Terra Estranha / Strangerland

Nota: ★☆☆☆

Terra Estranha/Strangerland, uma co-produção Austrália-Irlanda – possivelmente a primeira que reúne esses dois países – é um filme feito por mulheres. São mulheres a autora da história e co-autora do roteiro, Fiona Seres, a diretora, Kim Farrant, a protagonista, interpretada por Nicole Kidman, e a personagem chave da trama, uma garota de 15 anos de idade.

É um drama familiar que vira um thriller, uma trama policial, de mistério.

Eis como a própria diretora Kim Farrant resume a trama do filme, em entrevista a uma jornalista do site Indie Wire, Becca Rose, na época da apresentação de Strangerland no Sundance, o Festival de Cannes dos filmes independentes:

– “É sobre um casal, os Parkers (Nicole Kidman e Joseph Fiennes), que se muda para uma cidade remota no deserto da Austrália e logo depois seus dois filhos adolescentes desaparecem – logo antes da chegada de uma gigantesca tempestade de areia. Com a cidade totalmente coberta de poeira, os moradores saem em busca das crianças, sob o comando do policial do lugar David Rae (Hugo Weaving). Enquanto a procura continua, Rae começa a desvendar os segredos da família que explicam por que eles deixaram tão abruptamente a cidade em que moravam antes. Suspeitas são lançadas, boatos se espalham e a histeria faz com que as pessoas se virem umas contra as outras, inclusive os Parkers. Com as temperaturas altíssimas e o tempo para encontrar os garotos com vida escorrendo, os Parkers são empurrados para o limite enquanto lutam para enfrentar a terrível incerteza sobre o destino de suas crianças.”

A filha adolescente do casal tem um apetite sexual avantajado

Não demora para que o espectador fique sabendo por que os Parkers saíram às pressas da cidade em que viviam e foram parar naquele lugar perdido no meio do nada – um shithole, como define Lily, a filha adolescente do casal, interpretada por Maddison Brown (na foto acima), uma jovem atriz bonita, atraente, que de fato faz lembrar Nicole Kidman, que faz a mãe, Catherine. Shithole é uma palavra muito usada por adolescentes em geral nos filmes de língua inglesa para qualificar a cidade ou o bairro em que vivem, que consideram um lugar de merda.

Lily havia tido um caso com um professor, Neil McPherson (Martin Dingle Wall). Fica claro que foi Lily que procurou, provocou, foi atrás – mas o espectador fica sabendo também que Matthew Parker, o pai, partiu para cima do professor e encheu-o de porrada. O professor conseguiu na Justiça uma ordem para que Matthew não se aproximasse mais dele.

O filme mostra claramente, e sobejamente, que Lily é, para dizer o mínimo, danadinha. Promíscua. A rigor, beira a ninfomania. No pouco tempo decorrido entre a chegada da família à nova cidade e o início da ação, a garotinha já deu para Burtie (Meyne Wyatt), um adolescente descendente de aborígenes que aparenta ter algum tipo de retardamento mental, e logo a vemos se oferecendo para um garoto louro, Steve (Sean Keenan) na praça de skate da cidadezinha.

Essa coisa do apetite sexual avantajado de Lily tem importância grande na trama. Numa conversa entre os pais, ainda antes do desaparecimento dos dois filhos, Matthew diz para Catherine que a filha é como ela, a mãe, era, quando mais jovem. Bem mais tarde, depois que Lily e o irmão mais novo, Tom (Nicholas Hamilton), somem, Matthew vai insistir com Catherine: – “Ela não herdou isso de mim!”, ele dirá, repetidamente.

O filme deixa absolutamente claro também que o casamento dos Parker não ia nada bem. Não fica absolutamente claro se os problemas começaram a partir do caso de Lily com o professor, que forçou a família a se mudar para aquela cidadezinha perdida no deserto, aquele shithole. Mas o fato é que os dois não estão mesmo se entendendo. Vemos que dormem em quartos separados, e que Matthew não quer saber de sexo com a mulher.

Tom, o filho mais novo, tem insônia e costuma caminhar pela cidade à noite

Tom, o mais novo, garoto aí de uns 10, talvez 12 anos, sofre de insônia. Na primeira sequência do filme, ele está caminhando a esmo pela pequena cidade – tão pequena que, num passeio rápido, Tom já está fora dos limites do lugarejo, e portanto no meio do deserto.

Durante um jantar da família, Lily diz que haverá um show de música numa cidade próxima, e que ela gostaria de ir. Isso é o estopim para uma discussão entre ela e o pai.

Já bem de noite, Matthew acorda e vai até a cozinha – a tempo de ver pela janela que Tom pula o muro da casa e some. O que é normal – os pais conheciam esse hábito do filho de perambular à noite, insone. Mas em seguida é Lily que pula o portão. O pai vê isso – e aí corta-se a cena, de tal maneira que o espectador não pode ter certeza do que aconteceu em seguida, se Matthew chegou a ir atrás da garota, ou se não fez absolutamente nada.

O fato é que no dia seguinte Catherine, que acordou especialmente tarde, dá pela falta dos dois filhos. Telefona para a escola, e fica sabendo não apenas que eles não estão lá como também andavam faltando muito às aulas.

É nesse dia, o dia em que Catherine constata que os filhos desapareceram, que a cidade é invadida pela terrível tempestade de areia.

A sequência que mostra a tempestade de areia é impressionante.

Aliás, a fotografia do filme – assinada por P.J.Dillon – é extraordinária, excelente, um primor.

Haverá diversas tomadas gerais do deserto em torno da cidade, feitas em helicóptero – imagens de uma beleza impressionante, chocante.

Entra em cena o chefe da polícia da cidade, já citado acima, David Rae, o papel do sempre correto Hugo Weaving. Rae vai se demonstrar um policial dedicado, correto – mas atrairá a antipatia de Matthew, que se demonstrará cada vez mais um sujeito violento e irascível, irritadiço.

Rae, abandonado pela mulher, que levou embora os dois filhos, tem um caso com uma bela descendente de aborígenes, Coreen (Lisa Flanagan). Coreen é irmã do rapaz Burtie, que faz trabalhos na casa dos Parker (e, além disso, faz sexo com a filha deles).

A mãe de Coreen e Burtie, uma velha aborígene, fala de velhas lendas a respeito dos garotos sumidos, o que desperta a curiosidade aflita de Catherine.

O início do filme, que espalha tensões, promete. Mas depois tudo desanda

Mas essa coisa mística não tem prosseguimento – a rigor, parece uma tentativa forçada de meter algo místico na história, um toque de Meia-Noite no Jardim do Bem e do Mal. Não dá certo.

Na verdade, a trama e o filme como um todo não dão certo. A partir de um começo que promete, ao espalhar tensões, a história e o filme vão tropeçando, tropicando. Catando cavaco, como se dizia em Minas. Desandando.

É isso. A partir aí da metade, o filme desanda.

Catherine, em seu desespero de mãe que não sabe o que fazer para salvar da morte seus filhos muito provavelmente perdidos no deserto, vai ter surtos relacionados a sexo que ficam – além de incompreensíveis, implausíveis – parecendo forçação de barra, apelação.

O que me parece absolutamente estranho em um filme feito por mulheres.

A jornalista Becca Rose, do site IndieWire, perguntou à diretora Kim Farrant o que a atraiu na história de Strangerland. Eis a resposta dela:        – “Eu queria explorar em que tipo de comportamento caímos quando a vida nos cria armadilhas e nos encontramos completamente perdidos. Bebemos, tomamos drogas, jogamos, evitamos, denunciamos, ficamos violentos, fazemos sexo? E, até mesmo mais tabu que isso, eu queria explorar como e quando as mulheres procuram sexo, algo que em geral parece mais aceitável na sociedade ocidental para homens do que para mulheres. Eu também queria mostrar o paralelo entre a incrivelmente poderosa força da sexualidade feminina e a força da natureza (daí o termo mãe natureza). Eu também vi na história uma maravilhosa oportunidade de ilustrar que algumas vezes algo belo pode vir da tragédia, as bênções em uma crise.”

Foi o primeiro longa metragem dessa realizadora que aparentemente não gosta de divulgar nem o local nem a data de nascimento – informações que não estão disponíveis no IMDb nem no currículo que ela mesma expõe em sua página na internet.

Não conseguiu fazer um filme bom, sequer mediano, na minha opinião, e também na de Mary. Apesar da fotografia belíssima, do bom elenco – e é necessário registrar que Nicole Kidman, essa atriz talentosa, está excelente no filme.

Bem. Que melhore, no futuro. Que venha a fazer bons filmes.

Anotação em março de 2017

Terra Estranha/Strangerland

De Kim Farrant, Austrália-Irlanda, 2015

Com Nicole Kidman (Catherine Parker), Joseph Fiennes (Matthew Parker), Hugo Weaving (David Rae), Lisa Flanagan (Coreen), Meyne Wyatt (Burtie), Maddison Brown (Lily Parker), Nicholas Hamilton (Tom Parker), Jim Russell (Alan Robertson), Sean Keenan (Steve Robertson), Bronwyn Penrith (Rose), Trangi J. Speedy-Coe (Jarrah), Morgan Junor Larwood (Slug), Martin Dingle Wall (Neil McPherson)

Roteiro Michael Kinirons e Fiona Seres

Baseado em história de Fiona Seres

Fotografia P.J.Dillon

Música Keefus Ciancia

Montagem Veronika Jenet

Produção Worldview Entertainment, Fastnet Films, Dragonfly Pictures.

Cor, 112 min

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