A Visita / The Visit

Nota: ★★★½

A Visita, de 1964, baseado na peça do suíço Friedrich Dürrenmatt de 1956, é um filme forte, virulento, atordoante. Daqueles de não deixar espectador algum indiferente, impassivo. Bem ao contrário: é daqueles de deixar o espectador atordoado, assombrado, aturdido, atônito.

Desde as primeiras cenas – uma pequena cidade inteira se preparando para receber a visita de uma velha senhora que havia nascido e crescido ali, casara-se com um biliardário do petróleo, ficara viúva e era agora uma das pessoas mais ricas do mundo. Güllen – uma cidade fictícia, localizada em algum país da Europa Central – está decadente, pobre, a mina fechou, as fábricas fecharam, não há emprego, e todos esperam que a velha senhora biliardária possa ajudá-los.

Há uma agitação frenética na cidadezinha. Prepara-se um coral infantil, ajeita-se uma banda de música. O prefeito, os homens mais proeminentes, os trabalhadores, os humildes, os pobres, todos se vestem com suas melhores roupas para receber a visita da mulher que poderá salvar a cidade da miséria. Faixas são erguidas saudando a visitante.

A filha pródiga que à casa torna é esperada no único trem que pára na cidade a cada semana – os outros passam direto, não há motivo para parar ali naquele lugarejo empobrecido.

Ouve-se o ruído de um trem que vem ao longe, e algumas pessoas se movem nervosamente, na expectativa, mas alguém lembra que aquele é o expresso diplomático, que passa direto por ali.

No entanto, alguém puxa o freio de emergência do expresso diplomático. A velha senhora biliardária, é claro. Karla Zachanassian – que vem na pele de Ingrid Bergman, o rosto mais belo que já passou diante de uma câmara de cinema.

Karla Zachanassian-Ingrid Bergman desce do trem com a pose de Rainha do Universo.

O prefeito (Ernst Schröder) e o dono da principal loja da cidade, Serge Miller, se adiantam para recebê-la. Já sabemos quem é Serge Miller – o papel de Anthony Quinn: ele foi namorado de Karla, quando os dois eram jovens adolescentes, uns 20 anos antes.

E Karla, com a pose de Rainha do Universo, se dirige a Serge com extrema gentileza, carinho. Como se recordasse do namoro deles como algo doce, suave, agradável.

Uns 20 minutos depois, Karla oferecerá à cidade decadente, empobrecida, nada menos que 2 milhões: 1 milhão para a municipalidade como um todo, 1 milhão para ser dividida igualitariamente, equanimemente, entre cada um de seus habitantes. Com uma condição: que Serge Miller seja executado.

Um filme assustador na forma e no conteúdo

Desde as primeiras cenas, A Visita deixa o espectador atordoado, assombrado, aturdido, atônito – pela história estranha, chocante, mas sobretudo, me parece, porque o filme vai contra as convenções às quais o espectador está acostumado. A Visita é um filme que foge do realismo como o diabo da cruz, como o corrupto da verdade. No aspecto formal, do ponto de vista da narrativa, é tudo, menos realista, naturalista. Não se parece com a realidade. É alegoria, simbologia, parábola, farsa, quase uma fantasia – é qualquer coisa, menos realista, naturalista.

Essa coisa da forma é tão assustadora quanto o que o filme, afinal de contas, mostra e quer dizer. A moral da história é que o ser humano não presta, a humanidade é uma invenção que não deu certo; por um punhado de dinheiro, as pessoas se vendem, abandonam suas crenças, deixam de lado a moral. E, quando estão em grupo, são ainda piores: são como gado, reagem como num estouro da boiada, abandonam toda e qualquer espécie de racionalidade, deixam de lado a ética, a escala de valores.

É uma história de fato chocante, apavorante

Ouvi falar desde sempre da peça A Visita da Velha Senhora, de Friedrich Dürrenmatt. Houve uma encenação histórica no Brasil em 1962, com direção de Walmor Chagas e Cacilda Becker no papel central, e mais Sérgio Cardoso, Eugênio Kusnet e Sérgio Mamberti no elenco. Apesar de toda a fama da obra, eu nunca a havia lido, e também não tinha visto o filme na época do lançamento ou pouco depois. Desconhecia completamente a sua trama, o seu tema. Confesso que levei um choque ao vê-lo agora.

Por esses processos da cabeça da gente que não conseguimos controlar, compreender, me lembrei, enquanto víamos A Visita, de Um Dia, Um Gato, a maravilhosa fantasia-alegoria-parábola-farsa dirigida por Vojtech Jasný na Checoslováqui de 1962, pouco antes da Primavera de Praga.

Seguramente à primeira vista parece estranhíssimo que A Visita faça lembrar Um Dia, Um Gato, mas os dois têm, sim, pontos de contato. A começar da época: o filme checo é de 1963, este A Visita é de 1964. Os dois fogem do realismo como o diabo da cruz, o vampiro da luz do dia – são isso aí, um tanto fantasia, um tanto alegoria, um tanto farsa. São  parábolas. Os dois usam uma pequenina cidade, um microcosmo, seus habitantes, como um exemplo de como é o mundo todo.

No entanto, afastam-se completamente, são antípodas quanto ao que querem dizer, quanto à moral da história. O filme do diretor checo ao final era esperançoso, tinha confiança nos seres humanos – apesar de tantos mentirosos, falsos, puxa-sacos, lambe-botas, calhordas, invejosos que há por aí. Enquanto A Visita, como já foi dito, está aí para dizer que de fato a humanidade é uma invenção que não deu certo.

A velha senhora agora que vingança

Karla Zachanassian faz sua oferta de 2 milhões para a cidade e seus habitantes – e logo em seguida sua única condição, a execução do ex-namorado – quando o filme está aí com uns 30 minutos. Faz a oferta e apresenta a condição no meio de um jantar de gala que reúne em torno dela todas as pessoas mais importantes da cidade.

Sentada entre o ex-namorado Serge Miller e o prefeito, ela diz para este último que, se ele tiver que fazer um discurso, que o faça logo. O prefeito faz o discurso, enquanto Miller puxa as seguidas salvas de palma para cada grande elogio feito a Karla. Quando o prefeito acaba, ela toma a palavra. Faz a oferta dos milhões, apresenta a condição – e conta, para as pessoas reunidas ali e também para os espectadores do filme, a sua história, e por que ela quer a morte do homem que namorou.

No passado distante, mais 20 anos antes, ela e Serge Miller se amavam. Ambos eram pobres de marré deci; ela ficou grávida, mas ele não quis se casar com ela. Ela entrou na Justiça pedindo que ele reconhecesse a filha; ele pagou dois homens para jurarem no banco de testemunhas que também já haviam transado com ela e portanto comprovar que ela era promíscua, o filho poderia ser de qualquer um. Tiraram dela a filha – que morreria com um ano de idade; órfã, sozinha, abandonada, ela tinha então ido para Trieste e se prostituído.

Depois a sorte mudou. Ela conheceu Zachanassian, o homem que era dono de 5% do petróleo do mundo, casaram-se, ela ficou viúva e bilionária – e agora queria vingança, justiça.

Não há um único bom caráter na história

Karla Zachanassian é um personagem detestável, em tudo por tudo. É soberba, se julga dona do mundo – e de fato consegue comprar tudo e todos, o que bem entender, com seu dinheiro que não tem fim. Tá: quando adolescente, comeu o pão que o diabo amassou. Foi abandonada pelo namorado que preferiu casar com uma mulher rica, foi traída por ele na Justiça, perdeu a filhinha, foi obrigada a se prostituir. Vivenciou o horror do horror. Mas passou a vida arquitetando vingança – foi ela que comprou a mina, as fábricas que existiam na cidade, só para fechá-las, para deixar as pessoas sem emprego, a cidade se deteriorando. E, após 20 anos, reaparece pedindo o sangue do homem que a abandonou.

Uma mulher detestável, em tudo por tudo – e talvez seja mais um motivo de estranhamento o fato de que o personagem vem na pele de Ingrid Bergman, essa atriz maravilhosa, adorável. É difícil ver Ingrid Bergman no papel dessa megera cruel.

No começo, esse Serge Miller que o filme apresenta até parece uma boa pessoa. É bastante querido pelas pessoas da cidade. E demonstra estar muito pouco à vontade com o fato de a ex-namorada reaparecer, e de início demonstrar que tem ótimas recordações dos tempos do namoro. A simpatia que o espectador pode sentir por ele sofre tremendo impacto com a revelação da canalhice de que ele foi capaz na juventude – abandonar a namorada que amava, mas era pobre, para se casar com outra, por causa do dinheiro da família dela.

Miller vai sofrer agora – cada um de seus amigos, conhecidos, clientes, querendo que ele morra – bastante do que Karla havia sofrido na adolescência.

Duas pessoas que sofreram ou sofrem demais – mas que, a rigor, a rigor, são desprezíveis.

Não há, a rigor, a rigor, nenhum personagem simpático, bom caráter, bom coração, entre todos os personagens, entre todos os moradores da cidade.

O ser humano – para A Visita – não presta.

“A impotência do indivíduo contra as massas”

A peça Der Besuch der alten Dame, que no Brasil teve como título a tradução literal, A Visita da Velha Senhora, é uma das obras mais importantes e mais conhecidas do escritor suíço Friedrich Dürrenmatt (1921-1990). Lançada, como foi mencionado, em 1956, Der Besuch der alten Dame foi um sucesso praticamente instantâneo. Tornou-se um clássico, é tida como uma das mais importantes peças em língua alemã do século XX, e foi rapidamente traduzida para várias línguas, encenada em diversos países e transformada em filme para a TV em locais tão diversos quanto a então União Soviética e o Líbano.

A obra de Dürrenmatt como um todo foi sintetizada assim na Encyclopaedia Britannica: “Suas peças corajosamente experimentais influenciaram profundamente o teatro do século XX. Suas peças, tanto para o rádio quanto para o palco, tratam da impotência do indivíduo contra as massas, em geral com humor satírico ou bizarro. Apreciador de tramas macabras, ele se preocupa com temas como justiça, vingança e morte por execução.”

Vai sintetizar bem assim… na Encyclopaedia Britannica. A impotência do indivíduo contra as massas. Justiça, vingança, morte por execução. O cerne da obra de Dürrenmatt como um todo está inteirinho em A Visita.

O roteirista Ben Barzman parece ter partido não do texto original do autor suíço, e sim da adaptação da peça para o inglês feita por Maurice Valency, que, consta, já havia tomado algumas liberdades. (A peça estreou na Broadway com a adaptação de Maurice Valency em 1958, apenas dois anos após o lançamento do texto original. Teve direção do lendário Peter Brook e nos principais papéis estavam Alfred Lunt e Lynn Fontanne.)

O roteiro do filme fez diversas, mas diversas modificações, fugiu do texto original em vários pontos. Dá para perceber isso claramente apenas a partir da ótima – e detalhada – sinopse de cada um dos três atos da peça feita na Wikipedia em inglês.  (Como já disse, não li a peça; é uma das milhões de lacunas da minha parca cultura.)

O nome da cidade se manteve – é Güllen, como na peça, uma cidade fictícia; a única cidade verdadeira citada é Trieste, que pertenceu ao Império Áustro-Húngaro e hoje é italiana. Os nomes dos personagens, no entanto, são todos diferentes. A milionária que no filme é Karla na peça é Claire. O antigo namorado dela que no filme é Serge Miller na peça é Alfred Ill. Mas isso é o de menos. Todo aquele esquema de caminhões chegando à praça central de Güllen para oferecer todos os tipos de bens a crédito é, pelo jeito, invenção do roteirista – não existe isso na peça.

E, sobretudo, o final, o desfecho da história é diferente.

Apesar dessas modificações, no entanto, me parece que o filme é bastante fiel ao espírito da peça, da obra de Dürrenmatt.

Uma pauleira.

Ingrid Bergman e Anthony Quinn. A Bela e a Fera

The Visit é um filme absolutamente internacional. É uma co-produção Itália-França-Alemanha Ocidental-EUA. (Sim, Alemanha Ocidental, República Federal da Alemanha, a metade da Alemanha dividida em duas após a Segunda Guerra Mundial. A outra metade era a República Democrática Alemã, comunista.)

O diretor Bernhard Wicki (1919-2000) era austríaco de nascimento, trabalhou bastante na Alemanha, fez filmes nos Estados Unidos.

As filmagens foram no estúdio Cinecittà, em Roma; o elenco tem atores de diversas nacionalidades, vários são italianos.

A atriz que faz Mathilda, a mulher de Serge Miller, é Valentina Cortese, uma lenda do cinema italiano, uma carreira fabulosa entre 1940 e 1993 que inclui A Condessa Descalça (1954), de Joseph L. Mackiwicz, As Amigas (1955), de Michelangelo Antonioni, e A Noite Americana (1973), de François Truffaut, entre mais de 100 títulos.

E, nos papéis centrais, uma sueca e um mexicano. Isso é que é globalização.

É uma dupla inesperada, improvável, essa, de Ingrid Bergman e Anthony Quinn. É meio a Bela e a Fera. A fina, chique, elegante, e o trombolhão, troncho, desengonçado.

Em 1964, aos 49 anos, Antonio Rudolfo Oaxaca Quinn estava com tudo e podia até estar prosa, se quisesse. No mesmo ano, teria um dos maiores sucessos de sua carreira gloriosa, no papel título de Zorba, o Grego, de Michael Cacoyannis, baseado no livro de Nikos Kazantzakis. O papel de Alexis Zorba deu a Anthony Quinn sua quarta indicação ao Oscar, mas ele não levou. (Já havia levado dois de coadjuvante, por Viva Zapata!, de 1952, e Sede de Viver, de 1956.)

Ingrid Bergman, nascida em 2015 como Quinn e portanto também com 49 anos em 1964, já tinha tido mais glórias do que qualquer pessoa poderia esperar – inclusive cinco indicações ao Oscar que haviam resultado em duas vitórias, por À Meia-Luz/Gaslight, de 1944, e Anastasia, de 1957. (Iria ter mais duas indicações, e um Oscar, por Assassinato no Expresso Oriente, de 1974, o que a transforma em vice-campeã do Oscar de todos os tempos, empatada com Meryl Streep, as duas perdendo apenas para Katharine Hepburn.)

Sem falar da Ilsa Lund de Casablanca (1942), um dos personagens mais adorados, e um dos filmes igualmente mais adorados de toda a história do cinema.

Tão díspares um do outro, a bela sueca e o desengonçado mexicano tinham tido em comum, após glórias hollywoodianas, passagem pelo cinema italiano do pós-guerra – e o cinema italiano do pós-guerra era simplesmente o melhor do mundo. Ele havia sido escolhido por Federico Fellini para fazer o grandalhão fortão Zampanò, ao lado da Gelsomina de Giulietta Masina, em A Estrada da Vida (1954). Já a fase italiana dela havia sido mais rumorosa, mais complicada e mais longa: no auge da fama, uma das maiores estrelas do cinema americano, Ingrid Bergman havia se oferecido para trabalhar com Roberto Rossellini. E não apenas trabalhou com ele em Stromboli (1950) e em outros filmes depois como também se casou com ele. Deu a Rosellini três filhos – inclusive Isabella – e deu aos colunistas e ao público americano motivo de muita fofoca e maledicência.

Ingrid Bergman e Anthony Quinn voltariam a se reunir seis anos após A Visita: em 1970, estrelaram um filme pouco conhecido (eu pelo menos não me lembrava de ter ouvido falar nele), Caminhando Sob a Chuva da Primavera, dirigido pelo inglês Guy Green, um drama sobre um caso extra-conjugal.

Um papel para a namorada do produtor

A terceira personagem que mais aparece na tela, depois, é claro, do casal central, a milionária Karla e o comerciante Serge Miller, é uma moça chamada Anya. É muito jovem, bela, atraente; trabalha no hotel da cidade, e é amante de Dobrik, o chefe de polícia da cidade (Hans Christian Blech).

Karla vai prestar atenção na moça. Afinal, Anya é jovem como ela era, quando foi expulsa de Güllen; estaria hoje mais ou menos com a mesma idade que a filha dela teria, pudesse ela ter sobrevivido. Por várias vezes, Karla dá conselhos – na verdade, com seu estilo imperial, de Rainha do Universo, dá ordens – para que a moça sai de Güllen o mais rápido possível. Para que ela abandone o amante, já que o amante jamais deixará sua esposa, jamais vai cuidar dela, Anya, como ela merece.

Essa personagem Anya não é citada na detalhada sinopse da peça de Friedrich Dürrenmatt. É uma vergonha que eu não tenha lido a peça, mas mesmo assim ouso dizer que essa personagem Anya ou bem foi criada pelo roteirista Ben Barzman, ou bem teve sua importância aumentada por ele – a mando de Darryl F. Zanuck, o então todo-poderoso chefão da Fox, uma das empresas produtoras do filme. Zanuck, naquela época, estava apaixonadíssimo por Irina Demick (na foto acima), uma jovem modelo francesa, descendente de russos e poloneses. Irina Demick interpreta Anya no filme.

E aqui me ocorre que, enquanto há os milionários e poderosos que usam seu dinheiro e seu poder para destruir, como a milionária da história criada por Dürrenmatt, há ricos e poderosos que usam seu dinheiro e seu poder para construir. Como seu colega David O. Selznick, que, apaixonado por Jennifer Jones, fez de tudo para transformá-la num grande nome, Darryl F. Zanuck tentou construir estrelas. Figuraça, o tal Zanuck: depois de ter chefiado com mão de ferro a 20th Century Fox, e estabelecido fama de diretor de estúdio que se metia a mexer nos filmes no cutting room, o laboratório de montagem final, e de ter produzir filmaços – Como Era Verde o Meu Vale (1941), As Vinhas da Ira (1940), Almas em Chamas (1949), largou o controle do estúdio e a mulher, e se mudou para a Europa.

Fantástico: deu uma de Samuel Dodsworth, o industrial interpretado por Walter Huston no maravilhoso Fogo de Outono/Dodsworth (1936), de William Wyler, que abandona tudo e vai viver a vida no Velho Continente.

Diz a biografia de Zanuck no IMDb: “No final dos anos 50, Zanuck renunciou ao controle diário do estúdio, abandonou a mulher e se mudou para a Europa para se concentrar na produção. Muitos de seus últimos filmes foram criados em parte para promover as carreiras de suas sucessivas namordas, Bella Darvi, Juliette Gréco, Irina Demick e Geneviève Gilles”.

Juliette Gréco, conhecida como “a musa do existencialismo”, teve vida própria. Bella Darvi e Geneviève Gilles, não sei quem sejam. Irina Demick, o velho fauno de fato se esforçou para transformar em estrela.

Em sua produção mais ambiciosa, O Mais Longo dos Dias/The Longest Day (1962), uma tentativa de reconstituir cuidadosamente o Dia D, o dia da invasão da Normandia na Segunda Guerra Mundial, com virtualmente todos os grandes astros de Hollywood interpretando figuras históricas, reais, abriu-se espaço para criar uma moça da Resistência francesa, Janine, para ser interpretada por Irina Demick.

Irina Demick faria ao todo 19 filmes, o último deles em 1972. Mudou-se para os Estados Unidos e morreu em Indianapolis em 2004, aos 67 anos.

Um belo filme, que não teve o reconhecimento merecido

O livro The Films of 20th Century Fox fez uma sinopse correta da trama, mas foi bastante rude ao fazer uma consideração, uma análise. “Uma mulher de grande riqueza (Ingrid Bergman) retorna à pequena cidade em que ela foi arruinada quando jovem e levada à prostituição. Ela já havia iniciado sua vingança ao gradualmente destruir a economia da cidade, comprando seus recursos. Agora ela procura o pagamento final – a morte de seu sedutor original (Anthony Quinn), que a fez sair da cidade. Ela oferece à cidade uma grande quantidade de dinheiro e a volta dos cidadãos à prosperidade se eles o matarem. A princípio enfurecidos, eles gradualmente vão se virando contra ele e se preparam para fazer o que ela pede.”

Nesse ponto o livro, em uma frase, conta todo o final do filme – algo que me recuso a fazer. E em seguida vem a consideração final: “O filme é bem feito, mas falta apelo, com Bergman escolhida para um papel contrário demais à sua imagem para ser aceitável”.

Leonard Maltin deu 2.5 estrelas em 4: “Intrigante mas irregular parábola de ambição e mal; milionária Bergman retorna à sua cidade européia natal, oferecendo uma fantástica soma às pessoas caso elas legitimamente matem seu primeiro sedutor (Quinn). Os atores lutam com o roteiro melodramático; o resultado é interessante, mas nem sempre bem sucedido. Versão expurgada da peça de Friedrich Durrenmatt.”

O adjetivo que Maltin usa é bowdlerized – expurgada, limpa. Que foi expurgada de suas partes consideradas impróprias ou ofensivas.

De novo, o problema de eu não ter lido a peça. Porque, pelo que li sobre ela, não houve propriamente expurgo de partes consideradas impróprias ou ofensivas, na adaptação para o cinema. Houve mudanças de fatos, eventos, nomes – e do final. Mas não houve propriamente expurgo.

O fato é que este filme, baseado numa peça fundamental do século XX, feito por um bom diretor, seguro, com belo elenco, dois gigantes à frente, não teve, pelo que se pode ver, nem uma pequena parte do reconhecimento que mereceria. É um filme importante, um filme a ser visto com respeito.

Anotação em maio de 2019 

A Visita/The Visit

De Bernhard Wicki, Itália-França-Alemanha Ocidental-EUA, 1964

Com Ingrid Bergman (Karla Zachanassian), Anthony Quinn (Serge Miller)

e Valentina Cortese (Mathilda Miller), Irina Demick (Anya), Ernst Schröder (o prefeito), Hans Christian Blech (capitão de polícia Dobrik), Richard Münch (o professor), Paolo Stoppa (o doutor), Leonard Steckel (o religioso), Romolo Valli (o pintor), Claude Dauphin (o advogado Bardick)

Roteiro Ben Barzman

Baseado na peça de Friedrich Dürrenmatt

Adaptada para o inglês por Maurice Valency       

Fotografia Armando Nannuzzi

Música Richard Arnell, Hans-Martin Majewski

Montagem Samuel E. Beetley, Françoise Diot

Casting Paolo Rolli

Produção Cinecittà, Dear Film Produzione, Deutsche Fox AG,

Les Films du Siècle, Productions et Éditions Cinématographique Français, Twentieth Century Fox. DVD MDVR – Obras-primas

P&B, 100 min (1h40)

***1/2

Título na França: La Rancune. Na Itália: La Vendetta della Signora. Em Portugal: A Visita.

5 Comentários para “A Visita / The Visit”

  1. Eu, como estudante de dramaturgia, amo o estilo do F. Durrenmatt, mas confesso que, mesmo com a farsa e as cenas cômicas, é impossível não chegar ao final do texto com um aperto no estômago. Quero muito ver a o filme, por essas diferenças talvez ele seja um pouco menos tétrico que o original

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