Copacabana

2.5 out of 5.0 stars

(Disponível no YouTube em 6/2024.)

Copacabana, de 1947, é um veículo para suas duas grandes estrelas brilharem: Groucho Marx, um dos maiores comediantes de Hollywood, e Carmen Miranda, lá The Brazilian Bombshell, aqui A Pequena Notável.

A trama, a rigor, bem a rigor, é uma bobagem que raspa no nonsense – mas o filme é uma delícia de se ver, e as duas estrelas brilham, cintilam, resplandecem, e nos encantam. Groucho está como sempre impagável, hilariante, com suas caretas, seus trejeitos, suas piadas deliciosas, muitas vezes absolutamente infames. E, para que não ficasse muito atrás de Carmen, inventaram um número musical para ele – uma versão de “Go West, Young Man” (Bert Kalmar-Harry Ruby) que ele apresenta com seu indefectível charutão, cercado por uma dezena de The Copa Girls vestidas de cowgirls, com as coxas lindas à mostra.

Mas o show, meu, o show, nacionalismos & ufanismos à parte, o show é de Carmen do Carmo Miranda da Cunha. A trama um tanto amalucada, implausível, doidinha – criada pelo húngaro László Vadnay, ele também um dos três roteiristas – faz com que a personagem de Carmen desempenhe dois papéis nos palcos, o de uma chanteuse française, Mademoiselle Fifi, e o de uma Brazilian Bombshell. Carmen Navarro.

Nos momentos como Carmen Navarro no palco, a Pequena Notável aparece com a persona que incorporou sempre, aquela cantora-show-woman de sandálias-plataforma altíssimas, vestidos exuberantes e o chapéu de frutas tropicais, sua marca registrada, tão indefectível quanto o bigodão e o charutão de Groucho Marx. Isso aí todo mundo conhece, isso aí foi um sucesso avassalador nos filmes de Hollywood, que fizeram da brasileiríssima atriz e cantora nascida em Portugal a artista mais bem paga dos Estados Unidos nos anos 1940.

Mas Carmen Miranda como Mademoiselle Fifi… Uma chanteuse sensual, cantando canções em inglês cheias de palavras em francês, caminhando entre as mesas do nightclub de Nova York fazendo charme provocativo à la Marlene Dietrich para os fregueses, mostrando as coxas na abertura tentadora dos vestidos longos – ah, meu… Que fantástico! Que coisa sensacional!

Na verdade, não são apenas dois os “papéis” de Carmen Miranda neste Copacabana. Porque, além da Brazilian Bombshell e da chanteuse française, há momentos em que a vemos como a cantora brasileira que tenta a sorte na Big Apple, a noiva do artista performático e agente Lionel Devereaux, o papel de Groucho. Temos então a oportunidade de ver Carmen Miranda como ela é, sem estar incorporando a persona da exuberante e exótica cantora tropical.

Para quem gosta de Carmen Miranda, é um prazer obrigatório ver este filme. Para quem já ouviu falar vagamente nela, é uma chance maravilhosa de conhecê-la.

Que estrela, que Notável Bombshell, meu Deus do céu e também da Terra!

   O título não se refere à praia, e sim ao nightclub

O Copacabana do título do filme dirigido por Alfred E. Green (1889-1960) não é a Princesinha do Mar, e sim o nome do nightclub – inspirado nela, claro – famosérrimo de Nova York, inaugurado em novembro de 1940, no número 10 East da 60th Street. Ali, e em endereços para onde se mudaria, artistas como Jimmy Durante, Jackie Gleason e Jerry Lewis, entre dezenas de outros, se apresentaram para platéias que lotavam suas mesas todas as noites. Lendário, badalado, serviu também como locação para diversos filmes de Hollywood ao longo de décadas e décadas. como – além deste CopacabanaTouro Indomável/Raging Bull (1980), Os Bons Companheiros/Goodfellas (1990), Tootsie (1982), O Pagamento Final/Carlito’s Way (1993), Uma Vida Sem Limites/Beyond the Sea (2004)…

Boa parte da ação de Copacabana se passa dentro do nightclub – no gigantesco salão com o amplo palco e as dezenas de mesas sempre lotadas e nos camarins dos artistas.

E aqui é necessário um resumo da história. É obrigatório haver um resumo da história – mesmo que ela seja um tanto tresloucada e/ou confusa como a criada por László Vadnay. Eu teria imensa dificuldade para resumir a coisa, e então tomo emprestadas umas duas sinopses escritas por outros.

O IMDb mata a questão em uma única frase: “Um agente faz com que sua única cliente se passe por uma chanteuse francesa e uma Brazilian bombshell para enganar o dono de um nightclub”.

Cacete! Vá ser sintético assim no Cinéguide!

O Cinéguide, belo guia com 18 mil títulos, é a obra que consegue fazer as sinopses mais curtas que já vi na vida. Fui atrás de Copacabana lá, mas o filme não consta do guia. Pena.

Vejo que o filme não consta também do Guide des Films de Jean Tulard, nem do Le Petit Larousse des Films, nem do Film Guide da britânica Time Out. Leonard Maltin fala dele em seus guias, que foram os mais vendidos na época em se vendiam guias de filmes. E a sinopse da trama que ele faz é bem parecida com a que está no IMDb: “Groucho é um agente da Broadway tentando promover Carmen, sua única cliente, resultando em ela ser contratada para dois trabalhos (em duas diferentes aparências)”.

As duas sinopses são excessivamente sintéticas – mas não estão erradas, de forma algumas. A base da trama é exatamente essa.

O artista performático e agente Lionel Devereaux leva sua noiva brasileira para uma audição diante do dono do Copacabana, Steve Hunt, um sujeito todo empertigado, metido (o papel do galã Steve Cochran). Aí Carmen Miranda, perdão, Carmen Navarro apresenta para Steve Hunt, sua fiel secretária Anne Stuart (o papel de Gloria Jean, lindinha demais) e o cantor do nightclub Andy Russell (interpretado pelo próprio cantor Andy Russell) nada mais nada menos que o “Tico-tico no fubá”, de Zequinha de Abreu.

Andy Russell parece gostar muito do número: – “Bem apimentado”, diz ele. Anne faz cara de quem está achando aquilo muito esquisito, mas ao final da apresentação aplaude, diz que gosta dela. Steve Hunt não aparenta grande admiração: – “She’ll do”, sentencia, sem qualquer entusiasmo. “She’ll do” – algo como “acho que serve”, “dá pro gasto”.

E em seguida pergunta a Lionel Devereaux que outras cantoras ele tem. – “Preciso de uma cantora para o salão de coquetéis”.

Estamos aí com 18 dos 90 minutos de filme, e está dado o ponto central da trama. O proprietário do Copa, que tem filas de artistas esperando por uma oportunidade para trabalhar no nightclub famosérrimo, e sequer gostou muito da apresentação da cantora brasileira, aceita contratá-la – mas desde que seu empresário tenha também uma outra cantora.

Carmen que amava Lionel que amava todas as mulheres…

Não tem qualquer lógica, sentido, razão – mas, diabo, se Steve Hunt tivesse gostado de Carmen Navarro e a contratasse, não haveria a trama do filme, porque a trama do filme gira em torno do fato de que a pobre Carmen Navarro deverá ser Carmen Navarro e também alguma outra cantora, que virá a ser Mademoiselle Fifi.

Toda a trama do filme é construída a pártir disso: a pobre Carmen tem que se apresentar no palco do Copa como como Carmen, ir correndo para o camarim, trocar de roupa e aparecer de novo no palco como Mademoiselle Fifi…

De resto, quanto à questão de não haver lógica, sentido, razão, na coisa de Steve Hunt fazer questão de só contratar Carmen se Lionel Devereaux for também o empresário de uma outra cantora… Alguém consegue dizer que há lógica, sentido, razão, na vida, no mundo?

Ora bolas…

Ao fim e ao cabo, a trama de Copacabana parece bastante com a Quadrilha de Carlos Drummond de Andrade, que Chico Buarque homenagearia lindamente. “João amava Teresa que amava Raimundo / que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili / que não amava ninguém.” “Carlos amava Dora que amava Pedro que amava tanto que amava a filha que amava Carlos que amava Dora que amava toda a quadrilha.”

A quadrilha criada por László Vadnay é mais ou menos assim:

Carmen amava Lionel que amava todas as mulheres do mundo menos Carmen que virou Fifi por quem se apaixonou perdidamente Steve que era perdidamente amado por Anne que era lindinha mas ninguém notava nem mesmo o Andy que tentou ensinar para Anne como chamar a atenção de Steve que amava Fifi que na verdade era Carmen que amava Lionel que amava todas as mulheres do mundo menos Carmen até perceber que todos os homens do mundo amavam Carmen e a Fifi que ele e Carmen inventaram.

Diacho! Consegui fazer uma sinopse de Copacabana que, modéstia às favas, é perfeita!

Mas o mundo gira, a Lusitana roda e volto sempre ao mesmo ponto quanto falo desta coisa maravilhosa que são os musicais: nos musicais, a rigor, a rigor, a rigor, não importa muito a trama, o plot, o enredo, o entrecho, o argumento.
Há musicais com belíssimas tramas, e são excelsos, augustos, como West Side Story (1961), Cabaret (1972), All That Jazz (1979), para citar alguns dos melhores filmes que já foram feitos. Há os que têm tramas interessantes, cativantes, como Alta Sociedade (1956), Susie e os Baker Boys (1989), The Commitments (1991). Mas em boa parte deles a trama não importa tanto – e são belíssimos filmes não pela história que contam, mas pela forma com que contam, como Desfile de Páscoa (1948), O Mundo da Fantasia (1954), Meus Dois Carinhos (1957).

 Copacabana pertence a esse último grupo. A rigor, muito a rigor, é uma bobagem. Mas é uma bobagem deliciosa.

O primeiro filme de Carmen depois de deixar a Fox

Nem mesmo guias que falam de milhares e milhares de filmes levaram Copacabana em consideração, como já foi dito. Curioso, isso, porque, além de ser um filme com dois grandes astros, ele tem também algumas características bastante interessantes. O IMDb destaca algumas delas:

* Foi o primeiro filme estrelado Grouxo Marx solo, sem os irmãos Harpo e Chico – com os Irmãos Marx, ele já havia feito 13, vários deles de imenso sucesso, como Uma Noite na Ópera (1935) e Uma Noite em Casablanca (1946). A rigor, foi o quarto solo de Groucho, mas o primeiro em que ele foi o protagonista;

* Foi o primeiro filme em que Grouxo apareceu com um bigodão de verdade, em vez do bigode pintado dos filmes anteriores:

* Foi o primeiro filme de Carmen Miranda depois de deixar a
20th Century Fox, estúdio que a havia contratado sete anos antes, em 1940, em ela fizera fitas de sucesso, como Serenata Tropical/Down Argentine Way (1940), Uma Noite no Rio/That Night in Rio (1941), Aconteceu em Havana/Week-End in Havana (1941), Minha Secretária Brasileira/Springtime in the Rockies (1942).

O IMDb não destaca, mas eu chamaria a atenção para uma outra característica interessante deste Copacabana: é um danado de um filme em que muita, muita gente faz o papel de si mesma.

Andy Russell (1919-1992), cantor de bela faccia e excelente voz, 15 filmes como ator, interpreta um personagem chamado Andy Russell, cantor de bela faccia e excelente voz, empregado do Copacabana. Fazem papéis de si mesmos também Abel Green, Louis Sobol, Earl Wilson e as três cantoras do conjunto The DeCastro Sisters – Peggy (1921–2004), Cherie (1922–2010) e Babette DeCastro (1925–1992), americanas de origem cubana.

Isso sem falar dos próprios astros, Carmen e Grouxo, que, afinal de contas, interpretam os personagens que apresentaram em quase todos os seus filmes – a Brazilian Bombshell e o sujeito esquisito, excêntrico, de óculos, bigodes e charutos gigantescos e uma boca de onde sai um Niágara de abobrinhas. Mas aí, na verdade, não são exatamente personagens – são personas. Como o Vagabundo de Carlitos, o judeu nova-iorquino neurótico de Woody Allen, o senhorzinho em choque com o admirável mundo novo de Jacques Tati, o bobalhão bigodudo hilariante de Mario Moreno, o jeca de Amácio Mazzaropi.

Um registro necessário: na sua primeira acepção, bombshell  é bomba, granada explosiva. Mas é também, como os dicionários registram, “uma mulher extremamente atraente”.

(Na foto abaixo, da esquerda para a direita, Steve Cochran, Carmen, Groucho e Andy Russell.)

Eu me diverti bastante com o filme

O único dos guias que consultei que fala do filme, o de Leonard Maltin, dá apenas 2 estrelas em 4. “A união potencialmente intrigante de Marx-Miranda não consegue salvar esta comédia musical não cativante”, define ele.

Na sua monumental biografia da atriz e cantora, Carmen, da Companhia das Letras, Ruy Castro conta que o filme foi produzido de forma independente, com o compositor Sam Coslow administrando cotas recolhidas entre pessoas próximas – a própria Carmen Miranda botou dinheiro de seu bolso para ajudar a financiar o filme, o primeiro independente de sua carreira, fora dos grandes estúdios. Groucho não entrou com um tostão, “mas aceitou trabalhar por um salário menor em troca de uma fatia da bilheteria”.

Ruy Castro sentencia que o filme simplesmente “não funcionou”. “Tudo conspirou para que Copacabana fracassasse: a insegurança de alguns, a má-fé de outros e a mediocridade de muitos.”

Então tá.

Eu me diverti bastante ao ver o filme. Junto comigo, Mary e Dona Lúcia também riram bastante.

Anotação em julho de 2024

Copacabana

De Alfred E. Green, EUA, 1947

Com Groucho Marx (Lionel Q. Devereaux),

Carmen Miranda (Carmen Navarro / Mademoiselle Fifi)

e Steve Cochran (Steve Hunt), Andy Russell (ele mesmo), Gloria Jean (Anne Stuart, a secretária de Steve), Abel Green (ele mesmo), Louis Sobol (ele mesmo), Earl Wilson (ele mesmo), The De Castro Sisters (elas mesmas), Raul Reyes (dançarino de rumba), Eva Reyes (dançarina de rumba), Ralph Sanford (Liggett), Kay Marvis (a vendedora de cigarros e artista do número final), Merle McHugh, Dee Turnell, Maxine Fife, Toni Kelly, Chili Williams, Abigail Adams, Jill Browning (Copa girls)

Roteiro László Vadnay, Howard Harris, Allen Boretz    

Diálogos adicionais Sydney Zelinka

Argumento László Vadnay

Fotografia Bert Glennon

Música Edward Ward

Montagem Philip Cahn

Direção de arte Duncan Cramer

Figurinos Barjansky

Produção Sam Coslow, Beacon Productions, distribuição United Artists

P&B,

**1/2

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