[rating:3.5]
Quem inventou essa história de “melhor idade” é um sacana, um filho da puta – mas, como não tem outro jeito, melhor é enfrentar essa porra da velhice com algum humor.
Acho que essa é a moral da história de O Método Kominsky, expressa no tom e na linguagem direta e chula da própria série, uma produção americana de 2018 com Michael Douglas e Alan Arkin em interpretações maravilhosas.
É uma série sobre a amizade, a vida, o amor, a morte. Fala bastante de atores, atuação, representação, teatro, cinema – a ação se passa em Los Angeles, e Sandy Kominsky, o personagem de Michael Douglas, é um veterano ator e professor de teatro; já teve dias muito melhores como ator, atualmente não é mais requisitado sequer para papéis menores na TV, mas é respeitado como professor. Norman, o personagem de Alan Arkin, é um agente de atores e outros profissionais ligados às artes dramáticas.
Sobretudo, a série fala sobre velhice, os dramas que vêm com a velhice: as doenças, a iminência da morte, a morte.
Mas trata tudo com humor, graça, leveza, ironia. O criador da série, Chuck Lorre, conseguiu a façanha de mexer com essas coisas sérias, pesadas, horrorosas de uma forma leve, agradável – nunca mórbida, depressiva, pra baixo.
É de fato uma façanha, um perigoso exercício de andar na corda bamba, sobre o fio da navalha – e ele consegue. O Método Kominsky é a perfeita mistura bem balanceada de drama e comédia – como a vida.
E, além das interpretações extraordinárias, do roteiro inteligente, ágil, esperto, dos diálogos afiadíssimos, O Método Kominsky tem uma outra grande vantagem: é uma série curtinha. São apenas 8 episódios, de cerca de 30 minutos cada.
Só tem um problema.
Fiquei pensando que será uma pena se os produtores quiserem fazer uma segunda temporada.
A tentação seguramente será grande, já que a série foi um sucesso de público e crítica, levou o Globo de Ouro como melhor série de TV musical ou comédia e o de melhor ator para Michael Douglas, fora 7 outras indicações.
Mas não deveria haver uma segunda temporada, na minha opinião. Não será possível manter o nível destes 8 enxutos e excelentes episódios. A série já disse tudo que pretendia, que era possível dizer.
Vamos ver…
Uma sequência para Michael Douglas brilhar
No primeiro episódio há uma morte.
Tem o título de Um Ator Evita – “An Actor Avoids”. E o que Sandy Kominsky evita é visitar Eileen (Susan Sullivan), a mulher de Norman, seu maior amigo e ela mesma uma amiga queridíssima. Tinha sido ele que apresentara Norman a Eileen, 47 anos antes. Mas Sandy tem uma terrível dificuldade em ver amigos doentes.
(E nisso, como em vários outros detalhes, me identifiquei demais com ele.)
A primeira seqüência da série mostra Sandy fazendo uma preleção aos alunos da oficina de teatro que leva seu próprio nome. É uma bela sequência, uma bela sacada, para mostrar de cara quem é Sandy, o que ele faz – e dar a oportunidade para Michael Douglas, aos 74 anos de idade, brilhar.
E ele brilha.
A câmara o mostra em diversos close-ups, enquanto ele faz o discurso inicial da série. Ao longo de sua fala, a câmara mostra, em várias, várias tomadas, os rostos atentos dos alunos – muitos absolutamente embevecidos.
Michael Douglas está com os cabelos grandes, abundantes, exatamente como eram quando ele interpretou o cinegrafista de TV que, junto com uma repórter que só fazia matérias leves, amenas, testemunha um seriíssimo acidente em uma usina atômica na Califórnia em Síndrome da China, de 1979, já lá se vão 40 anos. Como eram quando interpretou o aventureiro audaz no díptico Tudo por uma Esmeralda e A Jóia do Nilo, em 1984 e 1985.
O rosto, claro, não é mesmo – traz claras as marcas do tempo, as rugas, e a barba grisalha realça os sinais da idade. Está cada vez mais parecido com o pai, Issur Danielovitch, o Kirk, que em dezembro do ano de lançamento da série, 2018, completou 102 anos de idade. E, como o pai, é um danado de um bom ator.
Sandy Kominsky-Michael Douglas inicia a preleção dizendo que, antes de começar a aula daquele dia, gostaria de falar um pouco
sobre o que significa o ofício de ator, qual é o sentido de atuar. O que um ator faz? Claro, o ator brinca de faz de conta. Ele finge. É verdade. Mas, num nível muito mais profundo, “o que se passa é que o ator brinca de ser Deus”.
– “Por que, afinal de contas, o que Deus faz? Deus cria. Deus diz: aqui está o mundo, e pronto! o mundo passa a existir. Deus diz: aqui está a vida, e pronto! – a vida acontece. Deus diz: haja morte, e BUM! Trevas. As trevas retornam.”
Faz uma pausa, caminha pela sala, e continua: – “O que isso significa para nós? Como pegamos essa informação e a trazemos para o nosso trabalho? A resposta, meus caros colegas, é que, como Deus, precisamos amar nossa criação. Temos que aceitá-las e ajudá-las a ter vida, coragem, esperanças e sonhos, e falhas irremediáveis, para depois… Depois… Deixá-las ir embora. Porque, no final, o amor verdadeiro, o amor de Deus, é deixar ir embora.”
Uma cena séria, outra avacalhada, irônica
A sequência é um brilho. A fala do professor a seus jovens alunos é um brilho.
Ao final, quando Sandy Kominsky respira fundo, talvez esperando aplausos, ou no mínimo que houvesse um silêncio poderoso diante de suas palavras, um dos alunos corta completamente o barato:
– “Sandy? Eu tenho uma audição amanhã para a escolha de um ator para um comercial de xampu. Como eu faço para amar isso?”
Passaram-se apenas 3 minutos, e O Método Kominsky demonstra o que virá a seguir, ao longo de todos os 8 episódios: um humor inteligente, safo, esperto, cheio de ironia, de gozação.
Sandy se mostra abatido, é claro, com aquele corte abrupto no seu barato, aquele contra-vapor, aquele estraga-prazeres. Mas só por meio segundo. Rapidamente, responde para o pentelho:
– “Lave seu cabelo!”
Entram os créditos iniciais, e, na segunda sequência, Norman está sentado a uma mesa de restaurante, à espera de Sandy.
O diálogo entre os dois é cheio de piadas, de chistes, de gozações de um com o outro – mas, lá pelas tantas, Sandy pergunta de Eileen, e Norman diz que não vai bem. E acrescenta que ela gostaria muito de receber a visita do amigo.
Sandy diz que vai – mas Norman, assim como o espectador, percebe que ele vai tentar fugir da hora de ver a velha amiga sendo abatida pelo câncer.
Numa sequência logo depois, Sandy conversa com Mindy (Sarah Baker), sua filha, que trabalha com ele na oficina de teatro, é a faz-tudo na coisa. Mindy está aí com uns 20 e poucos anos; conta que foi visitar Eileen, que ela não está mais se levantando da cama. Sandy diz que vai também fazer a visita à amiga – e a filha demonstra que sabe que ele não vai. E se lembra de outras vezes em que amigos dele ficaram doentes e ele não foi vê-los.
O Método Kominsky é todo assim: entremeia sequências sérias, em que se falam coisas importantes, densas, com outras engraçadas, irônicas, leves, gostosas.
Grandes filmes são feitos de pequenos detalhes
Sandy começa a prestar atenção a uma aluna que faz uma observação rica, inteligente, durante uma aula. É uma mulher madura, na faixa dos 50 anos – e, por uma observação feita por Norman, o espectador já soube que em geral Sandy costumava namorar garotinhas bem mais jovens. Mas essa mulher, Lisa (o papel de Nancy Travis, boa atriz que eu não conhecia), é mesmo interessante, e os dois saem para tomar um café.
Durante a conversa, Lisa conta que se separou do marido depois de 29 anos de casamento. Deu o clichê: ele se envolveu com uma garotinha jovem. “Eu achava que envelheceríamos juntos”, ela diz – e começa a chorar. Sandy tenta consolá-la, diz algumas frases sem jeito – e de repente ela dá um sorriso lindo. – “Viu como eu sou boa atriz?”
Como não ficar interessado por aquela mulher bela, simpática, e que faz você cair na mentira que ela soube tão bem contar?
Na sequência seguinte, Sandy consegue vencer o pavor e vai, enfim, visitar Eileen. Inteiramente derrubada pelo câncer, Eileen se mostra uma mulher maravilhosa, especial. Não se queixa. Faz brincadeiras. Depois, séria, diz que vai pedir um favor: que Sandy, quando ela se for, cuide de Norman.
Logo pergunta se Sandy está saindo com alguém – e ele comenta que tomou café com uma aluna interessante. Eileen pergunta se é jovenzinha, ele diz que não, que ela tem uns 50 e tantos. Eileen diz que aprova aquilo, que gostaria de conhecera a moça – e daí a pouco manda o amigo embora. Sabe do desconforto que ele está sentindo, decide cortar a visita logo, embora, naturalmente, estivesse contente em ver Sandy.
No umbral da porta de entrada da casa, Sandy dá um abraço apertado em Norman, que obviamente não esperava aquela reação, aquela demonstração clara de emoção.
É uma tomada nada longa – mas é uma maravilha de tomada. Dois grandes atores, em um momento extraordinário. Cada vez mais me convenço de que grandes filmes são feitos de pequenos detalhes assim.
Na noite do primeiro jantar a dois, uma tragédia
Durante uma aula, Lisa sugere que os dois saiam uma noite para jantar.
Sandy tinha lá seus princípios éticos: não é permitido misturar trabalho com prazer, aluna com possível namorada, transa. Mas ele percebe que alguns alunos que estavam perto dele ouviram o convite, e então fala alto, para todos ouvirem: – “Vocês estão vendo, não é? Foi ela que me convidou!”
Algum tempo depois, ele vai à casa dela pegá-la para irem jantar. No carro, toca o telefone, é Mindy: Eileen foi para o hospital. Sandy explica a situação para Lisa, pede desculpas, diz que vai deixá-la em casa e em seguida vai para o hospital. Mas, logo depois, conta que Eileen havia dito que gostaria de conhecer a moça com quem ele havia tomado um café – e Lisa topa ir com ele ao hospital.
É tarde demais: quando chegam, Eileen já está morta. Norman está ao lado da cama dela, catatônico. Sandy sabe que tem que cuidar do amigo, tem que levá-lo para casa, ficar com ele, fazer companhia. Pede desculpas a Lisa, e pede que Mindy a leve em casa.
A vida dos velhos inclui necessariamente a perda dos amigos mais queridos.
No segundo episódio, ou talvez no terceiro, não me lembro exatamente, Sandy terá que procurar um médico porque passou a ter problemas para urinar, indício sério de problema na próstata.
E O Método Kominsky mostra a consulta com o proctologista, o dr. Wexler (uma participação especialíssima de Danny DeVito). Mostra toda a consulta, inclusive, ou principalmente, especialmente, o momento terrível do dedo sendo enfiado.
Vemos na TV o rosto de Sandy Kominsky-Michael Douglas no momento horroroso mas que não tem outro jeito.
É até educativo. É ousado, corajoso, mas sem dúvida é pedagógico. Ajuda a convencer os recalcitrantes de que é preciso, que não tem outro jeito.
Só não é pavoroso, grotesco, de mau gosto. Não. Com Michael Douglas e Danny DeVito, tem até certa graça. O que dá pra chorar dá pra rir.
E aqui é preciso registrar que essa foi a quarta vez em que o belo Michael contracenou com o baixinho feioso Danny. Estiveram juntos naquele díptico de meados dos anos 80, os gostosos filmes de aventura Tudo por Uma Esmeralda e A Jóia do Nilo, ambos com Kathleen Maravilha Turner. Depois se reuniram de novo, os três, em 1989, no drama sério, pesado, violento A Guerra dos Roses, sob a direção do próprio Danny De Vito.
“Aos 74 anos? Muito feliz e com dignidade.”
É preciso registrar também que a série abriu espaço para dois outros veteranos atores, além de Danny DeVito, aparecerem em participações especiais. Elliott Gould interpreta a si próprio em duas ou três sequências em um único episódio: aparece como um veterano ator, que tem Norman como seu agente, e está à procura de trabalho.
E Ann-Margret (na foto abaixo) interpreta Dianne, uma grande amiga de Eileen, também já viúva, que procura Norman para tentar consolá-lo após a perda da mulher – e ele acha que a mulher está dando em cima dele.
Ann-Margret… Quando eu era adolescente, Ann-Margret era uma daquelas estrelas menores, menos importantes, de Hollywood, mas lindérrima, gostosérrima, daquelas de causar frisson, de fechar o comércio. Sueca como Garbo e Ingrid, estava em filmes como Dama por um Dia (1961), um dos últimos do mestre Frank Capra, Amor a Toda Velocidade/Viva Las Vegas (1964), uma bobagem com Elvis Presley, A Mesa do Diabo/The Cincinatti Kid (1965), ao lado de Steve McQueen. Mais tarde, já madura, lindérrima, esteve em Ânsia de Amar/Carnal Knowledge (1971), de Mike Nichols, com Jack Nicholson e Art Garfunkel. E bem mais tarde ainda apareceu para ouriçar os velhinhos Jack Lemmon e Walter Matthau em Dois Velhos Rabugentos (1993).
Vê-la agora é mais uma prova daquele axioma básico de que el tempo pasa y nos vamos poniendo viejos – mas, para as mulheres belas, parece que passa mais depressa. Ou com maior dureza.
Michael Douglas, nascido em 1944, teve diagnosticado um câncer em 2010. Recuperou-se, e em 2013 protagonizou um filme da HBO, Minha Vida com Liberace/Behind the Candelabra, de Steven Soderbergh, no papel do exuberante (para dizer o mínimo) pianista e showman. Interessante ver o ator que interpretou papéis de machão em filmes como Atração Selvagem e Instinto Selvagem no papel de uma tiazona velha. Levou o Emmy por sua atuação.
E aí veio a oportunidade de fazer o papel central nesta série que seria distribuída mundialmente pela Netflix.
Chuck Lorre, o criador da série, disse ao New York Times que não conseguiu pensar em mais ninguém para o papel central além de Michael Douglas: – “Há uma elegância sublime na forma como ele se apresenta ao mundo. Entre seus talentos, ele sabe como interpretar os momentos, emocionantes ou cômicos, com grande sutileza.”
O repórter do New York Times que escreveu a matéria sobre Michael e O Método Kominsky, Dave Hzkoff, perguntou a ele como se sentiu ao ser convidado para fazer o papel daquele homem velho, um tanto decadente, com problemas de saúde, com dificuldades no relacionamento com a filha. A resposta: – “Aos 74 anos? Muito feliz e com dignidade.”
Anotação em janeiro de 2019
O Método Kominsky/The Kominsky Method
De Chuck Lorre, criador, roteirista, produtor executivo, EUA, 2018
Diretores Andy Tennant, Beth McCarthy-Miller, Donald Petrie, Chuck Lorre
Com Michael Douglas (Sandy Kominsky), Alan Arkin (Norman)
e Nancy Travis (Lisa), Sarah Baker (Mindy Kominsky, a filha de Sandy), Susan Sullivan (Eileen, a mulher de Norman), Danny DeVito (Dr. Wexler), Jenna Lyng Adams (Darshani), Casey Thomas Brown (Lane), Ashleigh LaThrop (Breana), Graham Rogers (Jude), Melissa Tang (Margaret), Emily Osment (Theresa), David Astone (aluno), Lisa Edelstein (Phoebe), Ramon Hilario (Alex, o garçom), Leon Milne Jr. (aluno), Cedric Begley (Mathew, o filho de Lisa), Ann-Margret (Diane), Anoush NeVart (Rosamie), Azie Tesfai (Lynda),
e, em participações especiais, Elliott Gould (ele mesmo), Patti LaBelle (ela mesma), Jay Leno (ele mesmo)
Roteiro Chuck Lorre, Alan J. Higgins, David Javerbaum
Fotografia Anette Haellmigk
Montagem Matthew Barbato e Gina Sansom
Casting Tara Treacy, Ken Miller e Nikki Valko
Produção Chuck Lorre Productions, Netflix, Warner Bros. Television
Cor, cerca de 240 min (4h)
***1/2
Vi o primeiro episódio e não fiquei muito entusiasmado. Não é mau, mas eu não sou propriamente um apreciador do género comédia.
Talvez veja mais alguns episódios.
É curioso como os actores de cinema não ficam calvos – é o caso de Michael Douglas e de Al Pacino, têm os dois umas cabeleiras frondosas. E de muitos mais.
Afinal vi a primeira temporada toda com muito gosto e hoje comecei a ver a segunda.
Logo no primeiro episódio soltei uma gargalhada tremenda, até parei o video.
Espero que continue assim.