Os Escritos Secretos / The Secret Scripture

Nota: ★★☆☆

Os Escritos Secretos/The Secret Scriptures é um daqueles filmes que a gente começa a ver com a certeza de que virá coisa boa. O diretor (e também co-autor do roteiro) é Jim Sheridan, um irlandês de filmografia admirável, impressionante.

Sheridan dirigiu Meu Pé Esquerdo (1989), Em Nome do Pai (1993), O Lutador (1997), Terra de Sonhos (2002), Entre Irmãos (2009). Todos eles  filmes muito bons. Tem nada menos que seis indicações ao Oscar.

O elenco tem a deusa Vanessa Redgrave e a jovem Rooney Mara, mais Eric Bana e Susan Lynch.

É um drama pesado, duro: Venessa e Rooney interpretam a mesma personagem, Roseanne McNulty, uma mulher que, em 1942, foi internada num hospício no interior da Irlanda, após ter sido acusada de matar com pedradas seu filho recém-nascido, e lá ficou ao longo de mais de 50 anos.

Por mais de 50 anos, afirmou ser inocente, garantiu não ter matado o filho. Por décadas, foi tratada com drogas e choques elétricos.

Quando a ação do filme começa, o imenso prédio do hospício – mantido, ao menos em parte, pela Igreja Católica – havia sido vendido a um grupo que iria transformá-lo no hotel chique, um spa. Os últimos internados ali teriam que ser levados para outros lugares. Não havia nenhum familiar que quisesse cuidar de Rose. Mas uma carta do arcebispo da região pedia que, antes de ser retirada à força do lugar e encaminhada a alguma outra instituição, Rose fosse examinada por um psiquiatra específico, um profissional respeitado, o dr. Greene (o papel de Eric Bana).

A ação vai e vem no tempo

Rose é uma velha cheia de tiques, manias, que de fato parece, à primeira vista, louca de pedra. Mas o dr. Greene é um sujeito cuidadoso, atencioso, e leva a sério o pedido que havia sido feito a ele para examinar a paciente.

Começa a chegar perto da mulher. A princípio, Rose não quer saber, mas depois começa a ceder. Na aproximação com Rose, o psiquiatra tem a ajuda de uma jovem enfermeira de coração bom, dedicada, que tem simpatia pela velhinha cheia de manias – o papel de Susan Lynch.

A chave para se conhecer Rose e seu passado é uma velhíssima Bíblia, na qual Rose foi, nos espaços em branco no alto, na parte de baixo,  nas laterais, escrevendo um diário. Um diário escrito ao longo de mais de 50 anos, nas beiradas de uma velha Bíblia. Daí o título original, The Secret Scriptures.

(Aparentemente, o filme não foi lançado no circuito comercial brasileiro. Passou na TV a cabo com o título de Os Escritos Secretos – um título distante do original, já que “escrituras” é algo bem diferente de “escritos”.)

A ação vai e vem no tempo. Vemos sequências com a velha Rose, o dr. Greene e a enfermeira no velho prédio do hospício que já está quase inteiramente desocupado, alternadas com sequências da época em que Rose era jovenzinha, no início dos anos 40, a época em que a Inglaterra estava em guerra contra a Alemanha nazista, mas a Irlanda não participava do conflito.

Todo mundo se apaixonava pela jovem Rose

A jovem Rose vivia em Belfast, na Irlanda do Norte, que, como parte do Reino Unido, era atacada pelos aviões nazistas. Foi no início da guerra que Rose, já à época órfã de pai e mãe, perdeu o emprego em Belfast e então se mudou para a cidadezinha litorânea da República da Irlanda em que morava sua tia Eleanor (Aisling O’Sullivan), única irmã da mãe. A tia Eleanor, pessoa rígida, moralista, conservadora, careta, tinha um pequeno hotel e um bar-confeitaria, onde Rose passou a trabalhar.

Foi nesse lugar em que morava a tia – Ballytivnan – e em seus arredores que tudo aconteceu.

Rose conheceu Michael McNulty (Jack Reynor) – e foi paixão à primeira vista, devastadora, definitiva. Um sujeitinho de aparência sinistra, um tal McCabe (Tom Vaughan-Lawlor), no entanto, na mesma hora a advertiu que ela deveria escolher entre “os britânicos” e “nós” – definindo Michael como um britânico, apenas porque o rapagão se alistou na RAF, a Royal Air Force da Grã-Bretanha, para lutar contra o nazismo e o fascismo.

Pior: todos os rapazes de Ballytivnan se apaixonaram por Rose.

Pior: a tia Eleanor, aquele poço de moralismo provinciano, passou a advertir Rose contra a tendência que ela parecia ter herdado da mãe de atrair os homens e se tornar “fácil” – embora a coitada da moça não fosse “fácil” com absolutamente ninguém.

E pior, o pior de tudo, o horror dos horrores: entre todos os jovens do lugar que se apaixonaram por Rose estava o padre Gaunt (Theo James). E a paixão do padre Gaunt iria se revelar louca, doentia – e altamente perigosa.

Uma coisa sem jeito, sem lógica, irreal demais

Essa história de muito drama, mas muito, muito drama foi escrita por  Sebastian Barry, de quem eu jamais ouvira falar, e a quem a Wikipedia nos apresenta da seguinte maneira:

“Sebastian Barry (nascido em 5 de julho de 1955) é um dramaturgo, romancista e poeta irlandês. Ele é conhecido por seu estilo literário denso e  considerado um dos melhores escritores irlandeses. Começou mais voltado para a poesia, depois ficou conhecido como um dramaturgo que de vez em quando escrevia romances e, mais recentemente, sua narrativa de ficção tem tido mais sucesso que seu trabalho no teatro. O romance The Secret Scripture, publicado em 2008, recebeu dois prêmios literários, o Costa Book of the Year e o James Tait Black Memorial Prize.”

Não li e muito certamente não vou ler o romance The Secret Scripture, mas o fato é que o filme baseado nele, embora dirigido por esse grande realizador, e com bons atores, vai se transformando, em especial depois da metade, em um dramalhão que a mim pareceu dramalhão demais – e, ao fim e ao cabo, miseravelmente folhetinesco, novelesco.

É muita tragédia demais na vida dessa pobre Rose. E é gente demais que parece se unir para tornar a vida dela um inferno. Uma coisa sem jeito, sem lógica, sem explicação, irreal demais, muito mais chegado a um novelão mexicano ou global de má qualidade que a qualquer coisa que pareça com a vida real.

E a eterna coisa de condenar a Igreja Católica e seus representantes por todas, ou quase todas as desgraças que acontecem na Irlanda me desagradam profundamente. Me enchem profundamente o saco.

Dá saudade dos filmes em que Jim Sheridan mostrava, com brilho, a Irlanda dividida, em luta contra a opressão britânica nos tempos de Margareth Thatcher – Meu Pé Esquerdo, Em Nome do Pai, O Lutador. Do tempo em que ele mostrava, com rigor, firmeza, mas imensa simpatia, a dura vida de irlandeses tentando se estabelecer nos Estados Unidos – Terra de Sonhos.

Vira uma bagunça atrapalhada

Como minha opinião não vale mais que uma moeda de 3 guaranis furada, e cada um tem direito à sua, gosto de procurar alguma outra visão quando falo mal de um filme. Assim, transcrevo aqui um pouco da crítica da Variety, a revista que é sinônimo de show business nos Estados Unidos. O texto é assinado por Andrew Barker.

“Não demora muito tempo para que o romance de época de Jim Sheridan The Secret Scipture se contorça e se transforme numa bagunça atrapalhada. Mas, num primeiro momento, parece ter tudo para dar certo. Tem um ilustre elenco com Rooney Mara, Vanessa Redgrave e Eric Bana, e, no comando, um homem seis vezes indicado ao Oscar. O romance que deu origem ao filme, de Sebastian Barry, de 2008, foi bem recebido e premiado, e o belo desenho de produção e a fotografia dão a ele um brilho de prestígio que tinham os filmes da Miramax.

“E no entanto o filme falha em combinar bem suas facetas de romance do tempo da guerra, intriga psicológica e escândalos em que a Igreja Católica é culpada, e muitas vezes falha em fazer sentido no nível mais essencial. Um caso clássico de uma adaptação literária que captura os adornos de sua fonte sem saber lidar com sua história ou tema. The Secret Scripture é uma casa com uma bela decoração construída em cima de geléia, com um banheiro onde deveria ficar o tanque da cozinha. Parece agradável ao primeiro olhar, mas se você passar algum tempo as coisas começam a ficar complicadas.”

E Andrew Barker termina sua crítica assim:

“Redgrave traz um toque de classe para cada uma de suas cenas, mesmo quando seu personagem parece estar fundo na demência, e Bana mantém um ar de autoridade mesmo quando o roteiro e seu irregular sotaque irlandês conspiram contra ele.”

Lembrando: nenhum dos três atores principais do filme é irlandês, seja da República da Irlanda, seja do Ulster. Eric Bana é australiano de pai croata e mãe de ascendência alemã. Vanessa Redgrave é inglesérrima, filha de atores, neta de ator, irmã de atrizes, mãe de atrizes. Rooney Mara é americana do Estado de Nova York.

“… e seu irregular sotaque irlandês conspira contra ele. Mara tem uma tarefa muito mais difícil: o melhor do filme é quando ele vai de maneira simples, e a atriz obtém simpatia como um involuntário objeto de desejo de uma pequena cidade patriarcal. Mas quando o filme vai numa espiral em diversas direções, há pouca coisa do personagem em que se possa agarrar, e eventualmente ela se descobre tentando se manter de pé enquanto todos a colocam sob os holofotes. Lutando para seguir em frente, nós na audiência sabemos exatamente como ela se sente.”

É. Desta vez, o ótimo Jim Sheridan errou.

Anotação em abril de 2019

Os Escritos Secretos/The Secret Scripture

De Jim Sheridan, Irlanda, 2016.

Com Rooney Mara (Rose jovem), Vanessa Redgrave (Rose velha), Eric Bana (Dr. Grene, o psiquiatra de fora), Theo James (padre Gaunt), Susan Lynch (enfermeira Caitlin), Jack Reynor (Michael McNulty), Adrian Dunbar (Dr. Hart, o psiquiatra do lugar), Aisling O’Sullivan (Eleanor Prunty, a tia), Aidan Turner (Jack Conroy), Tom Vaughan-Lawlor (McCabe), Pauline McLynn (Anne McCartney), Brian Fortune (analista), Omar Sharif Jr. (Daniel O’Brien), Elva Trill (mulher grávida), Laurence O’Fuarain (detetive), Nika McGuigan (Chrissie)

Roteiro Jim Sheridan e Johnny Ferguson

Baseado no livro de Sebastian Barry

Fotografia Mikhail Krichman

Música Brian Byrne

Montagem Dermot Diskin

Casting Frank Moiselle e Nuala Moiselle

Produção Screen Ireland, Apollo Media, Ferndale Films.

Cor, 108 min (1h48)

**

Título na França: Le Testament Caché. Em Portugal: Escritos Secretos.

8 Comentários para “Os Escritos Secretos / The Secret Scripture”

  1. Você assistiu errado. Fineza assistir de novo.
    Direciono a ti suas próprias palavras: desta vez, VOCE ERROU.

  2. Quanto sotaque, para brasileiro não faz diferença pois não notamos nada. Mas jogar a moça nas mãos da desgraça pode ter acontecido por lá naquele tempo de preconceitos, pouco entendido por nos brasileiros que não dão valor à sua história de liberdade de escolha. O filme é ótimo e precisa ser visto mais de uma vez para ser captado na íntegra.

  3. Caro Senhor Crítico, se você é o Sérgio Vaz da Cooperifa,use o texto de uma excelente pensata sua:
    ” Meu coração é cheio de pássaros
    por isso
    nunca me dei bem
    com gaiolas ”

    Saia dessa cilada! Continue o Poeta que você o seja com tanta sensibilidade criativa e sem ressentimentos amargos quando fala do trabalho do outro. Esse lugar não é para ser gasto coma sua boa poética. Tenha certeza disso,ainda que seja um mero “freela” com um cachê etc.
    Saia disso.
    Seus livros são muito,mas, muito melhores que isso.
    Sucesso total na sua Poesia.
    Vida longa à Cooperifa!…

  4. O filme é lindo!!!! Recomendo! A música é maravilhosa, a fotografia perfeita. Assista com o coração e pare de ficar pensando seu chato!!!!

  5. Vi esse filme hoje, em 2023, na HBO Max. Por acaso, já que está bem escondido. Achei lindo e que bom que Jim Sheridan não é tão cerebral e nos deixou aquele final lindo! A Irlanda ( tanto a República quanto a do Norte ( onde se passa a história), foi um poço de puritanismo e preconceito religioso. Meninas bonitas que não seguissem a cartilha da época sofriam o diabo em internatos católicos para onde eram mandadas pelos próprios pais a conselho de padres. Há vários livros sobre o tema e outro filme lindo (esqueci o título) com a Judy Dench. Obrigada pela sensibilidade, Jim Sheridan!

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