O Assassinato de Trotsky / The Assassination of Trotsky

2.5 out of 5.0 stars

O Assassinato de Trotsky é uma co-produção França-Itália-Inglaterra de 1972, dirigida por um cineasta de grande prestígio, o americano Joseph Losey, com estrelas de primeiríssima grandeza – Richard Burton, Alain Delon, Romy Schneider – e outros atores importantes – Valentina Cortese, Enrico Maria Salermo, Jean Desailly.

Foi filmado na Itália e no México, muito provavelmente com um orçamento confortável – um dos produtores é o italiano Dino de Laurentiis, um dos mais importantes da Europa na época.

O tema – perfeitamente exposto no próprio título – é um dos eventos históricos mais importantes da política do século XX.

No entanto, não teve boa recepção. Foi incluído, por exemplo, no livro The Fifty Worst Films of All Time (and how they got that way), os 50 piores filmes de todos os tempos e como eles ficaram assim, de Harry Medved and Randy Lowell.

Consta que Joseph Losey – realizador que escapou do macartismo, a caça às bruxas no show business americano dos anos 40 e 50, radicando-se na Inglaterra – originalmente ofereceu o papel de Liev Trotski ao grande Dirk Bogarde, com quem fez cinco filmes. Losey admitiu para Bogarde que o roteiro era terrível – diz o IMDb –, mas garantiu que ele seria revisto. O veterano ator recusou.

Já Richard Burton, igualmente grande, e que também já havia trabalhado com Losey (fez com ele, ao lado de Elizabeth Taylor, em 1968, uma porcaria chamada O Homem Que Veio de Longe/Boom), aceitou o papel. Há indicações de que ele só leu o roteiro depois de ter se comprometido a fazer o filme.

Leonard Maltin deu 2.5 estrelas em 4: “Últimos dias do rebelde russo resulta num irregular melodrama de caçadores e caçados. A atuação de Burton é forte mas inconvincente.”

Pauline Kael, a língua mais ferina da crítica americana, não se dignou a gastar muito de seu tempo com o filme. “Não para qualquer um que não conheça ou se importe com Leon Trotsky. Com Richard Burton como um pomposo Trotsky, Alain Delon como um assassino anjo da morte, Romy Schneider e Valentina Cortese”; em seguida, a prima donna dá o nome do diretor, do diretor de fotografia e dos roteiristas e informa que é co-produção França, Itália e Grã-Bretanha.

Dame Kael estava com preguiça.

O Guide des Films de Jean Tulard não é tão duro assim com o filme: “Essa reconstituição cuidadosa de um evento histórico é atrapalhada pela presença de atores conhecidos demais para serem críveis.”

“Uma bizarrice, cheia de simbolismos e visões psicológicas”, definiu o guia de Steven H. Scheuer.

Com o tempo, no entanto, passou a ser valorizado – provavelmente pela importância dos eventos retratados, pela grandeza dos nomes envolvidos na produção. O magnífico livro Cinema Year by Year 1894-2000, por exemplo, que, como o nome indica, passa pelos principais fatos relacionados à arte ano a ano, com textos escritos como se fossem de jornais de cada época, traz, em 1972, o título: “The murder of Leon Trotsky examined by director Joseph Losey”. A “notícia”, datada de Paris, 30 de março – exatamente o dia da estréia do filme –, é a seguinte:

“Por um momento, eles seguram a história em suas mãos. Com um horrível golpe, eles a fazem” é o slogam publicitário de The Assassination of Trotsky, o novo filme de Joseph Losey. Todavia, quando o cinema político parece estar em voga, é surpreendente como essa produção anglo-francesa-italiana é apolítica. Losey e seus roteiristas, Nicholas Mosley e Masolino D’Amico, optaram por se concentrar mais na psicologia dos protagonistas do que nas implicações mais amplas de suas ações. Ele consegue isso por causa das atuaçõesde Richard Burton, que cria uma figura deliberadamente seca e pedante como o líder revolucionário russo no exílio, e Alain Delon como sua nêmesis, o passional agente stalinista, que segue os passsos de Trotski até o México, e o mata com uma picareta de alpinista. O caráter deste último é bem revelado quando ele observa uma tourada. Rodada em locação no México e na Itália, o filme, embora tomando algumas liberdades, é uma tentativa de recapturar um momento chave na história do nosso tempo.”

(Uma explicação: mantive a grafia Trotsky, com y, ao citar o título do filme de Joseph Losey, que é assim, e na transcrição de textos de outras pessoas. No resto desta anotação, uso a grafia normal da língua portuguesa, com i.)

O filme mostra o conflito stalinistas x trotskistas

Não tinha visto o filme na época do lançamento, nem em tantos anos que se seguiram. Nem mesmo depois de ler o extraordinário romance O Homem Que Amava os Cachorros, do cubano Leonardo Padura, que reconstitui, em paralelo, a vida de Trotski no exílio e a vida de Ramón Mercader, o homem que viria a assassiná-lo. Só fomos ver o filme famoso de Losey agora, logo após assistir ao recente O Eleito/El Elegido (2016), co-produção México-Espanha que mostra cuidadosamente toda a preparação de Ramón Mercader antes de ir para o México, onde vivia exilado o homem que, ao lado de Lênin, fez a Revolução Russa de 1917 e criou a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.

Não achei O Assassinato de Trotsky um bom filme, de forma alguma – embora seja, sem qualquer sombra de dúvida, um filme importante.

Começa bem. Abre com uma sequência de fotos de Trotski, com grandes legendas que vão mostrando ao espectador sua importância na História:

Uma foto ele garoto: “Trotsky – Lev Davidovich Bronstein – Nascido em 1879”.

“Estudante revolucionário – 1896”.

“Primeira prisão e exílio na Sibéria – 1900”.

“Exílio na Rússia czarista – 1907 a 1917”.

“Lênin e Trotsky, líderes da Revolução Soviética – 1917”.

“Fundador do Exército Vermelho – 1918”.

“Trotsky exilado por Stálin – Turquia – 1919”.

“Exílio errante – 1932”.

Depois dessa série de fotografias, um letreiro explica: “Onde os fatos estão provados, tentamos apresentá-los de forma acurada. Aqueles não provados foram deixados em aberto.”

Começam então os créditos iniciais. Ao final deles, a primeira sequência do filme mostra, em um quarto de hotel, um casal de jovens extraordinariamente belos – Alain Delon e Romy Schneider. Conversam, meio que discutem, meio que brincam. Ela o chama de burguês, ele a chama de comunista.

É o dia 1º de maio, de 1940, e estamos na Cidade do México. Multidões nas ruas comemoram o Dia do Trabalho. Diversas faixas da CTM – dá para inferir que se trata da Central de Trabajadores Mexicanos – e de estudantes universitários festejam a liberdade, e algumas delas amaldiçoam o “traidor Trotsky”.

Não muito distante daquela manifestação, há outra, menor, também de trabalhadores comunistas – só que apoiadores de Trotski, o líder que Stálin havia enxotado do poder e da pátria. Entre eles está a moça interpretada por Romy Schneider – veremos mais tarde que ela se chama Gita Samuels, é uma trotskista fervorosa, e trabalha para o líder como secretária, na grande casa que ele, sua família e um grupo seleto de amigos e apoiadores ocupam em Coyoacán, junto da capital federal mexicana.

A manifestação gigantesca se aproxima do local em que estão os apoiadores de Trotski. Há agressões, começa um tumulto que vai se generalizando.

Essa sequência inicial com as manifestaçõe do 1º de Maio – um tanto longa, propositadamente longa – serve para o espectador bem informado se situar no contexto histórico. Claro: no México de 1940, onde Trotski vivia exilado, os grandes sindicatos, as centrais sindicais, os grêmios estudantis eram dominados pelo Partido Comunista – e os Partidos Comunistas, ao redor do mundo, seguiam expressamente as ordens da União Soviética stalinista. Só um grupo bem menor apoiava Trotski.

Em sua casa-fortaleza em Coyoacán, Trotski lutava contra o stalinismo com as armas de que dispunha: as palavras. Escrevia quase sem parar, furiosamente, textos que seriam distribuídos mundo afora, para revistas, jornais, para seus seguidores. Pregava que com Stálin a União Soviética havia abandonado os princípios da revolução comunista; pedia que a verdadeira doutrina comunista fosse implantada mundo afora pelos trabalhadores.

O Trotski interpretado por Richard Burton é, sim, pomposo, como afirmou Pauline Kael, pedante, como definiu o livro Cinema Year by Year. Ele não escrevia com suas mãos. Terceirizava a tarefa. Ditava seus textos para um assistente e para um gravador; o assistente anotava a mão – e mais tarde as anotações dele seriam datilografadas pela fiel Gita.

Um terrível erro ao retratar os personagens do drama

O maior problema, o principal defeito do filme, na minha opinião, é o retrato que ele faz – ou, a rigor, deixa de fazer – da abnegada trotskista e seu namorado. Exatamente os papéis de Alain Delon e Romy Schneider – que interpretam Ramón Mercader e Sylvia Ageloff.

Sabe-se hoje que a preparação do comunista espanhol Ramón Mercader pela polícia secreta stalinista para assassinar Trotski incluiu que ele se transformasse em Jacques Monard, um milionário belga, um sujeito elegante, rico, fino, chique, um dândi, um hedonista, um ser absolutamente apolítico. Como Jacques Monard ele deveria se aproximar em Paris da jovem socióloga americana Sylvia Ageloff, uma fidelíssima trotskista – e conquistar o amor incondicional da moça.

Seria através dela que, mais tarde, ele tentaria se infiltrar no círculo próximo a Trotski no México.

Ora, para conquistar o amor de uma jovem socióloga trotskista, apresentando-se como um milionário belga distante da política, que só pensa nos prazeres materiais, Ramón Mercador-Jacques Monard teria que ser necessariamente um homem sempre gentil, simpático, encantador, que tratasse a moça como uma deusa.

Uma vez no Méxco, Ramón Mercader-Jacques Monard disse a Sylvia que, para poder fugir da guerra na Europa, tinha passado a usar o passaporte canadense em nome de Frank Jacson.

O Jacques Monard-Frank Jacson feito por Alain Delon no filme de Losey, no entanto, não trata a namorada – aqui com o nome de Gita Samuels, repito – com gentileza, simpatia, charme. Muito ao contrário: em diversas ocasiões, é grosseiro com ela. E ela também muitas vezes se mostra aborrecida com ele.

Fica, então, uma situação absolutamente sem sentido: se o cara não é comunista, sequer liga para política, e ainda por cima é grosseiro, por que raios a auxiliar de Trotski continuava com ele?

Esse erro do roteiro, da direção, dos atores é um absoluto horror. Ele derruba o filme.

Aquilo fica sem sentido. É uma situação que não pára de pé, é inverosssímil, agressivamente falsa.

E ainda por cima o roteiro se meteu em “simbolismos e visões psicológicas”, como bem disse Steven H. Scheuer em seu guia.

A tal sequência em que Ramón Mercader- Jacques Monard-Frank Jacson está com Sylvia Ageloff-Gita Samuels numa praça de touros lotada, citada pelo livro Cinema Year by Year, é o ponto mais baixo do filme. É uma coisa horrorosa, pavorosa. Alain Delon faz uma expressão que mistura angústia e prazer diante do espetáculo sanguinolento, violento; Romy Schneider faz cara de asco, de horror. Ele a trata com rispidez, quase violência, sai caminhando velozmente, ela vai seguindo-o bestamente – é tudo falso, tudo sem o menor sentido. Mas pretendia-se mostrar ali uma analogia entre o touro ferozmente agredido para agradar à multidão com o líder revolucionário que luta por seus princípios. Ah, vá…

Na época, as pessoas retratadas ainda estavam vivas

É preciso sempre, sempre, sempre tentar contextualizar, tentar compreender as condições, o momento em que uma obra foi realizada.

Sim, já haviam se passado 32 anos entre o assassinato de Trotski, em agosto de 1940, e o lançamento do filme, em março de 1972. Pode parecer muito – não é. Em termos de História, 32 anos não são absolutamente nada.

Em 1972, Sylvia Ageloff ainda estava viva, no seu Brooklyn natal. Foi certamente para evitar processo movido por ela ou em nome dela na Justiça que o filme usou a identidade fictícia de Gita Samuels para a auxiliar de Trotski que foi usada por Mercader-Monard-Jacson para entrar na casa do líder revolucionário. Sylvia nunca deu entrevistas sobre os fatos, sobre sua relação com o homem que viria a ser o assassino; morreria em 1995, aos 85 anos.

Também estava vivo o próprio Ramón Mercader. Preso no momento do crime, foi salvo da morte pela própria vítima: Trotski – que morreria no hospital, horas depois – ordenou aos auxiliares que espancavam seu agressor que não o matassem: era necessário que ele sobrevivesse para contar sua história.

À polícia secreta do México, chefiada pelo coronel Salazar (o papel de Enrico Maria Salerno), jamais confessou que agiu a mando de Stálin, da NKVD, a polícia secreta stalinista. Sequer confessou sua verdadeira identidade: treinado na URSS para resistir à tortura, manteve durante todo o tempo a versão de que era Jacques Monard, cidadão belga. Condenado a 20 anos de prisão, foi libertado em 1960 e viajou para Havana, de onde seguiu em 1961 para a União Soviética. Foi condecorado com a medalha de Herói da União Soviética, uma das mais altas comendas do regime comunista.

Assim, quando o filme foi feito, em 1972, já se sabia da real identidade do assassino de Trotski, um tanto sobre sua vida, sua notória e óbvia ligação com a URSS. Ele passaria seus últimos dias em Cuba, onde morreu em 1978. Mas foi apenas após a dissolução da URSS, no início dos anos 90, com a abertura dos arquivos da então NKVD (que depois passou a se chamar KGB), que se conheceram os detalhes de toda a operação envolvendo Ramón Mercader.

É necessário ter em mente que muitas informações sobre Ramón Mercader e Sylvia Ageloff ainda não estavam disponíveis em 1972. Isso faz toda a diferença. Foi com base num volume muito maior de informações que o cubano Leonardo Padura pôde escrever o fabuloso romance O Homem Que Amava os Cachorros, publicado em 2009. E que, em 2016, o diretor e roteirista espanhol Antonio Chivarrías pôde fazer seu filme O Eleito/El Elegido. Co-produção México-Espanha, O Eleito acompanha a saga de Ramón Mercader desde 1937, quando lutava na Guerra Civil Espanhola, passa pelo seu treinamento na União Soviética, por sua temporada em Paris, onde, como Jacques Monard, conhece Sylvia Ageloff – para só então mostrar o casal na Cidade do México.

Bem diferentemente, os roteiristas Nicholas Mosley e Masolino D’Amico não dispunham de um gigantesco punhado dessas informações, quando escreveram o roteiro que Joseph Losey filmaria.

Assim, é preciso reconhecer que O Assassinato de Trotsky, mesmo não sendo um grande filme, é uma obra importante. Merece respeito.

Anotação em outubro de 2019

O Assassinato de Trotsky/The Assassination of Trotsky

De Joseph Losey, França-Itália-Inglaterra, 1972

Com Richard Burton (Liev Trotski), Alain Delon (Frank Jacson), Romy Schneider (Gita Samuels)

e Valentina Cortese (Natalia Sedowa Trotski), Enrico Maria Salerno (coronel Salazar, da polícia secreta do México), Luigi Vannucchi (Ruiz), Jean Desailly (Alfred Rosmer), Simone Valère (Marguerite Rosmer), Duilio Del Prete (Felipe), Peter Chatel (Otto), Jack Betts (Lou), Michael Forest (Jim), Carlos Miranda (Sheldon Harte), Joshua Sinclair (Sam), Pierangelo Civera (Pedro)

Roteiro Nicholas Mosley

Colaboraram (sem crédito) Masolino D’Amico e Franco Solinas

Fotografia Pasqualino De Santis

Música Egisto Macchi

Montagem Reginald Beck

Casting Guidfarino Guidi

Produção Dino de Laurentiis Cinematografica, Compagnia Internazionale Alessandra Cinematografica (CIAC), Cinétel, Joseph Shaftel Productions.

Cor, 103 min (1h43)

**1/2

6 Comentários para “O Assassinato de Trotsky / The Assassination of Trotsky”

  1. Eu vi o filme no cinema e não me lembro de quase nada. O que me impressionou mesmo e que não esqueci foi a brutalidade do homicídio; eu sabia que Trotsky tinha sido assassinado não sabia era da forma horrível que o assassino usou.
    Estaline e Hitler – as duas faces da mesma moeda.

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