(Disponível no Cine Antiqua do YouTube em 9/2022.)
Quinze anos e uma guerra mundial antes de Betty Grable, Marilyn Monroe e Lauren Bacall mostrarem ao mundo Como Agarrar um Milionário, Loretta Young já havia feito isso, auxiliada por Marjorie Weaver e Pauline Moore, em Three Blind Mice, no Brasil Precisam-se 3 Maridos.
Difícil saber qual das duas comedinhas românticas – por coincidência produzidas pelo mesmo estúdio, a 20th Century Fox – é a mais previsível e mais, a rigor, a rigor, bobinha. Para mim, para o meu gosto, as duas são igualmente bobinhas – e igualmente engraçadas, gostosas, divertidas.
Claro: How to Marry a Millionaire é uma produção caprichada de 1953, em CinemaScope e Technicolor, com diretor de renome, Jean Negulesco, e aquelas três imensas estrelas, Grable, Monroe e Bacall. O filme de 1938 não tinha cor nem tela larga, e em vez de três estrelas, tinha apenas uma, essa Loretta Young de tantas caras ao longo da carreira esplêndida. Sem Rubens Ewald Filho entre nós, duvido que haja um único cinéfilo brasileiro que conheça Marjorie Weaver e Pauline Moore. Ou que admire o diretor William A. Seiter.
Já do lado dos caçados pelas caçadoras de milionários, este Precisa-se 3 Maridos não faz feio, de forma alguma. Um deles, Stuart Erwin, não é nada marcante – mas os outros dois são marcantes, importantes. Um é Joel McCrea, galã de filmes importantes como Meu filho é Meu Rival (1936), de Howard Hawks e William Wyler, Correspondente Estrangeiro (1940), de Alfred Hitchcock, Contrastes Humanos (1941), de Preston Sturges, Original Pecado (1943), de George Stevens.
E o outro é nada menos que o inglês David Niven, um dos atores mais elegantes da História do Cinema, 110 títulos na filmografia, entre comédias, aventuras, dramas pesados, filmes de guerra, de espionagem, épicos – e mais comédias românticas.
Três irmãs do Kansas vão à caça na Califórnia
Em Como Agarrar um Milionário, são três moças remediadas que se conhecem e resolvem alugar um apartamento caríssimo em Manhattan para sair à caça de homens ricos.
Neste filme aqui, são irmãs pobres do interiorzão do Kansas, que criam galinhas em um sítio – e sonham com a vida de muito dinheiro, muito glamour, que pode perfeitamente ser atingida através do casamento, segundo a crença firmíssima da mais ambiciosa delas, Pamela (o papel de Loretta Young, então no auge da carreira iniciada ainda no cinema mudo).
As irmãs Charters – além de Pamela, há Moira e Elizabeth, os papéis respectivamente de Marjorie Weaver e Pauline Moore – estavam à espera da herança de uma tia para poder abandonar o sítio de galinhas e ir à caça de casamento com milionário na rica Califórnia.
A idéia não era ir à caça de três maridos milionários, mas de um só. Um seria suficiente. Fingiriam que uma delas era milionária, e as outras duas suas empregadas. Haviam feito um sorteio para ver qual delas seria a milionária, e Pamela havia vencido.
Treinavam os papéis em casa, lendo livros de etiqueta. Elizabeth era a secretária de Pamela, e Moira, a empregada, a camareira.
Estão treinando quando o filme começa – e toda essa sequência inicial é gostosíssima.
Chega o idoso advogado para ler o testamento da tia. Pagas as dívidas, as despesas de cartório, sobram para as três moças a quantia de… 5 mil e não sei quantos exatamente dólares!
Não era a fortuna que elas esperavam – mas Pamela acha que é o suficiente para iniciar a aventura. Compram roupas, viajam-se para Santa Monica, hospedam-se em um bangalô num hotel de ricos – um deles, Pamela tem absoluta certeza, será fisgado por ela.
Mal as três irmãs haviam entrado no bangalô, um barman do hotel bate na porta: vem entregar uma garrafa de champagne, cortesia do hóspede do bangalô ao lado, que há três dias está dando uma festa pelo seu casamento.
Esse barman, Mike (o papel de Stuart Erwin) é uma figuraça. De imediato se sente à vontade para fazer considerações às hóspedes recém-chegadas sobre o perigo que são as caçadoras de fortuna (“gold diggers” é a expressão que ele usa – garimpeiros, ou, literalmente, cavadores de ouro). Informa que tem horror às gold diggers, e possui um olfato desenvolvidíssimo para identificá-las – o que causa um estremecimento geral entre as irmãs Charters.
E, já que está falando do assunto, Mike informa que estão hospedados no hotel dois milionários solteiros – o tipo que atrai caçadoras de fortuna. Um é Van Damm Smith, o outro é Steve Harrington.
Pronto: Pamela tem o mapa da mina. No dia seguinte vai atrás deles.
Van Damm Smith é o papel de Joel McCrea, Steve Harrington, o de David Niven.
Uma questão é que os dois são amigos, estão sempre juntos – e os dois passam a cortejar Pamela ao mesmo tempo.
Outra questão é que nunca se sabe se os milionários são de fato milionários. Pode acontecer de algum estar fantasiado de milionário, e ser na verdade um gold digger, exatamente como Pamela.
A mesma peça de teatro foi filmada três vezes
Bem. Enquanto isso, Mike, o funcionário do hotel, apaixona-se por Moira, a irmã que finge ser a camareira de Pamela.
Fica faltando alguém ficar a fim de Elizabeth – mas os roteiristas vão dar um jeito de resolver esse problema.
O roteiro é assinado por Brown Holmes e Lynn Starling, baseado em uma peça de teatro de Stephen Powys (1906-1979).
A mesma história criada por esse Stephen Powys seria refilmada duas vezes. A primeira foi apenas três anos depois deste filme aqui, em 1941: Moon Over Miami, no Brasil Sob o Luar de Miami foi dirigido por Walter Lang, e nele as caçadoras de fortuna eram apenas duas irmãs, interpretadas por Betty Grable (olha ela aí de novo!) e Carole Landis – duas texanas que vão para a Flórida à cata de milionários. Os principais papéis masculinos ficaram com Don Ameche e Robert Cummings.
Os executivos da Fox acharam que ainda não bastava, e, em 1946, foi lançado Three Little Girls in Blue, no Brasil Precisa-se de Maridos – um musical! Nunca tinha visto o nome do diretor, H. Bruce Humberstone. As irmãs Charters são interpretadas por June Haver, Vivian Blaine e Vera-Ellen. Van Damm Smith, por George Montgomery, Steve Harrington por Frank Latimore. E Miriam, a irmã de Steve, por Celeste Holm.
Essa Miriam, neste filme aqui interpretada por uma atriz de que eu não lembrava, Binnie Barnes, é um personagem absolutamente delicioso. Talvez o mais interessante de todos. Miriam Harrington é uma absoluta hedonista: só quer saber de prazer na vida, e prazer, para ela, é cerveja, homens, comida e dança – não necessariamente nessa ordem. Acho que em qualquer ordem.
Ora! Numa sociedade careta, conservadora, reprimida, repressora, ou no mínimo bem comportada, como a americana daqueles anos 1930, em um cinema controlado pelo Código Hays, as normas de autocensura dos estúdios, ver uma mulher que adora homens, dança, comida e cerveja, e fala isso abertamente, e experimenta isso o tempo todo é uma maravilha.
Miriam Harrington, me ocorreu agora, se parece muito com as personagens interpretadas por Mae West, a atriz contra quem várias das normas do Código Hays parecem ter sido escritas. Hedonista, alegre, escrachada. Dada.
Uma comedinha “bem escrita e bem dirigida”
Fiquei curioso em saber o que raios significa o título original, The Blind Mice. Literalmente é três ratos cegos, é claro – mas isso não significa nada. Imaginei que “blind mice” poderia ser um “idiom”, uma expressão idiomática do Inglês.
É algo um pouco mais complicado. É o que em Inglês se chama de “nursery rhyme”, canção de ninar, canção infantil – como “ciranda, cirandinha, vamos todos cirandar”, “marcha soldado, cabeça de papel”. Há registro da existência da canção “Three Blind Mice” em 1609!
A letra, no Inglês de hoje, é assim: “Three blind mice. Three blind mice. / See how they run. See how they run. / They all ran after the farmer’s wife, / Who cut off their tails with a carving knife, / Did you ever see such a sight in your life, / As three blind mice?” Algo tipo Três ratos cegos. Três ratos cegos. Veja como eles correm. Veja como eles correm. / Todos eles correram atrás da mulher do fazendeiro, Que cortou seus rabos com uma faca de trinchar, Você já viu algo assim em sua vida, três ratos cegos?
Até aí não há complicação. Letra de canção infantil é meio sem sentido mesmo – basta a gente pensar no “marcha soldado”, ou no “atirei o pau no gato”.
O complicado é que há uma interpretação da letra baseada em fatos da História da Inglaterra. Os “three blind mice” seriam na verdade os três protestantes – Ridley, Latimer e Cranmer – que foram acusados de conspirar contra a Rainha Mary I (1516-1558), filha de Henrique VIII (1491-1547). Mary, católica, ordenou que os três – que passaram a ser conhecidos como os Mártires de Oxford – fossem mortos na fogueira. Eles teriam sido chamados de “cegos” por não verem que o certo é o catolicismo.
Essa interpretação foi amplamente divulgada ao longo dos séculos, e muita gente acredita nela. A Wikipedia diz que isso é uma grande bobagem.
O livro The Films of 20th Century Fox faz uma cuidadosa sinopse da trama, revelando fatos que eu não acho correto abrir para quem não viu o filme. E conclui dizendo que Three Blind Mice é uma comédia romântica bem escrita e bem dirigida (no que concordo plenamente), e que serviu de base para outros filmes que vieram depois.
O guia de Steven H. Scheuer dá 2.5 estrelas em 4: “Muito boa comédia com a trama bem conhecida de três garotas que tentam se casar com milionários.”
Bem parecida é a avaliação de Leonard Maltin, que também deu 2.5 estrelas em 4: “A conhecida idéia de três caçadoras de fortuna indo atrás de homens endinheirados; feito com habilidade. Refeito e retrabalhado várias vezes.”
É isso aí. Nada marcante, nada importante, mas uma gostosa diversão.
Anotação em setembro de 2022
Precisam-se 3 Maridos/Three Blind Mice
De William A. Seiter, EUA, 1938
Com Loretta Young (Pamela Charters),
Joel McCrea (Van Dam Smith),
David Niven (Steve Harrington)
e Stuart Erwin (Mike Brophy), Marjorie Weaver (Moira Charters), Pauline Moore (Elizabeth Charters), Binnie Barnes (Miriam Harrington, irmã de Steve), Jane Darwell (Mrs. Killian), Spencer Charters (Hendricks), Franklin Pangborn (atendente), Antonio Filauri (o gerente do hotel), Alex Pollard (mordomo), Iva Stewart (a vendedora de cigarros)
Roteiro Brown Holmes, Lynn Starling
Baseado em peça teatral de Stephen Powys
Fotografia Ernest Palmer
Direção musical Arthur Lange
Montagem James Morley
Figurinos Gwen Wakeling
Produção Raymond Griffith, 20th Century Fox.
P&B, 75 min (1h15)
**1/2
Título na França: Trois Souris Aveugles.
2 Comentários para “Precisam-se 3 Maridos / Three Blind Mice”