Nota:
Anotação em 2009: É uma experiência interessante ver pela primeira este filme, mais de um quarto de século depois que ele foi feito. É um daqueles filmes que tiveram sua importância, que de alguma maneira marcaram sua época. Tem problemas sérios, mas tem também qualidades. Sobretudo, tem Debra Winger.
Não quis ver A Força do Destino/An Officer and a Gentleman na época do lançamento, 1982; me recusei terminantemente. Tenho essas manias; às vezes implico com uma pessoa, ou com alguma coisa. Impliquei com o filme, me recusei a vê-lo. Ao longo destes 26 anos que se passaram após o lançamento do filme, fui passando a gostar de Richard Gere; se antes o achava um tanto canastrão, um tipo bonitinho que as mulheres todas adoram e só isso, passei a respeitá-lo como ator – acho que a maturidade fez bem a ele – e aprecio a eterna briga dele a favor do Tibete livre. Ao mesmo tempo, fui admirando cada vez mais Debra Winger, uma atriz extraordinária, que fez menos filmes importantes do que deveria, do que mereceria. E então resolvi pegar o filme na locadora – um DVD duplo, comemorativo dos 25 anos, caprichado, cheio de extras. Quando me sentei ao lado da Mary para ver o filme, confesso que já nem me lembrava mais dos motivos que me levaram a implicar com ele tanto tempo atrás; lembrava da implicância, mas não dos motivos.
Os motivos logo ficam claros. O filme é, em grande parte, um elogio às Forças Armadas americanas, à dura disciplina, aos exercícios massacrantes, o obrigatório respeito à autoridade. O que acaba sendo um elogio à máquina de guerra do Império. Ou seja: uma coisa profundamente nojenta, desprezível. Disgusting.
Vendo-o hoje, em 2009, pós-era Bush, nos primeiros dias do governo Obama, em que o Império tenta desfazer os excessos da sua máquina de guerra, levados ao limite pelos oito anos de bushismo, é impossível deixar de sentir e ver que é nojento um filme que faz uma ode aos militares, à formação dos militares.
Era tão nojento na época quanto é hoje. Em 1982, o mundo ainda não tinha se curado das feridas deixadas pela guerra do Vietnã. O próprio diretor Taylor Hackford admite isso, numa entrevista dos muitos especiais do DVD do filme.
Um rapaz com tudo para ser um rebelde – e resolve ser militar
Vamos lá: Zack Mayo, o personagem do jovem Richard Gere, tem tudo para ser um rebelde, um revoltado, um anti-Establishment; a mãe se matou quando ele era garoto, infeliz por ter sido abandonada pelo pai, soldado da Marinha dado à cachaça e às putas; adolescente, ele vai às Filipinas à procura do pai, que dá pouquíssima importância ao filho; Zack passa a adolescência morando num quartinho em cima de um puteiro filipino freqüentado por soldados americanos.
Isso é mostrado nos primeiros minutos do filme.
Zack, que tinha tudo para virar um desajustado, um dropout, bêbado ou drogado, decide que quer subir na vida via a única escada que conhece: vai se submeter ao treinamento para um curso de oficiais da Marinha. O curso é duríssimo, poucos conseguem enfrentá-lo, passar por todas as penosas, quase impossíveis etapas de testes físicos e intelectuais. Mas é o que Zack vai tentar – embora ninguém, nem mesmo o pai, acredite que ele conseguirá.
Temos então que, com menos de dez minutos de filme, Zack e um bando de outros civis está se apresentando diante de Emil Foley (Louis Gossett Jr.), um sargento instrutor típico: brutal, durão, impiedoso, que jamais fala, sempre berra frases com seis palavrões em cada cinco palavras, que insulta das piores maneiras possíveis os jovens que estão ali para serem treinados por ele; chama-os de veados, covardes, galinhas, diz que eles não vão conseguir nunca terminar o curso e virar oficiais, que o melhor que têm a fazer é voltar logo pra casa.
Epa! Mas então o filme tem uma coisa boa: está desmascarando, denunciando a brutalidade da formação nas academias militares! Está mostrando o desumano tratamento que transforma jovens civis em máquinas de guerra, nascidos para matar! Ué, mas que beleza! A Força do Destino então anteciparia Kubrick, que só cinco anos mais tarde, em 1987, faria Nascido para Matar/Full Metal Jacket, um dos maiores e mais brilhantes panfletos antimilitaristas da história do cinema, com um sargento bem parecido com este daqui!
Tsk, tsk, tsk… Pois é. Infelizmente, não é isso. A Força do Destino mostra que tudo isso é muito bom. Toda aquela desumanidade – diz o filme – serve para forjar o bom caráter dos futuros oficiais das Forças Armadas dos Estados Unidos da Grande América, e para prepará-los para enfrentar os perigos que ameaçam a Gigantesca Nação planeta afora.
Bem, mas se é assim, então o filme é de fato uma porcaria, um horror, um nojo.
De novo, não é bem assim. Apesar desse viés de defesa da formação militar, dos exageros e das violências absurdas a que são submetidos aqueles jovens, o filme consegue ter qualidades – e isso é que é muito estranho, e que torna interessante a experiência de vê-lo.
De alguma forma, o filme consegue transmitir que aqueles pobres jovens (a imensa maioria deles é gente muito pobre, como Zack Mayo) não têm outra opção para melhorar na vida, ter uma chance de ascensão, a não ser submeter-se a tudo aquilo.
Ou seja: de alguma forma, o filme que faz a apologia da disciplina militar absurda ao mesmo tempo demonstra a dificuldade de se melhorar um pouco na vida, bem lá, no Império, a terra sempre vendida ao mundo como a de todas as possibilidades.
Belas atuações de todo o elenco – e ainda tem Debra Winger
O que transforma o filme em algo palatável, embora com o viés pró-militarismo, o que dá alguma qualidade a ele, são as atuações de todo o elenco – esforçadas, fortes, convincentes, às vezes emocionantes – e o que o roteirista Douglas Day Stewart e o diretor Taylor Hackford mostram sobre a vida fora da base militar, fora da escola de treinamento.
A base fica numa pequena cidade do Estado de Washington, não muito longe de Seattle – e boa parte da vida da comunidade pobre do lugar vive em função da presença dos militares. Bem no início do filme, há cenas em uma gigantesca fábrica de papel, em que trabalham centenas de mulheres. Todas as jovens do lugar têm uma ambição na vida: fisgar um jovem futuro oficial, para depois poder ascender socialmente e cascar fora dali.
A história daquelas pobres moças se concentra em duas delas, operárias da fábrica e fisgadeiras de futuros oficiais, Paula (Debra Winger) e Lynnette (Lisa Blount). Seus destinos vão previsível e rapidamente se cruzar com os de Zack e seu a princípio único amigo na turma dos aspirantes, Sid (David Keith).
É impressionante como é poderosa a figura de Debra Winger. As cenas em que ela aparece dão a sensação de que brilham. Ela enche a tela. Compõe uma personagem de carne e osso, fragilidades, dúvidas e vontades, uma mulher de verdade, que o espectador entende de imediato, por quem o espectador simpatiza, tem um pouco de pena, um tanto de admiração, um tanto de torcida.
A atriz não era propriamente uma garotinha; Paula, seu personagem, tem pouco mais de 20, mas a atriz já estava com 27; tinha tido um grande sucesso dois anos antes, em 1980, Cowboy do Asfalto/Urban Cowboy, ao lado de John Travolta. A interpretação dela é extraordinária, maravilhosa. Ela brilha nas cenas de sexo – e são cenas bem claras, bem explícitas, bem ousadas. Mas brilha da mesma forma em todas as outras; na cena em que Paula e Zack se reencontram no bar, ao lado do jukebox que toca Dire Straits, por exemplo, Debra Winger é de uma expressividade assustadora.
Richard Gere, que estava então com 33 anos, mas, como Debra Winger, parecia bem mais novo, vinha também de um grande sucesso, Um Gigolô Americano/American Gigolo, de 1980. Nenhum dos dois era um astro ainda; ele viraria um dos maiores de sua geração; ela, uma atriz absolutamente extraordinária, jamais seria uma estrela, em boa parte por opção pessoal – iria se revelar do tipo rebelde, que não se ajusta às regras de Hollywood.
Imenso sucesso na bilheteria – e um monte de prêmios
O filme foi um estouro popular. Foi o quarto filme de maior bilheteria daquele ano, logo depois de E.T. – O Extra-Terrestre (que durante muito tempo seria o filme de maior bilheteria da história), Tootsie e Rocky III. A crítica se dividiu, como mostra o livro Box Office Hits, de Susan Sackett; algumas disseram que não havia química entre Gere e Debra, outros disseram exatamente o contrário; houve loas à atuação de Louis Gossett Jr. (ele “faz mais com seus olhos e reação facial do que outros conseguem com várias páginas de diálogos”, disse a Variety).
Depois da reação dividida da crítica, e do estouro na bilheteria, vieram os prêmios. Debra Winger teve a primeira de suas três indicações ao Oscar por este seu papel de Paula (seria indicada depois por Laços de Ternura/Terms of Endearment, de 1983, e por Terra das Sombras/Shadowlands, de 1993).
Debra jamais ganhou um Oscar.
Além da dela, o filme teve outras cinco indicações ao prêmio da Academia: ator coadjuvante (e Louis Gossett Jr. levou), canção (Up Where We Belong, de Jack Nitzsche e Buffy Saint Marie, letra de Will Jennings, cantada por Joe Cocker e Jennifer Warnes, que levou o Oscar e chegou ao primeiro lugar nas paradas americanas), roteiro original, trilha sonora e montagem. O filme levou também dois Globos de Ouro (ator coadjuvante para Louis Gossett Jr. e canção original), e teve seis outras indicações para o prêmio.
O filme não entrou (e, na minha opinião, nem era para entrar) na lista do livro 1001 Filmes Para Ver Antes de Morrer, mas está entre os escolhidos na categoria Romance do livro 501 Must-See Movies, de 2004.
Este texto já está grande demais, e falei de Debra Winger menos do que gostaria. Para resumir: depois de Esqueça Paris/Forget Paris, de 1995, essa atriz superlativa, das melhores de sua época, resolveu cascar fora. Ficou seis anos longe dos sets de filmagem; um amigo dela, o escritor Tom Robbins, deu a seguinte explicação à revista New York: “Você poderia dizer que ela ficou desencantada com o negócio. Ela gostava do trabalho, mas não das outras coisas. E Hollywood é, na maior parte, as outras coisas”. A própria Debra explicou, na mesma matéria: “Eu queria sair fazia anos. Cansei de me ouvir dizendo que queria desistir.”
Ela voltou em 2001 com um filme dirigido pelo marido, Arliss Howard, Big Bad Love, que aparentemente passou em brancas nuvens, e depois disso não teve outra grande oportunidade. Está de volta agora com O Casamento de Rachel/Rachel Getting Married, de 2008, num papel secundário, da mãe da personagem de Anne Hathaway, a irmã da Rachel do título, uma drogada que tenta se livrar do vício.
O fato de Debra Winger não ter feito mais e melhores filmes é tão absurdo que, em 2002, a atriz Rosanna Arquette fez um documentário com o título de Searching for Debra Winger, em que questiona diversas atrizes acima dos 30 anos de idade sobre as dificuldades que enfrentaram na carreira e na vida pessoal.
A edição especial de 25 anos de Força do Destino em DVD, com um disco inteiro dedicado aos extras, traz entrevistas de todos os envolvidos na produção do filme – menos Debra Winger, a mulher sobre quem Pauline Kael dizia que era “uma grande razão para se continuar indo ao cinema nos anos 80”. Não consegui descobrir se ela se recusou a dar entrevista, ou se os produtores preferiram não procurá-la. A ausência dela é a coisa mais forte de todos os bons extras.
A Força do Destino / An Officer and a Gentleman
De Taylor Hackford, EUA, 1982
Com Richard Gere, Debra Winger, Louis Gossett Jr., David Keith, Lisa Blount, Lisa Eilbacher, Robert Loggia, Tony Plana, David Caruso
Roteiro Douglas Day Stewart
Música Jack Nitzsche
Canção Up Where We Belong de Jack Nitzsche e Buffy Saint Marie, letra de Will Jennings, cantada por Joe Cocker e Jennifer Warnes
Produção Capitol, Lorimar, Paramount
Cor, 124 min
**1/2
Título em Portugal: Oficial e Cavalheiro
Hoje, sozinha e saudosa, resolvi ler sôbre alguns filmes que assistí lá por 1960 – l970.Como foi bom! Voltei no tempo, recordei sensações. “Assim era a Atlântica”, “Muito além do jardim”, “Assassinato no Expresso Oriente”,”Laços de Ternura”, “Testemunha””A fõrça do destino”. Que delícia!Você me proporcionou horas de pleno entretenimento!Como vale a pena entrar o seu site, pois além de recordarmos os filmes, ainda nos deliciamos com suas maravilhosas anotações , seu imenso conhecimento. Só lhe digo que,, quanto ao Richard Gere, fui sua fã no filme e até hoje. Será por causa da beleza? Há,há ,há!!!
assisti a quase tds os filmes da debra winger,e quase tds sao mt bons,e foi uma sacanagem da academia de hollywood nao ter lhe dado o oscar de melhor atriz pela sua estupenda interpretaçao no filme laços de ternura em 1983,deram o premio para a shyrlei mclaine,que fazia a sua mae no filme,na minha opiniao a personagem da d winger `engole` a personagem de s mclaine,alias o oscar para ela era praticamente certo,mas mclaine percebendo que poderia perder o premio,partiu para o ataque:usando do enorme prestigio que tinha em hollywood,começou a fazer lobby,uma especie de corpo a corpo com os outros artistas e jurados da academia e no final injustamente ganhou o oscar,se nao tivesse ganhado,hj ele seria uma especie de annete benning do seculo 21,onde é sempre indicada mas no final sai de maos vazias.
Fico triste quando leio críticas absurdas como esta, preconceituosas, tacanhas, pobres, parciais. A única coisa que aproveita nela são os elogios a fantástica Debra. Se filmes sobre militarismo americano fosse algum tipo de apologia ao coronelismo americano então muitos clássicos teriam que ser levados ao lixo. “A Um Passo da Eternidade” seria um deles portanto não confunda arte com política. Este filme é espetacular em todos os sentidos, inclusive Richard Gere fez um trabalho digno de Oscar. Tudo funciona com perfeição, montagem, fotografia, figurino, trilha sonora, direção, atuações, locações. Filme perfeito e um dos melhores da década de 80 e facilmente entre os 500 de todos os tempos se tratando de Hollywood.
Esse foi a primeira e última vez que leio uma CRÍTICA desse Sérgio Vaz. Concordo com a postagem de Jean Lopes. Tantos filmes espetaculares que abordam o militarismo,e que de forma alguma precisam ser vistos do prisma que o crítico enfaticamente detalha. O filme é excelente em todos os aspectos.
Acho que em relação ao militarismo, acredito que seria apenas um “pano de fundo”, mas sem pretender ser uma apologia do militarismo. Nesse sentido, deixo a dica do filme que foi feito logo depois – Lords of discipline – Esse trata do racismo e tem o ator David Keith como principal protagonista. Mas voltando ao filme, talvez o ambiente de uma escola militar seria como uma espécie de “tarefas de Hércules” que o personagem teria que vencer, para depois conquistar o seu prêmio final. Como os desafios de um vídeo game. Mas o que eu gostaria de abordar é que os dois personagens masculinos (Zack tem seu melhor amigo) e as duas personagens femininas tem valores diferentes. O amigo de Zack quer casar e está disposto a largar a vida de militar. Ele acaba “ficando” com a melhor amiga de Debra Winger (Lisa Blount falecida recentemente) que quer justamente sair dali. A personagem de Debra Winger quer mesmo é se divertir e não demonstra ter como objetivo principal sair dali e morar em alguma base naval norte americana pelo mundo, ao contrário de sua melhor amiga. E os destinos deles se cruzam, pois os pares ficam trocados. Zack dispensa a sua garota imaginando que aquele relacionamento é passageiro e ainda diz em um trecho do filme: “deveria ter feito como eu, acabado tudo…” Já o personagem de David Keith fica com a outra. Talvez se eles tivessem trocado as garotas, os destinos teriam sido diferentes. Isso nos mostra um pouco a força do destino…
https://www.larsenonfilm.com/officer-and-a-gentleman-an
Tanta diferença dos 4/4 de Roger Ebert a An Officer and a Gentleman, como também o seu testemunho de Terms of Endearment, os dois com a grande Debra Winger!
Roger Ebert era de facto um grabde sentimental romântico! Esses 4/4 atribuídos por ele a estes filmes são todos corridos a negativo e apelidados de clichés ambulantes de geracao em geração! Será que merecem ser deitados abaixo assim?
Um abraço
Afonso
Debra Winger merece todos os elogios da crítica, foi de fato uma fantástica atriz que não se ajustou as exigências de hollywood e não era apenas excelente atriz , ela era linda. Ela realmente merecia um Oscar por laços de ternura. E aliás, ela merecia muito mais como artista. O cinema e a TV americana, estão cheios de atrizes injustiçadas – Barbara Eden e Rebbeca de Mornay – excelentes e fabulosas atrizes – duas delas. Acho que a crítica realmente pegou pesado demais contra o chamado militarismo americano que apenas serve de pano de fundo para a história. O filme em si é excelente e um dos melhores filmes da década de 80. E Debra apesar do seu desencanto anos e décadas depois, deixou seu lindo rosto e seus personagens gravados na telona para toda a eternidade.