Curvas da Vida / Trouble with the Curve

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Nota: ★★½☆

Curvas da Vida, no original The Trouble with the Curve, é um filminho gostoso, agradável de se ver. Pode-se acusá-lo de ser previsível – e isso de fato ele é. O que não atrapalha em nada a diversão.

É sobre um esporte, o beisebol; tem também um lado romance; mas, sobretudo, é um filme sobre a relação pais-filhos. No caso específico, a relação pai e filha – e o fato de o pai ser Clint Eastwood e a filha ser a gracinha da Amy Adams garantem o prazer de vê-lo.

Curvas da Vida é o primeiro filme não dirigido por Clint Eastwood em que Clint Eastwood trabalha como ator em quase 20 anos. A última vez havia sido em 1993, quando o ator interpretou um agente do serviço secreto que trabalha na proteção do presidente americano em Na Linha de Fogo, de Wolfgang Petersen.

Incansável aos 82 anos em 2012, ano de lançamento do filme, Eastwood não se limitou a atuar: é também um dos produtores; a Malpaso, a empresa dela, assina a produção.

TROUBLE WITH THE CURVEE é a coisa mais fácil do mundo imaginar por que ele topou produzir e estrelar este filme que não é uma obra de Clint Eastwood: o tema relação pai-filha está presente em boa parte dos filmes que ele assina como realizador.

Em diversos filmes do realizador, variações em torno do mesmo tema

Muitos dos personagens de Clint Eastwood estão sempre, de uma maneira ou de outra, em dívida para com os filhos; não deram a eles o amor que deveriam ter dado na infância; percebem isso muito tarde, e de alguma forma tentam recuperar depois o tempo perdido.

Pai que fica viúvo e passa a ter a responsabilidade de criar sozinho os filhos. Pai ausente durante a criação da filha, que depois se arrepende tremendamente por isso. Pai fechado emocionalmente, crispado, que não consegue se comunicar com a filha, expressar seus sentimentos. Filha que, por não ter tido o pai presente na infância, na adolescência, o rejeita. Ou filha que sofre por sentir que o pai a rejeitou quando era criança, adolescente. O grande Clint abordou diversas vezes as variações em torno desse mesmo tema.

Um exemplo perfeito é Poder Absoluto, de 1997. O ator-diretor interpreta Luther Whitney, um veterano, exímio ladrão de jóias, daqueles que conseguem abrir qualquer porta – de casa ou de cofre – com a maior delicadeza, sem deixar qualquer vestígio, qualquer dano. Numa das primeiras – e extraordinariamente bem realizadas – sequências do filme, durante um assalto à casa de um milionário, Luther presencia um crime cometido por uma altíssima figura da política em Washington. Mas, tão importante na narrativa quanto a trama que virá a seguir envolvendo o figurão criminoso, é a relação complicada, dificílima, entre Luther e sua filha Kate (interpretada por Laura Linney).

Kate rejeita o pai basicamente por não admitir sua profissão – mas também porque ele foi um pai ausente quando ela era menina e adolescente. Luther agora gostaria de compensar essa ausência; procura a filha, tenta estabelecer contato com ela, mas Kate se mantém dura, inflexível.

Luther faz visitas periódicas à casa da filha enquanto ela está fora, trabalhando. Abrir porta trancada não é problema algum para ele. E então examina a casa da filha que o rejeita, observa o que há na geladeira, tenta descobrir se ela está tendo uma alimentação saudável ou não.

TROUBLE WITH THE CURVEEm Menina de Ouro, de 2004, o veterano, calejado treinador de boxe Frankie Dunn (mais uma vez o papel do próprio Clint) sofre muito, em silêncio, com a falta de contato com a filha. E acaba desenvolvendo um amor paternal pela garota sofrida (o papel de Hilary Swank) que vem treinar em sua academia.

Em As Pontes de Madison, de 1995, os filhos de Francesca Johnson (Meryl Streep) descobrem, tarde demais, que na verdade não conheciam a mãe que tinham. Passaram a vida inteira sem ouvi-la, sem que ela lhes abrisse o coração que, num momento abençoado e desgraçado, bateu muito forte.

Em Os Imperdoáveis, de 1992, Will Munny deixou de ser um pistoleiro bêbado pelo amor a Claudia, mas perdeu cedo a mulher doce que mudou sua vida, e enfrenta uma vida dura como fazendeiro pobre com a obrigação de criar sozinho os filhos.

Em Sobre Meninos e Lobos/Mystic River, de 2003, tudo, absolutamente tudo gira em torno dos filhos, do que se quer para os filhos, do que a crueldade dos outros pode fazer contra eles irremediável, indelevelmente.

Em Um Mundo Perfeito, de 1993, Clint pegou pesado na coisa da falta do pai, da figura paterna. Tudo se explica pela falta do pai. O encontro do pequeno ladrão que vira grande bandido com o menino apavorado só existe em função da carência da figura paterna.

O personagem de Clint é um olheiro que está perdendo a visão

Neste Curvas da Vida, Clint Eastwood interpreta Gus Lobel, um veterano, calejado, competentíssimo olheiro dos Braves de Atlanta, um rico time de beisebol. Como outros filmes de beisebol já mostraram, os olheiros têm função importantíssima nos times. Eles observam os jogadores jovens dos times escolares para identificar os futuros craques que devem ser contratados o mais rapidamente possível.

TROUBLE WITH THE CURVEGus tem fama de ser um dos melhores olheiros da história do beisebol, mas enfrenta dois sérios problemas. O primeiro é que o beisebol mudou demais, nos últimos anos; agora, com os computadores, os programas desenvolvidos especificamente para isso, há estatísticas sobre os jovens jogadores disponíveis para todos. (Há um filme recente que mostra exatamente como se deu essa transformação – O Homem que Mudou o Jogo/Moneyball, com Brad Pitt.)

Os Braves de Atlanta têm um diretor de olheiros veterano, Pete Klein (John Goodman), que é amigo de Gus há 30 anos e tem plena confiança nele. Mas há um outro diretor no clube, Phillip (Matthew Lillard), que é da jovem guarda; faz tempo não vai a um jogo de beisebol, mas sabe tudo sobre as estatísticas do computador. Tem cada vez menos fé nos olheiros, e parece ter um problema específico com o veterano Gus, que não sabe sequer mexer com uma máquina de escrever, quanto mais com um computador. Phillip acha que está na hora de Gus se aposentar.

O dono do clube, Vince (Robert Patrick) é um Hamlet dividido entre as opiniões do veterano Pete de um lado e do mais jovem Phillip de outro.

Naquele momento focalizado pela narrativa, Phillip está apostando todas as suas fichas em Bo Gentry (Joe Massingill), um garoto de um time colegial que tem excelentes estatísticas como rebatedor. O campeonato colegial da Carolina do Norte, onde Bo Gentry vive, está terminando. Gus irá lá para observar o garoto.

Mas aí entra o segundo sério problema que Gus enfrenta. Além de estar velho, não dar a menor pelota para as estatísticas do computador, Gus está enxergando cada vez menos. É um olheiro que está perdendo a visão.

Pete pressente que o problema é sério. E tenta convencer Mickey (o papel de Amy Adams, linda, maravilhosa) a viajar para a Carolina do Norte com o pai.

O velho Gus é um sujeito chato, ranzinza, que não permite que a filha se aproxime dele

Aos 33 anos, Mickey é uma advogada daquelas ferinhas, workaholic, competente, competitiva. Está no meio de um caso importantíssimo, milionário. Os donos do grande escritório em que trabalham prometem que ela será sócia se ganhar aquele caso.

TROUBLE WITH THE CURVEComo este é um filme, um divertissement, e não a vida real, Mickey vai, é claro, deixar de lado por alguns dias o caso que poderá definir seu futuro profissional e se encontrar com o pai para ver os jogos da garotada na Carolina do Norte.

O velho Gus, em vez de ficar feliz da vida com a ajuda da filha, fica putíssimo.

O velho Gus, na verdade, é um sujeito chato, mal humorado, ranzinza, de maus bofes. E teimoso como uma mula. (Nisso tudo, Gus é bastante parecido com Walt Kowalski, o personagem interpretado por Clint em Gran Torino, de 2008.)

Não dá espaço para a filha. Fecha-se numa armadura e não permite que ela se aproxime dele. Não permite que haja conversas entre os dois. Quando ela aparece na casa dele, dias depois de terem se encontrado em um bar, o velho Gus exclama algo do tipo: “Duas visitas numa semana! O que raios está acontecendo?”

Bem aos poucos, a conta-gotas, o roteiro escrito por Randy Brown vai nos apresentando informações sobre o passado dos dois, pai e filha, e sobre como a relação chegou a esse ponto atual. Entre as primeiras informações sobre isso que o espectador recebe estão a de que Joanna, a mãe de Mickey, morreu quando a garota tinha apenas 6 anos, e durante algum tempo Gus carregou a filha para ver jogos de beisebol com ele.

Há até uma subtrama, bem discreta, que fala da relação pais-filhos

Não demora muito para surgir na história um garotão, Johnny (interpretado por esse ídolo de adolescentes que é Justin Timberlake, na foto abaixo), um ex-jogador de beisebol que agora está trabalhando como olheiro dos Boston Socks, e na verdade gostaria mesmo era de ser locutor de partidas de beisebol. No momento em que o garotão Johnny surge na tela, qualquer espectador, por mais avoado que seja, percebe que vai pintar uma história entre ele e a bela Mickey.

As três faces da história criada pelo roteirista Randy Brown vão correndo paralelamente: Gus (com a ajuda da filha) observando o tal Bo Gentry jogar, Gus e a filha se desentendendo, a filha e Mickey caminhando para o que inevitavelmente virá a ser um namoro.

Mais importante que o beisebol, é claro, é a relação pai-filha.

Relação pais-filhos é um tema tão importante nos filmes de que Clint Eastwood participa, seja como autor, seja como produtor e ator, que ela aparecerá também numa subtrama do filme. É uma subtrama bastante discreta, mas está lá.

Por indicação de Gus, os Braves de Atlanta haviam, algum tempo atrás, contratado um jogador bem jovem chamado Billy Clark. Mas o rendimento de Billy Clark vem caindo, nos últimos tempos; nas estatísticas do tal Phillip, Billy Clark é bola de neve montanha abaixo. Phillip usa o caso como mais uma comprovação de que é hora de Gus se aposentar.

Gus vai conversar com o garoto. Pergunta há quanto tempo ele não vê os pais, e Billy Clark diz que faz muito tempo. Gus vai então até o amigo Pete e pede que ele providencie uma viagem dos pais do garoto até Atlanta.

O tempo passa, e o espectador já se esqueceu de Billy Clark. Mas aí, lá pelo fim do filme, ficamos sabendo que, depois de receber a visita dos pais, o garoto voltou a bater um bolão – suas estatísticas subiram feito foguete.

Billy Clark não aparece na tela mais do que em umas três tomadas. Quem interpreta o garoto é um Scott Eastwood. Sim, ele é filho do homem.

Clint Eastwood tem sete filhos de cinco mulheres diferentes.

TROUBLE WITH THE CURVE

Não foi sucesso de público nem de crítica. Mas é uma agradável diversão

Curvas da Vida não foi um sucesso nas bilheterias. Rendeu US$ 48,9 milhões no total (US$ 35,7 no mercado americano); o site especializado Box Office Mojo diz que o orçamento do filme não foi divulgado, mas muito provavelmente o filme custou quase o que rendeu.

O filme também não recebeu boas críticas, parece. O AllMovie, belíssimo site, deu ao filme 2.5 estrelas em 5; já as pessoas, os espectadores, os leitores do site deram 3.5 estrelas. Me lembro vagamente de ter passado os olhos por críticas negativas ao filme publicadas no Brasil.

Então tá.

Não é um grande filme. Não é das obras sérias, densas, assinadas por Clint Eastwood. É um filme absolutamente agradável de se ver, uma gostosa diversão. Previsível a não mais poder – mas agradável, gostoso.

Grande Clint. Obrigado, cara.

Anotação em julho de 2013

Curvas da Vida/Trouble with the Curve

De Robert Lorenz, EUA, 2012

Com Clint Eastwood (Gus Lobel), Amy Adams (Mickey Lobel), Justin Timberlake (Johnny), John Goodman (Pete Klein),

e Robert Patrick (Vince), Matthew Lillard (Phillip Sanderson), Scott Eastwood (Billy Clark), Joe Massingill (Bo Gentry), Matt Bush (Danny), Chelcie Ross (Smitty), Ray Anthony Thomas (Lucious), Ed Lauter (Max), Clifton Guterman (Neil)

Argumento e roteiro Randy Brown

Fotografia Tom Stern

Música Marco Beltrami

Montagem Gary D. Roach e Joel Cox

Produção Malpaso Productions. DVD Warner Bros.

Cor, 110 min

**1/2

9 Comentários para “Curvas da Vida / Trouble with the Curve”

  1. É como voce diz, Sergio. É um filme gostoso, bom de se ver , extremamente previsível, mas bom de se ver,apesar da presença desse ídolo de adolescentes, só isso e nada mais.
    E é bom de se ver, pela presença de Clint e da Amy Adams. Aliás, o filme é deles.
    Um retrato do resultado das escolhas que fazemos nesta vida e da nossa fraqueza diante do “fator” aceitação.
    Beisebol. Não entendo e não gosto. E é mais uma coisa que certos Brasileiros estão querendo trazer para cá , assim como estão fazendo com o halloween. Esses brasileiros precisam ter cuidado, daqui a pouco o Brasil será “deles”.
    Não sou xenófobo mas , não gosto de muitas que “eles” fazem.
    Os filmes que voce citou do grande Clinton Sergio,vi todos eles. Só “Os Imperdoáveis”, é que vi há muitos anos e já não lembro nada.
    Vou tentar encontrar nos sites online.
    Preciso ver “Gran Torino”.
    – – – – –
    “As Pontes de Madson”.
    “Menina de Ouro”.
    “Sôbre Meninos e Lobos”.
    Nesta ordem , são os tres maiores clássicos que Clint Eastwood nos deu em minha opinião.
    Sergio,sei que vais entender minha pergunta.
    “Menina de Ouro” e “Meninos e Lobos” voce ainda não viu ou viu e não fêz anotação ?
    Termino do mesmo modo que voce.
    Grande Clinton. Obrigado, cara.
    Um abraço !!

  2. Só para consertar:
    “Só isso e nada mais” = Justin Timberlake.
    “Não sou xenófobo mas não gosto de muitas coisas (faltou esta lá no comêço) que eles fazem.
    Obrigado .

  3. Olá, Ivan!
    Sim, vi “Menina de Ouro” e “Sobre Meninos e Lobos”. Mas não fiz anotação na época – e, se não anotou, dançou. Teria que vê-los de novo para botá-los aqui.
    Um abraço!
    Sérgio

  4. O filme é bonzinho: é mesmo previsível, mas aborda questões importantes. A relação pai-filha é um pouco triste, apesar do final. O roteiro quis se aprofundar nessa questão, mas não teve tempo, e nem era um filme pra isso, então achei que ficou meio mal resolvido esse plot.

    Justin Timberlake é muito, muito fraco, não tem sex appeal, é sem graça, pior do que eu imaginava. E pensar que acham esse cara bonito/sexy ou sei lá o quê. Tem gosto pra tudo!
    Achei que a Amy Adams segurou bem o papel (fiquei boba de ver como ela aparenta bem menos idade do que tem), e o Clint não muda nunca suas atuações, mas também os papéis dele são sempre parecidos.

    Eu suporto até bem uma história sobre beisebol, acho que se eu parasse pra ver uma partida poderia até entender como funciona; mas vendo apenas partes do jogo fica difícil. Comecei a entender a contagem de pontos do tênis quando resolvi assistir a uma partida na TV. E a primeira e única vez em que joguei curti muito, era algo que praticaria se estivesse ao meu alcance (eu gosto de esportes). Já o tal futebol americano é algo totalmente fora do meu entendimento, acho uma coisa medonha e tosca…

    O filme toca em temas interessantes, como a relação pai-filha, e também essa coisa do novo x velho, antigo x moderno. As pessoas envelhecem, as doenças chegam, e as novas já querem se livrar delas. Esse é um ponto alto da história, faz pensar (ao mesmo tempo vemos que envelhecer não é fácil).

    Ele não conta qual doença o personagem do Clint tinha nos olhos, uma das possibilidades aventadas pelo médico foi a degeneração macular, e essa doença meu pai começou a apresentar no ano passado. É terrível e triste, porque a pessoa vai perdendo a visão periférica, e deixa de ver detalhes, não consegue mais ler, por exemplo. Ele já não enxergava bem por causa de outras doenças na visão, mas essa aí é de lascar.

    E por fim, pena que o Scott Eastwood só apareça duas vezes, sendo a primeira num lugar com pouquíssima luz. Ele é muito parecido com o Clint quando tinha idade aproximada. Genética abençoada!

  5. Ficou estranha a minha frase “ele já não enxergava bem por causa de outras doenças na visão”, mas é que existem enfermidades que também podem atingir a visão, como o diabetes. Foi isso que eu quis deixar claro.

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