A Morte de um Corrupto / Mort d’un Pourri

3.5 out of 5.0 stars

A Morte de um Corrupto, de 1977, é um belo filme. Com um elenco estelar, impressionante, narrativa sólida, envolvente, ritmo firme, fotografia impecável, trilha sonora brilhante, é um mergulho na corrupção não de um homem ou um grupo, mas de todo o sistema político de um país. No caso é a França, mas o que o filme parece querer deixar claro é que poderia ser qualquer um.

Deixa uma trava, um gosto ruim, uma sensação de desesperança no espectador. O que o diretor Georges Lautner nos passa, após 123 minutos de bom cinema, é que não há jeito, não há saída, não há salvação. Se os corruptos da vez forem finalmente pegos pela Justiça, ainda assim as coisas continuarão as mesmas: outros corruptos virão para assumir o lugar deles.

É uma moral da história de fato tenebrosa, desesperadora, assustadora, apavorante. Vai contra todas as nossas esperanças, vai contra aquilo em que eu acredito – mas é o que o filme nos deixa.

O filme começa com uma confissão de assassinato

A ação começa e termina no mesmo lugar: o amplo, belo apartamento de Xavier Maréchal, em um endereço fino de Paris, a Torre Eiffel bem à vista diante das amplas janelas da sala. Xavier Maréchal é o protagonista da história e o papel de Alain Delon, o astro e também o produtor do filme, belo como Apolo, aos 44 anos. O espectador verá que ele é o maior amigo e o braço direito de Philippe Dubaye, empresário de sucesso e deputado da Assembléia Nacional francesa (o papel de Maurice Ronet, na foto abaixo).

Na primeira sequência do filme, Xav, como os amigos o chamam, está na cama com a namorada, Françoise (Mireille Darc). São 4 e muito da madrugada, mas os dois não dormem, Françoise faz declarações de amor e quer declarações de amor em troca; Xav manda – com suavidade – ela dormir.

Toca a campainha, Xav vai abrir, é Philippe Dubaye. E ele rapidamente confessa para o amigo – e para o espectador – que, horas antes, naquela noite, matou um homem, um outro deputado, colega de Assembléia Nacional e de partido, Serrano (Charles Moulin).

O dono da casa está vestido com uma velha camisa de ficar em casa, aberta até a metade do peito, o cabelo despentado. O visitante está perfeitamente bem vestido, terno, gravata, camisa, tudo impecável.

Philippe: – “Serrano era um canalha.”

Xav: – “Ele não ajudou a te eleger?”

Philippe: – “Sim, ajudou. Esse foi o começo do problema.”

Xav: – “E das vantagens.”

Philippe: – “Sim, ganhei dinheiro. Não chega a ser bilhões, mas investimentos imobiliários, autorizações, licenças para construções, expropriações. Um dia eu dei um basta. Então Serrano mostrou cartas, recibos. Fui sugado de volta como um idiota. É assim que a corrupção funciona. Dois ou três acordos arriscados. Lembra daquele com Vaugirard? Depois disso, minha imagem ficou manchada. E Serrano sendo inocente! O partido quer que Dupaire pegue o meu lugar na circunscrição nas próximas eleições. Dupaire em meu lugar. Que merda! Isso significa o fim da minha carreira política e tudo o mais. Quando encontrei Serrano ontem à noite, minha carta de renúncia estava pronta, só esperando que eu assinasse.”

Vemos Philippe diante de Serrano, a carta de renúncia entre eles. A voz de Philippe continua agora em off, continuando o relato para o amigo Xav e para os espectadores: – “Se não assinasse, ele falaria com a imprensa. Ele tinha um arquivo meu lá, com três ou quatro páginas. Ele guardou no cofre. Mas não trancou.”

Vemos em close-up a porta do cofre não fechada. Philippe continua relatando o que aconteceu: – “Ele disse: ‘Política não é tudo.’ Estava caçoando de mim. Fiquei transtornado. Dei um tapa nele. Brigamos. Ele estava quase me estrangulando.”

A imagem que vemos desmente o que Philippe está dizendo. Philippe e Serrano não estão brigando. Philippe havia se levantando, estava dando a volta em torno da mesa do companheiro que agora o chantageava. Vemos um peso de papel sobre a mesa.

“Para me defender” – prossegue Philippe –, peguei um peso de papel. Poderia ter sido qualquer coisa. Ele caiu. Não achei que tivesse acertado com tanta força.”

Corta a cena do assassinato, voltamos a ver Philippe e Xav na sala do apartamento deste último.

Um quem é quem da corrupção na França

Xav pergunta a que horas exatamente aconteceu – tinha sido por volta de 10 da noite anterior. E o que ele fez depois?, pergunta Xav. Philippe diz que havia uma sessão noturna no Parlamento, e então ele apareceu por lá, para ser visto. – “Quando cheguei à Assembléia, eram quase 11 horas.”

Aí Xav se espanta: – “Entre 10 e 11 é um longo tempo.”

A câmara focaliza agora em close-up o rosto belo de Philippe Dubaye-Maurice Ronet, enquanto ele diz: – “Eu sei. E você, o que estava fazendo?”

Close-up agora no rosto belo de Alain Delon-Xavier Maréchal: – “Eu estava com você”.

Estabelecem ali o álibi: entre as 10 e as 11 horas da noite anterior, os dois amigos estavam jantando juntos, na casa de Philippe, comendo a sempre deliciosa comida de Christiane, a mulher do deputado – o papel de Stéphane Audran.

Amigo firme, fiel, leal, Xav se oferece para ir, naquela manhã mesmo, ao prédio onde Serrano tem seu escritório, o lugar em que o corpo seria encontrado. Ele seria o primeiro a falar à polícia que, na noite anterior, estava ao lado de Philippe.

E assim faz. No conjunto de salas que Serrano ocupava, num gigantesco prédio da região de La Défense, onde o corpo havia sido encontrado pouco horas antes, Xav é interrogado por dois comissários de polícia, Moreau (Michel Aumont) e Pernais (Jean Bouise). Nenhum dos dois parece acreditar muito na história do jantar a três na casa de Philippe no horário do crime. Parece óbvio demais que aquilo é um álibi forçado, montado.

Bem rapidamente vai ficando claro para todos os personagens que vão aparecendo, tanto os da política quanto os dois comissários da polícia, e portanto também para os espectadores, que Serrano mantinha em seu cofre um dossiê vasto, um quem é quem da corrupção da Quinta República, uma coleção de documentos que comprova quem levou dinheiro de quem para fazer o quê. E que esse dossiê havia sido levado por Philippe Dubaye, logo após ele ter assassinado Serrano.

E não demora quase nada para todos ficarem sabendo que, naquele longa hora entre as 10 e as 11 da noite, entre o momento em que matou Serrano e o momento em que apareceu na Assembléia fazendo questão de ser visto, Philippe levou a preciosíssima pasta de documentos para uma moça, da qual ninguém havia ainda ouvido falar – nem mesmo Xav, o amigo fiel.

O dossiê, o quem é quem da corrupção na política francesa, estava nas mãos da namorada de Philippe, uma jovem de beleza assustadora, Valérie – o papel de Ornella Muti (na foto abaixo).

O assassino do colega é logo assassinado

Philippe fala de Valérie para Xav na noite seguinte à do assassinato de Serrano. Conta onde ela está – nos arredores de Paris, a uma distância razoável.

Quando Xav vai de carro até onde está Valérie, junto com o amigo deles, o zelador do prédio do escritório da empresa de Philippe e Xav, Kébir (interpretado por ator do mesmo nome, Kébir), são perseguidos por dois homens, tudo indica que assassinos de aluguel não se sabe trabalhando para quem. Há um tiroteio, Kébir é morto. Xav consegue se encontrar com Valérie, e fogem de volta para Paris, onde ela se esconde na casa de uma grande amiga.

Naquela mesma noite, Philippe é assassinado. Seguramente por alguém que estava atrás do dossiê de Serrano – mas quem? Àquela altura, todos os políticos franceses importantes estavam atrás do dossiê de Serrano, para destruí-lo, para tirar dele a parte que cabia a cada um e fazer aquilo desaparecer.

O que foi relatado acima é mostrado nos primeiros 30 minutos do filme. Não revelei nenhum spoiler.

Nos créditos iniciais, os nomes de vários bambas

É um roteiro espantosamente bem feito. Há tensão do princípio ao fim dos 123 minutos de filme, que passam bem depressa. Os personagens são bem construídos, as situações são claras, impactantes, há até ação para quem gosta de ver cenas de ação.

É um roteiro de thriller policial-político para nenhum amante de thrillers policiais ou políticos botar defeito – e é fantástico que os créditos iniciais não identificam quem escreveu o roteiro.

Os créditos iniciais de Mort d’un Pourri são maravilhosos. São tomadas aéreas de Paris, do conjunto de prédios de Paris, das grandes avenidas, dos grandes boulevards. Não tomadas feitas de muito alto, e não dos grandes patrimônios históricos, das maiores atrações turísticas. Não: são tomadas aéreas, mas baixas, dos tetos dos prédios de Paris – aquele conjunto arquitetônico todo que seguramente é o mais belo, porque homogêneo, constante, regular, de todo o planeta.

Impressiona a quantidade de grandes nomes que aparecem nos créditos, enquanto vamos vendo aquelas imagens de beleza acachapante. Nem queria falar ainda dos atores – queria deixar os atores para depois. São só grandes nomes nas posições mais fundamentais. O diretor de fotografia é Henri Decae, um dos melhores de toda a História do cinema, o sujeito que é sinônimo da fotografia do cinema francês nos anos 1960 e 1970, o cara que fez a imagem da nouvelle vague.

O autor da trilha é Philippe Sarde, o compositor que está para Claude Sautet como Nino Rota para Federico Fellini, como Bernard Herrmann para Alfred Hitchcock, como Pino Donaggio para Brian de Palma – mas, além de ter musicado As Coisas da Vida, César e Rosalie, Vincent, François, Paul e os Outros, Mado, Uma História Simples, Um Coração no Inverno, Minha Secretária, fez ainda as trilhas para Tess e O Inquilino, de Roman Polanski, e, para o realizador Georges Lautner, musicou também, além deste Mort d’un Pourri, Flic ou Voyou e Le Guigonolo.

Os solos de saxofone são de Stan Getz – e são extraordinários.

Henri Decae, um dos bambas da fotografia. Philippe Sarde, um dos bambas das trilhas sonoras. Stan Getz, um dos bambas do jazz.

Os diálogos são de outro bamba, Michel Audiard. O nome dele aparece em destaque nos créditos iniciais, comme il faut. A cinematografia francesa, mais que nenhuma outra, dá destaque aos autores dos diálogos e a quem fez a adaptação da história original – romance, uma peça teatral – para o cinema. A maioria das outras cinematografias não traz, nos créditos, o nome do autor dos diálogos nem do autor da adaptação. O cinema americano, o inglês, o sueco, o italiano, o espanhol, o brasileiro, o argentino, todos eles, e muitos outros, em geral dão de barato que quem escreve o roteiro escreve também os diálogos, e foi o responsável por adaptar a história original para a linguagem cinematográfica.

Os franceses, não – os franceses são diferentes. Na imensa maioria dos créditos dos filmes franceses, destaca-se o nome do autor/dos autores da adaptação e dos diálogos.

Pois este Mort d’un Pourri foge da tradição. Nos créditos iniciais, aparece: “Do romance de Raf Vallet, das Editions Gallimard, Collection Carré Noir. Diálogos Michel Audiard.”

Não há qualquer referência ao autor da adaptação e do roteiro.

E Raf Vallet não existe – é apenas um pseudônimo usado pelo escritor Jean Laborde.

Aprendo agora, depois de ver este filme fascinante, que Jean Laborde (1918-2007) é, segundo diz o AlloCiné, o site que tem tudo sobre o cinema francês, um repórter do France-Soir especializado em casos do Judiciário, autor de duas dezenas de romances lançados na Série Negra (das Editions Gallimard). Alguns desses romances foram adaptados com sucesso para o cinema: Les Bonnes Causes (1962), Le Pacha (1967), Adieu Poulet (1975).

Le Pacha foi também dirigido por Georges Lautner. Mas não encontrei informação alguma de que tenha sido o próprio Jean Laborde que tenha trabalhado no roteiro deste A Morte de um Corrupto para o diretor Lautner.

Um filme de grande elenco e de belos diálogos

Me impressiona como este filme tão bom, e com tantos grandes nomes, não tenha tido o amplo reconhecimento que deveria ter. Assim como impressiona que Georges Lautner não tenha tido maior fama.

Nascido em Nice em 1926 e morto em Neuilly-sur-Seine em 2013, aos 87 anos, Lautner dirigiu 47 títulos, entre 1958 e 2000. Fez filmes com alguns dos maiores atores do cinema francês de seu tempo: além da plêiade que reuniu aqui neste Mort d’un Pourri, filmou com Jean Gabin, Jean-Paul Belmondo, Lino Ventura, Bernard Blier, Patrick Bruel.

Dele diz Jean Tulard em seu Dicionário de Cinema – Os Diretores: “Sua carreira é desigual. (…) Pode-se ver uma ponta de humor negro, característica do diretor, em obras como O Testamento de um Gângster, Um Morto em Meu Caminho. Lautner dá mostras aí de um domínio sólido de sua profissão e sabe contar uma história sem perder tempo (Il était une fois un flic). Eu e Meus Amantes marca uma etapa importante na emancipação da mulher nas telas: Mireille Darc parece mais independente e mais integrada ao mundo urbano no qual trabalha do que a Brigitte Bardot de 1956.”

E, especificamente sobre este filme:

A Morte de um Corrupto, baseado em um romance policial de Ralph Vallet, vale pela duplo Delon-Ronet, mas também pelo olhar sem complacência pousado sobre a ética política da Quinta República.”

“Ralph Vallet”? De onde diacho saiu isso na edição brasileira do Dicionário do Jean Tulard? O pseudônimo do cara é Raf Vallet, R A F, que nem a Royal Air Force britânica.

De fato me impressiona como o filme e seu autor são subvalorizados. Os Movie Guides de Leonard Maltin, os guias de filme mais vendidos do mundo, na época em se vendiam guias de filmes, não incluem A Morte de um Corrupto. O Cinemania, extraordinário CD-ROM lançado até 1997 pela Microsoft, reunindo as resenhas de Maltin, Pauline Kael e Roger Ebert, não tem um verbete sobre George Lautner. Um absurdo.

E o fantástico Guide des Films de Jean Tulard é bastante sucinto sobre o filme. É verdade que dá a ele 3 estrelas – e o guia é muito severo, dá 3 estrelas para um número reduzido de obras. Mas não se alonga na apreciação: “Que elenco! Um festim! Os diálogos de Audiard, desta vez, não são muito invasivos, e termina-se por entrar nesse thriller político forte e bem estruturado.”

Sucinto, mas quase sempre ótimo, perfeito.

Um filme de grande elenco e de belos diálogos.

O quarto e último filme com Delon e Ronet  

Foi o terceiro filme em que Georges Lautner dirigiu Alain Delon. Antes, diretor e ator haviam feito juntos Il était une fois un flic… (1972), e Les Seins de Glace (1974), ambos sem título no Brasil – e ambos também estrelados por Mireille Darc.

Foi o quarto filme que reuniu Alain Delon e Maurice Ronet – o quarto e último. Os dois mais belos atores do cinema francês nos anos 60 e 70 estrelaram O Sol por Testemunha/Plein Soleil em 1960, o filme de René Clement que encantou uma geração inteira; estiveram juntos em A Patrulha da Esperança/Lost Command (1966), de Mark Robson; e de novo em A Piscina/La Piscine (1969), de Jacques Deray.

E é fascinante lembrar que, em O Sol por Testemunha, uma Romy Schneider muito jovem, que começava a namorar Alain Delon, tem um pequenino papel como uma garota que se encontra com os personagens de Delon e Ronet em Roma. Em A Piscina, ela e Delon se reencontraram como bons amigos depois que o caso de amor já havia acabado.

Na época de A Morte de um Corrupto, Delon e Mireille Darc viviam juntos; foram casados, embora não no papel, entre 1968 e 1982.

Mireille Darc, que aqui faz a namorada de Xav, o personagem de Delon, começou a carreira exatamente no ano em que Delon e Ronet se reuniram em O Sol Por Testemunha, 1960. Um de seus primeiros grandes papéis foi como a personagem título de Galia: Eu e Meus Amantes/Galia, de 1966 – um filme dirigido por Georges Lautner.

Mireille Darc morreria em 2017, aos 79 anos. Deixou uma filmografia de 77 títulos.

Maurice Ronet morreu jovem demais, aos 55 anos, em 1983.

Aos 86 anos, Alain Delon foi o grande homenageado do Festival de Cannes de 2019.

Corruptos são afastados, chegam novos corruptos

Alain Delon, Maurice Ronet, Mireille Darc – e também Ornella Muti, Stéphane Audran, Klaus Kinski e Jean Bouise.

Pouca gente, acho, sabe quem é Jean Bouise (na foto acima), une o nome à figura, e creio que nunca foi o ator principal, o protagonista de um filme, mas tenho grande admiração por ele. Bem ao contrário de Delon e Ronet, Jean Bouise (1929-1989) é um sujeito feio, danado de feio. E usava sempre óculos e um bigodão gigantesco, espesso. Trabalhou em mais de 100 filmes – e foi dirigido por diversos dos diretores importantes do cinema francês dos anos 60 aos 80. Trabalhou com Alain Resnais (A Guerra Acabou, 1966), Costa-Gavras (Z, 1969, A Confissão, 1970, Sessão Especial de Justiça, 1975), Claude Sautet (As Coisas da Vida, 1970, Mado, um Amor Impossível, 1976), Claude Lelouch (Edith e Marcel, 1983, Partir, Revenir, 1985), Luc Besson (Subway, 1985, Imensidão Azul, 1988, Nikita: Criada para Matar, 1990).

Dois homens bonitos, três mulheres belas – Mireille Darc, Stéphane Audran e, meu Deus do céu e também da terra, Ornella Muti. E dois homens bem feios: além de Jean Bouise, Klaus Kinski (na foto abaixo).

Consta que Georges Lautner temeu um pouco o que poderia ser a convivência com Klaus Kinski, tido como um ator de temperamento rígido, de difícil trato. E, no entanto, o excelente ator alemão se revelou um doce, de uma gentileza ímpar.

Klaus Kinski faz o papel de Nicolas Tomski, uma figura um tanto misteriosa, um bilionário que consegue que procuradores de Justiça e outras autoridades façam o que ele deseja. Só bem para o final do filme fica claro que Tomski é assim uma eminência parda que domina todo o mundo da corrupção dos políticos franceses.

Há um longo, impressionante diálogo entre Nicolas Tomski-Klaus Kinski e Xavier Maréchal-Alain Delon. Acontece no castelo que o milionário tem nos arredores de Paris, após uma caçada. Tomski ensina para o rapaz que anda procurando se vingar da morte do grande amigo, e ameaçando revelar os segredos dos políticos corruptos: – “Não temos mais amigos, apenas sócios. Não temos mais inimigos, apenas clientes. O capital não tem mais fronteiras. Sr. Maréchal,”

Xav: – “Assim como a corrupção, suponho…”

Tomski: – “É por isso que a publicação do dossiê Serrano não mudará nada. Eu seria deixado de lado, dois ou três esquemas políticos seriam destruídos, o senhor iria para a prisão. Mas isso não mudaria fundamentalmente nada.”

Xav: – “Penso que o senhor menospreza um pouco, um pouquinho, a opinião pública.”

Tomski: “Em que a opinião pública modificou o caso Lockheed?”

(Lembrando: o filme é de 1977. O caso Lockheed – uma espécie de caso Odebrecht em escala planetária – estava fresco na memória do público. Dos anos 50 aos 70, a americana Lockheed distribuiu propinas  mundo afora, para ser a escolhida para fornecer seus aviões civis e militares aos governos. Estava igualmente bem fresco na memória do público o caso Watergate, que levou à renúncia do presidente Richard Nixon em 1974.)

Xav: – “E o caso Nixon?”

Tomski: – “Aquele não foi um caso de dinheiro, mas de moral.”

Xav: – “Ah! Então existe uma moral!”

Tomski: – “Tranquilize-se, esse permanecerá o caso do século. Senhor Maréchal, o senhor é honesto como nossos antepassados eram. Infelizmente, isso não significa nada hoje em dia. O seu último grande chefe de Estado não afirmou que vocês são ‘bezerros’? Então o que importa para um ‘bezerro’ que um secretário de Estado ou um chefe de gabinete tenha ficado rico um pouco depressa demais? O senhor acha que a situação econômica seja afetada? Ora! O essencial é construir, produzir, dar aos bezerros aquilo que eles desejam, para consumir, para beber, para fazer sexo.”

É de machucar a coração de qualquer pessoa que tenha esperança de que o mundo pode ficar melhor.

“Um retrato dos líderes políticos de nosso tempo”

Encontro na internet um texto que dá ao filme o tratamento que ele merece. É um longo, bem longo texto assinado por Julien Léonard e postado em março de 2015 num site interessantíssimo, dvdclassik.com.

Eis um pequeno trecho:

Mort d’un pourri permanece um dos melhores filmes noir franceses dos anos 1970, e um clássico do gênero thriller de maneira geral. Seu roteiro eficaz e o prazer obtido por cada uma das situações, no seio das quais há uma curiosa mistura de diálogos amargos e picantes, fazem dele um momento muito belo do cinema popular que encontrará facilmente seu público. Os amadores adorarão, os leigos também, por pouco que eles se deixem levar por um ritmo cuja dinâmica de velocidade variável privilegie antes de mais nada uma atmosfera única em seu gênero, e cujo olhar sobre nossa sociedade política não envelheceu de forma alguma. Melhor: o discurso de Mort d’un pourri encontra ainda mais sua ressonância em um mundo dominado pelo dinheiro, pelo lucro e pelos esquemas de todos os tipos. Mort d’un pourri não é nada mais, infeliz e tragicamente, que um retrato dos verdadeiros líderes políticos de nosso tempo. E seu desencanto permanente não faz senão reforçar sua natureza lúcida e melancólica.”

Anotação em abril de 2019

A Morte de um Corrupto/Mort d’un Pourri

De Georges Lautner, França, 1977

Com Alain Delon (Xavier Maréchal, Xav)

e, na ordem dos créditos iniciais, Ornella Muti (Valérie), Stéphane Audran (Christiane Dubaye), Klaus Kinski (Nicolas Tomski), Michel Aumont (comissário Moreau), Jean Bouise (comissário Pernais), Julien Guiomar (Fondari), Daniel Ceccaldi (Lucien Lacor), Xavier Depraz (Marcel), Henri Virlojeux (Paul), François Chaumette (Lansac),

com as participações especiais de Mireille Darc (Françoise), Maurice Ronet (Philippe Dubaye),

e ainda Charles Moulin (Serrano), Colette Duval (a secretária de Serrano), El Kebir (Kébir. o zelador), Gérard Hérold (Dupaire, o primeiro-ministro)

Baseado no livro de Jean Laborde, sob pseudônimo de Raf Vallet, das Editions Gallimard, Collection Carré Noir.

Diálogos Michel Audiard       

Fotografia Henri Decaë

Música Philippe Sarde  

Solos de Stan Getz

Montagem Michelle David     

Casting Anita Benoist

Produção Alain Delon, Adel Producions. DVD Versátil.

Cor, 123 min (2h03)

***1/2

Título nos EUA: Death of a Corrupt Man.

4 Comentários para “A Morte de um Corrupto / Mort d’un Pourri”

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