Educação / An Education

Nota: ★★★½

 Anotação em 2010: Uma beleza, uma maravilha de filme. Daquelas preciosidades raras que a gente não quer que acabe, e, assim que acaba, já dá vontade de ver de novo. De comprovar mais uma vez a minha já velha tese, muito pessoal, de que o melhor cinema do mundo hoje se faz nas Ilhas Britânicas.

Com um elenco sensacional, que se dá ao luxo de ter Emma Thompson quase numa participação especial – ela aparece em apenas três ou quatro seqüências –, Educação lançou para a fama e o amplo reconhecimento uma atriz extraordinária, fantástica, fascinante, de fazer babar. Só mesmo a Inglaterra, a melhor escola de interpretação do mundo, poderia ter produzido uma Carrey Mulligan, essa garotinha nascida em 1985 e que jamais freqüentou uma aula de teatro na vida.

Em seu primeiro papel importante, Carey Mulligan foi indicada para o Oscar e para o Globo de Ouro, venceu o Bafta; foram 14 prêmios e 13 indicações como melhor atriz.

Ela dá um show como Jenny, uma garotinha de 16 anos, indo para 17, filha de casal de classe média média na Londres de 1961, aluna brilhante e aplicada de uma severa escola cristã para moças, que batalha para ser aceita em Oxford – mas de repente tem a vida virada pelo avesso ao conhecer David (Peter Sarsgaard, em ótima forma, como todos os atores).

         A coisa mais careta, mais certinha, mais polida do mundo

É fundamental que se preste atenção à data, ao ano em que se passa a história. 1961 – a Inglaterra, Londres, tudo ali era sinônimo de caretice, de conservadorismo em termos de comportamento. Tudo era contido, sisudo, sério, para não dizer reprimido. Falar um pouquinho mais alto em lugar público era absoluta e intolerável falta de educação. Homem que vestisse qualquer peça de roupa que não preta, branca ou cinza era notado a milhas de distância como agressivamente fora do tom. Estávamos a pouquíssimos anos do grande terremoto, da revolução comportamental que chegaria com os Beatles, o novo cinema, o novo teatro, a minissaia, os cabelos compridos, o rock, as cores berrantes, alegres, Carnaby Street, o fumo, o ácido, o reggae, a invasão do centro do Império pelos colonizados do mundo inteiro, jamaicanos, paquistaneses, indianos, o escambau. A revolução passaria em 1965, 1967, como um tsunami por cima daquela sociedade conservadora e viraria tudo literalmente de pernas para o ar – mas, naquele 1961, não havia um sinal de tsunami à frente.

E então aparece David na vida da garota estudiosa, aplicada, brilhante. David parece um príncipe encantado, o sonho de toda garotinha, de toda mulher. É boa pinta, rico – muito rico –, educado, charmoso, envolvente, cativante. Tanto, mas tanto, que consegue o que parecia impossível: conquista, de cara, a confiança do pai de Jenny, Jack (Alfred Molina, num desempenho maravilhoso), sujeito extremamente rígido, careta, que está sempre a exigir maior e maior dedicação da filha aos estudos, e a relembrar a ela que sua educação custa muito caro. David vai à casa classe média média de Jenny para pedir a autorização de Jack e sua mulher Marjorie (Cara Seymour) para levar Jenny a um concerto e em seguida para jantar, numa sexta-feira à noite. Momentos antes de conhecer David, Jack achava toda a idéia um absurdo – até porque o concerto era perto da Abadia de Westminster, na parte mais rica de Londres, que ele nem sabe direito onde fica. Mas David é tão absolutamente cativante, e mente que eles estarão junto de sua tia Helen, que Jack cede.

Jenny, a garotinha CDF, a melhor estudante de sua classe, que estuda violoncelo nas poucas horas vagas (e em casa ouve Juliette Gréco, a musa dos existencialistas), e jamais tinha saído para jantar fora, fica absolutamente deslumbrada com tudo.

Claro que não existe tia Helen alguma – existe Helen (Rosamund Pike), uma lindíssima loura burra, namorada do grande amigo de David, Danny (Dominic Cooper). Estão sempre juntos, os três – e a partir daquela sexta-feira Jenny se juntará ao grupo. E a partir daquela sexta-feira a vida de Jenny mudará para sempre.

Com uns 20 minutos de filme, quando o espectador está se perguntando se aquilo não é conto de fadas demais da conta, se não vai haver problema sério, ele, espectador, assim como Jenny, fica sabendo mais sobre quem é esse David príncipe encantado.

         O roteiro de Nick Hornby se baseia numa história real

O filme se baseia em uma história real, as memórias de uma mulher chamada Lynn Barber. A narrativa dessa senhora foi transformada em roteiro por Nick Hornby, o escritor de imenso sucesso, autor de livros que viraram filmes de boa bilheteria – Alta Fidelidade, Um Grande Garoto. Hornby fez um belíssimo roteiro. Para dirigir o filme, foi chamada uma dinamarquesa, Lone Scherfig, autora de Italiano para Principiantes, uma gostosa comédia romântica de 2000. A dinamarquesa – assim como o roteirista, assim como todo mundo envolvido na produção – fez um trabalho brilhante.

O filme encanta de cara, já nas primeiras tomadas, ainda durante os créditos iniciais. É um show de criatividade: enquanto vamos vendo rápidas tomadas de garotas estudando, fazendo ginástica, aprendendo a dançar, aprendendo lições sobre boa postura, vão surgindo na tela desenhinhos que fazem lembrar as diversas matérias curriculares, matemática, biologia, física, tudo.

Eu ainda não estava refeito de tanto brilho durante os créditos iniciais quando surgiram as primeiras seqüências mostrando Jenny – e Carey Mulligan arrasa de saída. É um absurdo de talento.

Além da indicação ao Oscar de melhor atriz, o filme teve outras duas, entre as categorias mais importantes – melhor filme e melhor roteiro adaptado. Ao todo, recebeu 18 prêmios e teve 48 indicações.

         E de repente a ex-estudante CDF faz discursos de arrepiar de pavor

Durante uma parte do filme – depois dos tais 20 minutos iniciais, o conto de fadas do príncipe encantado perfeito –, fiquei temeroso: meu Deus do céu e também da terra, será que um filme tão esplendorosamente bem feito vai pecar feio no quesito moral? Vai defender a lei de Gerson, aquela do levar vantagem em tudo? Vai, como Lula, o apedeuta, fazer a defesa de que não é preciso estudar, que o estudo não leva a nada?

E Jenny fará diversos discursos de arrepiar de pavor.

O iMDB traz alguns dos diálogos. Transcrevo este, entre a diretora da escola – o papel da esplendorosa Emma Thompson – e Jenny:

A diretora: – “Ninguém faz nada que valha a pena sem um diploma.”

Jenny: – “Ninguém faz qualquer coisa que valha a pena com um diploma. Pelo menos nenhuma mulher.”

A diretora: – “Então o que eu faço não vale a pena? Ou a srta. Stubbs, ou a sra. Wilson, ou qualquer uma de nós aqui? Porque nenhuma de nós estaria aqui sem um diploma. Você compreende isso, não? E, sim, é claro que estudar é duro e é um tédio…”

Jenny: – “Um tédio!”

A diretora: – “Perdão?”

Jenny: – “Estudar é duro e é um tédio. Dar aula é duro e é um tédio. Então, o que a senhora está me dizendo é para ser um tédio, e depois um tédio, e finalmente um tédio pelo resto da minha vida? Todo esse país estúpido é um tédio! Não há vida, ou cor, ou graça! Seria até bom se os russos jogassem uma bomba nuclear sobre nós um dia destes. Pois a minha escolha é entre fazer uma coisa dura e entendiante, ou então casar e ir para Paris e Roma e ouvir jazz, e ler, e comer bem em ótimos restaurantes, e me divertir?”

Brrrr…. Dá arrepio, dá frio na espinha.

         Uma jovem atriz que ainda nos dará muitas alegrias

Carey Mulligan estava com 22 anos quando fez o filme, interpretando uma garota de 16 que faz 17. Como outra talentosíssima jovem atriz, a canadense Ellen Page, ela tem aquele tipo de baby face que ajuda muito – ela de fato para ter 17. Mas é impressionante como ela consegue fazer conviver na tela duas Jennys – a garotinha de 17, quando vestida com seu uniforme, sem maquiagem, e uma jovem mulher que parece ter uns 20, 22, quando vestida nas roupas caras emprestadas por Helen, a namorada do amigo de David.

Como seu personagem Jenny, Carey Mulligan parece estar vivendo muito intensamente. Pelo que mostra o iMDB, o primeiro trabalho dela foi em Orgulho e Preconceito, de Joe Wright, de 2005 – ela faz Kitty, uma das irmãs de Elizabeth, a heroína da história, interpretada por Keira Knightley – aliás, a bela Rosamund Pike, que aqui faz a loura burra, interpretou outra das garotas da família Bennet, no filme baseado na obra de Jane Austen.

Entre 2005 e 2010, Carey trabalhou em 16 filmes e séries de TV, inclusive dois outros que já estão neste site, Quando Você Viu Seu Pai pela Última Vez? e Inimigos Públicos, e também na continuação de Wall Street, de Oliver Stone, apresentada agora em 2010 no Festival de Cannes.

Essa moça ainda nos dará muitas alegrias na vida.

Educação/An Education

De Lone Scherfig, Inglaterra, 2009

Com Carey Mulligan (Jenny), Peter Sarsgaard (David), Alfred Molina (Jack), Rosamund Pike (Helen), Dominic Cooper (Danny), Emma Thompson (a diretora da escola), Olivia Williams (Miss Stubbs), Sally Hawkins (Sarah), Cara Seymour (Marjorie), Matthew Beard (Graham) 

Roteiro Nick Hornby

Baseado no livro de Lynn Barber

Fotografia John De Borman 

Música Paul Englishby

Produção Endgame Entertainment, BBC Films, Wildgaze Films. Estreou no Brasil em 19/2/2010

Cor, 95 min

***1/2

13 Comentários para “Educação / An Education”

  1. Sérgio, finalmente vi! Ah, o tanto que eu gostei! Logo esta semana em que andava saudosa dos créditos de Saul Bass, veja só, créditos iniciais lindos, empolgantes, criativos. E um filme feito com carinho. Com carinho pelo próprio cinema e com imenso carinho pelos personagens. Eu sinto falta desta – na falta de palavra melhor – consideração, nos filmes contemporâneos ( claro, sempre tem W. Allen, que é imensamente terno com seus personagens, mas disfarça com ironia).
    Vi na terça, mas queria escrever sobre ele antes de vir aqui, porque, é claro, eu perderia toda a coragem de dizer qualquer coisa depois que lesse o que você tivesse escrito. Lindo post, ainda melhor depois de ver o filme.

  2. Também gostei muito de “An Education” e, tanto quanto Sérgio, sou admiradora dos filmes ingleses.Francamente não me lembro da garota nos filmes anteriores, como não a vi nos
    filmes e séries da TV. Gostei imensamente do filme e já o revi umas três vzes, cada vez nota-se mais detalhes, no texto e nas cenas, admiráveis. O desmpenho dela é extraordinário. A rápida mas importante presença de Emma Thompson arescenta-lhe valor. MUITO BOM…

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