa historinha introdutória já nos anos 60.

Mas a abertura deste Romancing the Stone – vemos uma ação que na verdade é o livro que está sendo escrito pela protagonita – me fez lembrar demais foi de O Magnífico (1973), do grande Philippe de Broca, ele mesmo uma grande gozação dos filmes de James Bond. Le Magnifique começa exatamente como Romancing the Stone – vamos vendo uma historinha de aventura, ação, em que o agente secreto Bob Saint-Clair, interpretado por Jean-Paul Belmondo, vai enfrentando os piores inimigos, os maiores perigos. Depois de algum tempinho é que percebemos que aquilo tudo é o que um escritor de livros de aventura e ação (interpretado, claro, pelo próprio Belmondo) está escrevendo, em seu pequeno apartamento em Paris.

O mesmo esquema – com a diferença que o escritor parisiense é mais pobre, bem mais pobre que sua colega de profissão americana.

A personagem é bem a antítese da escritora

Joan Wilder é uma autora de grande sucesso, e mora num apartamento bem confortável em Nova York.

A delícia da trama bolada por Diane Thomas é que Joan é, basicamente, a antípoda, a antítese de Angelina, a heroína de suas novelas. A personagem, a criatura, é aventureira, corajosa, ágil, rápida no gatilho e em tudo o mais, experiente, desenvolta – uma mulher do mundo. A escritora, a criadora, é medrosa, tímida, ensimesmada, não está acostumada a viajar, não gosta de sair de seu casulo. Segundo bem define sua amiga, a editora de seus livros, Gloria (Holland Taylor), Joan tem enjôo até em escada rolante de loja de departamentos.

A personagem, a criatura, sempre termina cada história nos braços do seu amado, que é um cavalheiro, o príncipe encantado perfeito, mas com a rapidez, a astúcia, a bravura de um herói do Velho Oeste, de um James Bond, de um Indiana Jones.

A criatura é tudo o que a criadora gostaria de ser na vida real. Joan, a criadora, sequer tem um namorado. Romântica, sonha com o príncipe encantado perfeito que povoa as histórias que cria.

Isso posto, estamos prontos para a trama.

A escritora entra numa trama igual às que cria

A irmã de Joan, Elaine (Mary Ellen Trainor), encontra-se naquele momento na Colômbia. O marido dela, um aventureiro, caçador de fortunas, havia sido preso e feito picadinho por algum bandido colombiano – é bom lembrar que eram os anos 80, e havia histórias horripilantes sobre cartéis de droga colombianos nos jornais do mundo inteiro.

Elaine é sequestrada por dois bandidos americanos que também estavam na Colômbia, Ralph e Ira (os papéis de Danny De Vito e Zack Norman). Os bandidos querem o mapa do tesouro que o falecido marido dela havia conseguido não interessa onde. Acontece que, pouco antes de morrer, o marido de Elaine havia enviado o mapa pelo Correio para Joan, em Nova York. E então Elaine, forçada pelos bandidos que a sequestraram, liga para a irmã e implora para que ela pegue um avião para a Colômbia, levando o tal mapa, e vá para um determinado hotel em Cartagena de las Indias.

Pronto: Joan Wilder, que escreve sobre as aventuras mais sensacionais do mundo mas pouco sai de seu apartamento, e tem náuseas só de andar de escada rolante na Macy’s, embarca para a Colômbia.

Uma miséria danada – mas há lindas festas

Na Colômbia, estão à espera dela não apenas Ralph, o bandidão pequenino interpretado por Danny deVito, como também um bandidão altão chamado Zolo (Manuel Ojeda), que na verdade é uma alta autoridade do governo da Colômbia, e, tanto quanto Ralph e Ira, está atrás do mapa que o marido de Elaine havia conseguido, e que levaria ao local onde estava escondido um diamante do tamanho do Ritz. (Ih, essa imagem, A Diamond as Big as the Ritz, já foi usada em outra história. Deixa pra lá.)

Faz muitos anos que inventei nomes para alguns subgêneros cinematográficos, tipo “Como São Charmosos e Sensacionais os Fora-da-Lei” ou “Família Feliz Cai nas Garras de Bandido Cruel”. Romancing the Stone, como é uma comédia, um divertissement de aventura sem qualquer ligação com seriedade, vai fundo no subgênero “Sobre Americanos Sofrendo no Selvagem Universo que Existe Além das Fronteiras do Umbigo do Mundo”.

A Colômbia que o filme mostra é o horror do horror do mais profundo décimo-quinto mundo. É uma miséria danada, uma confusão sem fim, a maior zorra, a maior desorganização que pode haver. Há bandidos, traficantes a cada momento – e as forças da lei são tão violentas quanto o povo do outro lado dela.

Ao mesmo tempo, no entanto – exatamente como no México mostrado em tantos westerns nas últimas dez décadas e tanto –, há também, nesse perigoso, sujo, desorganizadíssimo mundo abaixo do Rio Grande algumas festas em que o povo é feliz e dança nas ruas.

Em O Magnífico, feroz gozação dos filmes americanos de aventura e os ingleses de James Bond, Philippe de Broca também mostra uma festa de rua em que o povo dança e canta nas ruas, e todos estão bem vestidos e muito alegres.

A festa popular na cidadezinha onde Joan Wilder e Jack Colton vão parar é linda – e os dois gringos dançam lindamente.

O herói surge do nada, na hora exata

Falta dizer onde Jack Colton-Michael Douglas entra na história.

Jack Colton aparece quando a pobre Joan está mais perdida que cego no meio de tiroteio, em plena selva amazônica colombiana, depois de ter pego um ônibus errado. Estava, tadinha, prestes a ser pega pelo tal Zolo, o homem da lei tão ou mais bandido que os bandidos.

Jack Colton surge do nada, do meio da selva. Não se explica muito o que Jack Coton andava fazendo na Colômbia – há alguma referência a contrabando de aves exóticas, mas bem en passant. Não importa de onde ele vem – importa é que ele surge quando nossa heroína mais precisa de ajuda.

Mas não se mostra propriamente um cavalheiro, um príncipe encantado. Ao contrário: exige dela um pagamento em dinheiro para leva-la até um local que tenha um telefone. (É bom lembrar: 1984. Pré-história. Não havia celular.)

Como sempre acontece nas comédias românticas – sim, porque Tudo por uma Esmeralda também é uma comédia romântica -, mocinho e mocinha vão brigar bastante até finalmente admitirem que na verdade se amam.

Uns 10 minutos depois que Jack aparece na história, os dois estão caminhando sob uma chuva danada numa estrada de terra perdida no meio da Amazônia colombiana. Joan escorrega, cai rolando num imenso precipício, até finalmente aterrissar bem lá embaixo, num lago formado pela água da chuva, com as pernas abertas. Logo depois vem rolando Jack – só que ele cai de bruços, barriga para baixo, e aterrissa com a cabeça bem no meio das pernas da moça.

A queda de Jack de nariz no meio das pernas de Joan é uma das melhores piadas do filme – mas é uma piada atrás da outra.

Outro dos grandes achados é a figura de Juan, o sujeito que acaba ajudando Joan e Jack a chegarem até uma cidade onde há um telefone, de tal modo que Joan consiga falar com a irmã sequestrada.

Os dois chegam diante da casa de Juan e de repente estão sob a mira de uns dez revólveres diferentes. Jack diz: – “Agora, Joan Wilder, quero ver você nos tirar dessa situação”.

Juan baixa a arma que tinha apontado para a dupla, abre um imenso sorriso, abre a porta e os convida para entrar em sua “humilde casinha”, dizendo: – “Joan Wilder! Joan Wilder! Sou seu fã! Já li todos os seus livros”. A humilde casinha dele é uma imensa villa, uma fantástica mansão. Juan é um grande traficante de drogas, mas é boa gente – especialmente com sua escritora predileta.

Ele é interpretado por Alfonso Arau, um dos grandes diretores do cinema mexicano, o realizador de Como Água Para Chocolate (1992) e Caminhando nas Nuvens (1995). As sequências em que Juan-Alfonso Arau aparece são hilariantes.

Diane Thomas: uma lenda, uma tragédia.

Nunca soube nada sobre Diane Thomas, a moça que criou a história de Romancing the Stone. Li agora, depois de rever o filme, na hora de fazer esta anotação.

Diane Rene Thomas nasceu em 1946, em Michigan. Estudou na UCLA, a University of California Los Angeles. Seu primeiro roteiro foi exatamente o de Romancing the Stone.

Consta – e esta é a lenda – que ela estava trabalhando como garçonete em Los Angeles quando Michael Douglas entrou no café. E então Diane contou para ele que tinha uma idéia para um roteiro.

Pode não ter acontecido exatamente assim – mas é uma belíssima história, não?

Consta também que Michael Douglas – que produziu o filme – deu para ela de presente um Porsche. Semanas depois, o namorado dela, bêbado, estava dirigindo o Porsche, houve um acidente, ela morreu. Foi em 1985 – Diane Thomas não chegou a completar 40 anos.

Homem e mulher em posição de igualdade

Romancing the Stone foi um belíssimo sucesso comercial. Custou bem pouco, para os critérios de Hollywood: US$ 10 milhões. Só no fim de semana de lançamento faturou a metade disso, e acumulou R$ 115 milhões de renda nas bilheterias mundo afora.

Roger Ebert, o crítico de cinema que mais admiro, deu ao filme 3 estrelas em 4 e concluiu sua avaliação sobre esse filme que é só uma brincadeira com uma consideração séria. Diz ele:

“Filmes desse tipo têm a tendência de se transformar numa longa série de cenas em que o homem agarra a mulher pela mão e a leva para longe do perigo. Sempre odiei cenas assim. Por que a mulher não pode correr ela mesma? Não teriam os dois uma chance maior se o sujeito não tivesse que ficar agarrando a moça? O que vemos, na verdade, são restos de sexismo dos tempos em que as mulheres eram mostradas como vítimas desafortunadas. Romancing the Stone não tem muitas cenas assim. Começa sendo inteiramente sobre a mulher e, embora Douglas assuma o comando depois que os dois se encontram, é basicamente porque ele conhece aquele território. A relação deles é de igual para igual, assim como o seu caso de amor. Temos a impressão de que eles de fato se importam um com o outro, e que o romance não é apenas uma distração da ação.”

Grande Ebert!

Leonard Maltin deu 3 estrelas em 4, chamou o filme de “bobagem” e definiu: “História tola nunca pára de se mover – com algumas ações e dublês sensacionais – mas é a atuação enormemente atraente de Turner que realmente faz o filme valer a pena”.

Perfeita definição.

É uma alegria ver o filme. Mas a rigor, a rigor, não precisaria de mais nada: bastaria ter aquela Kathleen Turner toda que ele tem – e sabe maravilhosamente bem usar.

Robert Zemeckis sem dúvida sabe muito bem tudo o que faz. Quando foi criar Who Framed Roger Rabbit, em 1988, chamou Kathleen Turner para dar a voz a Jessica Rabbit, uma das figuras femininas mais sensuais da história da animação cinematográfica.

Bom, agora quero ver A Jóia do Nilo. A vida é curta – curta.

Anotação em setembro de 2018

Tudo por uma Esmeralda/Romancing the Stone

De Robert Zemeckis, EUA, 1984

Com Michael Douglas (Jack Colton), Kathleen Turner (Joan Wilder)

e Danny De Vito (Ralph), Zack Norman (Ira), Alfonso Arau (Juan), Manuel Ojeda (Zolo), Holland Taylor (Gloria, a editora de Joan), Mary Ellen Trainor (Elaine, a irmã de Joan), Eve Smith (Mrs. Irwin), Joe Nesnow (Super), Jose Chavez (Santos), Chachita (mulher forte), Camillo Garcia (o motorista do ônibus), Rodrigo Puebla (homem mau), Paco Morayta (funcionário do hotel), Jorge Zamora (Maitre), Kym Herrin (Angelina), Bill Burton (Jessie), Ted White (Grogan)

Argumento e roteiro Diane Thomas

Fotografia Dean Cundey

Música Alan Silvestri

Montagem Donn Cambern e Frank Morriss

Coreografia Jeffrey Hornaday

Figurinos Marilyn Vance

Produção Michael Douglas, Twentieth Century Fox, El Corazon Producciones S.A., Nina Saxon Film Design.

Cor, 106 min (1h46)

R, ***1/2

6 Comentários para “Tudo por uma Esmeralda / Romancing the Stone”

  1. Ah, meus tempos de faculdade, quando vi esse pela primeira vez… Ainda me lembro da piada sobre drogas. Quando Jack Colton pergunta se Joan experimentou, ela diz “fiz faculdade”. Algo assim. Ou seja, era corrente achar que todo universitário usava ou tinha usado alguma coisa.

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