Um ótimo filme, um drama pesado, sério, duro, seco, honesto, sobre desemprego no país mais rico do mundo.
Reúne um time de grandes, experientes atores, alguns deles que são ou já foram garantia de boa bilheteria: Tommy Lee Jones, Ben Affleck, Kevin Costner, Chris Cooper, Maria Bello. Não tem, no entanto, absolutamente nada a ver com as produções dos grandes estúdios, o cinemão comercial de Hollywood. Apesar do elenco com grandes nomes, é uma produção independente. Custou pouco, para os padrões americanos – US$ 15 milhões, uma e vez e meia o que Tom Cruise já ganhou por filme.
Como fala de frente, com imensa honestidade, sem querer dourar a pílula, de um tema forte, indigesto, desagradável – embora tão real, tão próximo da vida de cada pessoa –, não será um filme de sucesso. Segundo o Box Office Mojo, o filme, que estreou nos Estados Unidos em 21 de janeiro de 2011, obteve nas bilheterias, até setembro, apenas US$ 4,882 milhões, um terço de seu custo.
As histórias de três homens que trabalham na mesma corporação
Toda a narrativa de The Company Men (homens de companhia, empregados de empresa grande; A Grande Virada é um título imbecil) tem duas características marcantes. Primeiro: não inventa nada. Não tem sacadinha, brincadeirinha formal, criativol, frescura, fogos de artifício. É clássica, acadêmica – para usar essa palavra que 11 de cada 10 críticos de cinema usa para menosprezar as obras sóbrias. Segundo: é tudo seco. É como se estivesse à procura de um estilo (ou da falta de estilo) de documentário, de vida real filmada.
Contam-se as histórias de três homens, que trabalham na mesma grande empresa, a GTX, um conglomerado industrial, uma corporação. Bobby (Ben Affleck), o mais jovem deles, chefia uma área de marketing; percebe-se que teve uma carreira fulminante, de sujeito esforçado, com imenso talento na área de vendas; estudou, trabalhou, ralou, e, bem jovem ainda, tem um salário alto. Como costuma acontecer, empregou seu dinheiro em bens vistosos – uma casa gigantesca, certamente gigantesca demais para ele, a mulher Maggie (Rosemarie DeWitt) e os dois filhos, e um Porsche milionário. Poupança, nem pensar.
Phil (Chris Cooper), há 30 anos na GTX, subiu todos os degraus, desde operário até o nível de direção. Sua casa, naturalmente, é ainda maior que a de Bobby, num bairro ainda melhor – a ação se passa na área de Boston, aquela espécie de capital da Nova Inglaterra, os mais antigos e tradicionais estados da Costa Leste, lado Norte.
Gene (Tommy Lee Jones) começou a trabalhar na empresa quando ela surgiu. Cresceu com ela, é amigo pessoal há décadas do patrão, Jim Salinger (Craig T. Nelson). É um dos vice-presidentes; sua área é a dos estaleiros – a GTX tem três. Entende tudo de estaleiros. Mora numa mansão espetacular à beira-mar.
Bobby é totalmente despreparado para o desemprego
Para dar maior lucro aos acionistas, para ter suas ações valorizadas na Bolsa, a corporação vai cortar custos, demitir gente, fechar áreas que não estão tão rentáveis quanto os investidores gostariam.
O primeiro a ser demitido é Bobby. Sally (Maria Bello), a chefe do RH, o chama à sua sala; está ao lado do sujeito do Jurídico, que, com uma rapidez e uma frieza absolutas, comunica que Bobby terá 12 semanas de salário e espaço numa empresa de readaptação e reinserção no mercado de trabalho. Bobby sai da sala xingando os dois, à procura de Gene, seu padrinho na empresa. Gene está fora, num compromisso de trabalho em outra cidade.
Ninguém está preparado para o desemprego, mas Bobby é mostrado como o sujeito mais absolutamente despreparado que existe.
Me lembrei daqueles tais cinco estágios com que as pessoas enfrentam a idéia da morte. Enfrentar o desemprego é mais ou menos a mesma coisa, tem os cinco estágios – raiva, negação, negociação, depressão e aceitação.
O pobre Bobby vai derrapar nos primeiros estágios, a raiva e a negação, por um longo período de tempo. Sua mulher, Maggie, no entanto, tem as melhores atitudes, desde o início. Os dois personagens são muito bem construídos, e os dois atores, Ben Affleck e Rosemarie DeWitt, estão ótimos – assim como todos os demais, na verdade.
O filme não força a barra hora nenhuma – como já disse, é tudo seco e direto –, mas é impossível o espectador não se comover com a situação daquele jovem casal pego na contramão do Sonho Americano.
O roteiro deixa muita coisa implícita, sem perder tempo em explicitudes desnecessárias. Assim, dá para perceber – embora isso não seja dito claramente hora nenhuma – que Bobby e Maggie vinham de famílias humildes. Bobby foi subindo na escala social por seu talento de vendedor, seu esforço, seus estudos. Vemos a família de Maggie, uma família de classe média baixa; o irmão dela, Jack (Kevin Costner), trabalha duro como um pequeno empreiteiro de obras; nunca se deram bem, Jack e o cunhado Bobby; Jack sempre se indignou com o estilo de vida caro, perdulário, do cunhado.
É portanto compreensível que Maggie seja compreensiva, companheira, na hora da adversidade dolorosa.
Tommy Lee Jones numa sequência que diz muito com pouco
Mais alto o coqueiro, maior é o tombo do coco afinal, dizia Billy Blanco. O oposto exato de Maggie, sua antípoda, é a mulher do riquíssimo Gene. No dia em que ele chega a sua mansão arrasado com as demissões na firma, o fechamento dos estaleiros, a mulher dele o recebe dizendo que comprou uma mesa de canto – e veremos que a mesa de canto custou alguns milhares de dólares. A crise aumentando cada vez mais, ela pedirá a Gene se ele não pode arranjar um jatinho da corporação para levá-la até uma praia do Sul; diante do silêncio do marido, conforma-se em ter que viajar em vôo comercial.
Bem mais tarde, veremos o casal muito rico protagonizar uma das belas sacadas do roteiro enxuto, que opta sempre pelo implícito em vez do explícito. É brilhante a seqüência em que Gene chega à sua mansão mais arrasado do que provavelmente jamais esteve na vida, olha para o grande hall, a grande escada em semicírculo, e, no momento em que escuta a voz da mulher, gira nos calcanhares, abre de novo a porta e casca fora dali.
Uma obra contra o tipo de capitalismo de hoje nos EUA
O roteiro e a direção são de John Wells, um nome que eu desconhecia totalmente. Não é principiante, nem jovenzinho – muito ao contrário. Nascido em 1957, já produziu 50 títulos, entre filmes e séries de TV, e entre os títulos há muita coisa boa. Assinou também 17 roteiros. Este aqui é, no entanto, seu primeiro longa-metragem como diretor.
E ele estréia com a experiência de um veterano. Mão firme, segura, nada de criativol. Em vez de fogos de artifício, persegue a seriedade.
Como tantos outros cineastas, artistas das várias áreas, e muitos economistas respeitados, não é um sujeito muito feliz com o tipo de capitalismo que vem predominando no Império.
Não é à toa, de forma alguma, que a ação do filme começa em setembro de 2008, e que as primeiras cenas que vemos são de noticiários de TV falando do estouro da bolha imobiliária e da crise dos bancos – retratada no ótimo filme Grande Demais Para Quebrar, de Curtis Hanson.
Vários filmes americanos denunciam o poder cada vez maior dos bancos, do sistema financeiro, simbolizado por Wall Street, em detrimento da economia real, a indústria, o comércio, os serviços, o trabalho duro, simbolizado nos Estados Unidos pela Main Street, a rua principal das cidades. A economia real, os verdadeiros produtores de riqueza – e de empregos – sendo esmagada pelos donos do dinheiro, que têm lucros cavalares, absurdos, com a manipulação desenfreada do capital.
Neste ponto, especificamente, o filme faz lembrar Com o Dinheiro dos Outros, de Norman Jewison, de 1991, que, sob a capa de uma comedinha com alguns lances de safada sensualidade, discute a sério mazelas do capitalismo, o desemprego, a necessidade de as indústrias se adaptarem ao mundo em transformação veloz; a voracidade, a ganância sem fim dos investidores e especuladores de Wall Street, a predominância absurda do setor financeiro sobre o setor produtivo. E lembra também o mais recente Bom Demais Para Ser Verdade/Main Street, na minha opinião um filme subestimado, que mostra a decadência de uma cidade que, depois de uma época de glória, viu suas empresas se fecharem, o desemprego aumentar.
Um tema duro, sério, tratado com dureza, seriedade
O desemprego tem sido tema de grandes filmes europeus, como, por exemplo, o triste, melancólico espanhol Segunda-feira ao Sol, de Fernando León de Aranoa, de 2002, e o cruel, doloroso O Corte/Le Couperet, de Costa-Gavras, de 2005. Mas, no cinema americano, não é um assunto muito abordado. Me lembro de Fun with Dick and Jane, no Brasil Adivinhe Quem Vem Para Roubar, de Ted Kotcheff, de 1977, com Jane Fone e George Segal – mas era uma comédia, uma sátira. Engraçada, gostosa, mas não era coisa séria. (A história seria refilmada em 2005 com Jim Carrey e Téa Leoni nos papéis de Dick e Jane.)
Amor Sem Escalas/Up in the Air, de Jason Reitman, de 2009, fala do tema desemprego com uma ironia forte, violenta. O personagem central, interpretado por George Clooney, é um especialista em demitir pessoas. As grandes companhias contratam a firma em que ele trabalha para que ela assuma a tarefa de avisar aos funcionários que eles estão demitidos. É a terceirização do ator de demitir.
The Company Men fala do assunto sem ironia, sem qualquer graça. Com seriedade, dureza. É um belo filme.
Anotação em setembro de 2011
A Grande Virada/The Company Men
De John Wells, EUA, 2010
Com Tommy Lee Jones (Gene McClary), Ben Affleck (Bobby Walker), Chris Cooper (Phil Woodward), Maria Bello (Sally Wilcox), Rosemarie DeWitt (Maggie Walker), Kevin Costner (Jack Dolan), Craig T. Nelson (James Salinger), Eamonn Walker (Danny Mills)
Argumento e roteiro John Wells
Fotografia Roger Deakins
Música Aaron Zigman
Produção Battle Mountain Films. DVD Califórnia Filmes
Cor, 113 min
***
Título na França: The Company Men
Este filme encontrei fácil na locadora,mas, também não podia ser diferente,é de 2010.
Pouco à dizer;este filme mostra a dura realidade daquelas muitas pessôas que estavam
muito bem empregadas e,de repente, terão que
enfrentar o desemprêgo,currículos para todos os lados,correr atrás,muitas entrevistas e, o pior de tudo,ouvir muitos “nãos”.
É uma grande lição para todos aqueles que acham que estando por cima,no topo,nunca irão
cair. E,aí,entra aquela história do coqueiro alto… e tem muita gente que não quer abrir mão do padrão de vida que levava, continua querendo ostentar como foi o caso do Bobby e,pior ainda,da mulher do Gene com a questão do jatinho para ela ir passear, é mole ?
Profissionalmente,na vida de um homem, com certeza este é o pior momento,o desemprego.
Só que isto,não devía,desestabilizar uma família,como acontece em alguns casos e, não foi esse o caso do Bobby porque a Maggy, ficou lá do lado dele enfrentando a dura realidade e, colocando-o na real.
E, o suicídio, também não leva a nada.
Gostei do filme e, mais ainda, de ver a Maria Bello completamente em forma e, também
a beleza e a atuação da Rosemarie DeWitt.
Ah!! os “desempregados”,dispensam qualquer comentário.
Um abraço, Sergio e, boa tarde !!!!!!