Ver pela terceira vez Meia-Noite no Jardim do Bem e do Mal confirma: é uma maravilha de filme. Na verdade, faz mais que isso. Surpreende. É ainda melhor do que tinha achado das outras vezes. Dá vontade de ver de novo.
Quando a gente vê um filme pela terceira vez e acha ainda melhor do que tinha achado antes, e dá vontade de ver de novo, é porque é uma coisa séria.
Meia-Noite é mesmo uma coisa séria.
Mas, fascinantemente, é um filme sério que tem humor. Não que seja engraçado, de a gente dar gargalhadas. Não é isso, de jeito nenhum. Mas é um drama contado com algum senso de humor – até porque, sem algum senso de humor, não dá para aguentar a vida.
Meia-Noite no Jardim do Bem e do Mal é daqueles filmes brilhantes, perfeitos, bem realizadíssimos em cada detalhe, que no entanto não se pretendem geniais, revolucionários, reinventores da roda.
Ao contrário: é capaz de não se levar a sério demais. Usa uma sutil ironia de si mesmo, e da própria história que conta.
A história envolve riqueza, luxo, ostentação; depois, um crime, e um tribunal. Até aí, tudo bem, nada de muito demais da conta. Mas entra em cena um pouco de sobrenatural, de coisas que não compreendemos.
De uma certa forma, Clint Eastwood – um dos melhores realizadores do cinema de todo o mundo, em especial nos anos 1990 e 2000 – antecipa aqui temas que iria abordar em seu filme Além da Vida/Hereafter, de 2010: um pouco do sobrenatural, coisas que não compreendemos.
Os filmes de Clint Eastwood defendem tudo o que os republicanos combatem
Ao rever o filme de 1997 agora, em 2013, fiquei com a sensação de que Clint Eastwood, em especial depois de velho, virou um grande gozador, um agent provocateur, um sujeito dedicado a questionar as certezas das pessoas.
Tudo bem: no passado, ele tinha aquela imagem do pistoleiro vingador dos westerns de Sergio Leone e do policial Dirty Harry, o justiceiro que acha a Lei e a Justiça moles demais, e então bate e mata por conta própria. Ele se fez a partir dessa imagem. Sempre se disse republicano, foi prefeito de Carmel pelos republicanos. Agora há pouco, em 2012, na campanha eleitoral que opôs Barack Obama a Mitt Romney, apareceu na convenção republicana falando um monte de coisas que ninguém entendeu direito.
No entanto….
Pois é. No entanto, nas eleições do meio do primeiro mandato de Obama, estrelou um anúncio da indústria automobilística que para todo mundo pareceu um pedido de se dar um segundo mandato ao presidente democrata.
Mas muito mais importante do que isso é o fato de que, em especial a partir de Os Imperdoáveis/Unforgiven, de 1992, seus filmes sempre disseram o contrário do que defendem os republicanos. Clint Eastwood cineasta defendeu claramente a eutanásia em Menina de Ouro; atacou diretamente a pena de morte em Crime Verdadeiro; fez furibundos, violentérrimos ataques aos braços perniciosos da máquina governamental em Poder Absoluto e A Troca; defendeu de forma radical todos os tipos de anti-racismos e anti-xenofobismos em Gran Torino e Invictus; e ainda por cima mostrou, em J. Edgar, que era um louco obsessivo e veadão enrustido o anticomunista mór J. Edgar Roover, o criador do FBI.
Clint Eastwood diz que é republicano, aparece nas convenções republicanas, mas defende todos os princípios bons, corretos, que os republicanos, em especial os mais conservadores, combatem.
É muito doido ver que toda a história se baseia em fatos e pessoais reais
Neste Meia-Noite no Jardim do Bem e do Mal, vai contra o homofobisimo que ainda resiste, nos lugares mais conservadores, mais atrasados da sociedade americana, nestes tempos mais recentes.
Mas, agent provocateur antes de tudo, ao investir contra o homofobismo, mostra que a racionalidade inteligente dos mais bem preparados intelectualmente pode ser surpreendido pelos costumes mais estranhos, mais esquisitos, de quem mexe com vodu, magia negra – essa estranha coisa que nossa racionalidade não consegue compreender.
Acho que, depois de fazer cada filme, Clint Eastwood fica rindo do que dizem sobre sua obra.
Meia-Noite mostra Savannah – a antiga capital da Geórgia – como um lugar louco, pirado, doidão. O protagonista, John Kelso (interpretado por um John Cusak especialmente careteiro), diz ao telefone para seu agente em Nova York após algumas horas na cidade: “Nova York é um tédio comparado com isso aqui. As pessoas levam para passear cães que já morreram. As pessoas enchem a cara e estão todas armadas.”
É muito louco ver, nos especiais que acompanham o DVD, que Meia-Noite no Jardim do Bem e do Mal se baseia em um livro que é novo jornalismo, tipo A Sangue Frio, de Truman Capote, ou seja, é o tratamento, em forma de romance, de fatos reais.
O que se vê no filme é a transcrição para a tela de um livro que reconstituiu fatos reais.
Mais louco ainda é ver que várias das pessoas reais que são retratadas no livro e portanto no filme dão depoimentos cândidos, como se elas estivessem orgulhosas daquilo que se mostra no filme!
Muitas das pessoas que participaram da história real dão depoimentos depois que o filme foi feito – e só atestam que aquilo tudo foi mesmo real, por mais incrível que possa parecer!
No começo da narrativa, conhecemos Minerva, a bruxa
O filme começa com Minerva (Irma P. Hall, na foto acima), uma bruxa, uma preta velha sem dentes, uma figuraça, falando com um esquilo, num dos muitos parques de Savannah. Minerva tem certeza de que o esquilo é uma reencarnação de um sujeito que ela conheceu tempos atrás.
Aí Minerva olha para o céu, e vemos um avião sobrevoando Savannah. É como se Minerva, a bruxa, soubesse perfeitamente tudo o que estava para acontecer.
O avião pousa, e dele desce o protagonista, John Kelso. Veremos que é um escritor de Nova York; publicou um romance que não teve grande sucesso. Chega a Savannah contratado pela revista Town & Country para escrever uma nota sobre a famosa festa de Natal de Jim Williams, um milionário local.
Nos primeiros minutos de filme, mostra-se ao espectador uma boa quantidade de informações. Os espectadores – mesmo os não americanos, mesmo nós, que não conhecemos direito aquele país – podem perceber rapidamente que
* Savannah é uma cidade sulista tradicionalista, apegada ao passado escravagista, que seus habitantes julgam glorioso (o tribunal da cidade ostenta a bandeira dos Confederados, o Sul escravagista derrotado pela União na Guerra Civil de 1861-1865); se houvesse no Brasil um forte movimento monarquista, poderíamos dizer que Savannah é assim uma espécie de Petrópolis, a cidade imperial brasileira;
* o Sul Profundo dos Estados Unidos teve muitos milionários, grandes proprietários de terras, que se consideravam uma espécie de aristocracia rural, refinada, elegante; tradicionalista, apegada ao passado, a gente do lugar ainda se refere às pessoas do Norte – bastante pejorativamente – como “yankees”, “people from up North”;
* Savannah e o povo da cidade têm imenso orgulho dos casarões construídos na era do esplendor da riqueza da sociedade escravocrata – e são casarões belíssimos aqueles que ainda hoje existem na cidade, muitos deles construídos antes da Guerra da Secessão.
A casa das festas foi construída por um general sulista, bisavó de Johnny Mercer
Jim Williams, o milionário que promove a tradicional festa de Natal que reúne as pessoas mais ricas da cidade, é interpretado – com o brilhantismo de sempre – por Kevin Spacey, esse ator superlativo.
Jim Williams tem uma imensa fortuna – e, portanto, um igualmente imenso respeito dos cidadãos ricos de Savannah. Comprou e reformou diversos imóveis históricos da cidade – inclusive um dos mais nobres deles, a Mercer House, que ocupa uma quadra inteirinha no centro nobre da cidade, e onde ele realiza suas festanças natalinas.
Essa Mercer House foi construída em meados do século XIX, aí por volta de 1860, por um famoso general sulista, que seguramente lutou contra os malditos ianques na Guerra da Secessão, e veio a ser o bisavô de Johnny Mercer.
Jim conta isso ao ianque John Kelso bem no início da narrativa, e o ianque reage surpreso:
– “O compositor?”
Sim, o compositor Johnny Mercer, um dos maiores orgulhos de Savannah, nascido ali e enterrado ali. (Uma das tomadas iniciais do filme já havia mostrado a lápide de Johnny Mercer.)
E então Jim pergunta ao ianque John qual é a música de Johnny Mercer de que ele mais gosta. John, rapaz jovem, responde:
– “Bem, acho que a favorita da minha mãe é ‘Fools rush in’.”
Jim-Kevin Spacey faz uma expressão que mostra claramente seu espanto por ver que o rapazote considera Johnny Mercer uma coisa do passado. Mais ou menos como se eu perguntasse para uma amiga da minha filha qual é sua favorita entre as canções de Chico ou Caetano, e ela respondesse que sua mãe gosta de tal ou tal.
Esta anotação voltará a Johnny Mercer mais tarde.
Um móvel que pertenceu a Napoleão, a adaga com que foi morto Rasputin
Numa das primeiras conversas entre os dois, John fará uma pergunta educada, polida, elegante, a Jim, que este a entende perfeitamente como um questionamento sobre de onde vem sua riqueza. E então ele responde com a maior clareza possível: não, seus pais não eram ricos.
– “Sou um nouveau-riche”, ele diz, com aquele jeito dos americanos de pronunciarem as palavras francesas, mesmo as mais simples, com forte sotaque – ele fala nuvou, em vez de nuvô. – “Mas o que importa é o riche, não o nouveau.”
Não fica absolutamente explícito no filme, mas percebe-se que Jim ficou rico porque tinha um extraordinário talento para comprar e vender antiguidades, sempre com muito lucro. Começou do zero, e ficou milionário.
Na Mercer House, ele tem, por exemplo, um pedaço de mobília que pertenceu a Napoleão Bonaparte, e a adaga com que o bruxo-monge Rasputin, o amigo da czarina Alexandra Feodorovna, foi morto, em 1916.
“Estamos no coração da terra do vodu”
Bruxos, bruxas, bruxaria. Uma das características mais fascinantes da história de Meia-Noite no Jardim do Bem e do Mal é falar desses temas.
Depois que um crime é cometido, Jim leva John a um dos cemitérios de Savannah, o cemitério dos pobres, dos negros. É meia-noite, a hora do bem (a meia-noite e meia é a hora do mal). Esperando por eles, no cemitério, está a bruxa Minerva, aquela que o espectador havia visto bem no início da ação. Minerva vai fazer um trabalho para proteger Jim contra os espíritos dos mortos.
Jim avisa ao forasteiro ianque: – “Você talvez não saiba, mas estamos no coração da terra do vodu”.
Vodu faz arrepiar. Senti um leve arrepio ao rever a cena em que a bruxa Minerva faz seus trabalhos no cemitério à meia-noite do bem ou do mal. Ela ordena que os dois homens não olhem para trás, quando os manda embora para começar de fato os trabalhos; mas John Kelso é escritor, jornalista free-lancer, e portanto curioso, e olha para trás, e então a câmara mostra Minerva deitada sobre um túmulo. Brrrr….
Me fez lembrar de Coração Satânico, de Alan Parker, também passado no Sul Profundo dos Estados Unidos, um dos filmes mais apavorantes que já foram feitos, e que tenho muita vontade (e muito medo) de rever.
Não dá para entender por que Alison Eastwood não virou uma grande estrela
Nem tudo é bruxaria em Savannah.
Jim Williams hospeda John Kelso em uma das suas muitas casas, imóveis antigos que ele comprou e reformou. O escritor nova-iorquino está dormindo o sono dos justos quando toca a campainha da casa; ele vai atender e se depara com uma loura de beleza de tirar o chapéu, de fechar o comércio.
A loura esplendorosa diz que precisa de gelo, porque no meio da festa na casa de Joe Odom (Paul Hipp) acabou a luz. Ela se apresenta como Mandy, sabe o nome dele, e nota que ele está sem calças.
O nova-iorquino então veste calça, bota uma malha sobre a camiseta e acompanha a loura esplendorosa até a festa na casa de Joe Odom, que fica ao lado daquela em que ele está hospedado. É mais ou menos como se um paulista ou carioca fosse a São João del-Rey, nas profundezas das Minas Gerais, ou a Sinop, no Mato Grosso, e descobrisse que naquele lugar tão longe da metrópole as pessoas fazem festas regadas a cachaça e quanta droga fosse possível. Interioranos capazes de surpreender os habitantes da metrópole.
A loura vem na pele de Alison Eastwood (na foto acima).
Clint teve três filhos, em dois casamentos. Do primeiro casamento, com Maggie Johnson, que durou de 1953 a 1984, foram dois filhos; do segundo, com Dina Eastwood, que dura de 1996 até hoje, teve um.
Alison é uma das duas filhas de seu primeiro casamento.
Nasceu em Carmel, a idílica cidade californiana de que o pai foi prefeito (republicano), em 1972. Três anos antes de minha filha. Uma vez escrevi que, mesmo que eu escrevesse como Chico Buarque, minha filha seria meu melhor texto. Alison Eastwood é uma das melhores obras de Clint.
Não consigo entender muito bem por que Alison Eastwood não virou uma grande estrela, sendo tão absolutamente bela e tendo talento para interpretar e também para cantar.
Tem 28 filmes como atriz em seu currículo, mas só me lembro dela – além de neste filme aqui – em um papel bem pequeno em outro filme do pai, Poder Absoluto, também de 1997. Em 2007, dirigiu seu primeiro longa, Rails & Ties, com Kevin Bacon e Marcia Gay Harden, por coincidência (ou não) dois grandes atores que trabalharam com papai em Sobre Meninos e Lobos/Mystic River, de 2003.
Depois de ver o filme, é uma maravilha ver os especiais do DVD
Todas essas pessoas – o milionário Jim Williams, a bela loura Mandy, o festeiro Joe Odom, a afiada pianista Serena Dawes (Dorothy Loudon) existiram de fato, em Savannah. Foram, todos eles, entrevistados pelo escritor John Berendt, que, da mesma maneira como Truman Capote foi atraído pelo brutal crime numa fazenda do interior do Kansas, foi a Savannah para fazer new journalism, para escrever uma gigantesca reportagem em forma de romance.
Obviamente, John Kelso é John Berendt.
Pode ter havido, evidentemente, alguma licença poética, alguma dramatização, algum acerto – mas o que o livro mostra é a verdade dos fatos, e o que o filme baseado no livro mostra é a verdade dos fatos.
Os fatos são inacreditáveis – mas aconteceram, como tanta coisa inacreditável.
Meia-Noite no Jardim do Bem e do Mal é um filme que demonstra que a invenção do DVD mudou a vida.
Para se diferenciar das fitas VHS, o DVD incorporou a coisa dos especiais, dos making ofs, das informações extras. Eu mesmo, que sou lento de raciocínio, percebi isso, e propus na Agência Estado, quando a internet dava os primeiros passos no Brasil, fazer uma coluna sobre os lançamentos de DVD, comentando não apenas os filmes, mas sobretudo os extras que os DVDs traziam.
Meia-Noite no Jardim do Bem e do Mal é um filme soberbo. Mas ver os especiais que acompanham o filme no DVD é uma experiência fascinante.
Quem vê o filme, e apenas o filme, pode não ficar sabendo que aquilo tudo é a reconstituição de fatos reais.
Ver nos especiais as caras reais de Jim Williams, de suas irmãs, da bela loura Mandy, de Joe Odom, de Serena Dawes, é ao mesmo tempo assustador e maravilhoso.
O advogado que defendeu Jim Williams na vida real interpreta o juiz que julgou o caso
Vendo os filmes aqui ao meu lado, Mary tem demonstrado cada vez uma visão inteligente, arguta, sobre o cinema. Lá pelo meio do filme ela comentou: “Puta trabalho de casting”.
Verdade verdadeiríssima.
Não há ator algum que consiga trabalhar mal sob a direção de Clint Eastwood.
John Cusak faz caretas – mas acho que Clint permitiu e até incentivou John Cusak a fazer caretas. Fica bem no personagem, o forasteiro, o ianque, o nova-iorquino.
Tirando fora John Cusak, todos os demais atores estão soberbos em Meia-Noite no Jardim do Bem e do Mal. Nesse quesito, parece um filme inglês! Só tem ator perfeito no papel perfeito para ele.
A observação de Mary é acuradíssima: que beleza de trabalho de casting.
São duas ciências – complementares, mas diferentes. Uma é o trabalho de casting, de escolha dos atores para cada papel. Outra é a direção de atores em si. Meia-Noite é a perfeição nas duas ciências.
Por exemplo, o personagem Sonny Seiler, o advogado de Jim Williams. Que bela escolha do ator para fazer o papel do advogado – Jack Thompson dá um show, é uma maravilha, uma coisa estupenda.
Agora, a vida é mais fantástica do que a ficção.
O advogado de Jim Williams na vida real, Sonny Seiler… interpreta o juiz White!
O cara que defendeu Jim Williams no tribunal na vida real interpreta o juiz que julgou o caso.
Dá vontade de dizer, como Anna Magnani para a câmara de Fellini que filmava o que viraria Roma: “Ah, va dormire, Federico!”
Ah, va dormire, Clint!
Aparece bem pouco na tela o personagem Billy Hanson – um rapaz bastante bonito que John Kelso vê lavando um carro na calçada, bem no início do filme (na foto acima), e depois surge inesperadamente na festa de Natal de Jim Williams, bêbado ou chapado ou as duas coisas juntas. Billy Hanson é extremamente importante na história, mas participa de poucas seqüências. Para interpretar esse papel, a direção de casting do filme foi buscar um garoto inglês bem jovem e praticamente desconhecido; seu primeiro filme tinha sido em 1996, um ano antes do lançamento de Meia-Noite. Em 1997, estava com 25 anos. Chama-se Jude Law.
E ainda há, no elenco, uma figura chamada Chablis Duveau (na foto). Nasceu Benjamin Edward Knox, adotou esse nome artístico com gosto de vinho mas gosta mesmo é de ser reconhecida como Lady Chablis. Ganhou diversos títulos de miss em concursos de drag queens, alguns locais, outros nacionais. Foi, por exemplo, Miss Cosmo USA em 1997, Miss Southern States USA em 1998. Apresentava-se em shows em cabarés de Savannah na vida real. Faz o papel dela própria – e rouba as cenas em que aparece.
“That old black magic”. O vodu já estava mais perto de nós do imaginávamos
Ah, faltou falar de Johnny Mercer.
Clint Eastwood, é bom lembrar, é além de tudo um musicista. Sempre gostou de música, jazz e a Grande Música Americana em especial. Acabaria, depois de velho, virando compositor – e que compositor!
Criou, a partir do filme passado na terra de Johnny Mercer, o que deve ser um dos mais belos discos com composições do próprio.
No filme, aparecem menos canções do que no disco. Alison Eastwood no papel de Mandy é mostrada cantando os últimos versos de “Come Rain or Come Shine”. Na abertura e no final do filme, k.d.lang canta “Skylark”.
O disco que leva o mesmo título do filme, no entanto, tem muito mais. São 14 canções, todas assinadas por Johnny Mercer, com seus diversos parceiros, interpretadas pelos melhores que há: Rosemary Clooney, Tony Bennett, Cassandra Wilson, Diana Krall, etc, etc… Paula Cole faz uma das mais belas intepretações de “Autumn Leaves” que já ouvi. (Ah, sim: a letra em inglês de “Les Feuilles Mortes”, melodia de Joseph Kosma, letra de Jacques Prévert, é do rapaz de Savannah.)
No disco com diversos nomes da Grande Música Americana, há também Alison Krauss, a garota que trouxe de volta para as paradas de sucesso o blue grass, a música de raízes do Sul americano.
E há também a participação de atores não cantores. Clint Eastwood canta “Ac-Cent-Tchu-Ate The Positive”. A gatinha filha dele canta, como já foi dito – e danado de bem – “Come Rain or Come Shine”. E, finalmente, Kevin Spacey canta, com brilho, “That old black magic”.
O vodu já estava mais perto de nós do que nós mesmos adivinhávamos. Será que Sinatra e tantos outros que gravaram “That old black magic” percebiam que Johnny Mercer estava falando do vodu de sua terra?
Então é isso. Em seu filme de 1997, esse senhor que jura ser republicano mas, ao contrário dos republicanos, é a favor da eutanásia, é contra a pena de morte, contra qualquer tipo de racismo e de xenofobismo, provoca, inquieta, investe contra nossas certezas racionais ao mostrar que las brujas atuam na vida da gente, sim, senhor.
Que las hay, las hay.
Grande, gigantesco Clint!
Anotação em março de 2013
Meia-Noite no Jardim do Bem e do Mal/Midnight in the Garden of Good and Evil
De Clint Eastwood, EUA, 1997.
Com Kevin Spacey (Jim Williams), John Cusack (John Kelson),
e Jack Thompson (Sonny Seiler), Alison Eastwood (Mandy Nicholls), Irma P. Hall (Minerva), Jude Law (Billy Hanson), Paul Hipp (Joe Odom), Lady Chablis (ela própria), Dorothy Loudon (Serena Dawes), Geoffrey Lewis (Luther Driggers), Bob Gunton (Finley Largent, o promotor), Leon Rippy (detetive Boone), Sonny Seiler (Juiz White)
Roteiro John Lee Hancock
Baseado no livro de John Berendt
Fotografia Jack N. Green
Música Lennie Niehaus
Montagem Joel Cox
Casting Phyllis Huffman
Produção Warner Bros, Malpaso. DVD Warner.
Cor, 155 min
R, ***1/2
Superou as expectativas, estava eu buscando assistir esse filme como recomendação de um amigo, quando me deparo com a sua apresentação impecável, mostrando tudo e mais um pouco do que esperar desse filme. Culturalmente é de longe um conhecedor do que faz, pois o faz muito bem indo e vindo com comentários fora do contexto mas totalmente dentro ao apresentar sua impressão corretíssima, por sinal, nos influenciando quanto a beleza que se pode esperar dele. Parabéns por ser humano, tão humano quanto gostaria que todos fossem. Conhecer e gostar o que se faz, transmite a arte da alma que poucos conseguem explanar em sua expressão mais simples…. o filme vou assistir já sabendo o que esperar, embora só o fato de o procurar por ser de fonte confiável, nem precisava de tamanha aula e maravilhosa apresentação.