O Jornal / The Paper


3.5 out of 5.0 stars

Anotação em 2009: O cinema, em especial o americano, é fascinado pelo jornalismo. Já se fizeram dezenas de filmes sobre jornalistas e seu trabalho. Este aqui é muito provavelmente o mais bem humorado e engraçado de todos.

Já tínhamos visto o filme, que é de 1994, em 2003, e eu não anotei nada na época; desta segunda vez, gostei muito mais.

A ação começa à meia-noite: dois garotos negros estão saindo de uma lanchonete; caminham pela calçada, vêem um carro parado com dois homens, brancos, dentro; chegam mais perto e percebem que eles estão mortos – foram baleados. Naquele instante, surge uma mulher na rua e os vê ao lado do carro – naturalmente vai contar à polícia, e os garotos serão considerados os assassinos. Com medo, eles fogem correndo o mais rápido que conseguem.

aojornal2Depois dessa rápida introdução, há um corte, e estamos, às 7 horas da manhã, com o despertador tocando na casa Henry e Martha; Henry (Michael Keaton, careteiro como sempre, mas bom) é o editor de Cidades, ou Cotidiano, ou Geral (cada jornal dá um nome para essa seção), de um tablóide de Nova York; Martha (Marisa Tomei, aquela gracinha), grávida de oito meses e tanto, barriga imensa, é repórter daquele mesmo jornal, e está em licença para ter o filho.

Como todo casal de jornalistas, Henry e Martha só falam sobre jornal. Martha põe sobre a mesa do café da manhã os diversos jornais daquele dia – e o jornal em que eles trabalham foi o único da sua categoria de jornal popular, com toda a ênfase na cobertura dos fatos da cidade, especialmente polícia, que não deu a história dos dois brancos mortos num carro numa rua do Brooklyn, no que já está sendo tido como mais um episódio da violência racial dos últimos tempos na maior metrópole americana, a capital do mundo.

Todo a ação do filme – com exceção daquela seqüência inicial dos garotos vendo os dois brancos mortos do inicinho – vai se concentrar no período exato de um dia, entre as 7 horas daquela manhã e as 7 horas da manhã seguinte. Quase toda a ação vai se passar na redação do jornal, e a descrição que o diretor Ron Howard faz da redação é maravilhosa, deliciosa. Tem um pouco de folclore, de exagero na concentração de coisas engraçadas, mas é um retrato acurado, fiel, da loucura que é uma redação de jornal, com seus tipos esquisitos, meio doidões, todos reclamando de tudo mas absolutamente apaixonados por aquela vida maluca, a rotina da absoluta falta de rotina – a cada dia começa-se do zero e as surpresas vão acontecendo a cada momento, novas decisões têm que ser tomadas, as coisas misturam-se, o ritmo é acelerado.

Duzentos mil probleminhas acumulam-se diante do pobre Henry, o editor que tem que decidir tudo, desde como se recuperar do furo que levou na edição do dia, como fazer a cobertura do duplo assassinato, do pequeno acidente no metrô, até o que fazer com o repórter chato que exige uma cadeira anatômica porque tem problemas na coluna. E isso tudo no dia em que ele tem uma entrevista marcada num outro jornal, um jornalão mais sério, onde deverá receber um convite para mudar de emprego – algo como sair de um Notícias Populares (saudades do Notícias Populares) para trabalhar em O Globo, ou deixar o tablóide The Sun pelo sisudo The Times, se é que os exemplos fazem sentido para os seres humanos (sempre dividi a humanidade entre os seres humanos, de um lado, e nós, os jornalistas, de outro).

5. 'The Paper' - 1994As rivalidades entre os repórteres, a zorra que é a reunião de pauta, com cada editor querendo dizer a piadinha mais esperta do dia, os problemas burocráticos se intrometendo no meio do trabalho jornalístico, a preocupação com os custos, com não gastar dinheiro porque a empresa vai mal, a insegurança da foquinha fotógrafa, a briga contra o relógio – o filme mostra tudo, e de uma maneira ágil, acelerada, engraçada.

Para obter esse tom realista, autêntico, verdadeiro, certamente o diretor Ron Howard, experiente, desde criança metido no mundo do cinema, terá tido uma grande ajuda de Stephen Koepp, um veterano editor da revista Time, que deve ter passado um bom tempo em jornal diário; ele e seu irmão David Koepp, este um roteirista experiente, assinam o argumento e o roteiro do filme.    

Os dois criaram uma trama gostosa, fascinante, envolvendo personagens muito bem construídos.

Veremos que Martha, a mulher extremamente grávida do editor Henry, está num período de muitas dúvidas, incertezas: quer ter o filho, mas teme por imaginar como ficará sua vida com o bebê; é uma excelente repórter, está doida para voltar ao trabalho; sabe que o marido adora o que faz, mas ao mesmo tempo fica irritada com a quantidade absurda de horas que ele passa no trabalho, e quer que ele aceite o convite do outro jornal, para que ganhe mais, agora que a criança vai nascer.

Uma das muitas coisas que aborrecem Henry naquele dia é ser chamado para uma reunião com Alicia, a editora-chefe do jornal. Alicia (interpretada por Glenn Close, sempre esbanjando talento, num papel um tanto parecido com o que Meryl Streep interpretaria mais tarde em O Diabo Veste Prada) ganha bem, e gasta igualmente bem, inclusive com o amante mais jovem com quem trepa na hora do almoço. É detestada por todos na redação; suas funções naquele momento são mais burocráticas do que jornalísticas; ela é a encarregada de cuidar dos custos do jornal, cortar gastos, evitar atrasos no fechamento da edição – meia hora de atraso custa milhares de dólares de horas extras para o povo dos caminhões da distribuição.

Alicia e Henry terão brigas feias, verbais e físicas, por causa do horário de fechamento naquele dia.

São bons personagens, todos eles – mas o mais rico de todos é o de Bernie, o diretor de redação genialmente interpretado por Robert Duvall. Bernie é um fumante daqueles maria-fumaça, que acende um atrás do outro; sua filha, promotora, não quer saber dele, indignada com as incontáveis traições à mãe perpetradas pelo pai com as jovens jornalistas. Além de todo o stress diário de comandar uma redação, Bernie naquele dia tem uma consulta com seu médico, que recebeu os resultados dos exames de sua próstata – e ele sabe que as notícias não serão boas.   

O veterano Jason Robards faz o papel do patrão, o Mesquita, o Marinho, o Frias, o Civita deles. É um papel bem pequeno – ele aparece numa única e excelente seqüência –, mas não pode deixar de ser visto como uma homenagem ao jornalismo, através da intermediação do próprio cinema. Jason Robards, esse grande ator que anda meio sumido, fez, em Todos os Homens do Presidente, de 1976 – sobre como os repórteres Bob Woodward e Carl Bernstein investigaram o escândalo de Watergate, que levaria à única renúncia de presidente em mais de dois séculos de história americana – o papel de Ben Bradlee, o então editor-chefe do Washington Post. O assunto Watergate, Nixon, a renúncia, aliás, seria mais de uma década depois, o centro de outro filme de Ron Howard, Frost/Nixon.  

Um delicioso filme, para ser bem curtido por jornalistas e pelos seres humanos. 

O Jornal/The Paper

De Ron Howard, EUA, 1994

Com Michael Keaton, Robert Duvall, Glenn Close, Marisa Tomei, Randy Quaid, Jason Robards

Roteiro David Koepp e Stephen Koepp

Música Randy Newman

Produção Universal.

Cor, 112 min.

R, ***1/2

14 Comentários para “O Jornal / The Paper”

  1. Sérgio Vaz: Caramba, agora eu quero ver esse filme. Onde está passando? Tem em DVD?
    Contar todo o desencadeamento do filme e não revelar o final é inteiramente compreensível – mas também é desumano. Bem, compreendo. Você é um jornalista.

  2. Péra lá, Valdir, eu não contei todo o desencadeamento do filme… Não revelei nada que aconteça depois da primeira terça parte do filme. Só apresentei as situações básicas do início e quem são os personagens…
    Mas olha, é sério: é um bom filme, e a gente, que já passou por toda essa loucura (bem, você ainda passa, porque é teimoso), se diverte bem. Está em DVD. Seguramente você acha em uma locadora aí perto.
    Abração.

  3. este filme é realmente muito bom… ele revela através de todos este personagens super bem construídos o cotidiano de uma cidade grande como NYC, e como a redação de um jornal tem que se descabelar para acompanhar. Vivendo seus problemas íntimos pessoais, os jornalistas não param um minuto das valiosas 24h de um dia!

  4. Nossa, preciso ver esse filme! Uma vez eu o encontrei a venda, mas desisti de comprar. Me arrependo amargamente, porque não acho em lugar nenhum agora…

  5. Bom filme. Passado tanto tempo, ainda lembro da piada do cinzeiro, na reunião de pauta, feita pelo Duvall. De bate-pronto, hilária.

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