O’Henry’s Full House, no Brasil Páginas da Vida, de 1952, pode não ser um grande filme – e não é mesmo, na minha opinião. É bem intencionado, defende bons valores, mas abusa do sentimentalismo, da pieguice.
Tem, no entanto, uma penca de características interessantíssimas, algumas delas fascinantes mesmo.
O filme tem um narrador; até aí, nada demais – centenas de filmes têm um narrador. Mas aqui o narrador não conta a história para o espectador com a sua voz em off. Não, aqui o narrador aparece na tela – e isso não é comum, de forma alguma. Mais ainda: o narrador é John Steinbeck, um dos maiores nomes da literatura norte-americana. Steinbeck (1902-1968) ainda não era Prêmio Nobel de Literatura em 1952 – esse prêmio só viria dez anos depois, em 1962 -, mas já havia sido agraciado com o Pulitzer em 1940. Já havia publicado Ratos e Homens (1937), Vinhas da Ira (1939), e, exatamente naquele ano de 1952, publicaria outra de suas obras-primas, A Leste de Eden.
Ele aparece em uma bela biblioteca – a intenção óbvia é dizer que aquela é a sua biblioteca, na sua casa –, para falar com o espectador sobre O. Henry, o autor dos contos que deram origem aos cinco episódios que formam o filme.
Sim, o filme é composto por cinco episódios diferentes, cinco histórias independentes – o que é uma outra característica interessantíssima, porque, embora extremamente comuns no cinema francês e no italiano, em especial, os filmes de episódios são raríssimos no cinema americano. (Volto a essa questão mais adiante.)
Cinco contos de O. Henry, cinco episódios, cada um dirigido por um realizador, cada um com seu roteirista, seu diretor de fotografia, seu montador. Entre as poucas coisas em comum entre eles, além, claro, de serem baseados em histórias escritas por O. Henry. estão o autor da trilha sonora, o grande Alfred Newman (1901-1970), 9 Oscars, fora outras 24 indicações ao prêmio (se é que contei direito), patriarca de uma família de compositores de trilhas (é pai de Thomas Newman, Maria Newman e David Newman e tio de Randy Newman), e a narração de John Steinbeck.
Além de fazer a apresentação, a introdução, Steinbeck serve de elo entre um episódio e outro: aparece ao final de cada segmento, fazendo algum comentário sobre a vida e a obra de O. Henry e introduzindo o tema do episódio seguinte.
A vida de O. Henry é riquíssima, cheia de eventos, surpresas, aventuras
A vida de O. Henry (1862-1910) foi, ao que tudo indica, ainda mais cheia de eventos, surpresas, reviravoltas, aventuras do que os contos que escreveu – c como escreveu! Publicou mais de uma dúzia de livros de contos.
Em uma de suas intervenções entre um episódio e outro de O. Henry’s Full House, Steinbeck diz que ele foi farmacêutico, caubói, contador, repórter, editor – e ainda mais. Em 1894, antes de se tornar famoso, vivendo em Austin, Texas, ele criou um seminário humorístico chamado… The Rolling Stone! Jamais soube disso. Sempre achei que The Rolling Stone era o título do jornal, depois revista, criado por Jann Werner na Califórnia em 1967, que começou um tanto como porta-voz da contra-cultura e mais tarde virou uma das mais importantes publicações sobre música e cultura do mundo.
Pois O. Henry furou Jann Werner com 73 anos de antecedência!
A Rolling Stone de O. Henry durou pouquíssimo, e então ele foi trabalhar no Houston Post como repórter, colunista e eventualmente cartunistsa. Em 1886, foi indiciado por desvio de fundos bancários, e, com a ajuda de amigos, fugiu para Honduras. Ao saber que sua mulher tinha ficado gravemente doente, voltou para Austin; foi julgado, e, como as provas contra ele eram pouco consistentes, recebeu a pena mais leve para o tipo de crime de que acusado. Os três anos e pouco que passou numa penitenciária de Ohio forneceram a ele vasto material para seus contos – o fato de ele ter sido preso é citado por John Steinbeck no filme.
Ao sair da prisão, mudou-se, em 1902, para Nova York, que ele chamou de “a Bagdá sobre o metrô” e serviu de inspiração para muitos dos contos que passou a publicar com uma prolixidade admirável em jornais e revistas, em seguida reunidos em livros.
A maravilhosa Encyclopaedia Britannica, de onde tirei as informações acima sobre O. Henry, define desta maneira o escritor:
“O. Henry, pseudônimo de William Sidney Porter, nascido em 11 de setembro de 1862 em Greensboro, Carolina do Norte, morto em Nova York, em 5 de junho de 1910, autor de contos cujas histórias são documentos sociais significantes, apesar de tramas artificiais e caracterização rasa. Ele romantizou o lugar comum – em particular a vida de pessoas comuns de Nova York –, criando um convincente mosaico da metrópole no início do século 20. Suas histórias expressam o efeito da coincidência sobre os personagens, através do humor, do sinistro e da ironia. Essas reviravoltas de circunstâncias eram frequentemente usadas para obter finais surpreendentes, um mecanismo que ficou identificado com seu nome e custou a ele críticas negativas depois que sua onda passou. No entanto, suas histórias ainda são bastante lidas através do mundo; e suas fraquezas, em parte resultado do fato de ele ter escrito demais para ganhar dinheiro, não ocultaram suas forças.”
Gostaria de saber escrever assim, quando crescer.
“Um escritor muito versátil, um crítico social, um humorista, um técnico”
A edição da Britannica que tenho é de meados dos anos 70 do século passado. Não creio que hoje a grande enciclopédia dissesse que as histórias de O. Henry ainda são bastante lidas. Há escritores que têm imensa fama durante algum tempo, e depois ficam praticamente esquecidos – como, por exemplo, Morris West ou A. J. Cronin, lidíssimos nos anos 60 mas hoje não reeditado. Creio que O. Henry é desse tipo. Nunca soube de um livro de O. Henry editado no Brasil.
“Documentos sociais significantes”, diz a Britannica. John Steinbeck usa expressão semelhante.
Na primeira sequência do filme, logo após os créditos iniciais que mostram os nomes de 12 atores e 5 diretores, vemos um homem de terno e chapéu sendo levado para uma grande prisão. Logo depois que o homem é colocado numa cela, um guarda vem falar com um preso na cela bem em frente. Diz que o advogado dele chegou para pagar sua fiança e libertá-lo – e o preso responde: – “Diga a ele que não estou aqui”.
O recém-chegado saca dos bolsos papel e lápis e começa a escrever.
E a voz de John Steinbeck – por enquanto ainda em off – inicia sua peroração:
– “Aquele homem com o lápis é o verdadeiro astro deste filme. Ele era um escritor muito versátil. Era um crítico social, um humorista, um técnico. Seu nome era William Sidney Porter, mas você deve se lembrar dele pelo seu pseudônimio, que já é parte da nossa língua – O. Henry.”
E aí surge a figura de John Steinbeck sentado diante de uma mesa, uma grande estante de livros atrás dele. Está fumando um cigarro – aquele hábito engraçado que as pessoas tinham nos anos 50 do século passado.
– “Sou um escritor também. Meu nome é John Steinbeck. Sempre acreditei que um escritor deve ser lido, e não visto. Mas O. Henry está morto. Não pode opinar. O que será que falaria, se pudesse?”
“Um escritor deve ser lido, e não visto.” Eis aí uma grande verdade – mas é uma verdade que admite alguma relatividade, não? John Steinbeck ganhou um dinheirinho escrevendo roteiros de filmes. É dele o roteiro de Viva Zapata! (daquele mesmo ano de 1952), por exemplo. E suas grandes obras foram transformadas em filmes – grandes filmes, aliás. Vinhas da Ira/The Grapes of Wrath (1940), de John Ford, 6 indicações ao Oscar, premiado com os de melhor direção e melhor atriz coadjuvante para Jane Darwell. Vidas Amargas/East of Eden (1955), de Elia Kazan, 4 indicações ao Oscar, premiado com o de melhor atriz coadjuvante para Jo Van Fleet. Ratos e Homens/Of Mice and Men (1992), de Gary Sinise.
O’Henry escrevia sobre as mazelas da sociedade capitalista, a injustiça social
O mais marcante nessa primeira fala de John Steinbeck, acho, é a definição de O. Henry como “um crítico social”. Tem a ver, é claro, com a definição da Britannica: “documentos sociais significantes”.
Em Português claro, aquelas expressões querem dizer o seguinte: O. Henry escrevia sobre as mazelas da sociedade capitalista, a injustiça social, a existência de miseráveis. Os destituídos, os abandonados pelo Sonho Americano. Exatamente como John Steinbeck.
A primeira história é dirigida por Henry Koster, e se chama “The Cop and the Anthem” – o policial e o hino. Um velho que já foi rico, fino, educado, é, no momento em que se passa a ação, a primeira década do século XX, um mendigo que passa as noites em bancos dos parques de Nova York. Sempre que chega o inverno, ele dá um jeito de ser preso, para ficar bem protegido, aquecido e alimentado pelo Estado.
O mendigo, Soapy, é interpretado por Charles Laughton (na foto acima). Nós o veremos ao longo de um dia inteiro em que faz de tudo para ser preso – mas não consegue.
Nas suas andanças pelas ruas no dia focalizado no filme, ele se encontra com uma moça belíssima que caminha pelas calçadas, finge que observa as vitrines e foge dos policiais – uma forma sutil, elegante, educada, de mostrar, no início dos anos 50, uma prostituta.
A moça que anda pelas calçadas aparece na tela por menos de dois minutos. Contei no relógio; li em algum lugar que é pouco mais de um minuto. A rigor, são quase dois.
A personagem não tem nome. A atriz que a interpreta é Marilyn Monroe – e dela falo mais adiante.
O segundo episódio se chama “The Clarion Call”, o nome de um jornal (fictício, creio), de Nova York, e é dirigido por Henry Hathaway. Conta o reencontro de dois homens que haviam sido grandes amigos na juventude, e agora estão em lados opostos na lei. Richard Widmark é o ladrão e assassino Johnny Kernan, um canalha desagradável, nojento, semelhante a outros que interpretou em tantos filmes, como O Beijo da Morte (1947), O Ódio é Cego (1950), Anjo do Mal (1953). Dale Robertson faz Barney Woods, o detetive da Polícia de Nova York que os caprichos do destino levam a identificar como o autor de um roubo e assassinato o antigo amigo.
Um bela jovem é abandonada pelo amante e perde a vontade de viver
A terceira história, “The Last Leaf”, a última folha, dirigida por Jean Negulesco, começa com uma bela, impressionante tomada. A câmara está na rua, do lado de fora de um apartamento localizado no primeiro andar de um prédio de Manhattan. É inverno, a rua está coberta de neve. Lá dentro da sala, um homem vestido num elegante roupão toma uma bebida, de pé, impassível, frio. Uma jovem, bem ao contrário dele, demonstra estar sofrendo demais. Embora o espectador não ouça nada do que eles estão falando do lado de lá da janela, é óbvio que a moça está sendo dispensada pelo amante naquele exato momento.
Chama-se Joana, e é o papel de Anne Baxter, então no auge da beleza e da fama, apenas dois anos depois de interpretar a Eve do título em All About Eve, A Malvada do título brasileiro.
Eve divide um pequeno apartamento no Greenwich Village com a irmã Susan, tão bela quanto ela – o papel de Jean Peters. O médico chamado por Susan quando Joana volta para casa doente, sem ânimo para nada, primeiro diagnostica pneumonia, depois o pior – a falta de vontade de continuar a viver.
Joana bota na cabeça que seu destino está atrelado ao de uma árvore que fica do outro lado do beco, visível da cama dela – uma videira que está perdendo as folhas para o vento inclemente do inverno.
Entra em cena um velho e pobre artista que mora no andar de cima ao das irmãs, Behrman (Gregory Ratoff). Behrman é um pintor à frente do seu tempo: seus quadros são absolutamente abstratos. Ele simplesmente não consegue pintar algo figurativo. O dono da galeria a quem ele vende seus quadros diz que ele poderá ser compreendido no futuro, lá por 1950 – mas hoje em dia, ou seja, ali por 1905, ninguém quer saber daquilo que ele pinta.
O quarto episódio é o único cômico dos quatro – e é dirigido por Hawks
Depois do suave drama de um mendigo que tenta e não consegue ser preso, o duro drama de um policial que se sente na obrigação de prender um velho amigo, e o tristíssimo drama de uma jovem abandonada que não encontra forças para continuar a viver, é a vez um episódio cômico. E, para fazer uma comédia, ninguém melhor, entre os diretores então à disposição da 20th Century Fox, que o extraordinário Howard Hawks.
Esse quarto episódio se chama “The Ransom of Red Chief”, o resgate do Chefe Vermelho. Dois vigaristas absolutamente trapalhões, Slick e William, interpretados por Fred Allen e Oscar Levant, vão com seu carrinho fuleiro para os rincões do Alabama para executar o sequestro de uma criança. Sequestram um garotinho de uns 10 anos chamado J.B. (Lee Aaker, na foto abaixo), que gosta de personificar um cacique chamado Red Chief, e exigem dos pais dele US$ 2 mil de resgate.
Os pais são apresentados por Hawks como parentes do Ferdinando dos quadrinhos, o Li’l Abner – absolutamente broncos, impagáveis, fantásticos, surpreendentes.
À exigência de US$ 2 mil para poder reaver o filhinho querido, o casal responde dizendo que só aceita o pestinha de volta se os bandidos pagarem US$ 250.
E o filme termina com um doçamargo conto de Natal sobre um jovem e belo casal, Della e Jim – os papéis da maravilhosa Jeanne Crain e de Farley Granger. O diretor é o experientíssimo Henry King, e o título do conto de O. Henry e do episódio é “The Gift of the Magi”, o presente dos reis magos.
Della e Jim se amam profundamente, são boas pessoas, amorosas, simpáticas, tratam bem os vizinhos – mas são pobres, pobres, pobres de marré-deci. E o Natal está chegando, e um quer dar para o outro o mais belo presente que pode haver.
O típico filme que o macarthismo chamaria de anti-americano
Seguramente O. Henry não estava defendendo o fim do capitalismo quando, na última década do século XIX e na primeira do século XX, escreveu suas histórias sobre a injustiça social, a dura vida dos despossuídos, os alijados do Sonho Americano.
Já John Steinbeck teve um longo namoro com o comunismo. Já em 1935 filiou-se à Liga de Escritores Americanos, uma organização com claros vínculos com o Partido Comunista Americano. Em 1948 publicou A Russian Journal, um relato sobre sua viagem à União Soviética stalinista, ilustrado por fotos do grande Robert Cappa. (O livro teve edição mais ou menos recente no Brasil.)
Durante o período negro do macarthismo, a caça às bruxas promovido pelo Comitê sobre Atividades Anti-Americanas do Congresso, usou seu nome, fama e prestígio a favor de acusados de simpatias com o comunismo, como seu grande amigo Arthur Miller.
Não vi referências a isso nos meus livros, nem em uma pesquisa (meio rápida, é verdade) na internet, mas me parece que O’Henry’s Full House era o tipo do filme que Joseph McCarthy e seus seguidores condenaria como sendo anti-americano, filo-comunista.
É bom ser absolutamente explícito, para evitar equívocos, mal-entendidos: não estou dizendo que o filme é anti-americano ou filo-comunista, pelo amor de Deus. Estou dizendo exatamente e apenas que ele era o tipo do filme que Joseph McCarthy e seus seguidores, com a sua visão paranoica, louca, condenaria como sendo anti-americano, filo-comunista.
A página de Trivia do IMDb sobre o filme – magra, mirrada – não fala nada sobre isso, nem meus guias e outros livros. The Films of 20th Century Fox faz curtas e interessantes sinopses de cada uma das cinco histórias (em algumas delas, adiantando o final, coisa que consegui evitar, com exceção da quarta história, a cômica), define o filme “uma interessante reunião de cinco histórias de O. Henry”, e conclui: “Cinco diretores, um punhado de ótimos atores e um grupo de grandes escritores transformam esta casa num lugar de fato bastante cheio e fascinante”.
Mas o IMDb revela, na página das fichas-técnicas, que outros roteiristas trabalharam no filme, e não tiveram seus nomes mencionados nos créditos. Lá está dito que Philip Dunne trabalhou no roteiro de “The Gift of the Magi”, e que Ben Hecht e Nunnally Johnson trabalharam no roteiro de “Ransom of Red Chief”.
Philip Dunne, Ben Hecht e Nunnally Johnson são, os três, alguns dos melhores roteiristas da época de ouro de Hollywood. São também, todos eles, identificados com posições políticas claramente de esquerda. Todos tiveram problemas durante o macarthismo e, a não ser que eu esteja enganado, estiveram na lista negra – os nomes que eram proibidos de trabalhar na indústria cinematográfica e na nascente televisão. (Na foto abaixo, Jean Crain, no quinto e último episódio.)
O filme foi lançado nos cinemas americanos com apenas 4 dos 5 episódios
A anotação já está bem grande, mas ainda falta falar, mesmo que um pouco, da coisa dos filmes de episódios, e do elemento que marcou para sempre este filme, o motivo pelo qual ele de vez em quando ainda é lembrado – Marilyn, é claro.
Filmes de episódios, de esquetes – ou anthology films, como eles usam – são uma tradição nos cinemas francês e italiano. Do final dos anos 50 até os anos 70, foram feitos vários, vários, vários filmes de episódio na França e na Itália.
Na Inglaterra houve alguns – e isso até influenciou para que O. Henry’s Full House fosse feito. Mas, nos Estados Unidos, os anthology films são mesmo uma raridade. Quando, meses atrás, revi Contos de Nova York/New York Stories (1989) – com episódios dirigidos por Martin Scorsese, Francis Ford Coppola e Woody Allen, e um terrível fracasso de público e crítica –, falei longamente sobre os filmes de episódio feitos na Europa, mas só consegui me lembrar de outros dois feitos nos Estados Unidos.
Um deles é bem antigo, de 1943, obra do francês Jean Duvivier, em seu período de exílio nos Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial, Mistérios da Vida/Flesh and Fantasy.
O outro é exatamente este Páginas da Vida aqui.
A página de Trívia do IMDb sobre Páginas da Vida – paupérrima, como já disse – informa que o sucesso de público e crítica de dois anthology films britânicos, baseados em contos de W. Somerset Maugham, ajudaram os chefões da 20th Century Fox a dar sinal verde para o projeto de fazer um filme desse tipo. Não conheço esses filmes ingleses – Quarteto (1948) e Três Destinos (1950), cada um com seu elenco e sua equipe técnica. Gostaria de encontrá-los.
Outra informação saborosa do IMDb é que O. Henry’s Full House foi lançado nos cinemas com apenas 4 dos 5 episódios. A Fox achou melhor tirar fora da versão exibida nos cinemas o episódio “The Ransom of Red Chief”, que havia sido considerado fraco pelas platéias das apresentações-teste.
O filme foi lançado na Espanha como Cuatro Páginas de la Vida!
Ao ser exibido na televisão americana pela primeira vez, no início dos anos 60, o episódio dirigido por Howard Hawks foi reinserido no filme.
Em 1963, o ano seguinte à morte de Marilyn Monroe, o filme foi relançado no circuito comercial brasileiro, indício de que deve ter tido um relançamento nos cinemas americanos. Sei disso porque está escrito no primeiro caderninho de cinema do adolescente Sérgio Vaz que Páginas da Vida foi o filme de número 74 visto naquele ano. O garoto viu numa sessão das 8 da noite no Cine Tamoio, o cinema de Belo Horizonte que passava basicamente os filmes da 20th Century Fox.
(É: Belo Horizonte tinha isso, cinemas especializados por filmes dos grandes estúdios. O Tamoio, na Rua dos Tamoios perto da Avenida Amazonas, passava basicamente filmes da Fox. O Candelária, na Praça Raul Soares, passava basicamente filmes da Metro. O Art-Palácio, como o nome indicava, passava filmes distribuídos na época pelo selo Art – na maioria, filmes europeus, mas a programação incluía também alguns japoneses da Toho. Vi alguns lá.)
Muitos dos atores do filme não são lembrados hoje. Mas ele tem Marilyn
Last but not least, Marilyn Monroe.
São 12 os nomes de atores que aparecem com grande destaque nos créditos iniciais de O. Henry’s Full House. Eles aparecem em ordem alfabética pelo sobrenome. Fred Allen, Anne Baxter, Jeanne Crain, Farley Granger, Charles Laughton, Oscar Levant, Marilyn Monroe, Jean Peters, Gregory Ratoff, Dale Robertson, David Wayne, Richard Widmark,
Coisa de louco ver essa relação hoje, exatos 66 anos depois do lançamento do filme.
Que coisa el tiempo, el implacable, el que pasó.
Se eu mostrar essa lista de 12 nomes para minha filha, que vê filmes desde muito cedo, e gosta muito de cinema, talvez ela saiba quem sejam uns 4 destes atores: o nome Charles Laughton ela deverá reconhecer, e talvez os de Anne Baxter e Richard Widmark.
Creio que todos esses 11 atores aí tinham já carreiras firmes em 1952. A mais novata era Marilyn.
Se bem que nem tão novata assim.
No final daquele ano de 1952, Marilyn tinha já 18 títulos em sua filmografia, iniciada em 1947 com um filme chamado Idade Perigosa/Dangerous Years. Mas na grande maioria desses 18 títulos tinha tido papéis bem pequenos – como neste filme aqui, em que aparece em menos de 2 minutos, sem exagero algum, tempo cravado no relógio.
No entanto, o estúdio colocou o nome dela entre os dos atores principais. A Fox já sabia do potencial dela.
E não poderia ser diferente, porque, entre aqueles 18 títulos de filmes lançados até 1952, ela já havia brilhado em alguns dos pequenos papéis dados a ela. Em dois grandes filmes de 1950 – grandes, importantes, filmaços –, ela aparecia pouco, sempre como uma jovem beldade, mas sua beleza já resplandecia na tela. As câmaras já haviam se derretido diante dela em O Segredo das Jóias/The Asphalt Jungle, de John Huston, e A Malvada/All About Eve, de Joseph L. Mankiewicz.
Em 1951, apareceu em 4 filmes – nenhum deles importante.
Naquele ano de 1952, no entanto, já havia tido breves – mas marcantes – aparições em três outros filmes: Travessuras de Casados/We’re Not Married, lançado em julho, Almas Desesperadas/Don’t Bother to Knock, lançado em agosto, seu primeiro papel de fato importante, e O Inventor da Mocidade/Monkey Business, lançado em setembro.
Também em setembro foi lançado Páginas da Vida – o quarto filme importante com ela.
Entre 1953 e 1954, chegaram aos cinemas cinco filmes em que Marilyn já estava entre os protagonistas: Torrentes de Paixão/Niagara, Os Homens Preferem as Louras, Como Agarrar um Milionário, O Rio das Almas Perdidas e O Mundo da Fantasia. Nessa ordem.
Em setembro 1954 quando começaram as filmagens de O Pecado Mora ao Lado/The Seven Year Itch, já era a maior estrela de Hollywood. O Pecado Mora ao Lado, o primeiro dos dois que fez com o diretor Billy Wilder, teria pré-estréia de gala em Nova York em 1º de junho de 1955, o dia em que completava 29 anos de idade.
Quando, depois de um rápido diálogo com a prostituta sem nome, que dura menos de dois minutos, o mendigo Soapy se distancia dela, a jovem de beleza extraordinária, fora de jeito, olha na direção da câmara, em um close-up, e diz, espantada, surpresa:
– “Ele me chamou de dama!”
He called me a lady!
Passaria os poucos anos seguintes que lhe deram para viver tentando desesperadamente que as pessoas, enfim, a chamassem não de bela, gostosa, tesão, símbolo sexual, e sim de atriz.
Anotação em fevereiro de 2018
Páginas da Vida/O. Henry’s Full House
De Henry Koster, Henry Hathaway, Jean Negulesco, Howard Hawks e Henry King, EUA, 1952
Narração de John Steinbeck
Episódio “The Cop and the Anthem”
De Henry Koster
Com Charles Laughton (Soapy), David Wayne (Horace), Marilyn Monroe (a moça da rua),
Roteiro Lamar Trotti
Fotografia Lloyd Ahern Sr.
Montagem Nick DeMaggio
Episódio “The Clarion Call”
De Henry Hathaway
Com Dale Robertson (Barney Woods), Richard Widmark (Johnny Kernan), Fred Kelsey (o chefe dos detetives)
Roteiro Richard L. Breen
Fotografia Lucien Ballard
Montagem Nick DeMaggio
Episódio “The Last Leaf”
De Jean Negulesco
Com Anne Baxter (Joanna Goodwin), Jean Peters (Susan Goodwin), Gregory Ratoff (Behrman)
Roteiro Ivan Goff e Ben Roberts
Fotografia Jseph MacDonald
Montagem Nick DeMaggio
Episódio “The Ransom of Red Chief”
De Howard Hawks
Com Fred Allen (Slick Brown), Oscar Levant (William Peoria), Lee Aaker (J.B. Dorset, o Red Chief)
Roteiro Ben Hecht, Nunnally Johnson e Charles Lederer (os três sem crédito)
Fotografia Milton R. Krasner
Montagem William B. Murphy
Episódio “The Gift of the Magi”
De Henry King
Com Jeanne Crain (Della), Farley Granger (Jim), Richard Garrick (Mr. Schultz)
Roteiro Walter Bullock (e, sem crédito, Philip Dunne)
Fotografia Jseph MacDonald
Montagem Barbara McLean
Música Alfred Newman
No DVD pirata, copiado do Telecine Cult. Produção 20th Century Fox
P&B, 117 min (1h57)
R, **1/2
Título na França: La sarabande des pantins. Em Portugal: Páginas da Vida.
Eu não tenho palavras para agradecer o favor que você me faz em escrever esse lindo texto sobre esse filme MARAVILHOSO.
Não vejo problema nenhum em um filme ser piegas, e discordo carinhosamente desse 2,5. Seja pelo elenco, pelo O. Henry, pelos diretores, pelo Steinbeck, ou pela ternura das histórias. Mas, principalmente, pelo fato de reunir tanta gente legal. “O presente dos magos” é tão plot twist… rs
PS: Além de “Ratos e Homens” do Gary Sinise, tem uma versão do Lewis Milestone que por aqui se chama “Carícia Fatal”. Também acho muito boa a versão de “A Pérola”, com o Pedro Armendáriz.
PS²: A forma que você escreve sobre o filme (mesmo quando dá nota 0,5) é tão agradável que nos dá vontade de assistir na hora. Só de ler, meu coração se encheu da alegria que tive ao assistí-lo. É a magia dos contos se tornando real… (Acho que sou piegas, rsrsrs)
Senhorita, se você não existisse, seria necessário inventá-la!
Um beijo.
Sérgio