Burlesque

2.5 out of 5.0 stars

Parece que muita gente meteu o pau em Burlesque, o musical com Cher e Christina Aguilera feito em 2010. Achei o filme bem bom. Produção impecável, visual suntuoso nos muitos números musicais, belíssimas coreografias, boas canções com arranjos caprichados.

Uma história bobinha, é verdade.

Mas não eram assim os grandes musicais da idade de ouro de Hollywood? Qual é o problema de uma história bobinha se o que conta mesmo é a música e a dança?

Claro: não tem nada a ver com os musicais feitos a partir de West Side Story, que, além de belos números musicais, tratam de temas sérios, fortes, densos, como Cabaret e All That Jazz. Sim, isso é outra coisa, outro nível.

Mas, se for para comparar com os musicais dos anos dourados da Metro, da Fox, Burlesque está no nível dos bons. Na minha opinião, é claro – com todo o respeito por quem discordar.

Cher é uma personalidade tipo Lelouch: é difícil ser indiferente a ela, como a ele. Ou se ama ou se detesta. Sou do primeiro time. Tenho grande admiração por essa mulher forte, poderosa, grande cantora, boa atriz, que se recusa a admitir a lei natural das coisas, a passagem do tempo.

Alguém disse uma frase maravilhosa: Se ou quando o planeta for destruído por uma grande catástrofe, seja natural, seja em função de uma guerra atômica, ou pelas besteiras que a humanidade está fazendo com ele, só permanecerão vivos alguns tipos de insetos – e Cher.

Cher é uma força da natureza.

É preciso esclarecer, para que eu não seja mal compreendido: não acho que Cher, nessa sua eterna batalha contra o tempo que passa, seja um exemplo a ser seguido. Muito ao contrário. Admiro as pessoas, em especial as mulheres, em especial as artistas, que vivem de sua imagem, que sabem envelhecer, que não se rendem às plásticas; acho triste ver os rostos deformados de mulheres que já foram absolutamente lindas, como Faye Dunaway e a jovem Nicole Kidman.

A regra geral é essa. Cher é a exceção.

E o fantástico é que a danada consegue mesmo desafiar as leis naturais. Ou sabe escolher bem os cirurgiões. Está bela e gostosa, poderosa, aos sei lá quantos anos. É feio falar a idade das senhoras. Mas, meu, quando eu tinha 15 anos, em 1965, a mulher já estava no topo dos mais vendidos da Billboard! Está lá – confiro no The Billborad US Top 40 Hits, para não correr o risco de errar. “I got you Babe”, da dupla Sonny & Cher, ficou em primeiro lugar na lista dos discos mais vendidos durante três semanas seguidas, em 1965, o ano em que os Beatles lançaram Rubber Soul. Sonny & Cher emplacaram dez discos na lista dos mais vendidos, entre 1965 e 1972.

Parece que o papel foi criado especialmente para Cher

Cher é de 1946. Estava, portanto, com 64 anos quando fez Burlesque. Está, repito, bela e gostosa, poderosa, no papel de Tess, a dona de um night club, um cabaré de Los Angeles chamado The Burlesque Lounge. O lugar não é um inferninho, não tem nada a ver com strip-tease, dança de poste, putaria. De forma alguma. É um cabaré à antiga, onde dançarinas apresentam shows musicais – com pouca roupa, é verdade, e em coreografias sensuais; mas é como um teatro para apresentações de belas, estudadas, ensaiadas coreografias. Um coisa tradicional, até um tanto démodé, bem no estilo dos anos 20, 30.

Parece que o papel de Tess foi criado especialmente para Cher pelo roteirista e diretor Steve Antin (de quem eu jamais tinha ouvido falar). O personagem é como a atriz. Tess é mandona, cheia de si, segura, dona da verdade. Ela dá as ordens, os outros todos obedecem. O ex-marido, Vince (Peter Gallagher), é sócio, tem metade do negócio – mas quem manda é Tess.

O negócio não vai bem. The Burlesque Louge está cheio de dívidas. Há um cliente, Marcus (Eric Dane), um empresário muitíssimo bem sucedido, que namora a maior estrela da casa, Nikki (Kristen Bell), e está interessadíssimo em comprar o cabaré. Faz sua oferta: US$ 1 milhão, US$ 500 mil para cada um dos proprietários; Vince está doidinho para aceitar, mas Tess diz não – e a palavra final é sempre dela.

Ex-dançarina, ótima cantora, Tess ainda faz algumas apresentações no cabaré de sua propriedade. É a única das dançarinas que também canta – as demais apenas dançam, ao som de música gravada, de playback.

No início do filme, Tess-Cher canta uma música, uma apresentação do que é o Burlesque Lounge. Só bem mais para o fim da narrativa Tess-Cher vai cantar uma outra música. E, ao cantar “You Haven’t Seen the Last of Me”, uma canção que parece ter sido escrita para ela, exclusivamente para ela, Cher dá um show. Um brilho.

Pena que sejam só duas músicas para Cher.

Mas na verdade o filme é feito para Christina Aguillera brilhar

Mas isso é porque o filme foi feito para o brilho de Christina Aguillera. O nome de Cher aparece primeiro nos créditos – alguém seria louco de propor a Cher que aceitasse um papel num filme em que seu nome apareceria em segundo lugar? –, mas a grande estrela do filme é Christina Aguillera.

Nunca tinha ouvido a voz de Christina Aguillera, nem Mary. Já faz tempo que desisti de tentar acompanhar as novidades da música pop. Parto do cômodo princípio de que o que for realmente bom vou acabar ouvindo, mais cedo ou mais tarde. Não faço a menor idéia de que tipo de coisa cantam Lady Gaga, Britney Spears, Rihanna, esse povo. Acabei conhecendo Shakira só por causa das músicas que ela compôs para a trilha de O Amor nos Tempos do Cólera – belas canções para um filme decepcionante. Depois gostei de um dueto que ela faz com Mercedes Sosa.

Mas Christina Aguillera, para mim, era que nem Lady Gaga, Britney Spears, Rihanna.

O filme abre com Christina Aguillera. Ela faz Ali, uma moça bonita que trabalha como garçonete em um bar num fim de mundo em Iowa. Na primeira seqüência, a moça Ali se enche daquilo e decide que vai para Los Angeles tentar a vida – e aí, antes de pegar o ônibus, no bar vazio do fim de mundo em Iowa, Ali canta e dança.

“Uau”, disse Mary: “Mas a voz é dessa moça mesmo?”

Pois é. Fiz as apresentações (a gente sempre brinca de se apresentar a quem era completo desconhecido): “Ah, então você é a Christina Aguillera, é? Muito prazer. Essa aqui é a Mary, eu sou Sérgio”.

A moça tem um vozeirão de negra, canta bem, dança bem – e é bonita

A moça canta com um vozeirão danado, um vozeirão de cantora negra – como Janis Joplin, como Joss Stone. Canta bem, dança bem, e é bonita, e tem mil caras. Não é um estupor como atriz, mas também não é um estrupício.

E então Ali-Christina Aguillera vai para Los Angeles; faz um monte de testes, não é chamada para coisa alguma. Está andando, cansada, quando vê o letreiro em neon – The Burlesque Lounge. Entra, baba, fica absolutamente encantada. Conhece Jack (Cam Gigandet), o barman, ele também um provinciano chegado não faz muito das profundezas do Kentucky.

Tenta falar com Tess, e com o braço direito dela, Sean (o papel do ótimo Stanley Tucci). Não consegue nada. Mas é esforçada, cheia de gana, e consegue um emprego como garçonete, sob a proteção de Jack.

Estamos aí com uns 15 minutos de filme. A historinha que virá a seguir não é mesmo grandes coisa, como se dizia em Minas; é previsível, e bastante cor-de-rosa.

Mas há muitos números musicais, e, como já disse, eles são muito bons, a coreografia é ótima, os arranjos são competentes.

Não dá para negar que há, nos números musicais, e na forma com que Steve Antin os filma, uma fortíssima influência de Bob Fosse. É mais do que óbvio que o diretor viu Cabaret trocentas vezes. E daí? Nenhum problema. Não há nada negativo em demonstrar influência do melhor coreógrafo do cinema nas últimas muitas décadas.

O diretor abusa, talvez demais, dos planos rápidos, nos números musicais. É tudo muito pícadinho demais. Mas a montagem é competentíssima, o visual é muito caprichado, a coreografia é de primeira.

Um musical gostoso de se ver.

Por que malhar um musical, se ele é gostoso de se ver?

Anotação em novembro de 2011

Burlesque

De Steve Antin, EUA, 2010

Com Cher (Tess), Christina Aguilera (Ali), Stanley Tucci (Sean), Eric Dane (Marcus), Cam Gigandet (Jack), Peter Gallagher (Vince), Kristen Bell (Nikki), Julianne Hough (Georgia), Alan Cumming (Alexis)

Argumento e roteiro Steve Antin

Fotografia Bojan Bazelli

Música Christophe Beck

No DVD. Produção Screen Gems, De Line Pictures. DVD Sony Pictures.

Cor, 119 min.

**1/2

4 Comentários para “Burlesque”

  1. Concordo plenamente, o filme é maravilhoso, eu já assisti mais de 10 vezes!!!

  2. Perfeito! Concordo com tudo que vc escreveu. Acrescentaria apenas uma coisinha: tudo é encenado, ensaiado, realizado em um palco. Diferente dos antigos musicais nos quais um galpão de fundo de quintal vira um palco magnífico, sem falar nos filmes da incrível Esther Williams — água por todos os lados! — em Burlesque o palco é aquele que vemos. Nada mais. E a ambientação, os figurinos que não são iguais para todas, dentro de um número, demonstrando os parcos recursos que possuem. Aliás, figurinos deslumbrantes, que são cuidadosamente remendados, costurados, consertados a cada apresentação. É uma realidade dentro da fantasia.

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