Nota:
Anotação em 2011: Está se revelando um bom diretor esse Ben Affleck. Muito bom mesmo. Atração Perigosa/The Town, seu segundo longa-metragem como diretor, é um belo policial – duro, triste, pesado.
E confirma também a garota Rebecca Hall como uma atriz de grande talento, das melhores dessa nova geração dela, que inclui, entre outras, Michelle Williams, Natalie Portman, Bryce Dallas Howard, Emily Blunt e Anne Hathaway.
O filme tem lá suas seqüências de ação – muitos tiros, explosões, perseguições de carro, essas coisas que pelo jeito os filmes de grande orçamento hoje em dia obrigatoriamente têm que ter, para atrair público e se pagar. E são seqüências de ação muitíssimo bem feitas, com uma competência que não deixa a dever nada aos especialistas no tema, como Tony Scott, Michael Mann. Mas é um filme que tem alma, se é que se pode dizer assim; que trata basicamente de seres humanos, de seus conflitos, suas emoções, seus sentimentos.
Antes de a ação começar, há letreiros para situar o espectador:
“Uma região operária de Boston produziu mais ladrões de bancos e de carros-fortes do que qualquer outro lugar do mundo.”
“Assaltos a banco se transformaram em uma profissão em Charlestown, que se passa de pai para filho” – uma frase de um agente federal da Força de Tarefa contra o Roubo de Boston.
Charlestown, portanto, é o nome daquela região da Grande Boston em que a ação se passa. O título original do filme é The Town, a cidade.
Uma jovem gerente do banco é obrigada a abrir a caixa-forte
A primeira sequência mostra um assalto a banco. Quatro homens com máscaras, armados de metralhadoras, invadem o banco, ordenam que funcionários e clientes se deitem no chão, obrigam uma jovem gerente a abrir a pesadíssima, maciça porta do cofre-forte. A jovem, interpretada por Rebecca Hall – veremos depois que ela se chama Claire – treme de pavor enquanto tenta fazer a combinação que abre o cofre-forte. Um dos ladrões berra para que ela se apresse, outro diz que ela pode ir devagar, que deve respirar fundo e se lembrar da combinação.
Depois que o cofre-forte é aberto, já deitada no chão de novo, Claire vê que um dos assaltantes tem uma tatuagem na nuca.
Antes de deixar o banco levando o butim, os assaltantes jogam solvente em todos os lugares que tocaram, para apagar suas impressões digitais. São profissionais experientes.
Sem qualquer necessidade, o ladrão agressivo, que havia berrado com Claire, dá porradas em um dos funcionários do banco com a arma que carrega.
Ao fugir, resolvem levar Claire como refém. Ela é vendada, e depois abandonada, sem sapatos, junto a um braço de mar. Ordenam que ela caminhe até sentir a água nos pés – só então poderá retirar a venda dos olhos.
Gente que segue um código de honra que inclui ódio a todos os policiais e às pessoas de fora do bairro
O assaltante agressivo, violento, é Jim Coughlin (Jeremy Renner). O assaltante mais calmo é Doug MacRay (o papel de Ben Affleck).
Doug está possesso com a agressividade desnecessária de Jim. Jim, por sua vez, está preocupado com a gerente tornada refém: ela é uma testemunha, poderá ajudar a polícia a identificá-los. Doug – vê-se que ele é o líder da quadrilha – diz que vai cuidar da moça.
Muito rapidamente, e com bastante talento, o filme vai mostrar ao espectador que:
. são, todos os membros da quadrilha, descendentes de irlandeses, todos de famílias que moram em Charlestown há muitas gerações;
. todos seguem fielmente um código de honra que inclui profundo ódio a todo tipo de policial e profundo desprezo por qualquer pessoa que não seja de seu bairro, de sua classe social;
. Doug foi namorado da irmã de Jim, Krista (interpretada por Blake Lively, essa jovem de beleza fenomenal); Krista é mãe solteira, vulgar, drogada;
. Doug já foi viciado em drogas; livrou-se do vício, freqüenta sessões dos N.A., os narcóticos anônimos; agora que está limpo, sequer bebe cerveja, o que é motivo de gozações dos amigos.
O bandido gostaria de cair fora do mundo do crime. Mas, todos sabemos, isso não é fácil
Doug passará a seguir Claire, a gerente do banco que sua quadrilha fez refém. Numa lavanderia automática, consegue se aproximar dela. Voltam a se encontrar, ficam próximos – é da relação que vai se desenvolvendo entre Doug e Claire que os exibidores brasileiros tiraram o título, Atração Perigosa.
Paralelamente, o filme vai mostrando o trabalho da equipe especial montada pelo FBI para combater os assaltos a banco e carros-fortes de Charlestown. O agente Frawley (Jon Hamm), o líder da equipe, interroga Claire. Assustada, traumatizada, Claire não revela que viu a tatuagem de um dos assaltantes. A polícia suspeita que ela, por ter sido a pessoa que abriu o cofre, pode estar mancomunada com os assaltantes – mas acaba, após algum tempo, deixando essa suspeita de lado.
A trama muito bem costurada vai incluir novo assalto, uma maior aproximação entre Doug e Claire, revelações sobre o passado de Doug (o pai dele, interpretado, numa participação especial, pelo ótimo Chris Cooper, está preso por assalto e assassinato), e muita coisa mais.
Veremos que, enquanto Jim é o bandido de fato mau, Doug é um bandido que gostaria de cair fora do mundo crime. E uma das belas características do filme será mostrar aquela verdade clara: a de que, uma vez bandido, é muito difícil deixar de ser bandido.
Vidas duras no meio da cidade rica, a capital da Nova Inglaterra
Me lembro, embora vagamente, de ter lido que Ben Affleck virou, alguns anos atrás, uma espécie de judas que a imprensa americana gostava de malhar. Malharam muito Ben Affleck, em especial, durante um tempo em que ele namorou Jennifer Lopez. Os dois fizeram filmes juntos, apareceram demais na mídia, viraram arroz de festa, e aí foram vítimas de muita crítica.
Pode ser que tenha feito coisa ruim, na vida. Mas demonstra talento como diretor. Seu primeiro longa, Medo da Verdade/Gone Baby Gone, o único que fez antes deste The Town, era um policial igualmente sensível, com alma, mais preocupado com o comportamento humano do que com os tiros, as explosões, as perseguições de carros. Tinha um belo elenco – Morgan Freeman, Ed Harris, a bela Michelle Monaghan, e mais Casey Affleck, o irmão mais novo do diretor. Baseava-se num livro do jovem Dennis Lahane, o autor de Mystic River, o livro que deu origem ao belíssimo Sobre Meninos e Lobos, de Clint Eastwood.
Demonstra ser um bom diretor de atores. O elenco está todo bem, mas quem mais brilha é Rebecca Hall como a jovem de classe média, mais educada, que teve mais oportunidades na vida do que aquelas pessoas com que acaba se vendo envolvida sem querer.
Interessante: tanto Medo da Verdade quanto este Atração Perigosa (como também Sobre Meninos e Lobos) se passam na região de Boston, onde Ben Affleck foi criado. Todos os três filmes têm o mesmo clima, todos mostram bairros pobres, de classe operária, na cidade rica, tradicional, culta, aquela espécie de capital da Nova Inglaterra. Todos mostram vidas duras, num ambiente em que não há muita saída, não há escape da violência, da criminalidade.
Ben Affleck apresentou para os produtores uma primeira versão do filme com quatro horas de duração, ou 240 minutos, conta o IMDb. Voltou para a sala de montagem e cortou para 2 horas e 50 minutos – 170 minutos. A versão final que foi apresentada nos cinemas tem 125 minutos. Uma versão com 150 minutos foi lançada em DVD e BluRay. A que foi lançada em DVD no Brasil é a de 125 minutos.
É um filme muito bom, este Atração Perigosa. Merece ser visto.
Atração Perigosa/The Town
De Ben Affleck, EUA, 2010
Com Ben Affleck (Doug MacRay), Rebecca Hall (Claire Keesey), Jon Hamm (Adam Frawley), Jeremy Renner (James Coughlin), Blake Lively (Krista Coughlin), Slaine (Albert ‘Gloansy’ Magloan), Owen Burke (Desmond Elden), Titus Welliver (Dino Ciampa), Pete Postlethwaite (Fergus ‘Fergie’ Colm), Chris Cooper (Stephen MacRay)
Roteiro Peter Craig e Ben Affleck & Aaron Stockard
Baseado no romance Prince of Thieves, de Chuck Hogan
Fotografia Robert Elswit
Música David Buckley e Harry Gregson-Williams
Produção Warner Bros, Legendary Pictures, GK Films. DVD Warner.
Cor, 125 min. Há uma versão estendida de 150 min
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