A idéia básica é interessante, poderia talvez resultar em um bom filme: num futuro próximo, homem idoso, que vive sozinho numa casa isolada e enfrenta a perda da memória, passa a ter como cuidador um robô.
A princípio, é claro, rejeita ferozmente a nova companhia. Depois, com o tempo, não só aceita a presença do robô como desenvolve uma amizade, uma cumplicidade com ele.
Acrescente-se a essa boa idéia básica um certo toque do Ray Bradbury, de Fahrenheit 451: no maravilhoso mundo novo, os livros estão sendo substituídos pela plataforma digital. O protagonista, o velhinho Frank do título, é um ávido leitor, enquanto a bela biblioteca da cidadezinha próxima de sua casa está passando por uma modernização, os livros, esses danados desses suportes físicos, indo para a reciclagem.
Solidão, velhice, perda da memória, a difícil convivência entre o velho e seus filhos adultos, amizade e cumplicidade entre homem e máquina, o admirável mundo novo que prescinde de suportes físicos, onde tudo vai para a nuvem. Temas interessantes, fascinantes mesmo.
E, para completar, um bom elenco. O excelente Frank Langella, que recentemente nos brindou com belíssimas interpretações em Frost/Nixon, de 2008, e A Caixa, de 2009, faz o velhinho Frank. A sempre maravilhosa Susan Sarandon faz Jennifer, a bibliotecária que ama profundamente os livros e é pega pela modernização, pela informatização de seu local de trabalho.
O filho de Frank, Hunter, rapaz inteligente, talentoso, formado em Princeton, que venceu na vida muito jovem, é interpretado pelo galã James Marsden. A filha, Madison, uma believer, ativista social, que luta pela melhoria das condições de vida em países miseráveis da Ásia, vem na pele e na beleza ofuscante de Liv Tyler.
A voz do robô (que não tem nome, tadinho, e durante todo o filme é tratado apenas como “o robô) tem a voz de Peter Sarsgaard.
A trama mistura ficção científica, comédia, drama familiar e thriller
Ficção científica, comédia, drama familiar. O autor do argumento e do roteiro, Christopher D. Ford – ele é um garotão jovem e, antes deste aqui, havia escrito apenas os roteiros de uma série de TV, Atom TV – já estava com elementos de vários gêneros. Mas, como se isso não bastasse, quis acrescentar à sua trama um pouco de thriller policial. Tramas policiais têm público garantido, e então lá vai: no passado, Frank, aquele senhor que está perdendo a memória, é apaixonado por livros e por Mozart, havia sido um ladrão de jóias.
Tipo assim: já que tinha mesmo um tanto de Fahrenheit 451, por que não acrescentar uma pitada de Poder Absoluto, de Clint Eastwood?
E Frank vai descobrir, para seu absoluto júbilo, que os programadores do robô não incutiram nele noções de certo ou errado perante as leis dos homens e dos deuses. O robô não tem em sua programação nada que diga que roubar é contra a lei.
Muitos elogios de espectadores no IMDb, nota 3.5 em 5 no AllMovie
Dessa combinação de diversos elementos resultou um filme que parece ter fascinado muitos espectadores. No IMDb, os leitores demonstram seu encanto.
“Gostei de Robot & Frank, embora não saiba muito bem por que se referem ao filme como uma comédia ou uma comédia sobre amigos”, escreveu um leitor da Flórida. “Na verdade, é um filme bastante sério e a rigor depressivo – mas altamente original. Frank Langella interpreta um velho que está indo embora mental e fisicamente. Exasperado, seu filho decide fazer alguma coisa para livrar-se da preocupação com o pai – e compra um robô que vai cuidar dele. No entanto, a memória de Langella é intermitente – e a parte criminosa de seu passado está viva e atuante. E ele espera que o robô possa ajudá-lo no próximo golpe.”
Um leitor do IMDb da Holanda se entusiasmou: “O filme é interessante, surpreendente, de encher o coração, inteligente, provocante, engraçado, subestimado, bem escrito e bem dirigido. Traz interpretações de primeira por atores de primeira”.
Um leitor da Virginia escreveu: “Um filme engraçado & tocante que consegue fazer a audiência se identificar e simpatizar com o personagem de Frank Langella, um ex-ladrão de jóias que está ficando senil. (…) O filme é inteligentemente e ambiguamente passado no ‘futuro próximo’, e então as pessoas que hoje têm entre 30 e 40 anos poderiam facilmente ser os Franks de amanhã: ainda usando as gírias dos anos 2000 & 2010, sem medo das mais recentes tecnologias, mas de alguma maneira aturdidas por elas, e capazes de ficar bem agastadas quando os jovens perguntam sobre sua ‘relação com a mídia impressa’.
O AllMovie, o elegante, respeitável site que traz bons textos sobre os filmes, não fez uma crítica sobre Frank e o Robô, apenas a sinopse, que dá uma visão geral. O texto é assinado por Jason Buchanan, de quem já li diversas boas críticas, e trata com carinho o filme que define como “uma terna comédia dramática de ficção científica”.
A nota dos editores do AllMovie para o filme é 3.5 estrelas em 6 – a mesma média dos votos dos leitores.
A direção é fraca, há sequências ridículas, e a trama é cheia de furos
Tudo isso posto, digo que eu, pessoalmente, achei o filme muito, muito ruim.
E não vi o filme com má vontade, ou cansado, ou coisa parecida. Tinha interesse em vê-lo, e no início ele chegou a me deixar bastante curioso sobre o que poderia vir a seguir.
No final, achei que Frank e o Robô desperdiça o que tem de bom – aqueles elementos citados na abertura desta anotação, e seu bom elenco.
Os defeitos estão no roteiro e na direção – esta, de Jake Schreier, um iniciante, assim como o roteirista, Christopher D. Ford. Foi o primeiro longa dirigido pelo rapaz.
Os leitores do IMDb que citei (e há diversas outras avaliações tão positivas quanto as que reproduzi) parece que se encantaram com os temas interessantes, e deixaram de ver a quantidade imensa de furos, de improbabilidades, de falhas óbvias na história.
Tipo: o que poderia explicar que Frank, ex-presidiário (16 anos atrás das grades, em duas condenações diferentes), tivesse aquele padrão de vida, morando naquela casa gigantesca?
Como seria possível que a perda de memória de Frank fosse tão seletiva? O camarada se esquece de quem foi sua mulher, a mãe de seus filhos, o fato de que o filho já saiu da universidade faz muitos anos, o fato de que o restaurante de que gosta já fechou, mas mantém a mente absolutamente lúcida para planejar os roubos. Ah, truco!
Se a visita da filha Madison ao pai (por mais bela que seja Liv Tyler) não é um amontoado de situações ridículas, então definitivamente não sei mais o significado do ridículo.
Idem ibidem para toda a sequência da polícia cercando a casa de Frank, tudo de um ridículo atroz.
E o que dizer da descoberta que Frank faz ao ver uma foto na sala da bibliotecária Jennifer?
Ah, faça-me o favor…
Uma bela idéia inicial, bons elementos, ótimos atores – tudo desperdiçado.
Anotação em janeiro de 2014
Frank e o Robô/Robot & Frank
De Jake Schreier, EUA, 2012
Com Frank Langella (Frank),
e James Marsden (Hunter), Liv Tyler (Madison), Peter Sarsgaard (a voz do robô), Susan Sarandon (Jennifer), Jeremy Strong (Jake), Jeremy Sisto (xerife Rowling), Bonnie Bentley (Ava)
Argumento e roteiro Christopher D. Ford
Fotografia Matthew J. Lloyd
Música Francis and the Lights
Montagem Jacob Craycroft
Produção Dog Run Pictures, Park Pictures, TBB, White Hat.
Cor, 89 min
*
Eu adorei o filme, percebe-se quem fez essa crítica não sabe nada de Alzheimer.
Preocupado em ver os furos, não consegue enxergar o mais importante que são as problemáticas apresentadas nele.
Elenco impecáve, atualíssimol! Quem liga para os críticos?