É fascinante como Três Dias de Condor (1975), uma das sete colaborações entre o diretor Sydney Pollack e Robert Redford, é um filme que reflete o seu tempo – os Estados Unidos logo após os escândalos dos Papéis do Pentágono e do Caso Watergate.
Claro, óbvio: toda obra é um reflexo do momento em que foi feita. Isso é um dado da realidade, que nem as pessoas andarem pra frente e as galinhas ciscarem para trás. Mas há os casos das obras que são feitas propositadamente para mostrar o clima, o ambiente, as sensações da sua época. Três Dias de Condor é um desses casos mais típicos.
Não é o único bom filme americano a espelhar aqueles tempos sombrios, amargos, após a sujeira, a imoralidade da era Richard Nixon, após o auge do afundamento do país no lodo da guerra do Vietnã, após o esgarçamento do que havia sido o sonho da contracultura, do hipismo – anos de gosto de O Sonho Acabou.
Cada um à sua maneira, espelharam esse amargor belos filmes, como A Conversação (1974), de Francis Ford Coppola, sobre um especialista em gravar conversas privadas que passa por uma crise de consciência ao suspeitar que o casal que está espionando corre o risco de ser assassinado. Ou Um Lance no Escuro/Night Moves (1975), de Arthur Penn, em que um detetive contratado para achar o paradeiro de uma adolescente acaba descobrindo toda uma realidade muito mais grave, sinistra, apavorante. (Interessante notar que, nesses dois filmes de grandes realizadores, Coppola e Penn, o papel principal é de Gene Hackman.)
Vou citar aqui o que escrevi ao rever Um Lance no Escuro, porque o parágrafo é bom, e tem absolutamente tudo a ver com este Três Dias do Condor:
“Entre 1972 e 1974, as investigações da imprensa e depois do Congresso haviam exposto ao país um mar de lama, de corrupção e mentiras instalado na Casa Branca. Night Moves tem o clima de um país enojado com a quantidade de sujeira que seu presidente tentou por todas as maneiras jogar para debaixo do tapete.”
Três Dias de Condor tem o ritmo, o clima, o ambiente de um filme de mistério, de thriller, quase de filme de ação – e pode perfeitamente agradar a quem gosta do gênero. Mas a rigor é um filme político. Um panfleto contra os organismos do governo dos Estados Unidos – especificamente a CIA – que se tornam gigantescos demais, poderosos demais, e se inclinam para promover ações autoritárias, desconhecidas pelo público, à revelia do Congresso, do Judiciário, da imprensa, estes pilares da democracia.
Um panfleto contra as tentações totalitárias que brotam em organismos como a Central Intelligence Agency – e uma ode ao poder da imprensa, que revela ao país, à opinião pública, os segredos do poder.
Uma sequência chocante quando estamos com 12 minutos
Quando o filme está com 12 minutos, há uma sequência assustadora, chocante.
Nos primeiros12 minutos, o filme nos prepara para algo fora do normal – mas, mesmo assim, quando o algo anormal chega é assustador, chocante.
Vamos vendo o que parece ser um dia de trabalho normal numa casa de uns três andares em Nova York onde funciona a American Literary and Historical Society – conforme anuncia uma placa junto da porta de entrada. Há uma câmara de segurança para a identificação de quem toca a campainha, e há um segurança armado que ocupa uma saleta junto da primeira sala, onde trabalha uma secretária.
Nos aposentos dos andares superiores há mesas de trabalho, computadores, diversas impressoras então moderníssimas – as hoje velhas e aposentadas impressoras em papel contínuo. Por todos os lados há estantes repletas de livros.
Tudo tem de fato o aspecto de uma sociedade literária e histórica. Diversos pesquisadores lendo livros e mais livros, juntando informações em computadores.
Turner (o papel de Robert Redford) parece o mais esperto de todos os funcionários. É um rapaz assim um tanto pouco convencional para aquele ambiente austero, severo. Vai para o trabalho de bicicleta, chega alguns minutos atrasado, depois que o chefe da organização, o dr. Lappe (Don McHenry) já havia perguntado por ele.
Vemos que Turner namora uma colega de trabalho, uma bela descendente de chineses, Janice (Tina Chen). Os dois já combinaram que vão, naquele dia, jantar na casa de um casal de amigos.
Turner está muito intrigado – ele comenta isso com Janice – com um determinado livro que leu. “Um livro de misterioso que não fez grande sucesso, e foi traduzido para línguas que não são as mais usuais. Saiu em turco, mas não em francês. Em árabe, mas não em russo ou alemão. Em holandês, espanhol.”
Vemos também que Turner está muito curioso para saber se já houve alguma resposta a um relatório que ele enviou. Não, não houve resposta ainda, diz o dr. Lappe.
A verdade é que o espectador não compreende muito bem o que é que fazem exatamente aqueles funcionários da American Literary and Historical Society.
E, entremeadas às sequências dentro do casarão, há tomadas de um sujeito sentado em um carro do outro lado da rua, observando tudo o que acontece ali. Quando Turner chega e amarra sua bicicleta junto da entrada do casarão, vemos que esse sujeito tem diante de si uma pasta com grandes fotos de rostos de pessoas. No momento em que Turner chega, ele observa a foto daquele rapaz, e risca seu nome numa lista datilografada.
Pela escala dos funcionários, é o dia de Turner ir à lanchonete ali perto e pegar os sanduíches para o almoço de todos no casarão. Ele está fora quando, aos 12 minutos do filme, a secretária abre a porta para o homem que seria da empresa de entrega, levando o malote do dia.
O homem que entra está com uma arma automática; a primeira vítima é a secretária, a segunda é o segurança.
Outros homens entram no casarão – inclusive aquele sujeito que estava no carro, magro, alto, o papel do bergmaniano Max von Sydow, obviamente o chefe da operação.
Todas as seis pessoas que estavam lá dentro são metralhadas à queima-roupa.
Os assassinos já haviam ido embora quando Turner chega de volta carregando o pacote com os sanduíches e encontra todos os colegas assassinados.
Pontos fundamentais não ficam absolutamente claros
Se mataram todos, então seguramente irão atrás de Turner, sejam quem forem os assassinos. É o que espectador pensa – e ele também, é claro.
É só depois do ataque, dos seis assassinatos a sangue frio, que o espectador fica sabendo, pelo telefonema que Turner dará a seguir, de um telefone público numa rua movimentada de Manhattan, que aquela tal American Literary and Historical Society era uma organização de fachada. Na verdade, era uma unidade da própria CIA – encarregada de ler tudo o que se publicava mundo afora e enfiar resumo de tudo nos computadores. As informações iriam então ser analisadas na sede da agência, em Langley, nos arredores de Washington.
Turner, Janice, o dr. Lappe, os demais – ninguém ali era propriamente agente da CIA, não era agente de campo, com treinamento para ações com armas. Nada disso. Eram um bando de pessoas inteligentes que não sabiam nada dos planos, das manobras da CIA – apenas liam livros, jornais e revistas e resumiam o que liam.
Absolutamente chocado com o ataque, Turner não faz a menor idéia de por que alguém poderia ter interesse em eliminar todas aquelas pessoas.
Dá para o espectador imaginar que talvez tenha a ver com o tal relatório que Turner enviou – e, depois que se sabe que eles trabalhavam para a CIA, dá para saber que o relatório foi enviado para Langley, para os escritórios centrais.
Dá para imaginar que possa ter a ver com o tal livro sobre o qual ouvimos Turner falar umas duas frases para Janice.
A verdade dos fatos – Mary e eu concluímos, depois que o filme terminou – é que Três Dias de Condor não consegue explicar muito claramente para o espectador o que está acontecendo.
Há uma divisão na Agência? Um grupo que quer fazer as coisas à sua maneira, sem respeitar a hierarquia, desobedecendo às ordens da direção geral? Ou toda a Agência está agindo coesa, sem que ninguém mais no governo saiba? Se há uma divisão, se há um núcleo rebelde, quem exatamente está nesse grupo, além dos tais Wicks (Michael Kane) e Atwood (Addison Powell)? Qual é, exatamente, a situação desse Higgins, o chefe da agência em Nova York? E a desse Mr. Wabash, que parece um grande chefão da agência, mas não é identificado como sendo diretor disso ou daquilo?
(Higgins é o papel de Cliff Robertson (na foto abaixo). E Mr. Wabash é interpretado pelo respeitadíssimo veterano John Houseman, nascido na Romênia, em 1902, que foi durante muitos anos chefe da divisão de artes dramáticas na Juilliard School.)
Quanto a Joubert – este é o nome do personagem do grande Max Von Sydow –, sobre este não há dúvida alguma. É um assassino de aluguel, extremamente competente, contratado às vezes pela própria CIA, às vezes por alguém da agência mas de forma extra-oficial.
Mas exatamente as respostas às perguntas básicas de quem como onde quando e por quê da trama não ficam claros, de maneira nenhuma. Ao menos na minha avaliação, e na da Mary.
Uma personagem forçada, uma situação inverossímil
Tinha uma ótima lembrança de Três Dias do Condor; vi na época do lançamento, gostei muito. Nunca mais tinha revisto. Ao rever agora, fiquei encantado com aquela coisa de que falei na abertura deste texto – como é impressionante o quanto o filme é um retrato de seu tempo.
Me pareceu, agora, que de fato é um bom filme, que traduz maravilhosamente aquela indignação de grande parte da sociedade americana com as sujeiras de que se mostrava capaz o governo federal nos anos 60 e 70. Um governo que enfiou o país no pântano sem fim de uma guerra no fim do mundo por uma causa distante demais das pessoas, que sabia das imensas dificuldades de vencer o inimigo, o Vietnã do Norte de Ho Chi Min, que mentiu ao país diversas vezes sobre a guerra. E que depois se mostrou capaz até mesmo de mandar invadir o Comitê Nacional do Partido Democrata no complexo de prédios Watergate, na luta desesperada para garantir a reeleição de Richard Nixon.
Mas também me pareceu, ao rever agora, que de fato o roteiro de Lorenzo Semple Jr. e David Rayfiel, baseado em livro de James Grady, tem lacunas, e não consegue deixar claras as coisas.
Isso não estraga o prazer de se ver Três Dias do Condor. É um filme que se vê com grande prazer.
A beleza de Robert Redford e de Faye Dunaway é claro que ajuda – e muito.
Não dá para ignorar: a existência na história de Kathy, a personagem de Faye Dunaway, é uma danada de uma forçação de barra.
É a comprovação daquela lei sagrada de Hollywood: todo filme tem que ter um “female interest”. Um personagem feminino para tornar a coisa interessante – senão periga ser um fracasso na bilheteria.
Turner está tentando fugir de perseguidores reais ou imaginários, nas ruas de Manhattan, e então entra numa loja de moda. Observa aquela mulher comprando roupas, vê que ela diz seu nome, Kathy – e aí, no desespero, resolve entrar à força no carro dela, ameaçando-a com um revólver, e a obriga a levá-lo até a casa dela, onde pretende ficar escondido por um tempo, até conseguir descansar um pouco, pensar no que poderá fazer.
A situação é estranha, escalafobética – e é bastante inverossímil que a moça, tomada de susto, medo, revolta, indignação com o sujeito que a rigor a sequestra, ainda que dentro de sua própria casa, possa, algumas horas depois, estar absolutamente ao lado dele.
Implausível, inverossímil – mas, diacho, que lindeza aquela cena de amor de Robert Redford e Faye Dunaway, dois dos mais belos rostos do cinema americano nos anos 70, com aquelas fotos em glorioso preto-e-branco ocupando a tela inteira entre uma tomada e outra dos dois…
Um diretor e um ator unidos pelas opiniões políticas
O diretor Sydney Pollack (1934-2008) e Robert Redford compartilhavam as mesmas visões sobre política e sociedade; sempre foram, ambos, progressistas, liberais (em termos de costumes), com posições tidas como “de esquerda”. Isso fica absolutamente claro em quase todos os sete filmes que fizeram juntos, ao longo de um período de quase 20 anos. Eis a relação:
Esta Mulher é Proibida/The Property is Condemned (1966), com Natalie Wood;
Mais Forte Que a Vingança/Jeremiah Johnson (1972);
Nosso Amor de Ontem/The Way We Were (1973), com Barbra Streisand;
este Três Dias do Condor (1975);
O Cavaleiro Elétrico/The Electric Horseman (1979), com Jane Fonda;
Entre Dois Amores/Out of Africa (1985), com Meryl Streep;
Havana (1990), com Lena Olin.
Por seu papel como Kathy, Faye Dunaway recebeu uma indicação ao Globo de Ouro de melhor atriz em drama. O filme teve também uma indicação ao Oscar de melhor montagem.
Segundo o IMDb, o ex-diretor-geral da CIA Richard Helms serviu como consultor para Robert Redford.
Diz o livro The Story of Paramount: “Com Three Days of Condor, voltamos ao mundo alucinatório de conspiração de uma organização sem face. Adaptado do romance de James Grady Six Days of the Condor (até Hollywood estava economizando, diziam as piadas), era um thriller de primeira e o filme mais rentável da companhia no ano, extraindo US$ 20 milhões nas bilheterias da América do Norte (na verdade, EUA e Canadá). O filme abria com uma sensacional sequência em que um pesquisador Robert Redford) no escritório de Nova York da CIA (não é exatamente isso, como já foi explicado), volta do almoço (também não é exatamente isso…) e encontra todos os seus colegas assassinados. O diretor Sydney Pollack e os roteiristas Loenzo Semple Jr. e David Rayfiel demonstraram admirável talento em evitar uma decepção depois desse início chocante; a tensão nunca abrandava, enquanto o sobrevivente se mantinha um pulo à frente dos assassinos, o seu terror aumentado pela compreensão de que os empregadores deles e o seu – a CIA – são exatamente os mesmos. Depois de uma série de caçadas e escapadas de tirar o fôlego, ele apela para The New York Times (segundo vários filmes recentes, a imprensa é o último baluarte da democracia).”
Na minha opinião, o redator da resenha se enganou em alguns pontos. O principal equívoco dele é que não são só vários filmes então recentes que asseguram que a imprensa é o último baluarte da democracia. É a verdade dos fatos.
“Hábil suspense que teve um grande sucesso”
Há um equívoco também na primeira frase da sinopse de Les Trois Jours du Condor no Guide des Films de Jean Tulard. Ela afirma que Joseph Turner, que trabalha para a CIA, é “um romancista sem sucesso”. Não sei de onde eles tiraram isso. Não vi referência alguma no filme ao fato de que Turner tenha escrito algum romance.
A avaliação do Guide é a seguinte: “Hábil suspense que teve um grande sucesso. É bastante inverossímil no nível de roteiro, mas funciona com uma eficácia formidável no plano da direção, sem todavia igualar aos grandes filmes de Hitchcock.”
Opa! A rigor, a avaliação do Guide des Films parece com a minha!
Apesar dos problemas do roteiro, é um bom filme.
Anotação em outubro de 2020
Três Dias do Condor/Three Days of the Condor
De Sydney Pollack, EUA, 1975.
Com Robert Redford (Joseph Turner)
e Faye Dunaway (Kathy),
Cliff Robertson (Higgins), Max von Sydow (Joubert), John Houseman (Mr. Wabash), Addison Powell (Atwood), Walter McGinn (Barber), Tina Chen (Janice), Michael Kane (Wicks), Don McHenry (Dr. Lappe), Michael Miller (Fowler), Jess Osuna (The Major), Dino Narizzano (Harold), Helen Stenborg (Mrs. Russell), Patrick Gorman (Martin)
Roteiro Lorenzo Semple Jr. e David Rayfiel
Baseado no livro de James Grady
Fotografia Owen Roizman
Música David Grusin
Montagem Fredric Steinkamp, Don Guidice
Casting Shirley Rich
Produção Stanley Schneider, Dino de Laurentiis, Paramount Pictures. DVD Universal.
Cor, 117 min (1h57)
Disponível em DVD.
R, ***
Gostei de ver este filme e de o tornar a ver há pouco tempo.
O Sérgio tem razão quando diz que o argumento tem buracos e não explica muito bem tudo o que se passa.
E a presença de Faye Dunaway é mesmo muito forçada.
É agradável de ver mas não é excepcional.
O título da porra do filme envolve a porra da palavra ”CONDOR” e o merda do cara que fez a resenha não escreveu ”AMÉRICA LATINA” em porra nenhuma de parte dessa merda de texto do inferno. O PERSONAGEM PRINCIPAL DESSA MERDA DE FILME AMERICANO É A PORCARIA DO SISTEMA DE VIGILÂNCIA SEU ANORMAL. vou deixar até o whatsapp pq eu sustento o que eu critico