Pardon my French. Quantas vezes a gente já ouviu essa frase nos filmes americanos? John Wayne, por exemplo, gostava de falar isso. Para quem não sabe, a expressão vem sempre depois um termo um tanto chulo, e significa mais ou menos “desculpe o palavrão”, “desculpe a falta de educação”, “desculpe a grosseria”. Em inglês, e especialmente para os americanos, francês é sinônimo de palavrão.
“Na América, eles não falam inglês há séculos”, goza o Professor Higgins, o mestre em fonética de Pigmalião, do irlandês George Bernard Shaw, e de My Fair Lady, a peça e o filme.
“I Love Paris every moment of the year”, diz a canção clássica de Cole Porter, um dos muitos artistas, atores e intelectuais americanos que passaram boa parte de suas vidas na Europa, assim como Ernest Hemingway, F. Scott Fitzgerald, Grace Kelly, Nina Simone, Stanley Kubrick, Henry Miller, Thomas Jefferson, Ava Gardner, … A lista não tem fim.
“I hate Paris in the Winter, I hate Paris in the Fall, I hate Paris in the Summer”, cantarola, com a melodia de Cole Porter, a personagem de Meg Ryan no avião – ela morre de medo de avião – a caminho da Europa, sentada, para seu absoluto azar, ao lado de um francês, tipinho um tanto escroto, mal arrumado e visível e olfativamente precisando de um bom banho, interpretado por um americano da gema, Kevin Kline, falando com delicioso sotaque francês no filme Surpresas do Coração/French Kiss. Ao final do filme, Kevin Kline se sairá com uma interpretação de La Mer, de Charles Trenet.
Aliás, a expressão French kiss também está nos dicionários, na Wikipedia: significa beijo de língua. Quando qualquer casal americano se beija, está, na língua dele, beijando à francesa.
Em Fogo de Outono/Dodsworth, Fran (Ruth Chatterton), a mulher do industrial milionário Sam Dodsworth (Walter Huston), é fascinada pela Europa, tudo o que quer na vida é passar um longo tempo na Europa, longe de sua cidadezinha do Meio Oeste que ela considera acanhada, caipira; mas, quando o marido se encanta por Edith Cortright (Mary Astor), que trocou de vez os Estados Unidos por uma casa à beira do Mediterrâneo, perto de Nápoles, ela diz, com profundo desprezo, nojo: “That expatriated?!?”
Exemplos como estes – e tantos outros, tantos, incontáveis – revelam um fenômeno social e cultural interessantíssimo, fantástico: a centenária e profunda mistura de amor e ódio que une e separa Estados Unidos e Europa. Sou fascinado por essa coisa, presente em dezenas, centenas, talvez milhares de filmes. Se fosse um teórico, um acadêmico, um estudioso, faria uma tese sobre esse fenômeno. Como sou um inculto, descuidado e preguiçoso apreciador de filmes, pensei em criar uma nova tag neste site. EUA-Europa: amor e ódio.
Não será, é claro, uma coisa profunda, vasta, enciclopédica. Isto aqui, digo sempre que posso, é apenas um lugar em que reúno as anotações que fui fazendo ao longo da vida sobre os filmes que vi, e infelizmente só anotei sobre uma pequena parte dos filmes que vi.
Influências cruzadas
Alguém mais sério poderia ir a fundo no estudo da presença dessa relação de amor e ódio na própria fundação do Estado americano. Os founding fathers – Thomas Jefferson, George Washington, Benjamin Franklin – foram influenciados de maneira decisiva pelo pensamento do inglês Thomas Hobbes e do francês Jean-Jacques Rousseau sobre os direitos naturais dos indivíduos. Essas noções inspiraram a Declaração de Independência dos Estados Unidos, de 1776, que por sua vez influenciou de volta os franceses na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, na Revolução Francesa, em 1789.
Diz a declaração americana: “Todos os homens são criados iguais, sendo-lhes conferidos pelo seu Criador certos direitos inalienáveis, entre os quais se contam a vida, a liberdade e a busca da felicidade”.
Diz a declaração francesa: “Os homens nascem e são livres e iguais em direitos. As distinções sociais só podem fundar-se na utilidade comum.”
E não foram só as idéias, mas também as ações. Franceses apoiaram os americanos na luta contra os ingleses pela independência da então colônia, e americanos apoiaram os revolucionários franceses que derrubaram a monarquia.
Essas influências cruzadas são mostradas em Jefferson in Paris, o filme de James Ivory, o mais inglês dos diretores americanos, em que Thomas Jefferson – tido como o autor do texto da Declaração de Independência, e interpretado no filme por Nick Nolte – é o embaixador americano na corte de Luís XVI, pouco antes da Revolução Francesa. Em Casanova e a Revolução, o italiano Ettore Scola mostra Thomas Paine (interpretado por Harvey Keitel), um dos líderes da luta pela independência americana, passeando pela França logo após a derrubada de Luís XVI, onde ajudou a disseminar os ideais revolucionários.
Alguns anos depois da Revolução Francesa, no entanto, França e Estados Unidos tiveram um período de quase guerra aberta nos mares, como diz um professor da Université de Haute-Bretagne – Rennes II, Gildas Le Vogueur: “De 1797 a 1800, não menos que 830 navios americanos foram vítimas da marinha de guerra francesa ou de piratas a soldo da França”. Esse professor citou, em longo ensaio sobre os desentendimentos entre os Estados Unidos de George W. Bush e a Europa sobre a questão iraquiana, logo após o 11 de setembro de 2001, um trecho de uma entrevista do então presidente Jacques Chirac à revista Time. Vale a pena reproduzir o que diz Chirac:
“Elas (as relações franco-americanas) foram, são e serão sempre conflituosas e excelentes. É da natureza das coisas. Você não pode mudar uma cultura. Aconteça o que acontecer com a cultura francesa, a América terá sempre um lugar à parte. Da mesma forma, existe nos Estados Unidos uma certa idéia da França. Nós nos lembraremos sempre que os boys vieram nos salvar duas vezes. Como os americanos se lembram de que os franceses os ajudaram a conquistar sua independência. Isso cria uma ligação. Os Estados Unidos acham a França insuportavelmente pretensiosa. E nós achamos os Estados Unidos insuportavelmente hegemônicos. Haverá sempre brasas, mas fogo, não. Isso não vai mudar. O dia em que um precisar do outro, o outro estará lá.”
Um precisa do outro
O filme americano mais cult entre todos os cults, o mais adorado, que, por algum motivo que nossa vã filosofia jamais conseguirá compreender direito, tem a mágica capacidade de seduzir gerações após gerações, incessantemente, é um filme sobre americanos e franceses, em uma época em que um precisava demais do outro: Casablanca, no Marrocos, todos se lembram, estava sob o jugo do governo de Vichy, do Marechal Pétain, marionete dos nazistas na França ocupada e colônias da França ocupada. “Este pode ser o começo de uma grande amizade”, diz, na última seqüência do filme, o capitão Renault (Claude Rains), o francês corrupto, conivente com o nazismo, mas no fundo, no fundo, no fundo, bem no fundo, um francês patriota e até de algum bom caráter a Rick (Humphrey Bogart), o americano expatriado que um dia já havia sido believer, tinha se transformado em cínico e voltava a ser believer ao perder a amada mais bela que jamais existiu numa tela de cinema, Ilsa, Ingrid Bergman, em nome da luta contra o nazismo.
Uma das seqüências mais emocionantes do filme americano mais cult entre todos os cults é aquela em que, no Café Americain do expatriado Rick, todos se põem a cantar “Allons enfants de la patrie, le jour de gloire est arrivé”, a canção raivosa que os franceses cantaram na Revolução que derrubou a monarquia e tentou instalar a igualdade liberdade fraternidade, para em seguida dar espaço a Napoleão Bonaparte, o assassino que só matou menos gente do que Hitler, Stálin e Mao.
“… o super-poder americano, com uma tradição messiânica e a convicção de que os Estados Unidos são um Estado melhor que os outros e que só quer o bem”, escreveu Pascal Boniface, autor de mais de 30 obras sobre questões geopolíticas, diretor do Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas. Pascal Boniface escreveu um livro – publicado em 2003, no auge da dissensão entre os Estados Unidos de Bush e a Europa unificada por causa da guerra contra o Iraque – que tem o título óbvio de La France Contre L’Empire. Embora o cara seja um cientista político sério, o título parece coisa de cinema hollywoodiano, O Império Contra-Ataca. La France Contre L’Empire.
Numa entrevista na época do lançamento do livro, Pascal Boniface simplificou as coisas da seguinte forma:
Os americanos, descendentes de colonizadores que dizimaram nações indígenas e roubaram-lhes as terras, contam com um dia bom após o outro, com a acumulação. A lógica deles é o “e” e o “e”. Os franceses, descendentes de camponeses, sabem que depois de um ano bom pode vir um ano ruim. A lógica deles é o “ou” e o “ou”.
Identidade e distância
Em Um Ano Bom/A Good Year, o inglês – que, como bons diretores de praticamente todos os países do mundo, trabalhou em Hollywood – Ridley Scott se diverte, e nos diverte, contando a história de um inglês filho da mãe, interpretado pelo neo-zelandês Russell Crowe, financista da City de Londres. O personagem é o exemplo perfeito do predador do capitalismo selvagem pós-fim do comunismo. Quando criança, passava as férias no interior da França, onde seu tio (Albert Finney, o venerável grande ator inglês) possuía umas terras, um vinhedo; com a morte do tio, acaba voltando ao lugar. Ele esnoba tudo aquilo – entre os europeus, especialmente entre ingleses e franceses, também há uma relação de muito ódio e algum amor -, mas ao mesmo tempo é tocado pelo lugar, percebe ali que afinal é capaz de ter sentimentos humanos. Lá pelas tantas surge uma garota se dizendo filha do tio morto; o inglês olha para ela e diz: “Você é americana; só americanos têm dentes como estes”.
Sim, porque mesmo entre os povos que falam a mesma língua, a que acabou virando a língua universal (e, cacilda, como os franceses ficam indignados com isso), existe essa distância imensa junto com a identidade imensa, essa mistura de amor e ódio. Há trocentos filmes que gozam, estudam, admiram a relação de amor e ódio entre os habitantes das Ilhas Britânicas e os da sua ex-colônia que virou o Império. “Na América, eles não falam inglês há séculos” – isso é só um exemplo.
Em Simplesmente Amor/Love Actually, delícia de comédia romântica inglesa feita em 2003, mais uma vez a época do maior distanciamento entre a Europa e os Estados Unidos de Bush sobre a invasão do Iraque, há um bate-boca feio, em público, entre o primeiro-ministro inglês, interpretado por Hugh Grant, e o presidente americano, feito por Billy Bob Thorton. Alguém notou, no iMDB, que “o discurso feito por Hugh Grant – em que ele elogia as virtudes da Grã-Bretanha e se recusa a ceder às pressões de seu aliado histórico, os Estados Unidos – ficou na memória de muita gente, dos dois lados do Atlântico, como aquilo que o povo inglês gostaria de ouvir na relação Bush-Blair.”
Hugh Grant fazia todo mundo se lembrar de Tony Blair, ele também jovem e boa-pinta. Pois o próprio prime-minister britânico respondeu ao filme dizendo, em 2005: “Eu sei que alguns de nós gostariam que eu fizesse como Hugh Grant em Love Actually e dissesse à América onde cair fora. Mas a diferença entre um bom filme e a vida real é que na vida real existe o dia seguinte, o ano seguinte, a vida seguinte, para contemplar as conseqüências terríveis do aplauso fácil.”
Em Depois do Vendaval/The Quiet Man, de John Ford, ele próprio um americano filho de imigrantes irlandeses, o irlandês de nascimento mas americano por adoção Sean Thornton (John Wayne) enfrenta uma forte reação quando volta para sua imaginária Innisfree, no coração da Irlanda. Os irlandeses se sentem um tanto chocados pelas suas maneiras nada tradicionalistas, seu jeito moderno demais, americano demais. Chamam-no de ianque, com uma saborosa mistura de admiração e desprezo.
Do mesmo jeito, mas ao contrário, trocentos filmes americanos focalizam imigrantes irlandeses vivendo na Terra dos Sonhos. Em seu espetacular, todo cheio de trejeitos e fogos de artifícios Os Intocáveis/The Untouchables, Brian De Palma cria um personagem fascinante, maravilhoso, o irlandês Jim Malone – uma magnífica interpretação do escocês Sean Connery. Bem mais perto da realidade, o irlandês Jim Sheridan mostrou o lado feio do sonho americano em Terra de Sonhos/In America, em que uma família irlandesa tenta encontrar melhores condições de vida e acaba comendo o pão que o diabo amassou em Nova York; a mãe das garotinhas é interpretada pela inglesa Samantha Morton.
A imigração de europeus para a América foi e continua sendo o tema de magníficos filmes. Vários deles descrevem a longa viagem de navio, no começo do século XX, daquele bando de gente pobre, de diversas nacionalidades, sem chance em sua pátria, amontoados na terceira classe, quase como os escravos nos navios negreiros, rumo à terra em que se garante, preto no branco, que todos os homens têm o direito à busca da felicidade – e onde muitos encontraram o pior dos pesadelos. O grego nascido na então Constantinopla Elia Kazan, que fez a viagem aos 4 anos de idade com seus pais, narrou a travessia no maravilhoso A Terra do Sonho Distante/America, America. Mais recentemente, outro grego, Pantelis Vougaris, concentrou-se na história das mulheres que iam para a América com o casamento arranjado por conterrâneos seus que tinham partido antes no belíssimo Noivas/Nyfes. E o italiano Emanuele Crialese criou imagens emocionantes, fantásticas, em Novo Mundo/Nuovomondo (foto). O tema é eterno. Certamente ainda virão muitos outros.
Falei de escocês que faz papel de irlandês, inglesa que faz papel de irlandesa: isso é comum dos dois lados do oceano. Mas o cinemão americano bate recordes nessa coisa de usar atores para fazer papéis de pessoas de outras nacionalidades. Usa neo-zelandês e australiano para fazer californianos em Los Angeles Cidade Proibida; usa americana para fazer uma polonesa em A Escolha de Sofia; usa sueco para fazer um chinês em O Último Chá do General Yen/The Bitter Tea of General Yen; usa americano para fazer alemão em tantos filmes, de Os Deuses Malditos/The Young Lions a Operação Valquíria. E a lista não pára nunca.
Europeus nos EUA, americanos na Europa
Listas não parariam nunca mais. É infindável a lista de europeus – diretores, atores, músicos, fotógrafos, roteiristas, técnicos de todas as modalidades – que foram fazer filmes nos Estados Unidos.
Desde o iniciozinho de sua história, o cinema tem sua Meca em Hollywood; é para lá que vão todos. O checo Milos Forman dizia que, se fosse engenheiro alguns séculos antes de Cristo, gostaria de ir para o Egito construir pirâmides; como é um cineasta, foi para os Estados Unidos. Nas primeiras décadas do século XX, Hollywood atraiu diversos diretores europeus – da França, da Alemanha, da Inglaterra, da Itália, da Hungria, da Áustria, da Grécia; o êxodo se intensificou nos anos 30, com a ascensão do nazismo. E o fenômeno continua até hoje. Muitos se radicaram lá para sempre, outros passaram por lá e retornaram depois a seus países.
Folheio ao acaso o livro 501 Movie Directors, lembro de outros nomes. No time dos que foram e ficaram em Hollywood estão Billy Wilder, Erich Von Stroheim, Ernst Lubitsch, Joseph Von Sternberg, Michael Curtiz, F.W.Murnau, James Whale, Douglas Sirk, Frank Capra, Henry Koster, Otto Preminger, Fred Zinnemann, Elia Kazan, Milos Forman…
No grupo dos que foram, ficaram um tempo e depois voltaram para a Europa estão Charles Chaplin, Jacques Démy, Fritz Lang, Jean Renoir, Julien Duvivier, Alfred Hitchcock, René Clair, Max Ophüls, Jacques Tourneur, Roman Polanski, Kenneth Branagh…
Tem os que vão e voltam e voltam de novo, fazem filmes nos Estados Unidos e outros na Europa, como Alan Parker, Neil Jordan, Stephen Frears, Ridley Scott…
E há os americanos que se encheram de seu país e foram trabalhar na Europa: Stanley Kubrick, Joseph Losey, Jules Dassin, Woody Allen durante um tempo…
A mesma coisa ocorreu, é claro, com muitas das grandes estrelas. Algumas européias foram para Hollywood e fizeram todos os seus filmes lá, como Greta Garbo, Elizabeth Taylor, Pola Negri. Outras passaram por lá, ganharam um bom dinheiro e voltaram para casa, como Ingrid Bergman, Sophia Loren, Claudia Cardinale, Virna Lisi, Deborah Kerr, Anna Magnani, Gina Lollobrigida, Vivien Leigh, Juliette Binoche…
Não há como resistir ao brilho das grandes estrelas, e Hollywood atraiu praticamente todas as européias. Por Brigitte Bardot, o símbolo sexual dos anos 50 e 60, os americanos babavam – como todo o resto do mundo, claro; chegaram a fazer um filme em que se fala da adoração dos americanos por ela, Minha Querida Brigitte/Dear Brigitte.
Refilmagens, elogios, respeito
São dezenas e dezenas, também, as refilmagens de histórias de filmes europeus nos Estados Unidos. É aquela coisa: parece que, para os americanos, se não foram eles que fizeram, não valeu. Operação Valquíria/Valkyrie, citado logo acima, é a refilmagem, em 2008, do filme alemão de 2004 Operação Valkiria/Stauffenberg. Sem Reservas/No Reservation é a refilmagem, em 2007, do alemão de 2001 Simplesmente Martha/Bella Martha. O Quinteto da Morte/The Ladykillers, filme inglês de 1955, foi refilmado como Matadores de Velhinhas/The Ladykillers, em 2004. (Os americanos refilmam tudo, não só as histórias européias, é claro. Pegam as idéias de todos os lugares. O brasileiro Dona Flor e Seus Dois Maridos, de 1976 foi refeito como Meu Adorável Fantasma/Kiss Me Goodbye, de 1982.)
Há 200 outros exemplos.
Mas os europeus também filmam histórias americanas, é claro. Embora não tenha sido dado o devido crédito, Obsessão/Ossessione, a estréia na direção do grande Luchino Visconti, é a refilmagem de O Destino Bate à sua Porta/The Postman Always Rings Twice, de 1946, baseado na novela de James M. Cain (foto). François Truffaut, só para ficar nos grandes, nos maiores, filmou histórias de Ray Bradbury (Farenheit 451), David Goodis (Atire no Pianista/Tirez sur le Pianiste), William Irish duas vezes (A Noiva Estava de Preto/La Mariée Était em Noir e A Sereia do Mississipi/La Sirène du Mississipi), Henry Farrell (Uma Jovem Tão Bela como Eu/Une Belle Fille Comme Moi).
Truffaut e outros de seus colegas críticos de cinema na Paris dos anos 50 adoravam muitos realizadores americanos; a geração Cahiers du Cinéma estabeleceu a reputação de vários deles que antes não eram tão considerados nos próprios Estados Unidos. Jerry Lewis ainda era tido como um comediante careteiro nos EUA quando os franceses escreviam loas sobre seu humor ferino, desconcertante, inteligente sob uma camada de aparente obviedade.
O maravilhoso Jacques Démy reinventou o musical com Os Guarda-Chuvas do Amor/Les Parapluies de Cherbourg; depois, ele e seu parceiro Michel Legrand deixaram patente sua admiração pelos musicais americanos ao colocar em Duas Garotas Românticas/Les Demoiselles de Rochefort, ao lado de Catherine Deneuve, Françoise Dorleac e Danielle Darrieux, o mestre hollywoodiano da dança, Gene Kelly, e, de quebra, George Chakiris, que tinha brilhado em West Side Story.
Já faz muitos anos que Woody Allen é mais admirado na Europa do que no seu país natal. Foi tanto que o cineasta que é a cara de Manhattan resolveu, depois de passeios por Paris, Veneza e Grécia em Todos Dizem Eu Te Amo e Poderosa Afrodite, passar uma boa e frutífera temporada na Europa, onde fez quatro belos filmes, Match Point, Scoop – O Grande Furo, O Sonho de Cassandra e Vicky Cristina Barcelona.
Uns tantos mil anos de civilização
O mundo inteiro reconhece os Estados Unidos como a terra de bons businessmen, a terra do business, mas é preciso admitir que, em matéria de marketing de si próprios, de se venderem bem aos olhos de todo o planeta, europeus – em especial os franceses, os italianos e os espanhóis – são experts. (A frase ficou cheia de termos em inglês, mas o que se há de fazer? É a tal da língua dominante, o imperialismo cultural, aqueles papos.) Itália, Espanha e França são campeões mundiais da divulgação de seu próprio charme, de seus próprios encantos. Possivelmente 9 entre 10 pessoas um pouco letradas de qualquer canto do mundo já ouviram falar que Paris é a cidade mais bonita do mundo, a capital do amor – ou seria Veneza? Que estudante universitário não gostaria de fazer um curso em Barcelona?
Não é de se admirar, assim, que lista dos filmes americanos que babam pela Europa, em que os americanos se encantam por ela, seja outra que não teria fim nunca. Meu Deus do céu e também da terra. Candelabro Italiano. A Princesa e o Plebeu (foto). Ninotchka. A Condessa Descalça. Um Americano em Paris. Um Lobisomem Americano em Londres. Um Lobisomem Americano em Paris. Can-Can. Irma La Douce. Suave é a Noite. A Última Vez que Vi Paris. A Oitava Esposa de Barbazul. Cinderela em Paris. Charada. Quando Setembro Vier. Esqueça Paris. À Francesa. A Senhora e Seus Maridos. Moulin Rouge. Ratatouille. Sob o Sol da Toscana. Sabrina. Amor na Tarde. Quando Paris Alucina.
Em vários deles, os personagens americanos são mostrados como boas pessoas, decentes, despachadas, objetivas, determinadas, mas um tanto broncas, com uma pontinha de complexo de inferioridade em relação aos europeus, exibidos na tela como educados, elegantes, cultos, refinados.
Uma vez, produtores de vinhos da Califórnia convidaram o jornalista e escritor paulista Paulo Duarte, tido como grande conhecedor dos vinhos europeus, para visitar seus vinhedos e provar dos produtos. Explicaram a ele os cuidados tomados em todas as fases da produção dos vinhos, exatamente iguais aos dos melhores vinhedos da França, da Itália. Até a terra em que foram plantadas as uvas tinha vindo da Europa. Finalmente deram para ele provar o que consideravam ser da sua melhor safra, o mais perfeito.
(Essa história pode ser uma grande mentira, ou no mínimo conter muitos exageros. O próprio Paulo Duarte me contou o caso quando eu era um jovem e inexperiente jornalista, e fui entrevistá-lo em seu apartamento abarrotado de livros em todas as paredes, do chão ao teto. Mas, si no è vero, è bene trovato. Então lá vai.)
Ficaram lá os americanos observando o brasileiro sentir o buquê do seu best entre os bests, dar um pequena provadinha, deixar o líquido na boca durante algum tempo, todos ansiosos, à espera do veredito. E ele:
– É bom, é bom. Mas falta alguma coisa.
Decepção, amargura: mas o que pode faltar? Tem tudo o que os europeus têm, e feito com muito mais dinheiro. Por que ele não pode ser do mesmo nível que os europeus?
– Faltam alguns milhares de anos de civilização.
Talvez a frustração dos americanos esteja contida no fato de não terem sido eles os responsáveis pela mais importante revolução social, política e econômica de todos os tempos e que deu origem a idade moderna.
Pode ser tambem que o sonho dos americanos seja o de ter falado pela primeira vez “laissez faire laissez passer le monde va de lui-même”.
Pode ser que se frustrem por não terem os charmosos Café ao som de Edith Piaf com La Vie En Rose.
Porem, pode ser tambem que os franceses se frustrem por nao possuirem hot dog, mcdonalds,hollywood e o oscar.
Vai saber né!!!!
Obs: gostei muito da sua materia, muito interessante
Parabens
abraços
Júnia
Olá, Sérgio! =)
Que bom que você é um “inculto, descuidado e preguiçoso apreciador de filmes”, porque provavelmente se você fizesse uma tese sobre isso, muitos nunca leriam o que você escreve. =x
Estou fazendo um trabalho sobre a relação FRANÇA x E.U.A e as suas anotações me ajudaram ^^
Obrigada =D
Não sei se você já leu, mas fica a dica:
BODY-GENDROT, Sophie. Uma vida privada francesa segundo o modelo americano. História da Vida Privada, 5: Da Primeira Guerra a nossos dias / organização Antoine Prost e Gérard Vincent; tradução Denise Bottman. – São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
E: JUDT, Tony. A América ficou louca: o antiamericanismo na perspectiva histórica. Passado imperfeito: um olhar crítico sobre a intelectualidade francesa no pós-guerra. Tradução Luciana Persice Nogueira. São Paulo: Nova Fronteira, 2007.
xDD
À bientôt!
ariane.
Cara Ariane,
Muito obrigado pela sua mensagem simpática e gentil.
Vou ver se leio ao menos o primeiro dos dois textos que você sugere, o que está na História da Vida Privada, que eu tenho. Aliás, você viu que saiu uma nova edição da coleção?
Obrigado mesmo, e volte sempre, Ariane.
Sérgio
Lendo este seu texto, fiquei com vontade de lhe enviar um que escrevi anos atrás, com um título metido a besta (o texto nem tanto): “America: no man’s land, no land’s man; composição em 15 movimentos e 1 ethos”. É um passeio pelos musicais norte-americanos dos anos 40/50, que adoro. Tem uma aberturazinha de nada com ares acadêmicos porque publiquei numa revista da Unicamp, mas o resto foge da academia. Sem muita onda, há um link para o texto em http://letrasrizomaticas.blogspot.com, na coluna Textos na rede. Se der, dê uma olhada.
Descobri este seu site hoje e estou me esbaldando pelos deliciosos textos.
Enviei um texto, ele não apareceu com a mensagem informando que devo aguardar aceitação… mas quando tento posta-lo de novo, recebo a mensagem de que ele já foi enviado…
Caro Valter,
Fui surpreendido hoje com seus comentários sobre vários posts deste meu site/blog. Não é comum, de forma alguma, receber tantos comentários. E receber diversos comentários de uma pessoa de indiscutível conhecimento e vivência – um psicólogo e professor, com formação em Filosofia, mestrado em Comunicação -, isso então é raridade absoluta.
Agradeço a você imensamente.
Foi ótimo ver como você contesta as afirmações com as quais não concorda, aplaude o que você acha certo, acrescenta outras informações, coloca fatos da sua vivência.
Enfim: pô, que maravilha ter um retorno desses!
Vou dar uma boa olhada no seu blog – e, é claro, inclui-lo nos links.
Muito obrigado, e um abraço.
Sérgio
Creio que o primeiro texto que comentei foi A teta assustada (no qual entrei resistente e contestando sua posição). Mas sabe como são os encontros, eles vão acontecendo e se transformando à medida que nos implicamos neles. Passei a noite de sábado para o domingo navegando por seus textos e me encantando com seu estilo e seus amores e desamores cinematográficos (que, aliás, têm grandes ressonâncias com os meus). Vou lhe fazer visitas constantes, pode me aguardar. Estou em um movimento de retorno à escrita, depois de um longo período de intensa oralidade (essa condição de professor…). Houve tempo em que escrevia todos os dias, isso tornou-se raro nos últimos tempos, mas parece que está mudando. Uma das vias para esse retorno tem sido escrever agenciado pelos encontros com outros textos, outros afetos.
Um grande abraço
valter
Oi Sergio,
Gostei muito do seu texto informal sobre a relacao EUA e Franca. Moro na California e comecei uma carreira fazendo filmes ano passado. Entao me identifiquei muito com seu discurso. E interessante observar o desgosto dos americanos pelos franceses. Nao existe um motivo aparente. As vezes pergunto a amigos americanos por que eles nao gostam de franceses. Eles respondem que eles sao muito arrogantes. Entao pergunto quantos franceses eles conhecem pessoalmente e a maioria diz que nenhum. Quando vou a Franca vejo que muitos nao gostam de falar em Ingles, mas achava que era por causa da hitoria com a Inglaterra. Vejo que na America a maioria nao le e nao se interessa por outros paises. O negocio da maioria e fazer dinheiro, have fun, e mostrar o que tem. Acumular bens e o objetivo da maioria. Isto e ainda mais evidente em pequenas cidades. O que adoro neste pais e a seguranca, as freeways (adoro viajar aqui), e o cuidado com que tratam de suas belezas naturais e sua historia. Eles fazem monumentos e placas em qualquer lugar que tenha um significado historico. Os parques estaduais e nacionais como o Grand Canyon, Yellowstone e Yosemity, sao maravilhosos e super bem cuidados. O que me cansa e a hipocrisia e a falta de assunto. Antes de morar aqui nao sabia que os americanos eram tao fofoqueiros! 🙂 Estas caracteristicas sao repassadas aos filmes contudo disfarcadas. A figura de macho, cawboy e ignorante e bem retratada e tao verdadeira 🙂 Sempre preferi filmes Franceses do que Americanos. Ha mais profundidade e beleza artistica em filmes franceses(and European for that matter)Os Americanos sao otimos em efeitos especiais, tecnologia e filmes de familia (comercal). Os filmes de animacao Americanos sao incomparaveis: Toy Story, Shrek, Monsters Inc, etc. O unico animador que chega perto dos americanos e Hayao Miyazaki, do qual sou grande fan.
Como e bom discutir estes assuntos. Sinto falta de estimulo intelectual. Gostaria de ser informada sobre outras publicacoes de sua autoria.
Obrigada.
Franceses: Nunca serão um EUA, nunca! God bless USA