(Disponível em DVD.)
Big, no Brasil Quero Ser Grande, que a diretora Penny Marshall lançou em 1988, foi um tremendo sucesso de público. Marcou um recorde: com ele, essa realizadora de várias obras simpáticas, agradáveis, tornou-se a primeira mulher a dirigir um filme que rendeu mais de US$ 100 milhões.
Pois é: o cinema, assim como tantas outras áreas da atividade humana, era, naquele final dos anos 80, e ainda é hoje, território machista, dominado pelos homens. Basta lembrar que, no livro 501 Movie Directors, editado e organizado por Steven Jay Schneider, há apenas 34 mulheres. Impressionante: 467 homens, 34 mulheres.
Mas Quero Ser Grande não foi um sucesso de público e ao mesmo tempo fracasso absoluto no outro quesito, o da aprovação da crítica e dos júris de festivais, como tantos e tantos produtos da indústria de Hollywood, tipo os besteiróis dos irmãos Farrelly, como Quem Vai Ficar com Mary? (1998).
Não – não foi, de forma alguma, um fracasso de crítica. Levou 11 prêmios, fora 14 indicações, inclusive duas ao Oscar, para Tom Hanks como melhor ator (a primeira de suas seis indicações à estatueta dourada) e para Gary Ross e Anne Spielberg como autores do melhor roteiro original.
Ao Globo de Ouro, foram duas indicações, nas categorias de melhor filme – musical ou comédia e melhor ator para Tom Hanks.
No IMDb, o filme tem a boa média de 7.3 (em 10) na avaliação de 235 mil leitores. No site agregador de opiniões Rotten Tomatoes, tem fantásticos 98% de aprovação dos críticos (80 resenhas consultadas) e 82% entre os leitores.
Vou transcrever mais adiante, como sempre faço, algumas críticas sobre o filme – todas elogiosos.
É uma fantasia. Uma comédia, com romance, mas basicamente uma fantasia. Parte de uma base que não tem nada a ver com a realidade, é fantasia pura: garoto de 12 anos de idade pede para um mago mecânico de feira de diversões para ser grande – e no dia seguinte acorda com sua cabeça de 12 anos de idade dentro do corpo de um adulto de uns 30.
Uma fantasia, com comédia, romance e até uma sátira às corporações, à feroz competitividade entre funcionários de grandes empresas, especialmente os mais graduados, os executivos. É uma sátira viva, forte, ferina – que, no fundo, no fundo, pode ser entendida até mesmo como uma crítica ao capitalismo.
“Vergonha de perder tempo com uma bobagem destas”
E é tudo muito bem feito. Os créditos iniciais nos mostram um bando de nomes respeitáveis. O ótimo James L. Brooks, que escreveu e dirigiu Laços de Ternura (1983), Nos Bastidores da Notícia (1987) e Melhor é Impossível (1997), é um dos produtores. Barry Sonnenfeld, o cara que fez aquela maravilha que são os filmes MIB: Homens de Preto, I, II e III, é o diretor de fotografia.
A trilha sonora é de Howard Shore, 100 prêmios, inclusive três Oscars. E a direção de arte é do mago Santo Loquasto, de tantos filmes de Woody Allen, como A Era do Rádio (1987), Tiros na Broadway (1994) e Blue Jasmine (2013), por exemplo.
Tudo muito bem feito.
Tenho muita simpatia por Penny Marshall (1943-2018), que nos deu, entre outros, aquela gracinha que é Uma Equipe Muito Especial (1992) e também Tempo de Despertar (1990). E. diacho, sou fã de Tom Hanks, esse grande ator que é assim uma espécie de Gary Cooper dos últimos 40 anos, o americano médio boa gente, bom caráter, simpático, coração grande.
E ainda tem Elizabeth Perkins, essa atriz muito interessante, de quem gosto muito.
Mas tenho que confessar: houve momentos, enquanto via o filme (sozinho de tudo, Mary enfiada num frila), em que me peguei dizendo para mim mesmo: mas, diabo, o que estou fazendo diante dessa bobagem? Eu, um velho, bem velho cinéfilo, que aprendeu a gostar dos grandes mestres quando era ainda adolescente, pouco mais velho que o Josh da história, vendo uma fantasia boboca desse tanto?
Pois é… Eu tinha terminado de escrever 400 linhas sobre aquele drama pesado, intenso, que é Ladrões de Bicicleta, e pensei em me divertir um pouco, pra variar.
E aí fui assaltado por uma culpa imensa: ô meu, cê não tem vergonha de perder tempo com uma bobagem destas?
Ah, a culpa deixada pela civilização judaico-cristã…
Trocentos atores foram pensados para o papel
Bem, mas, Freud à parte, vamos em frente.
O roteiro do que viria a ser o filme Big, de autoria, repito, de Gary Ross e Anne Spielberg, ficou pronto em 1984, e rodou por vários estúdios, sem que nenhum deles topasse filmá-lo.
Até que Robert De Niro demonstrou interesse em interpretar o protagonista, Josh Baskin, o garoto de 12 anos transformado em adulto por um mago mecânico de feira de diversões. Opa! Com Robert De Niro a coisa fica boa, devem ter pensado outros atores.
Entre o roteiro ficar pronto e as filmagens afinal começarem, com Tom Hanks no papel de Josh Baskin, houve informações de que vários atores se mostraram interessados e/ou foram pensados para o papel, segundo mostra a página de Trivia do IMDb. O interessante é que não houve um sujeito que juntasse os nomes todos os atores cogitados para o papel, que é o que eu pretendo fazer agora. No meio das dezenas e dezenas de itens na página de informações, curiosidades sobre o filme, há várias que falam o nome de um ator…
Vamos lá (sempre segundo os itens da página de Trivia do IMDb sobre Big): Tom Hanks foi a primeira opção dos produtores que toparam fazer o filme, mas ele estava ocupando em outros projetos (Dragnet: Desafiando o Perigo, 1987, e Palco de Ilusões, 1988).
Robert De Niro demonstrou interesse – mas seu salário de US$ 6 milhões era demais.
Penny Marshall pensou em John Travolta.
Harrison Ford teria rejeitado o papel.
Robin Williams teria sido considerado para interpretar Josh Baskin.
Dennis Quaid disse a Larry King na televisão que recusou o papel porque na época queria fazer Quando me Apaixono (1988).
Steve Guttenberg foi considerado, mas teria recusado porque estava para fazer Três Solteirões e um Bebê (1987).
Pensaram em Bill Murray, mas ele preferiu fazer Os Fantasmas Contra Atacam (1988).
Pensaram também em Judge Reinhold e Michael Keaton…
Albert Brooks também teria recusado a proposta para interpretar Josh Baskin.
Pensaram ainda John Goodman…
Jeff Bridges recusou o papel.
Gary Busey foi considerado para o papel de Josh Baskin.
Ah, não, péra lá: mas quem é Gary Busey, meu Deus do céu e também da Terra?
Bem. Aí – diz ainda um item da página de Trivia do IMDb sobre o filme – Tom Hanks terminou de rodar os filmes que estivera fazendo, e ficou disponível.
Há também a informação de que Debra Winger foi considerada para o papel de Susan Lawrence, a competente executiva da grande corporação que produz brinquedos, na qual se emprega o garoto de 12 anos Josh Baskin, ocupando o corpo de um sujeito de cerca de 30 anos. Ela, no entanto, estava grávida na época, e por isso não pôde assumir o papel. Indicou então Elizabeth Perkins.
Um imenso acerto na escolha dos atores
Quanto mais eu leio essas informações de que os produtores queriam fulano e fulana nos papéis principais, mas eles acabaram indo para sicrano e sicrana, mais me convenço de Deus gosta de brincar de diretor de casting. E, cacete, que extraordinário diretor de casting ele é.
Debra Winger, meu Deus do céu e também da Terra, é uma atriz excepcional, extraordinária. E naquela época, 1988, tinha uma beleza de arrasar quarteirões. Teria feito uma Susan Lawrence espetacular, é claro – mas ainda bem que o papel ficou com Elizabeth Perkins. Esta é uma ótima atriz, é claro – mas, além do talento, ela tem o tal do physique du rôle mais apropriado. Ela não é excepcionalmente linda. Sim, é bonita, é atraente, mas não é aquela coisa absurda de beleza acachapante – e me parece que é assim que deveria mesmo ser a executiva séria, compenetrada, workaholic, que de repente começa a prestar atenção ao novo contratado da grande empresa…
E o personagem de Josh Baskin foi feito para aquele Tom Hanks que tinha então 31 anos – e que, vendo hoje, a gente acha que parecia ter uns 20…
O olhar de assombro diante daquela Susan que se oferece para ele… O olhar de espanto e profunda tristeza quando percebe que está magoando a moça ao querer voltar a ser pequeno… Ah, meu, aquilo tudo foi escrito para ser feito por Tom Hanks.
Outro grande acerto do filme no quesito casting é Jared Rushton, o garoto que faz Billy Kopeche, o maior amigo do menino Josh. Jared Rushton dá um show.
Está bem também David Moscow, que interpreta o Josh garoto. E, além do talento com que desempenha o papel, ainda havia a favor dele uma certa semelhança física com Tom Hanks.
Conta-se que esse garoto David Moscow foi muito importante para Tom Hanks. Nos ensaios, o ator pedia ao garoto para mostrar o que ele faria numa daquelas situações em que Josh Baskin está no corpo de um adulto – e então imitava o que o garoto fazia.
“O melhor filme de troca de corpo”
Antes de passar para as opiniões de grandes críticos, só mais um registro: não foram apenas vários atores que foram considerados para o papel do protagonista da história, o garoto que passa a habitar um corpo de adulto. Vários diretores foram também levados em conta pelos produtores. Falou-se em Richard Donner, Frank Oz, Ivan Reitman, Amy Heckerling, John Hughes. Ah, e também em Steven Spielberg. Diz textualmente o IMDb: “Steven Spielberg quase dirigiu o filme, mas ele não quis roubar as atenções de sua irmã, Anne, que co-escreveu o roteiro.”
Então Anne Spielberg é uma das irmãs do cara! É claro que, nos créditos iniciais, reparei no nome Anne Spielberg, mas não me ocorreu que houvesse parentesco, quanto mais tão direto assim. Anne, de 1949, é a mais velha das três irmãs do cineasta (que é de 1946); depois dela vieram Nancy e Sue.
O livro Cinema Year by Year 1894-2000, que traz verbetes sobre filmes e fatos importantes como se fossem notícias de jornal das datas de lançamento ou dos eventos, tem no capítulo referente a 1988 o título “As deliciosas aventuras de um garoto habitando o corpo de um homem”. Datada de Nova York, 3 de junho – o dia da estréia do filme –, a “notícia” diz o seguinte:
“Big, de Penny Marshall, deve ser o melhor filme de troca de corpo já feito. É um conto de fadas (embora com um ferrão irônico, pungente) em que um jovem garoto pede fervorosamente a um gênio de uma máquina de desejos de parque de diversões para virar um adulto. O desejo é satisfeito e ele acorda como Tom Hanks, embora dentro do corpo do homem permaneça o menino. O filme é soberbamente e sutilmente escrito para evitar as armadilhas em que o garoto homem cai, entre outras coisas, romanticamente envolvido (com Elizabeth Perkins). Hanks é uma delícia absoluta e convincente, seja se divertindo alegremente na loja de brinquedos F.A.O. Schwartz, ou atacando uma espinha de milho bebê em uma festa elegante com alguma perplexidade. Este deverá ser o ‘grande’ sucesso do verão.”
“Um filme terno, generoso e cheio de alegria”
Eis o “consenso da crítica” do site Rotten Tomatoes:
“Refrescantemente doce e sem dúvida engraçado, Big é uma vitrine para Tom Hanks, que mergulha no seu papel e coloca nele charme e uma surpreendente pungência.”
Leonard Maltin deu ao filme 3.5 estrelas em 4:
“Um garoto de 12 anos deseja ser ‘grande’ – e consegue realizar seu desejo, acordando na manhã seguinte como um homem de 30 anos de idade! Fantasia charmosa enfrenta um raro tema nos dias de hoje – inocência – e o trata muito bem, graças à atuação soberba, aparentemente simples de Hanks e à direção segura de Marshall. Um verdadeiro deleite. Escrito pelos co-produtores Gary Ross e Anne Spielberg.”
Roger Ebert deu 3 estrelas em 4 – e começa seu texto lembrando algo que não havia sido falado até aqui: “Big foi nada menos que a quarta variação quase simultânea do mesmo tema – um garoto encurralado no corpo de um adulto. Como foi que quatro estúdios de Hollywood simultaneamente se descobriram fazendo essencialmente a mesma história? Imagino que cada um achou que o seu era melhor, e se recusou a desistir. E então tivemos Like Father, Like Son e Vice Versa e 18 Again! E agora Big, que é uma edição simplificada.”
Like Father, Like Son. O título no Brasil foi literal, Tal Pai, Tal Filho, 1987, direção Rod Daniel, com Dudley Moore. “Uma poção misteriosa muda a personalidade de um médico e seu filho relaxado”, resume o IMDb.
Vice Versa. No Brasil, exatamente a mesma coisa, Vice-Versa, 1988, direção Brian Gilbert, com Judge Reinhold, Fred Savage. Um executivo divorciado e seu filho de 11 anos casualmente encostam em uma caveira do Tibete e o cérebro de um vai parar no corpo do outro.
18 Again!, no Brasil Um Pedido Especial, 1988, direção Paul Flaherty, com Charlie Schlatter, George Burns, Tony Roberts. Após sofrer um acidente de carro, um empresário idoso e implacável troca de corpo com seu neto.
Mas durma-se com um barulho desses…
Mais adiante em seu longo texto, o grande Ebert aborda um problema que realmente existe no roteiro: “O filme não consegue lidar direito com o fato de que a mãe do garoto (interpretada pela ótima Mercedes Ruehl, Oscar de atriz coadjuvante por O Pescador de Ilusões, 1992) acredita que ele tenha sido sequestrado – é cruel a maneira com que esse fio da trama é deixado pendurado.”
Mas, ao fim, Ebert reconhece as qualidades da obra: “Big é um filme terno, generoso e cheio de alegria, bem dirigido por Penny Marshall e com um roteiro de Anne Spielberg e Gary Ross que tem muitos momentos engraçados com simples mal-entendidos verbais. (Quando o garoto diz ‘O que é um relatório de pesquisa de mercado?’, Loggia – que faz o papel do CEO do conglomerado – acena e grunhe: ‘Exato!’) Hanks encontrou uma vulnerabilidade e doçura para seu personagem que é bastante atraente.”
Ainda um registro: em 1996, ou seja, oito anos depois do filme, estreou no Shubert Theater da Broadway uma versão musical de Big. Teve 193 apresentações e foi indicado ao Tony, o Oscar do teatro americano, como melhor libreto e trilha sonora.
Em suma: todo mundo levou o filme a sério. Só eu é que senti vergonha de estar perdendo tempo com uma fantasia boboca…
Anotação em novembro de 2023
Quero Ser Grande/Big
De Penny Marshall, EUA, 1988
Com Tom Hanks (Josh Baskin),
Elizabeth Perkins (Susan Lawrence, a executiva da empresa),
Jared Rushton (Billy Kopeche, o maior amigo de Josh),
e Robert Loggia (MacMillan, o CEO da empresa), John Heard (Paul Davenport, executivo da empresa), David Moscow (Josh aos 12, 13 anos), Jon Lovitz (Scotty Brennen, funcionário da empresa), Mercedes Ruehl (Mrs. Baskin, a mãe de Josh), Josh Clark (Mr. Baskin, o pai de Josh), Debra Jo Rupp (Miss Patterson, a secretária), Kimberlee M. Davis (Cynthia Benson, a beldade da escola), Oliver Block (Freddie Benson), Erica Katz (a amiga de Cynthia), Allan Wasserman (professor), Mark Ballou (Derek), Rockets Redglare (o funcionário do motel), George J. Manos (o motorista da limousine),
Argumento e roteiro Gary Ross & Anne Spielberg
Fotografia Barry Sonnenfeld
Música Howard Shore
Montagem Barry Malkin
Direção de arte Santo Loquasto
Coreografia Patricia Birch
Figurinos Judianna Makovsky
Produção James L. Brooks, Robert Greenhut, 20th Century Fox.
Cor, 102 min (1h42)
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