0.5 out of 5.0 stars
Anotação em 2010: Eis aí um filme daquele tipo assim: para ser ruim, teria que melhorar muito, mas muito, mas demais. É de dar vergonha no espectador. É de fazer o espectador ter pena dos atores, dos diretores, dos camaradas que fizeram uma porcaria tão gigantescamente porcaria.
Médica, Bonita e Solteira é de 1964, da época da minha adolescência. Por algum motivo, no entanto, não vi na época do lançamento. Um absurdo, já era absolutamente apaixonado por Natalie Wood – vi West Side Story umas cinco vezes em seguida, em boa parte por causa dela. Bem, o filme foi lançado agora em DVD, e aí quis ver, é claro
No começo, ainda pensei assim: ah, pode ser uma boa peça de museu. Uma mostra de como o cinemão de Hollywood enxergava o sexo e as mulheres solteiras em 1964, momento de transição entre o profundo conservadorismo dos anos 1950 para a revolução total que viria logo depois, com o hippismo, o flower power, o amor livre, as drogas, a loucura toda exatamente pós 1964, pós Beatles, pós guerra do Vietnã, pós a perda final de qualquer inocência.
Em parte, o filme é isso aí, exatamente isso, uma peça de museu da época da grande transição entre a caretice total e a revolução dos costumes.
A questão é que ele é bobo demais. Roça a completa imbecilidade, a debilidade mental.
E, no entanto, começa bem. Os créditos iniciais são excelentes, engraçados, gostosos – um desenho animado mostrando homens perseguindo mulheres, com cores fortes. Era uma marca de vários filmes do cinemão americano do final dos anos 50, início dos 60, fazer créditos iniciais criativos, inteligentes, com um design avançandíssimo. Saul Bass ficou famosíssimo na época, por ter bolado alguns dos créditos iniciais mais geniais de todos os tempos, Psicose inclusive. Esta abertura aqui é do mesmo estilo dos créditos iniciais da primeira e inesquecível Pantera-Cor-de-Rosa, de Blake Edwards, daquele mesmo ano de 1964.
Uma sátira violenta do jornalismo marrom
A primeira seqüência, logo após os créditos iniciais, é uma sátira fortíssima, desbragada, violenta, um crítica arrasadora do jornalismo marrom, o jornalismo ruim, este que cresceu e ficou ainda mais horroroso do que era naquela época inocente, o do tipo papparazzi, invasivo da privacidade dos famosos, o tipo infotainment, o do fantástico show da vida, dos Datena.
E é bom reconhecer que o cinemão americano, em todos os tempos, soube muito bem tanto elogiar o bom jornalismo quanto descer a lenha no mau.
Grande reunião na sala de reuniões da redação da revista Stop. Vemos as figuras dos principais jornalistas e executivos, à espera da chegada do patrão (Edward Everett Horton). Entra o patrão, e faz o seguinte discurso (que o iMDB não trancreve, e tive que tirar na unha):
“Esta revista Stop começou não com meu pai, nem com meu avô, mas com minha bisavó. Está com a família já há quatro gerações. Agendei esta reunião hoje para dizer como estou feliz com o modo com que vocês todos têm trabalhado juntos, lado a lado, e conseguiram transformar esta venerável publicação familiar na revista mais sórdida da atualidade. Os resultados da conquista estão bem ali no gráfico. (E aí vemos um gráfico que mostra que a tiragem da revista subiu como um foguete no período mais recente.) Na página de opinião do New York Herald Tribune, recebemos elogios que nunca tínhamos recebido antes, e eu cito: ‘A revista Stop se tornou a publicação mais repulsiva e escandalosa na memória humana’. E a Editors & Publishers nos chamou de horríveis, monstruosos, depravados. Se continuarmos a receber tributos assim, este nosso lixo sem dúvida se tornará a publicação mais influente do mundo.”
Tony Curtis faz o papel de Bob Weston, o editor-chefe da revista Stop. Nessa reunião mostrada na primeira seqüência do filme, depois de receber um elogio do patrão, ele promete fazer uma nova reportagem – arrasadora, indecente, maledicente, má, horrorosa – sobre a moça que foi a capa do mais recente número da Stop, a Dra. Helen Brown. A dra. Helen Brown, uma psicóloga de 23 anos, lançara um livro que havia se transformado no best-seller número 1 no país inteiro, Sex and the Single Girl. No livro, ela dava dicas para as 23 milhões de solteiras então existentes nos Estados Unidos sobre como se comportar com os homens.
A primeira reportagem da Stop sobre Helen Brown acabava com ela, destruía sua reputação – entre outras coisas, porque revelava que a doutora simplesmente não tinha conhecimento do assunto sexo, sendo ela ainda virgem. Por causa da reportagem, vários pacientes cancelaram suas consultas já agendadas com a moça.
Bob Weston terá então a brilhante idéia de se fazer passar por seu vizinho, Frank Broderick (Henry Fonda), e tornar-se, usando o nome de Frank, paciente da doutora.
Situações patéticas, do mais absoluto ridículo
O que virá a seguir é um amontoado de situações patéticas, babacas, ridículas. Só para se ter uma idéia, lá pelas tantas Bob Weston liga para a Dra. Helen Brown e diz a ela que vai se matar, jogando-se no mar. A doutora corre para lá, para impedir o suicídio – e obviamente acabam os dois no mar.
É tudo absolutamente ridículo – e o pior é o tom que o diretor Richard Quine escolheu, um tom de farsa. Fica parecendo programa humorístico de televisão de vigésima categoria. Os atores – Henry Fonda e Lauren Bacall inclusive – estão todos péssimos, horrorosos. As atuações, e o ridículo das situações, me fizeram lembrar um pavoroso filme que vi semanas antes, A Mulher do Meu Amigo, de Cláudio Torres, de 2008. Natalie Wood, Tony Curtis, Henry Fonda, Lauren Bacall e Mel Ferrer têm atuações do nível de Maria Luísa Mendonça, Otávio Muller e Mariana Ximenes – o mais baixo nível que se possa imaginar.
É verdade que há uma boa piadinha. Depois da tal queda do jornalista inescrupoloso com a doutora virgem no mar, vão os dois para a casa dela, e, enquanto as roupas estão secando, ela empresta a ele um robe da mãe, todo florido.
Ela: – “Espero que você não se sinta mal por vestir um roupão feminino.”
Ele: – “Não, de jeito nenhum. Na verdade, estava pensando que estou parecido com Jack Lemmon naquele filme em que ele se veste como mulher, lembra?”
Claro: Quanto Mais Quente Melhor/Some Like it Hot, de Billy Wilder, em que Jack Lemmon e o próprio Tony Curtis aparecem boa parte do tempo travestidos.
Boa piadinha. Em compensação, toda a seqüência final, uma louca e absurdamente longa perseguição dupla de carros através de rodovias até um aeroporto, é das coisas mais imbecis da história do cinema.
De bom mesmo, o filme tem é a beleza de Natalie Wood, lindíssima como sempre, arrasadora aos 26 aninhos de idade e 21 de carreira. A foto abaixo foi feita para a publicidade do filme.
Médica, Bonita e Solteira/Sex and the Single Girl
De Richard Quine, EUA, 1964
Com Tony Curtis (Bob Weston), Natalie Wood (Helen Gurley Brown), Henry Fonda (Frank Broderick), Lauren Bacall (Sylvia Broderick), Mel Ferrer (Dr. Rudolph DeMeyer), Fran Jeffries (Gretchen), Leslie Parrish (Susan), Edward Everett Horton (o patrão), e a orquestra de Count Basie, como ela própria
Roteiro David R. Schwartz, Joseph Heller
Baseado em história de Joseph Hoffman
Música Neal Hefti
Produção Fernwood Productions, Warner Bros.
Cor, 114 min
1/2
Eu adorei sua crítica!
Minha filha entrou na sala e perguntou como estava o filme, eu respondi que tinha descambado para o ridículo!
Ri muito das cenas de pagamento para beber água, secar as mãos e se olhar no espelho !
Helena