O Fio da Suspeita/Jagged Edge

Nota: ★★★½

O Fio da Suspeita/Jagged Edge é, na minha opinião, um dos melhores thrillers dos anos 80. É bem feitíssimo – e com uma narrativa clássica, sem modismos, maneirismos, e que portanto não envelhece. Tem grandes atuações dos protagonistas, Jeff Bridges e Glenn Close. E a trama é estupenda.

Thriller que a gente revê com grande prazer, mesmo sabendo o desfecho, mesmo sem o sabor da novidade, sem o suspense, é que nem dor de amor, que quando não passa é porque o amor valeu, como diz o verso de Nelson Motta. Esta foi a segunda vez que revi O Fio da Suspeita. Me lembrava bem da história, sabia perfeitamente o que o espectador que vê pela primeira vez não sabe – e mesmo assim gostei muito.

Thriller que resiste bem à revisão é porque de fato é muito bom.

Começa – logo após os créditos iniciais em que vemos a Golden Gate – em tom maior, com uma trilha sonora forte, dessas melodias com acordes pesados, muito graves, de fazer o subwoofer estremecer os vidros da janela, de avisar o espectador que vem cena de impacto: um homem mascarado invade uma mansão riquíssima, vai até o quarto da dona da casa, domina-a, amarra-a na cama, exibe a ela uma faca grande, dessas de caçador, com a lâmina serrilhada, de uns 15 centímetros.

Corta, e um homem de terno impecável chega à cena do crime, onde já há uns dez carros de polícia. O homem, Thomas Krasny (Peter Coyote, ótimo no papel) é o promotor de Justiça de San Francisco, veio verificar o local, acompanhar o trabalho da polícia.

O promotor tem motivos pessoais de sobra para condenar o principal suspeito

Com menos de dez minutos o filme já expôs os fatos básicos para o espectador. Thomas Krasny é aquele típico promotor ambicioso, louco por condenar suspeitos, especialmente em casos de grande repercussão na imprensa. (É bom lembrar que nos Estados Unidos o cargo de promotor é eletivo; os promotores são como políticos, sempre atrás de ver seu nome nos jornais.) Krasny, mais ambicioso que o normal, quer disputar uma vaga no Senado.

A vítima, Page Forrester, é uma milionária, herdeira de uma fortuna que inclui um dos grandes jornais de San Francisco. Além dela, foi assassinada também sua emprega, uma mexicana.

O marido da vítima, Jack Forrester (o papel de Jeff Bridges), é o diretor do jornal. Administra tanto a empresa quanto a redação; faz um excelente trabalho, o jornal vai bem (o filme é de 1985; a crise dos grandes jornais ainda não havia começado), ele é muito querido pelos funcionários.

Mas Jack é também o único beneficiário no testamento da mulher, o único herdeiro de sua fortuna – e, portanto, o principal suspeito.

Seu jornal já fez muitos editoriais criticando a atuação do promotor Krasny. Este, portanto, tem dupla vontade de culpá-lo e condená-lo: porque ele é suspeito, e porque é um inimigo.

Jack diz que não estava na casa na hora do crime; chegou mais tarde, encontrou a casa arrombada, subiu até o quarto, viu a esposa morta brutalmente, a palavra bitch – puta – escrita a sangue na parede acima da cama, e então foi atacado pelo assassino: levou um golpe forte na cabeça, que o levou ao hospital.

O promotor Krasny acha que o golpe pode ser sido dado pelo próprio Jack. O suspeito é interrogado diversas vezes, ao longo de meses.

A ex-assistente do promotor demora, mas enfim aceita defender o suspeito

O grande escritório de advocacia que cuida dos interesses de Jack, que cuidava dos interesses de sua mulher, do jornal, sugere a ele que contrate um craque da área criminal, alguém de fora. Jack insiste em que quer ser defendido pelo próprio escritório, por alguém da sua cidade.

A única advogada do escritório com experiência na área criminal é Teddy Barnes (o papel de Glenn Close). Teddy trabalhara muitos anos na promotoria, tinha sido assistente do promotor Krasny. Abandonara a promotoria quatro anos antes, e se empregara naquele grande escritório porque não queria mais saber da área criminal.

O dono do escritório força a barra para que ela aceite o caso. Ela faz exigências, as exigências são aceitas. Quer conhecer Jack Forrester, quer checar sua versão – quer, em suma, ter certeza de que é inocente, de que está contando a verdade.

A esta altura, estamos com uns 15 minutos de filme, 20 no máximo.

Um detalhe importante: jagged edge, o título original do filme, significa lâmina dentada, serrilhada – como a faca que Page Forrester viu antes de ser morta por ela, e que o espectador também viu.

Uma faca com lâmina serrilhada aqui, um furador de gelo acolá, crimes violentos com fortes doses de sexo… Volto depois a este tema.

Dois grandes atores em desempenhos excelentes – e como eram jovens!

É fascinante como Jeff Bridges e Glenn Close parecem jovens, no filme. Claro, 1985 já faz tempo, faz 26 anos. Mas acho que, quando os atores são mais ou menos da nossa geração, e portanto vão envelhecendo junto conosco, a surpresa ao vê-los ou revê-los muito jovens é maior. Ver Jeff Bridges e Glenn Close tão jovens é muito mais impactante para mim do que ver, por exemplo, James Stewart, ou John Wayne, ou Bette Davis. Estes são atores bem mais velhos do que eu: estou acostumado a vê-los seja bem jovens, seja bem velhos.

Os dois são da minha geração. Jeff Bridges é de 1949; estava, portanto com 36 anos – mas parece incrivelmente mais novo. Glenn Close, de 1947, estava com 38, mas também parece bem, bem mais jovem. Baby face, os dois.

Glenn Close começara a carreira no cinema apenas três anos antes, em 1982; já participara de filmes importantes – O Reencontro/The Big Chill, Um Homem Fora de Série/The Natural –, mas este aqui foi seu primeiro papel como protagonista. Ela dá um show. Está maravilhosa, esplêndida – e o diretor usa e abusa dela, de seu rosto, de suas expressões, que vão da mais absoluta alegria ao mais profundo terror.

Jeff, filho do astro de cnema e TV Lloyd Bridges, havia crescido no meio, participado de séries de TV desde garoto, junto com o irmão Beau. Em 1971, quando estava com apenas 22 anos, foi um dos protagonistas de um filme que marcou época, A Última Sessão de Cinema, de Peter Bogdanovich. Já era um veterano, com longa filmografia, quando fez o papel de Jack Forrester. Está ótimo no papel, um papel delicado, difícil: ele não precisa convencer apenas a advogada Teddy Barnes de que é inocente, precisa também convencer os jurados – e o espectador.

Implico com Joe Eszterhas, mas é preciso reconhecer: seu roteiro é um brilho

As seqüências de tribunal são ótimas, com o embate entre o promotor Krasny e sua ex-auxiliar, as diversas surpresas com as testemunhas.

Toda a trama é muitíssimo bem engendrada. Não há falhas, furos: tudo se encaixa à perfeição. É uma bela história, uma bela trama, um belo roteiro. O autor da história e do roteiro é Joe Eszterhas.

Tenho uma enorme implicância com Joe Eszterhas. Acho nojenta a insistência dele com cenas que misturam sexo e crime, em filmes como Instinto Selvagem, Invasão de Privacidade. Acho apelativo, uma coisa que beira a pornografia rasa, pura e simples. Na minha opinião, foi esse viés apelativo que estragou Atraiçoados/Betrayed, que Costa-Gavras realizou nos Estados Unidos em 1988, com base em roteiro de Eszterhas.

No entanto, apesar de toda a implicância, é impossível não reconhecer: o roteiro deste O Fio da Suspeita é um brilho. Assim como também são brilhantes a história, a trama, o roteiro criados por ele para outro filme americano de Costa-Gavras, Muito Mais Que um Crime/Music Box, de 1989.

As casas dos personagens mostram as castas sociais da América, a terra das oportunidades

Segundo o IMDb, Kevin Costner – hoje meio perdido, mas na época um ator em ascensão – foi procurado para fazer o papel de Jack Forrester, e recusou. E o papel de Teddy Barnes foi oferecido a Jane Fonda, mas ela teria exigido mudanças no roteiro; a produção não admitiu, e o papel foi para Glenn Close. Não me lembro de ter lido nada sobre isso, na bela autobiografia de Jane Fonda ou em qualquer outro lugar, mas o IMDb é confiável.

Interessante é que Jane Fonda e Jeff Bridges se encontrariam no ano seguinte, 1986, dirigidos por Sidney Lumet, em A Manhã Seguinte.

O diretor Richard Marquand teve vida e filmografia curtas. Nascido no País de Gales, em 1938, morreria com apenas 49 anos, em 1987, dois anos depois de realizar este filme. Sua filmografia como diretor tem apenas 12 títulos, entre os quais O Retorno de Jedi, de 1983, o terceiro filme da trilogia original de Guerra nas Estrelas.

Entre as informações quase inúteis mas interessantes sobre o filme no IMDb está a de que, no quarto dos filhos de Teddy Barnes, há um pôster de O Retorno de Jedi. Adoráveis informações inúteis…

O filme teve uma única indicação ao Oscar, para Robert Loggia como ator coadjuvante. Loggia faz um papel fascinante, o de Sam Ransom, que no passado havia trabalhado como investigador para Teddy Barnes no seu tempo na promotoria. Ao assumir a defesa de Jack Forrester, Teddy Barnes procura Sam Ransom, para que ele trabalhe como investigador no caso, levante todas as informações possíveis a respeito do crime e da vida do acusado.

Teddy vai à casa de Sam para tentar convencê-lo a aceitar o trabalho. A casa é humilde, e seu interior é uma completa zorra – casa de homem solteiro nada organizado e chegado a uma cerveja durante o dia inteiro.

As casas mostradas ao longo do filme poderiam servir para uma tese sociológica a respeito da injustiça social. De um lado, há as propriedades milionárias de Jack Forrester – a rigor de sua mulher, Page. No outro extremo está a casinha humilde e bagunçada de Sam Ranson. Entre os dois extremos das castas sociais na América, a terra da oportunidade, estão a casa da própria ex-promotora, agora advogada Teddy Barnes – ampla, confortável – e a do juiz que presidirá o julgamento do acusado – muito mais ampla e confortável ainda.

Até nesse pequeno detalhe O Fio da Suspeita é um belo filme.

Anotação em outubro de 2011

O Fio da Suspeita/Jagged Edge

De Richard Marquand, EUA, 1985

Com Glenn Close (Teddy Barnes), Jeff Bridges (Jack Forrester), Peter Coyote (Thomas Krasny), Robert Loggia (Sam Ransom), John Dehner (juiz Carrigan), Karen Austin (Julie Jensen), Guy Boyd Matthew (Barnes), Marshall Colt (Bobby Slade), Leigh Taylor-Young (Virginia Howell), Diane Erickson (Eileen Avery)

Argumento e roteiro Joe Eszterhas

Fotografia Matthew F. Leonetti

Música John Barry

Montagem Sean Barton e Conrad Buff

Produção Columbia Pictures, Delphi IV Productions. DVD Sony.

Cor, 108 min

R, ***1/2

 

11 Comentários para “O Fio da Suspeita/Jagged Edge”

  1. Caro Sergio

    Texto e observações sempre impecáveis! Aprecio demais o seu estilo.
    O filme é um dos meus favoritos e está entre os que volta e meia revejo, sempre com prazer.

  2. puxa! dessa vez vou ter que discordar redondamente de vc, caro Sérgio… achei o filme legal, mas só… bastante óbvio e a trama fraquinha. Mas, gosto é gosto! Só pra comparar com um tb citado por vc: Acima de qualquer suspeita – pense bem… a trama desse, sim, é bem desenhada e cheia de artimanhas (será essa a melhor palavra?). Enfim, continuarei vendo e concordando ou discordando, se vc me permitir…
    abraço

  3. mas alguém poderia me dizer afinal quem era o assassino ,haja vista ke assisti o filme e aquele cara que ela matou no final ñ apareceu no filme todo .obrigado

  4. Por favor postem esse filme quero muito assistir.vejo muitos comentarios sobre ele.

  5. Curioso você adorar este roteiro de Joe
    Eszterhas, mas depois nas parcerias dele nos filmes com Adrian Lyne e Paul Verhoeven, não gostou de mais nenhum. Flashdance, 9 1/2 Weeks, Fatal Attraction, Basic Instinct, Showgirls, etc

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