Nota:
Ainda enquanto via esta maravilha que é Argo, e logo depois, sob o impacto do filme, e já querendo ver de novo, fiquei pensando como é incrível, fantástica, a história de Ben Affleck.
A vida de Ben Affleck até aqui daria um bom filme.
Por causa disso, e também porque já foi falado demais sobre Argo recentemente, vou começar esta anotação falando de Ben Affleck. O filme fica para um pouco mais adiante.
Nem toda vida de artista tem material que possa resultar em bom livro, bom filme. Um dos melhores exemplos disso é Buddy Holly. Buddy Holly tem importância imensa na história; nos parcos, ridículos 22 anos que lhe deram para viver, fez muito pela música – mas não houve tempo para que sua vida tivesse drama, comédia, ou qualquer coisa entre as duas que tornasse interessante a narrativa de sua trajetória. Tive a sorte de ver em Londres o musical sobre sua vida, e depois vi a cinebiografia na TV em casa. As canções são maravilhosas. A trama, tadinha, não existe.
A vida de Ray Charles, muito mais longa, muito mais cheia de fatos, de drama que a de Buddy Holly, resultou numa cinebiografia muito bem realizada, mas a meu ver fraquinha.
A vida de Ben Affleck até aqui, embora curta, tem drama, tem comédia. Tem pathos – até demais.
Lembrando:
Em 1997, um roteiro escrito por Ben Affleck e seu amigo desde sempre Matt Damon, tornado filme por Gus Van Saint, Good Will Hunting, no Brasil Gênio Indomável, ganhou o Oscar.
Teve de tudo, se a memória não me falha. Teve acusações de que aqueles dois garotos não podiam ter escrito o roteiro, que era tudo uma farsa.
Benjamin Geza Affleck-Boldt, nascido em 1972 em Berkeley, junto da Baía de San Francisco, cresceu do outro lado do país, em Cambridge, Massachusetts. Lá fez seus estudos, inclusive de interpretação, junto com o amigo Matt Damon. Participou de filmes independentes, como À Procura de Amy, de 1997.
No mesmo ano de À Procura de Amy, quando estava com ridículos 25 anos, ganhou o Oscar de melhor roteiro. Para muita gente, foi coisa agressiva demais, violenta demais. Onde se viu ganhar um Oscar de roteiro tão jovem assim?
E agora me ocorre que um diálogo que acontece quando estamos ainda no começo da narrativa de Argo é seguramente uma vingança de Ben Affleck.
Diz o personagem interpretado pelo grande, gigantesco Alan Arkin:
– “Você está preocupado com o aiatolá? Tente o WGA.”
Writers Guild of America. O sindicato dos escritores e roteiristas.
Aos 25 anos, quando co-escreveu o roteiro de Good Will Hunting com Matt Damon, Ben Affleck provavelmente não tinha ainda assinado a ficha de filiação ao WGA. Levou muita porrada. Foi seguramente por causa disso que muita revista de fofoca saiu por aí duvidando que fosse de fato de autoria dos dois garotos o roteiro do belo filme de Gus Van Saint.
Ben Affleck virou saco de pancada da imprensa americana – ele e a mulher
Depois de ter ganhado um Oscar cedo demais, Ben Affleck juntou-se, na vida e na carreira, com Jennifer Lopez.
Boa parte da imprensa já pegava no pé de Jennifer Lopez. Não sei exatamente por quê. Talvez porque ela tivesse sucesso demais, tanto como cantora quanto como atriz. Talvez porque ela fosse bonita e gostosa. Talvez porque fosse morena, de ascendência latina. Talvez – quem sabe? – porque fosse uma chata de galocha que não tratasse bem os repórteres.
O casal virou o maior saco de pancadas da imprensa americana dedicada a celebridades.
Não havia um número de revista que não descesse o cacete na dupla.
Domingos Oliveira sempre disse que o Brasil não suporta quem faz sucesso, quem dá certo. Se nego emplaca um filme de sucesso, pode ter certeza – todo o mundo vai meter o pau no segundo.
Ben Affleck é a prova de que, às vezes, este país tupiniquim fica parecido com o irmão do Norte. No que o irmão do Norte faz de pior – nunca no que ele faz bem.
Depois que se separou de J. Lo, Ben Affleck dirigiu um filme muito, muito bom, Atração Perigosa/The Town, de 2010. Falava de lugares que ele conhecia bem, as regiões periféricas de Boston. Trabalhou como ator em bons filmes – Intrigas de Estado/State of Play (2009), A Grande Virada/The Company Men.
E se dedicou ao projeto de Argo.
Muitos prêmios dos sindicatos, sete indicações ao Oscar, estatueta de melhor filme
O filme foi apresentado pela primeira vez no Telluride Festival, em 31 de agosto de 2012, mas começou a carreira comercial no dia 12 de outubro.
Então estreou Lincoln, também no início de outubro de 2012.
As apostas para o Oscar se concentraram no filme de Spielberg. Tudo indicava que Lincoln seria o grande vencedor do ano.
Mas aí começaram a vir os prêmios dos sindicatos. O sindicato dos escritores, de que o filme faz gozação, se vingando do passado, deu o prêmio de melhor roteiro adaptado. O Sindicato dos Atores deu o principal prêmio para Argo. Vieram os Globos de Ouro, o prêmio dos críticos estrangeiros, e o filme levou melhor filme e melhor direção. O Sindicato dos Diretores premiou. O César francês premiou como o melhor filme estrangeiro. O Bafta, o Oscar britânico, deu a ele os títulos de melhor filme, melhor direção, melhor montagem.
E então, surpresa: a vetusta Academia de Hollywood que tinhas dado sete indicações ao Oscar, premiou Argo com as estatuetas de melhor filme, melhor roteiro adaptado e melhor montagem. (Ele perdeu nas categorias ator coadjuvante com Alan Arkin, trilha sonora, edição de som, mixagem de som.)
Estranhissimamente, o filme teve sete indicações mas Ben Affleck não foi indicado para o prêmio de diretor. (Na foto acima, George Clooney, Grant Heslov, produtores, e Ben Affleck com as três estatuetas que o filme ganhou.)
Falta lógica. A obra recebe sete indicações, mas o autor, o regente, o realizador, o diretor, não é indicado.
Coisa de louco. Se bem que quem conhece a história dos Oscars sabe que tem muita coisa de louco ali. Charles Chaplin, Orson Welles e Alfred Hitchcock jamais receberam uma estatueta de melhor direção. A Cor Púrpura, primeiro filme sério, adulto, de Spielberg, teve 11 indicações – e não levou nenhum. Isso só para dar uns poucos exemplos.
Daqui a uns 40 anos, muito provavelmente Ben Affleck receberá um Oscar honorário pelo conjunto de sua obra.
Mas o Oscar é coisa menor. O importante, nessa história, é que as organizações que dão prêmios, inclusive a Academia, tiveram que engolir Ben Affleck. De um jeito meio azedo, mas tiveram que engolir – e engoliram.
Uma história fascinante, surpreendente – e absolutamente real
Argo tinha mesmo que virar filme. É uma história riquíssima, fascinante. É uma história tão surpreendente, às vezes tão inverossímil, que parece coisa saída da cabeça de um sujeito de imensa imaginação que mergulhou numa viagem de ácido de primeira qualidade.
E, no entanto, é tudo verdade. Tudo aquilo aconteceu – e, parece, os fatos reais são mostrados sem grandes retoques, sem invencionices. Os créditos finais trazem, é claro, aquele aviso padrão de que alguns diálogos e personagens foram alterados para efeitos de dramatização – mas, pelo que se vê nos depoimentos dos personagens reais que viveram a história, o filme é bastante fiel à verdade dos fatos.
O roteiro, de Chris Terrio, é baseado no livro The Master of Disguise, assinado por Antonio J. Mendez, e no artigo “Escape from Tehran”, de Joshuah Bearman, publicado na revista Wired.
Antonio J. Mendez é o nome completo de Tony Mendez, o agente da CIA especializado em exfiltração, o protagonista da história – interpretado pelo próprio Ben Affleck.
E interpretado – é necessário dizer – de uma forma suave, contida, nada histriônica.
A esta altura até as pedras da rua conhecem a história, mas é necessário registrar.
Em 1979, uma imensa revolta popular derrubou o regime do Xá do Irã, Reza Pahlavi. O líder espiritual dos islâmicos iranianos, Ruhollah Khomeini, voltou a Teerã após anos exilado na Europa, e assumiu a chefia do Estado após a revolução que instalou no Irã um regime teocrático. O xá, doente de câncer, exilou-se nos Estados Unidos. As multidões exigiam nas ruas que o xá fosse devolvido a seu país e julgado pelos crimes de sua ditadura.
No dia 4 de novembro de 1979, uma multidão de irados iranianos invadiu a Embaixada dos Estados Unidos em Teerã e transformou cerca de 50 funcionários em reféns; exigiam, para liberá-los, que o governo de Jimmy Carter devolvesse o xá ao Irã.
No momento em que a embaixada era invadida, um grupo de seis funcionários conseguiu escapar (na foto acima), e acabou se refugiando na casa do embaixador do Canadá.
Argo tem ritmo e tensão de um bom filme de suspense, mesmo para quem conhece a história
Todos estes fatos são mostrados na abertura do filme – uma abertura impactante, impressionante, que não fica muito a dever, por exemplo, ao início inesquecível de O Resgate do Soldado Ryan, um dos mais impressionantes inícios de filme de toda a História.
A trama de Argo é o planejamento – e a execução – do resgate desses seis funcionários (na foto).
Depois de muitas oscilações, idas e vindas, o governo Carter deu sinal verde para a execução de um plano de resgate arquitetado pelo agente da CIA Tony Mendez, o tal especialista em exfiltração – um neologismo que sequer os funcionários refugiados na casa do embaixador, a serem exfiltrados, conheciam.
O trabalho do roteirista Chris Terrio é soberbo. Argo tem ritmo e tensão de um bom filme de suspense, mesmo para o espectador que já sabe como a história vai terminar. Tem bem realizadíssimas seqüências de grande impacto como os filmes de ação – com a diferença fundamental de que o espectador sabe que aquilo ali não é aventura de James Bond, ou tipo Missão Impossível, Trilogia Bourne.
Não é uma aventurazinha divertida. É um drama denso, sério, pesado – e que aconteceu com pessoas de verdade.
Ben Affleck já havia mostrado, em Atração Perigosa/The Town – um filme sobre um grupo de assaltantes de banco – que domina a mis-en-scène de seqüências de ação. Demonstra essa competência mais uma vez aqui.
Atenção: spoiler! Mostra-se aqui qual é o plano de resgate,
que só aparece quando o filme já passou dos 20 minutos
O plano de resgate criado por Tony Mendez de fato parece obra de ficcionista de imensa imaginação gaseificado por um alucinógeno potente. Charlie Kaufman com ácido na cabeça. A idéia básica é, no extraordinariamente vigiado aeroporto de Teerã, embarcar os seis funcionários da embaixada americana num vôo para fora do país disfarçando-os como canadenses que trabalham no cinema e estiveram no país à procura de locações para um filme – especificamente um filme de ficção científica, chamado Argo, passado em paisagens exóticas do Oriente Médio.
Para dar à história alguma verossimilhança, alguma mínima credibilidade, seria necessário fingir que o filme Argo estava de fato para ser produzido.
E então Tony Mendez vai a Hollywood, recorrer aos préstimos de John Chambers, que então indica o produtor Lester Siegel.
Como todos os personagens do filme, exatamente como todos os seis funcionários americanos que se esconderam na casa do embaixador canadense, exatamente como o embaixador e sua mulher, John Chambers existiu na realidade.
John Chambers (que no filme é interpretado pelo sempre ótimo John Goodman, à esquerda na foto), nasceu em 1923 e morreu em 2001. Foi um dos grandes nomes dos departamentos de maquiagem de Hollywood. Trabalhou na série de TV original Star Trek, Jornada nas Estrelas, em meados dos anos 1960; foi o autor da maquiagem de O Planeta dos Macacos, o original, o de 1968, dirigido por Franklin J. Schaffner, com Charlton Heston no papel principal, e das continuações De Volta ao Planeta dos Macacos, Fuga do Planeta dos Macacos, A Conquista do Planeta dos Macacos. Não foi dado o crédito, mas foi John Chambers que fez a maquiagem dos personagens de Blade Runner.
Já o produtor Lester Siegel, no filme interpretado por Alan Arkin, é um personagem de ficção. Um compósito, provavelmente – um personagem fictício criado a partir da junção de características de mais de uma pessoa real.
“Fizemos missões suicidas no exército que tinham mais chance de dar certo do que isso aí”
Alan Arkin costuma roubar todas as cenas em que aparece – e isso já faz bastante tempo. Depois de velho, então, o bicho é fogo. Ele faz, em Argo, o único personagem que dá um certo tom de humor num filme que retrata uma situação trágica, um imenso drama humano.
Mas não é um humor hilariante.
O produtor Lester Siegel interpretado pelo veterano Alan Arkin é um sujeito que vê o mundo – e Hollywood em especial – com uma ironia profunda. Suas frases são sardônicas, virulentas.
Quando John Chambers leva o agente da CIA Tony Mendez até ele, e expõe a situação, dá-se o seguinte diálogo:
Lester Siegel (dirigindo-se ao amigo John Chambers): – “OK, você tem seis pessoas escondidas em uma cidade de, o quê?, 4 milhões de habitantes, todas elas berrando ‘morte à América’ o dia inteiro. Você quer preparar um filme em uma semana. Você quer mentir para Hollywood, uma cidade em que todas as pessoas mentem para ganhar a vida. Então você vai enfiar o 007 aqui para dentro de um país que quer o sangue da CIA junto com seu cereal matinal, e então vai querer tirar esse povo da cidade mais observada de todo o mundo.”
Tony Mendez: – “Através de centenas de milicianos no aeroporto. É isso mesmo.”
Lester Siegel: – “Certo. Veja, é preciso que eu diga. Fizemos missões suicidas no exército que tinham mais chance de dar certo do que isso aí.”
Pouco depois, estão pensando em que tipo de filme poderiam fingir que estariam produzindo. Chambers ou Mendez, não me lembro quem, sugere uma aventura passada na Antiguidade, ou num passado remoto, algo como Gengis Khan. Siegel-Arkin diz: – “Ah, um western”. E o outro diz que não, é um filme histórico.
Lester Siegel: – “Se tem cavalos, é um western”.
“John Wayne está enterrado há seis meses e isto é o que sobrou da América”
Brincar com o sobrenome Marx, confundindo de propósito o barbudo Karl, o que escreveu Das Kapital, seguramente o livro famoso menos lido do mundo, menos ainda que o Ulysses de James Joyce, com o bigodudo Groucho, das comédias deliciosas, não chega a ser exatamente uma novidade. Mas este diálogo entre John Chambers e Lester Siegel é brilhante. Mais triste, a rigor, do que engraçado.
Lester Siegel: – “A frase muito usada é ‘O que começa como farsa termina em tragédia’.
John Chambers: – “Não. É o contrário.”
Lester Siegel: – “Quem foi mesmo que disse isso?”
John Chambers: – “Marx”.
Lester Siegel: “Groucho disse isso?”
Praticamente todas as frases que Lester Siegel diz são assim, irônicas, sardônicas, demolidoras, ferozes. A presença do personagem na tela não é longa, e não é o centro da história – o centro da história é o fato de que seis trabalhadores americanos se esconderam na casa do embaixador canadense, e, à medida em que os dias se passavam, a possibilidade de que eles fossem presos e mortos era cada vez maior.
O fato de que o plano para resgatá-los passava por Hollywood, claro, é importante. Só dedico muitas linhas a Lester Siegel porque o personagem é extremamente fascinante. E então transcrevo apenas mais uma frase dele, embora a vontade fosse de transcrever todas.
Lester Siegel: – “Más notícias, más notícias. Mesmo quando são boas notícias, são más notícias. John Wayne está enterrado há seis meses e isto é o que sobrou da América”.
A realidade às vezes é mais farsesca do que as tramas mais loucas que a imaginação poderia conceber
Argo, insisto, é um filme sério, sobre um gigantesco drama. Mas, nesses pequenos trechos em que aparece Hollywood – “a cidade em que todas as pessoas mentem para ganhar a vida” –, é impossível a gente não se lembrar de um filme que não tem nada a ver com a seriedade de Argo: Mera Coincidência/Wag the Dog, a virulenta farsa política de Barry Levinson de 1997, sobre o encontro entre um conselheiro político do presidente americano (Robert De Niro) com um produtor hollywoodiano (Dustin Hoffman).
O mundo real, a vida real, eles muitas vezes teimam em imitar a ficção mais enlouquecida.
O mundo real insiste em ser mais farsesco do que as tramas mais loucas que a imaginação poderia conceber.
Basta pensar no que está acontecendo neste mês de abril de 2013: um ensandecido ditadorzinho com cara de bebê, o terceiro rei da monarquia comunista de um país mais inverossímil do que qualquer reino de histórias da carochinha, ameaça o mundo com uma guerra nuclear. E, como se não bastasse esse enredo já em si mesmo maluco, ainda surge no Brasil um manifesto (assinado por PCdoB, CUT, MST e outras coisas parecidas) dizendo que são os Estados Unidos que estão provocando a Coréia do Norte!
Pobres países que saem de uma ditadura para cair em outra
Uma das muitas coisas que me impressionaram em Argo foi que o filme demonstra respeito pelo povo iraniano. Não ofende, em momento algum, o povo ou o país.
Mostra-se o fanatismo islamista, algo que existe, todos sabemos que existe – mas não há ofensa ao povo iraniano.
Há, no sentido contrário, uma clara diretriz de mostrar que a ditadura do xá Reza Pahlavi era criminosa – e era sustentada pelos grandes países ocidentais, Estados Unidos e Grã-Bretanha à frente.
Ou seja: não se faz a defesa do regime pró-ocidental do xá. Ao contrário: mostra-se que o regime era tão violento, tão ditadorial, que levou o povo àquela revolta violentíssima.
Mas também não há, evidentemente, qualquer tentativa de defesa da ditadura teocrática dos aiatolás que se seguiu à ditadura do xá.
E aí penso aqui comigo: pobres países que saem de uma ditadura para cair em outra.
De que exatamente adiantou toda a ira do Irã (para pegar a frase óbvia mas brilhante da canção de Sueli Costa), se depois de uma ditadura sangrenta veio outra ditadura igualmente sangrenta?
Czar deposto, aí vem Stálin. E depois do comunismo vem o czar Putin. Pobre Rússia.
Batista é deposto – para que a bela ilha passe a viver uma outra ditadura, que já dura meio século. Pobre Cuba.
Jimmy Carter perdeu a eleição – mas hoje é reconhecido como grande estadista
Pouco depois de ver Argo, essa beleza de filme, me deparei, no meio do mais recente livro de John Grisham, Os Litigantes, com a seguinte passagem, num capítulo em que o autor faz um manifesto contra os lobbies das grandes corporações:
“Dez anos depois, ele era um multimilionário. Em vinte, era classificado anualmente como um dos três lobistas mais poderosos de Washington. (Alguma outra democracia classifica seus lobistas?)”
É aquela velha constatação de Winston Churchill, possivelmente o maior estadista do século XX, ao lado de Franklin D. Roosevelt: a democracia é a pior forma de governo, com a exceção de todas as demais.
Jimmy Carter, o presidente à época da revolução islâmica do Irã, e da prisão de cerca de 50 funcionários da Embaixada americana em Teerã pelos fanáticos do islamismo, perdeu a eleição de 1980 para Ronald Reagan. O fato de aqueles funcionários terem permanecido por longos 444 dias em cativeiro foi decisivo para que Carter não fosse reeleito.
(Os prisioneiros foram libertados pelo governo iraniano poucos minutos depois de Reagan ter assumido a presidência.)
A História demora um pouquinho para mostrar quem estava certo, quem estava errado. Às vezes demora séculos.
Jimmy Carter, Prêmio Nobel da Paz em 2002, é hoje respeitado quase unanimemente como um grande estadista.
Não provocou uma guerra para libertar os funcionários da Embaixada. Pagou caro por isso – mas hoje pode exibir sua postura não agressiva contra um regime agressivo como um grande mérito.
Enquanto rolam os créditos finais de Argo, ouvimos a voz de Jimmy Carter.
E os créditos informam que toda a história relatada no filme só deixou de ser segredo de Estado e foi liberada para o público durante a presidência de Bill Clinton, passado o período de tempo em que o sigilo oficial sobre ações de inteligência tem que ser observado.
Não há qualquer tipo de previsão de que, no futuro, possa haver filmes enaltecendo presidentes belicosos como George W. Bush, o que, usando pretextos mentirosos, invadiu o Iraque.
Anotação em abril de 2013
Argo
De Ben Affleck, EUA, 2012
Com Ben Affleck (Tony Mendez), Bryan Cranston (Jack O’Donnell), Alan Arkin (Lester Siegel), John Goodman (John Chambers), Victor Garber (Ken Taylor), Tate Donovan (Bob Anders), Clea DuVall (Cora Lijek),
Scoot McNairy (Joe Stafford), Rory Cochrane (Lee Schatz), Christopher Denham (Mark Lijek), Kerry Bishé (Kathy Stafford)
Roteiro Chris Terrio
Baseado no livro The Master of Disguise, de Tony Mendez (Antonio J. Mendez), e no artigo “Escape from Tehran”, de Joshuah Bearman, publicado na revista Wired
Fotografia Rodrigo Prieto
Música Alexandre Desplat
Montagem William Goldenberg
Produção Warner Bros, GK Films, Smoke House. DVD Warner Bros.
Cor, 120 min
****
Sérgio,
O Ben Affleck está se saindo um belo cineasta. Já vinha realizando umas coisas interessantes, mas esse aqui é o melhor até agora.
E é o melhor porque mantém a trama toda construída a partir da percepção da decadência do ambiente, como fez em “Medo da verdade” e “Atração perigosa”, ao mesmo tempo em que avacalha o aparato de “segurança” estadunidense. Afinal, não se espera que o país mais rico do mundo deixe seus funcionários à mercê dos inimigos daquela maneira, e depois usa uma gentalha de quinta categoria de Hollywood para resolver a questão.
No mesmo sentido, a empregada da casa do embaixador, que todos achavam que iria entregar o esquema todo, mas que acaba por salvá-los, colocando em risco o próprio rabo, no fim das contas acaba em uma situação não menos desgraçada do que estava, ao fugir para o Iraque, se não me engano. Isso é muito bom para mostrar o que acontece com os pequenos e verdadeiros heróis que são enfiados nessas furadas que a indústria da guerra inventa pelo mundo.
Por fim, gostaria de dizer eu aquilo que você falou sobre o tipo de tensão criada é muito importante. É muito difícil criar a sensação de que todo mundo pode morrer a qualquer momento. As personagens têm que ser muito humanas para provocar esse temor no espectador. Recentemente, só me recordo do “Elefante Branco” fazer algo parecido.
E tenho dito…
Grande abraço!
André
Sérgio, gostei muito do filme, daria umas três estrelas, se fosse minha classificação. Consegue desenvolver bem a trama e manter a tensão durante todo o filme, mesmo que ocasionalmente apelando pra clichezões hollywoodianos, como na cena em que o militar iraniano liga pro estúdio na califórnia e o telefone é atendido no último segundo possível. E se em todo o filme a tendência de auto-apologia aos eua é contida, no final derrapa um pouco.
Mesmo assim, um belo filme e muito bem dirigido. Não sei se votaria nele pra melhor filme do ano, pq só vi mais um dos indicados.
Assisti, algumas semanas atrás, um outro filme do ben affleck: “gone baby gone”, que considero um dos piores castings que já vi. Casey Afleck e Michelle Monaghan nos papéis dos fodásticos Patrick Kenzie e Angela Genaro?! É um insulto aos personagens de Lehane!
Argo é uma bela evolução como diretor!
Abraço!!
Rafael
Francamente não percebo onde estão as grandes qualidades deste filme; lá que os Americanos gostem e dêem os Oscars é lá com eles. Acho o filme trivial e muito pouco exacto no que respeita aos factos reais – o Embaixador do Canadá parece um porteiro – e aquela perseguição final no aeroporto é mesmo o máximo, até me deu vontade de rir. Duas estrelas e já é boa-vontade.
Olá Sérgio!
Ben Affleck pode ser um ótimo roteirista e diretor, contudo é um péssimo ator (desconfio que cursou a mesma escola de atuação da Sandra Bullock, diria que é a versão masculina da “atriz”).
O filme é tão bom que mesmo a atuação dele como protagonista não conseguiu derrubar o filme. O trunfo pode residir no fato que o protagonista é monossilábico, “apagadinho”, sem personalidade.
O elenco está muito bem e os aspectos técnicos do filme são muito bons. Em especial, gostei da fotografia.
Belo filme, com um péssimo ator!
Abraço!