Uma Confeitaria para Sarah / Love Sarah

Nota: ★★★☆

(Disponível na Netflix em 9/2023.)

Love Sarah, no Brasil Uma Confeitaria para Sarah, produção britânica de 2020, é um filme simpático, agradável, gostoso, sobre relações afetivas e, como indica o título brasileiro, sobre confeitos, doces, preciosidades para adoçar o paladar, a vida. A diretora Eliza Shroeder o dedicou a Sonja, sua mãe – e, sim, é um filme abertamente de alma feminina.

É doce, suave, sobre seres humanos – e, portanto, contra-indicado aos apaixonados por filmes de ação, luta, briga, tiro, explosão, perseguição de carro, e também aos fãs de super-homens, fantasias, realidades paralelas. E, sobretudo, aos que gostam de grandes surpresas, reviravoltas.

A história de Love Sarah é bastante previsível, como boa parte das coisas da vida.

A começar pela morte, essa infalibilidade maior. A câmara não mostra, porque não precisa, porque explicitudes são desnecessárias, mas a Sarah do título morre nos primeiros dos 97 minutos de duração do filme.

De cara vemos, em ações paralelas, quatro mulheres.

A história foi criada por três pessoas: a própria diretora Eliza Shroeder, jovem inglesa que estreou na direção com este filme, após ter feito alguns curta-metragens, Mahalia Rimmer e Jake Brunger. Este último assina sozinho o roteiro.

Os autores começam seu filme mostrando, em ações paralelas, quatro dos cinco personagens centrais da trama – quatro mulheres. Depois de três tomadas aéreas estonteantes de Londres, enquanto rolam os nomes dos atores principais – o Tâmisa ao centro, a Tower Bridge, o centenário Palace of Westminster, sede do Parlamento –, vemos, em tomadas rápidas, montagem ágil:

* uma mulher andando de bicicleta; o celular dela toca, mas, naturalmente, ela não pode atender, e então ouvimos a mensagem gravada: – “Aqui é Sarah, não posso atender agora.”

* a mulher que está ligando para Sarah, Isabella (o papel de Shelley Conn, lindérrima, na foto acima). Veremos logo que é a maior amiga de Sarah, sua amiga íntima, de todas as horas. As duas haviam acabado de alugar um imóvel para instalar uma confeitaria, e naquele momento Isabella estava diante do prédio, esperando pela chegada da amiga e sócia;

* uma moça jovem, bonita, aí de uns 20, 22 anos, no meio de uma aula de balé. É Clarissa (o papel de Shannon Tarbet, na foto abaixo), a filha de única de Sarah;

* uma velha senhora, que, naquele momento, está, em um amplo, belo apartamento, começando a escrever uma carta para Sarah. “Minha queridíssima Sarah, lamento não termos nos falado por tanto tempo. Tenho sido terrivelmente teimosa, e não me orgulho disso.” É Mimi, a mãe de Sarah, e é interpretado por Celia Imrie, essa atriz maravilhosa.

As tomadas são rápidas, a montagem é ágil, repito. Vemos alternadamente tomadas de cada uma dessas quatro mulheres. Algumas tomadas em close-up dos pés de Sarah nos pedais da bicicleta realçam que ela está correndo muito, correndo perigosamente.

Tocam a campainha na casa de Mimi. A câmara está dentro da casa, e mostra Mimi de costas, abrindo a porta. No lado de fora estão dois policiais. Não ouvimos o que eles dizem, mas é absolutamente óbvio que vieram informar do acidente e da morte de Sarah.

Sarah (interpretada por Candice Brown) só aparece nessas sequências iniciais. Eliza Shroeder, Mahalia Rimmer e Jake Brunger decidiram contar a história dessas quatro mulheres sem um único flashback sequer – tudo o que vemos, a partir dessa abertura mostrando as quatro ações paralelas, acontece a partir daí, a partir da morte de Sarah. O espectador fica sabendo dos fatos do passado apenas através dos diálogos dos personagens – não há imagem alguma do passado, não há flashback. Insisto nisso porque me pareceu um detalhe bem interessante.

Quatro mulheres talentosas, de três gerações

Quatro mulheres, de três gerações diferentes. Uma jovem na faixa dos 20 e poucos anos, duas mulheres aí entre 45 e 50, uma senhora com cerca de 70. Uma delas morta precocemente, mas presente o tempo todo na vida das outras.

Todas as quatro são talentosas. Mimi foi artista de circo, trapezista, e de fama. Há uma sequência em que Mimi se revê em um filme amador, ela no trapézio. (As imagens do trapézio, informa o IMDb, são uma gravação da televisão pública espanhola, a TVE, com o trapezista espanhol Pinito del Oro.) Não há qualquer referência ao marido dela, o pai de Sarah, mas ou ele era um homem rico ou ela vinha de família abastada, porque é uma senhora com muito dinheiro no banco.

Sarah e Isabella fizeram juntas curso de culinária em Paris, com Yotam Ottolenghi, chef famosérrimo, autor de best-sellers sobre culinária (nos créditos finais há um agradecimento a ele). Isabella acabou deixando a atividade de lado, passou a trabalhar em outra área – mas tinha talento para a cozinha, e o talento será reativado, na ausência de Sarah. Esta, sim, era uma chef de mão cheia, respeitada, conhecida. Seria ela a garantia de que a confeitaria que as duas iriam abrir daria certo.

E a garota Clarissa tinha talento para a dança, sem dúvida. Tinha talento e toda a vida pela frente – quando de repente perde a mãe, e, já que as coisas na vida vêm em onda como o mar, logo em seguida leva um fora do namorado com quem vivia. O filme não chegou ainda a 15 minutos e a jovem Clarissa não tem mais mãe nem namorado nem casa. É obrigada a recorrer à avó – embora as duas não estivessem se dando muito bem nos últimos tempos, a neta jamais indo visitar a avó.

Nenhuma grande surpresa, nada inesperado

Isabella estava convencida de que, sozinha, não teria como manter os planos de abrir a confeitaria. Tenta desfazer o contrato de aluguel do imóvel, não consegue. Cheia de dívidas, encontra um conhecido que aceita assumir o aluguel do lugar para fazer ali um bar de vinhos.

Clarissa vai atrás dela, tenta convencê-la a manter os planos de criar a confeitaria – com a ajuda financeira de Mimi.

É por aí, quando estamos com uns 30 minutos de filme, que aparece o quinto dos personagens centrais da história. Matthew (Rupert Penry-Jones, na foto abaixo), chef com duas estrelas no guia Michelin, irrompe na loja que Isabella, Clarissa e Mimi estão tentando transformar em uma confeitaria e se oferece para trabalhar com elas.

Isabella rejeita a oferta de forma peremptória. Clarissa pergunta por quê, e então ela e o espectador ficam sabendo que Matthew havia sido colega de Isabella e Sarah no curso em Paris – e ele e Sarah haviam tido um caso.

Nenhuma grande surpresa, nada inesperado, nada de reviravoltas. Clarissa nunca soube quem era seu pai – fora criada por uma mãe assumidamente solteira. O curso em Paris, e portanto o namoro de Sarah com Matthew, havia sido uns 20 e poucos anos antes – a idade da moça.

Nenhuma grande surpresa. Vai-se falar em exame de DNA. Vai-se falar que Matthew apareceu ali, desistindo de um belo emprego em um restaurante francês, porque se sentia obrigado a ajudar a antiga colega (que não gostava dele) e sobretudo a filha da ex-namorada, que afinal poderia ser sua filha…

Claro que, apesar do não peremptório de Isabella, Clarissa e Mimi a convencerão a aceitar o premiado chef Matthew na cozinha da confeitaria.

E a confeitará abrirá com o nome de “Love Sarah” – a forma abreviada de With Love, Sarah.

Nem comédia, nem drama. Um filme do subgênero “Comida”

O IMDb classificou Love Sarah como “comédia, drama, romance”. O AllMovie, como “comédia, romance, drama”, subgêneros “comédia romântica, drama romântico”.

Interessante. Na minha opinião, Love Sarah é um filme leve, suave, doce, e até tem uma ou outra piadinha – como, por exemplo, esta aqui:

Mimi e Felix (Bill Paterson), o senhorzinho que mora perto da confeitaria e se encanta pela mãe de Sarah, chegam perto da casa dela, vindos da ópera. Ela oferece um café. Ele diz que só descafeinado, ou então ficaria a noite inteira acordado. Mimi dá um sorrisinho safado e diz: – “Sorte minha!”

Sim, uma ou outra piadinha, de vez em quando – mas, diabo, comédia, o filme não é, de forma alguma. Na minha opinião, é claro.

Também não chega propriamente a ser um drama… Apesar de abrir com a morte em um acidente de uma mulher muito talentosa e ainda jovem, e com a garota filha dela perdendo também o namorado e o teto, o filme demonstra, desde sempre, que, no final, a tal confeitaria vai dar certo.

Acho que o subgênero mais apropriado para Love Sarah é um que eu uso aqui neste + de 50 Anos de Filmes: “Comida”.

Filmes sobre e para gente que adora comida, sobre e para gourmets, têm sido cada vez mais comuns. Basta checar na tag “Comida”. Lá estão alguns belos exemplares, como

A Festa de Babette (1987), talvez o mais elegante e refinado de todos, do dinamarquês Gabriel Axel;

A 100 Passos de um Sonho (2014), do sueco Lasse Halstrôm;

Chef (2014), do norte-americano Jon Favreau;

Os Sabores do Palácio (2012), do francês Christian Vincent;

Bon Appétit (2010), do espanhol David Pinillos;

Soul Kitchen (2009), do alemão de origem turca Fatih Akin;

Julie & Julia (2009), da norte-americana Nora Ephron;

Almoço em Agosto (2008), do italiano Gianni Di Gregorio;

Simplesmente Martha (2001), da alemã Sandra Nettelbeck, e sua refilmagem americana, Sem Reservas (2007), de Scott Hicks;

O Tempero da Vida (2003), do grego Tassos Boulmetis.

Pelas nacionalidades dos diretores, dá para ver perfeitamente que o subgênero “Comida” é apreciado em todas as partes do mundo…

Anotação em setembro de 2023

Uma Confeitaria para Sarah/Love Sarah

De Eliza Schroeder, Reino Unido, 2020

Com Celia Imrie (Mimi, a mãe de Sarah),

Shelley Conn (Isabella, a grande amiga e sócia de Sarah),

Shannon Tarbet (Clarissa, a filha de Sarah),

Rupert Penry-Jones (Mathew, o chef ex-namorado de Sarah),

Bill Paterson (Felix, o vizinho da confeitaria), Lucy Fleming (Olga, amiga de Mimi), Rose Alice (a instrutora de dança), Max Parker (Alex), Andrew David (Clive), Candice Brown (Sarah)

Roteiro Jake Brunger

História Jake Brunger, Mahalia Rimmer, Eliza Schroeder

Fotografia Aaron Reid   

Música Enis Rotthoff    

Montagem Jim Hampton , Laura Morrod    

Casting Shakyra Dowling       

Desenho de produção Anna Papa

Figurinos Jeffrey Michael

Produção Rajita Shah, Miraj Films, Neopol Film, Rainstar Productions

Cor, 97 min (1h37)

***

2 Comentários para “Uma Confeitaria para Sarah / Love Sarah”

  1. Que filme delicioso! Agradeço muito a dica! Excelentes atores. Nada de dramalhão mexicano por não ter dado tempo de enviar a carta ou se reconciliar c a filha. Nada de pieguice. Tudo sutil.

Comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *