É absolutamente inacreditável que o mesmo homem que realizou Minha Vida de Cachorro e Regras da Vida seja o diretor deste Um Porto Seguro/Safe Haven.
É chocante.
Lasse Hallström merece consideração, respeito. Pode não ser um realizador de primeiríssimo time, mas tem uma obra íntegra, digna. Fez diversos bons filmes – e pelo menos dois extraordinários, os citados aí acima.
Foi aclamado mundialmente ao lançar, em 1985, Minha Vida de Cachorro, um filme meigo, terno, sensível, que se equilibrava com perfeição entre tristeza profunda e graça, sobre o mundo visto por um garotinho de 12 anos na Suécia do finalzinho dos anos 50. O filme foi indicado para os Oscars de melhor filme estrangeiro e melhor roteiro adaptado, e também para o Bafta de filme estrangeiro; não levou nenhum desses três prêmios, mas ganhou o Globo de Ouro de filme estrangeiro e mais 12 prêmios mundo afora.
Hallström ainda faria mais dois filmes na Suécia depois de Minha Vida de Cachorro, mas, a partir do início dos anos 90, estabeleceu-se em Hollywood. Fez diversos bons filmes, em geral falando do mesmo tema, a vida em família, as relações familiares – Meu Querido Intruso/Once Again, de 1991, em que reuniu novamente Richard Dreyfuss e Holly Hunter, que haviam feito juntos Além da Eternidade/Always, de Steven Spielberg; Gilbert Grape – Aprendiz de Sonhador/What’s Eating Gilbert Grape, de 1993, com Johnny Depp e um à época desconhecido Leonardo DiCaprio; Chocolate, de 2000, uma gostosa fábula em homenagem à liberdade de comportamento, com Juliette Binoche no auge da beleza; Chegadas e Partidas/The Shipping News, de 2001, um drama poderoso com Kevin Spacey em grande forma; e Um Lugar para Recomeçar/An Unfinished Life, de 2005, que fala de violência de marido contra mulher e, de novo, relações familiares, perdas de entes queridos, com um elenco de primeiríssima, Robert Redford, Morgan Freeman, Jennifer Lopez.
São, todos eles, bons filmes – mas meu preferido, entre todos, é Regras da Vida/The Cider House Rules, de 1999, um filme sobre crianças sem pais e uma vibrante, forte, corajosa defesa do direito ao aborto, outro filme com elenco extraordinário, reunindo Tobey Maguire, Charlize Theron, Delroy Lindo, Paul Rudd e Michael Caine, em um dos melhores papéis de sua longa e veneranda carreira (ele levou o Oscar de coadjuvante).
Um autor de filmes sensíveis, que falam de gente como a gente
É bem verdade que já faz vários anos que muitos críticos têm descido a lenha em Hallström, dizendo que ele estava ficando cada vez mais sentimentalóide, piegas.
No entanto, ainda recentemente, em 2010, ele fez um filme inteligente, saboroso, com algo de fantasiam, muito de sátira política, muito de romance, na verdade uma fábula moral, Salmon Fishing in the Yemen, no Brasil Amor Impossível.
Se não tem a genialidade estrondosa de seu conterrâneo Ingmar Bergman (e, afinal, esses são pouquíssimos, dá para contar nos dedos da mão direita), é um realizador muito bom, melhor que a imensa maioria. Seus filmes têm uma marca pessoal: são sempre sensíveis, com uma inteligência bem acima da média, e em geral são aquilo que os filmes deveriam ser – histórias sobre gente como a gente, nós, as pessoas comuns, ordinary people. Nem super-heróis, nem bandidos. Gente comum, como a imensa maioria das pessoas – e que no entanto são sub-representadas no cinema, especialmente o cinema comercial das últimas décadas, que se empobreceu, debiloidou, ao tentar falar basicamente para os adolescentes mentais, tenham eles 14 ou 80 anos.
Por tudo isso, repito: é absolutamente inacreditável que o diretor de Um Porto Seguro seja Lasse Hallström.
Em 17 anos, Nicholas Sparks escreveu 18 livros
Seria, acho, uma saída fácil dizer que o filme é um horror porque se baseia em mais um dos livros que Nicholas Sparks escreve aos borbotões, como se fosse uma linha de montagem, um após outro.
Sim, claro, Nicholas Sparks é um fenômeno. O cara escreve com a velocidade de uma Agatha Christie, de um Stephen King. Com a mesma desenvoltura com que a velhinha inglesa escrevia sobre crimes e o americano escreve sobre mistérios aterrorizantes, o rapaz escreve historinhas melosas de amor.
Mal comparando, o bicho parece ser assim mais ou menos uma espécie de Paulo Coelho misturado com José Mauro Vasconcelos e Gabriel Chalita. Uma imensa capacidade de atrair audiência, um conhecimento extraordinário dos temas e tramas e clichês que interessam às grandes massas de pouca leitura e uma sobre-humana capacidade de escrever muito, muito, muito, muito.
Nicholas Sparks nasceu em 1965, e portanto estava com 48 anos em 2013, quando este filme aqui foi lançado. Entre 1996 e 2013 – um período de apenas 17 anos, portanto – lançou a incrível, absurda, grotesca soma de 18 romances.
Como a expectativa de vida é cada vez maior, dá para imaginar que ali por 2055, quando estará com 90 anos, Nicholas Sparks terá publicado uns 60 romances.
Dos 18 que já publicou até agora, nada menos de oito já viraram filmes, e outros dois estão sendo produzidos enquanto escrevo esta anotação, em dezembro de 2013.
É mais uma história de amor – mas Sparks se aventura no terreno do thriller
O próprio Lasse Hallström já havia feito um filme baseado em Jonathan Sparks. Querido John, filme de 2010 baseado no romance de 2006, me pareceu, conforme anotei depois de vê-lo, um dos filmes mais fracos do diretor. Mas ele ainda tinha algo interessante – o personagem do pai do protagonista, interpretado pelo excelente Richard Jenkins.
Um Porto Seguro é um horror, uma porcaria, um abacaxi azedo. Nada – nadica, coisica alguma – se salva. É tudo muito abaixo do fundo do poço.
A historinha – em que Nicholas Sparks tentou trafegar numa área que não é a sua, a do thriller, ou algo parecido com thriller – é assim:
Moça jovem de cabelos escuros e compridos sai apavorada de dentro de casa. Ali naquela casa houve sangue. Ela bate apavorada na casa de vizinha. Daí a muito pouco, uma jovem loura de cabelos curtos entra num ônibus interestadual. Um policial chega correndo à rodoviária, manda parar alguns ônibus, entra, checa os passageiros.
A jovem loura de cabelos curtos e capuz sobre a cabeça consegue escapar num ônibus que vai de Boston em direção a Atlanta.
Depois de muitas e muitas horas de viagem, o ônibus faz uma parada de 15 minutos em uma cidadezinha à beira mar. Fala-se o nome dela: Southport. Depois veremos que fica na Carolina do Norte.
A mocinha desce como todos os demais passageiros. Olha para o mar, a paisagem, os barquinhos, tal e coisa – e decide ficar ali.
No dia seguinte pede emprego num bar, e consegue o emprego.
No dia seguinte, aluga uma casa no meio de um bosque.
Alguns dias depois, está apaixonada por um garotão que vive na cidadezinha de Southport, Alex (Josh Duhamel).
Alex tem um filho de uns oito anos, Josh (Noah Lomax), e uma garotinha de uns cinco, Lexi (Mimi Kirkland). A mulher de Alex havia morrido de câncer, e Alex jamais tinha voltado a ter alegria na vida. Josh a princípio não gosta da moça que entra na vida do pai; Lexi de cara simpatiza muito com a moça.
Mas, afinal, o que fez a moça lá atrás, quando vivia em Boston?
Tcham-tcham-tcham-tcham!
De vez em quando, entremeando-se com a chegada da moça loura de cabelos curtos a Southport, o filme mostra o policial de Boston que havia sido visto nas cenas iniciais à cata da jovem fugitiva.
Quando o policial de Boston, Kevin (David Lyons), aparece em cena, a câmara é sempre de mão, tremulante.
O policial Kevin está absolutamente obcecado com aquele caso, o da moça que tinha cabelos longos e castanhos e fugira com cabelos claros e curtos.
O policial Kevin vai ficando cada vez mais obsessivo.
E a partir daí toda a trama que já era idiota fica ainda pior.
Os atores todos trabalham mal. A protagonista tem o talento dramático de um pé de couve
A moça que tinha cabelos longos e castanhos foi chamada de Erin pela senhora que nas seqüências iniciais a recebera. Em Newport, a moça de cabelos curtos e lourinhos se apresenta como Kate.
Evidentemente, Erin e Kate são a mesma pessoa. São interpretadas, se é que a palavra pode ser usada, por Julianne Hough.
Não me lembrava do nome, nem do rosto de Julianne Hough, embora ela tenha tido um papel em Burlesque, filme que já está neste site.
Tem fama nos Estados Unidos: participou de várias temporadas de um programa de TV de lá, um tal Dancing with the Stars. Parece que dança bem, e já se aventurou como cantora country.
É bonitinha como a boneca Barbie. O filme tem muitos close-ups do rostinho todo certinho dela. Mostra também, e bastante, as perninhas dela – bem fininhas.
Tem o talento dramático de um pé de couve.
E é isso que mais me chocou ao ver esta porcaria: todos os atores trabalham como colegiais amadores de um grupo de teatro da pior das escolas de São José do Pito Aceso.
Não é apenas que Um Porto Seguro tenha uma trama frágil, óbvia, cheia de clichês. Não é apenas que a história seja uma idiotice: o filme é ruim. Os atores todos estão péssimos – apesar de terem sido dirigidos por Lasse Hallström!
Conheço casos de pessoas que involuem na vida. Pessoas que pareciam inteligentes, promissoras, e que, lá pelas tantas, na idade adulta, na chegada à meia idade, revelam-se surpreendentemente menores do que pareciam antes. São casos trágicos, absolutamente trágicos. Temo que Lasse Hallström seja mais um deles.
Estupefato, fui ao AllMovies para ver o que eles diziam. Será que eu é que não vi o filme direito?
O texto assinado por Perry Seibert no grande site me dá razão. Transcrevo um trechinho: “Nas mãos de Lasse Hallström, você poderia esperar por algo melhor do que Safe Haven. Ele manejou outra adaptação de Sparks, Dear John, que foi na verdade uma das melhores adaptações cinematográficas da obra do escritor, mas Safe Have vira rotina antes de se transformar em bobagem brega e tentativas de chegar aos clichês do horror.”
Juro de pé junto: não vejo mais filme baseado em Nicholas Sparks
Mas por que eu vi o filme até o fim, e por que escrevi tantas linhas sobre ele?
Bem, a primeira explicação é de que sou louco. Pode muito bem ser.
A rigor, em minha defesa, tenho a dizer que gosto muito dos filmes que Lasse Holmström fez no passado, e então queria experimentar. E também porque queria ver um filminho mais simples, depois de ver um Kazan e um Resnais.
Por que não parei quando, com 15 minutos, já dava para ver que era uma porcaria?
Por que não escrevi dez linhas dizendo que o filme é uma porcaria, e pronto?
Bem. Fico então combinado comigo mesmo: nunca mais vejo filmes baseados em Nicholas Sparks. A vida é curta.
Filha, mulher: se eu não cumprir o que prometi, me internem.
Anotação em dezembro de 2013
Um Porto Seguro/Safe Haven
De Lasse Hallström, EUA, 2013
Com Julianne Hough (Katie Feldman), Josh Duhamel (Alex Wheatley), Cobie Smulders (Jo), David Lyons (Kevin Tierney), Noah Lomax (Josh), Mimi Kirkland (Lexi)
Roteiro Dana Stevens e Gage Lanski
Baseado no livro de Nicholas Sparks
Fotografia Terry Stacey
Música Deborah Lurie
Montagem Andrew Mondshein
Produção Relativity Media, Temple Hill Entertainment, Nicholas Sparks Productions. DVD
Cor, 115 min
1/2
Que estranho esse diretor ter feito um filme tão ruim. Eu também gosto de alguns filmes dele, “Regras da Vida” é um dos meus preferidos e marcou minha juventude (embora eu seja contra o aborto, gostei do filme na época, muito pela atuação do Michael Caine).
Ao ver a imagem que ilustra o texto, logo notei que parecia muito com o pôster do “Diário de Uma Paixão”, que eu assisti e achei fraco (sério, não sei o que as mulheres vêem naquele Ryan Gosling, mas ok). Depois disso, vi inadvertidamente outro filme baseado num livro do Nicholas Sparks, fato que me fez nunca mais querer ver outro.
Acho que o problema não foi o diretor, foi a história, que assim como as outras baseadas nos livros do Sparks, deve ser um conto de fadas bocó e cheio de clichês, com um dramalhão no meio.
Um porto seguro é o filme mais lindo que assiti
O filme é excelente!!! Pena que muitas pessoas não tem Amor, Deus no coração. Ele fala de muito amor! Até após a morte! Ela volta para proteger os seus. É um filme espiritual. De fé, de amor, de proteção. Nota Dez.
Acho o filme Um Porto Seguro ( Safe Haven – 2013) maravilhoso. Já assisti inúmeras vezes.