Alice Não Mora Mais Aqui / Alice Doesn’t Live Here Anymore

4.0 out of 5.0 stars

É um grande prazer rever Alice Não Mora Mais Aqui agora, 44 anos depois que Martin Scorsese o lançou. Ele continua tão caloroso, tocante, inquietante, simpático, envolvente quanto em 1974, quando foi lançado, em meio a uma grande revolução no cinema americano – os anos em que uma nova geração de diretores e produtores chegava para mudar de vez o sistema dos estúdios em vigor desde o início do século.

Mantém intacto um fascinante gostinho de juventude, de novo espírito, de novas regras, de estabelecimento sob nova administração.

Alice Não Mora Mais Aqui foi um dos marcos da revolução empreendida pelos então jovens Martin Scorsese, Steven Spielberg, Francis Ford Coppola, George Lucas, Peter Bogdanovich, Brian De Palma e, correndo por fora mas em paralelo, Woody Allen.

Eram jovens, todos eles – assim como era jovem toda a minha geração, que veio logo após a deles –, e chegavam na crista da onda que se seguiu aos anos 60, aqueles que, todos diziam, mudaram tudo. De uma certa maneira, aproveitaram-se das mudanças todas que vieram com a luta pelos direitos civis, a contracultura, os hippies, o movimento nacional (afinal vitorioso) contra a guerra do Vietnã, o avanço da afirmação do movimento negro, o feminismo.

O período pós agitação toda dos anos 60 foi favorável à tomada do poder por essa nova geração de cineastas. E eles chegaram para ficar.

Eram todos muito jovens, neste filme que tornou Scorsese mais conhecido

Eram todos jovens. Impressionante. Ao rever o filme agora, achei todo mundo jovem demais.

Lá pelo meio do filme, Alice (interpretada pela maravilhosa Ellen Burstyn), que acabara de ficar viúva, é paquerada por um rapagão chamado Ben, interpretado por Harvey Keitel, um ator que sempre está nos filmes de Scorsese. Ela repete várias vezes: – “Não namoro garotos.”

Garoto, claro, é modo de dizer. Quando falo aqui jovem, juventude, não estou falando de adolescentes, adolescência, de forma alguma. São jovens adultos, gente aí entre 25 e 35 anos, que era a idade daquela turma toda em meados dos anos 1970.

Alice diz para Ben que ela tem 35 anos, e pergunta quantos ele tem. Ele diz 27.

Não era exatamente assim na vida real. Ellen Burstyn, de 1932, estava portanto com 42 quando o filme foi lançado – mas de fato aparentava ser mais jovem.

Harvey Keitel estava com 35.

Kris Kristofferson estava com 38 – e, como estou acostumado agora a ver a cara dele na faixa dos 80, achei que ele estava com cara de bebê.

Jodie Foster estava com 12, e já era precoce demais – no filme e na vida real.

Martin Scorsese estava com 32 anos. Apenas 32 anos!

Alice Não Mora Mais Aqui foi o quarto longa-metragem desse sujeito que iria bem depressa se tornar um dos mais importantes diretores de cinema do mundo. O primeiro, Quem Bate à Minha Porta? (1967), já com Harvey Keitel, era mais uma experiência de estudante. O segundo, Sexy e Marginal/Boxcar Bertha (1972), passado na Grande Depressão, foi pouco visto. O terceiro, Caminhos Perigosos/Mean Streets (1973), já sobre a violência de Nova York, um de seus principais temas, chamou a atenção dos mais antenados, mas foi Alice Não Mora Mais Aqui que o tornou conhecido de uma audiência bem mais ampla.

O filme foi um tremendo sucesso de crítica. Teve 3 indicações ao Oscar: melhor atriz para Ellen Burstyn (que levou o prêmio), melhor atriz coadjuvante para Diane Ladd e melhor roteiro original para Robert Getchell.

Sim: é uma história escrita diretamente para o filme, e o autor escreveu também o roteiro.

Gente comum – e a distância entre nossos sonhos da juventude e a realidade

É um filme sobre pessoas comuns, gente como a gente – pessoas que não são riquíssimas, nem absolutamente miseráveis, nem famosas, nem super talentosas, nem super coisa alguma. Gente “normal”, embora, claro, de perto ninguém seja normal, como muito bem nos lembra Caetano Veloso. Ordinary people, como tantas vezes Paul McCartney cantou. People, people who need people, como canta Barbra Streisand.

Esta é uma de suas características, e uma de suas grandes qualidades – assim como é a característica e a qualidade de muito do cinema que Hollywood produziu depois daqueles meados dos anos 70 em que chegaram Scorsese, Spielberg, Coppola, Lucas, Bogdanovich, De Palma, Allen.

É um filme que fala da distância gigantesca, jupeteriana, amazônica, grand-canyana entre os nossos sonhos juvenis e a realidade de nossas vidas quando chegamos aos 30 e tantos.

É um filme feminista. Forte, rígida, firmemente feminista – mas sem a histeria, a leviandade chucra, o paroxismo abissal de certos feminismos anti-homens.

É, sobretudo, um filme sobre a segunda chance. Talvez melhor seria dizer segundas chances – esse direito humano básico, fundamental, basilar.

Exatamente por isso tudo, não é um filme recomendável para fundamentalistas. Fundamentalistas, fanáticos, radicais muito seguramente não vão compreender o filme – e vão odiá-lo, mesmo sem compreender. Isso é bem típico deles – odiar sem compreender.

Entre a primeira e a segunda sequência, a passagem do sonho para a realidade

Bem no início do filme há um letreiro mostrando o onde e o quando: “Monterey, Califórnia. Alice uma garota” – e vemos um cenário que faz lembrar O Mágico de Oz: uma jovenzinha aí de uns 10 anos caminha no campo num final de tarde, com o céu absolutamente vermelho, mais vermelho do que nos filmes de David O. Selznick, … E o Vento Levou (1939), Duelo ao Sol (1946).

Ao fundo, Alice Faye (1915-1998), a atriz e cantora de voz maravilhosamente grave, canta “You’ll never know”, de Harry Warren-Mack Gordon, sucesso que ela apresentou em Hello Frisco, Hello, de 1943, no Brasil Aquilo, Sim, Era a Vida!

“You’ll never know just how much I miss you

You’ll never know just how much I care…”

Alice, interpretada nesse intróito por Mia Bendixsen, canta “You’ll never know” junto com Alice Faye– mas a mãe a chama, diz que já é hora de entrar em casa. Parar de cantar, de sonhar que um dia seria uma estrela como sua xará Alice Faye, e entrar em casa para daí a pouco jantar – esse horror que é sair do sonho para a vida real.

A pequena Alice diz para a bonequinha que carrega: – “Eu posso cantar melhor que Alice Faye.” A mãe dá um ultimato, e Alice desabafa para a bonequinha: “Espere e verá. E se alguém não gostar, pode enfiar.”

Esse intróito aparece num quadrado, ocupando apenas o centro da tela.

A montagem com a sequência seguinte é impressionante.

O som vai ficando muito mais alto, mas muito, muito mais alto. A tela cresce. O som agora é um rock um tanto agressivo do Mott the Hoople. Um letreiro informa que agora estamos em Socorro, Novo México, e que 27 anos se passaram.

Daquela sequência idílica de Alice criança, a vida inteira pela frente, todos os sonhos possíveis de se sonhar, a certeza de que cantaria melhor que Alice Faye, passamos brutalmente para a realidade dos fatos da mesma Alice agora aos 35 anos, vivendo a dura realidade que parece um pesadelo: não, ela não virou uma cantora, não se deu bem em carreira, até porque não tem carreira alguma, a não ser a de dona de casa.

Aos 35 anos, Alice está casada com um sujeito nada agradável, nada simpático, nada carinhoso, nada sensível, machista, mandão, até meio brutal, que não dá sequer um sorriso para a mulher e que parece detestar o filho de 11 anos de idade, Tommy (Alfred Lutter, nas duas fotos acima).

Donald, o marido (o papel de Billy Green Bush), é um tal brutamontes, e aquele casamento é de fato tão a cova da paixão, que o próprio Tommy perguntará para a mãe por que motivo ela resolveu casar com aquele sujeito. Alice responde que, quando conheceu Donald, ele sabia beijar muito bem.

Muito tempo depois, muitíssimo adiante, depois de trepar pela primeira vez com David (o papel de Kris Kristofferson), Alice voltará a falar de beijo, saber beijar, a aprendizagem de como beijar. Alegre, rindo muito, ela diz que o irmão contava para ela que beijo é com a boca fechada. Mas então os dois foram ver O Destino Bate à Porta/The Postman Always Rings Twice, e tinha a cena em que Lana Turner e John Garfield se beijavam – e é um big close-up, e Lana Turner e John Garfield abriam a boca enquanto seus lábios se aproximavam.

Embora tão jovem, Scorsese já demonstra que conhece muito bem cinema

Além de diretor, Martin Scorsese é um estudioso da História do cinema – como também Peter Bogdanovich e François Truffaut, para citar dois exemplos importantes.

Ele demonstra a paixão pelo cinema nessa sequência em que uma alegre Alice conta para David sobre quando ela, ainda menininha, viu O Destino Bate à Porta. E demonstra que, já aos 32 anos, sabia usar muito bem uma das características básicas da linguagem cinematográfica – a montagem – ao fazer a passagem daquela abertura onírica para o dia-a-dia de Alice já adulta e vivendo uma vidinha dura, sem graça.

Na passagem de uma sequência para outra, Scorsese nos mostra a transição de um mundo de sonhos de uma criança para a cruel realidade da vida – e quer coisa mais comum na vida do que isso?

E usa tudo ao mesmo tempo: o vermelho excessivo que faz lembrar os filmes do final dos anos 30, quando o cinema começou a se colorir; o choque da passagem tela menor para a tela mais ampla; a brutalidade de se passar de uma canção da Grande Música Americana para um rock pauleira chato do cão.

Scorsese é um cineasta tão apaixonado pelo cinema, e gosta tanto de exibir as muitas possibilidades da gramática cinematográfica, que às vezes até cansa um pouco.

Uma vida comum – nem inferno, nem paraíso. Com coisas boas e coisas ruins

O autor e roteirista Robert Getchell inventou para sua criatura Alice uma vida absolutamente ordinária, no sentido de comum, de “normal”. Não é uma vida maravilhosa, fantástica, feliz, sensacional, especial – mas também não é ciclopicamente dramática, trágica, horrorosa, pavorosa.

É uma vida comum. Como a da imensa maioria das pessoas.

Fez uma escolha errada, casou-se com um sujeito babaca, um idiota. Por causa disso, saiu de um lugar bonito, especial – Monterey fica em um dos mais belos litorais que há –, para uma cidadezinha perdida no meio do nada, de coisa alguma. Como nada é absolutamente horrível o tempo todo, ao menos tinha em Socorro, Novo México, uma amiga muito querida, Bea (Lelia Goldoni).

E, antes que se enfiasse numa depressão ou em alguma droga, para poder aguentar a vida sem graça ao lado do marido imbecil, aconteceu de Donald morrer num acidente de trânsito.

Aos 15 minutos dos 112 que o filme dura, Alice está de volta à sua confortável casa após sepultar o marido. Teve a sorte de ficar livre dele – mas o azar de não ter juntado sequer um dinheirinho decente para permitir voltar para sua cidade natal com o filho Tommy.

Como tantas e tantas e tantas mulheres naqueles anos 70 (e, de resto, até hoje), não tinha emprego, profissão, a não ser a de dona de casa. Quando o marido morre, não está preparada para ganhar a vida.

Alice vende tudo o que tem e empreende com Tommy, no carro da família, a viagem rumo a Monterey. Primeiro fará uma parada em Phoenix, depois outra em Tucson.

A vida, nos meses seguintes à morte do marido que não dava a ela qualquer alegria e satisfação, não será de forma alguma um mar de rosas – e terá muita dificuldade, todo tipo de dificuldade, e até mesmo um momento apavorante. Mas também não será o mais profundo dos horrores, o inferno, o fim do mundo.

Alice cruzará em seu caminho com gente ruim e com gente boa. Há o rapagão Ben, que se revela um perigoso troglodita, quase um facínora – mas há também almas boas, como Jacobs (Murray Moston), o dono do bar em Phoenix que simplesmente não sabe dizer não a Alice quando ela pede um emprego como cantora.

Gente ruim, gente boa. Nem paraíso, nem inferno.

Depois de rever o filme agora, ficou na minha cabeça o verso de Bob Dylan tão antigo, de dez anos antes de Alice Não Mora Mais Aqui: “It’s all right, Ma – it’s life, and life only”.

Nem horror absoluto, nem maravilha absoluta. Vida – só a vida mesmo.

E a segunda chance – muitas vezes, em geral, quase sempre – não vem de cara. É preciso você aguentar mais um pouco até que ela de fato apareça.

É o que mostra a história de Alice, maravilhosamente filmada pelo jovem Martin Scorsese.

A melhor qualidade do filme é a interpretação extraordinária de Ellen Burstyn

A melhor qualidade de Alice Não Mora Mais Aqui não é a bela história, nem a forma admirável com que Scorsese a filma. A melhor coisa do filme é Ellen Burstyn.

E aí me permito repetir o que escrevi sobre Ellen Burstyn depois de ver Tudo Bem no Ano Que Vem/Same Time, Next Year (1978):

Mulher fantástica, atriz fantástica, Ellen Burstyn. Nascida em Detroit, em 1932, quando bem jovem trabalhou como modelo, dançarina de boate; nos anos 60, atuou em diversas séries na TV, antes de chegar ao teatro na Broadway e ao cinema em Hollywood. No início dos anos 70, estudou interpretação na escola mais prestigiada do país, o Actors Studio de Lee Strasberg – e, quando Strasberg morreu, foi escolhida co-diretora artística do grande celeiro de atores, ao lado de Al Pacino.

Quando isso aconteceu, em 1979, Ellen Burstyn já havia acumulado grandes interpretações e prêmios tanto na Broadway quanto em Hollywood. No teatro em Nova York, fez Tudo Bem no Ano Que Vem (e levou um Tony, o Oscar do teatro), Três Irmãs, 84 Charing Cross Road – a peça que deu origem ao filme Nunca Te Vi, Sempre Te Amei (1987).

No cinema, só nos anos 70, trabalhou em filmes importantes, marcantes: A Última Sessão de Cinema (1971), O Exorcista (1973), Providence (1977), Tudo Bem no Ano Que Vem e ainda o fundamental Alice Não Mora Mais Aqui (1974). Foi ela que comprou os direitos de filmagem de Alice…, e que escolheu o jovem diretor Martin Scorsese. O filme, ao lado de A Mulher Descasada, de Paul Mazursky, de 1978, com Jill Clayburgh, foi uma das obras que definiram o status da nova mulher que surgia após a década que havia mudado tudo.

“A profundidade de Burstyn como atriz é evidenciada pela variedade de seus papéis no cinema”, diz o livro Actors & Actresses. “Com uma notável exceção, sua carreira veio a ser caracterizada por produções de orçamentos modestos, com casts pequenos, intimamente concebidos. Isso permitiu que sua sutileza explorasse a vida interior dos personagens, um luxo normalmente oferecido apenas no teatro. (…) Em seus papéis jamais faltou variedade e mesmo excentricidade. Suas habilidades foram provadas em filmes tão diferentes quanto o melodrama psicológico de Alain Resnais Providence, em que ela trabalhou ao lado de Sir John Gielgud e Dirk Bogarde, Same Time Next Year, uma peça popular pela qual ela já havia ganho um Tony na Broadway e, talvez mais impressionante, Ressurection, em que ela interpreta uma mulher que se recupera de um acidente de carro quase fatal com poderes de cura psicológica.”

A notável exceção citada pelo livro – o único filme dos anos 70 em que trabalhou que teve grande orçamento – é O Exorcista, de William Friedkin. Já do citado Ressurection, de 1980, dirigido por Daniel Petrie, nunca tinha ouvido falar, e aparentemente não chegou a ser lançado no Brasil.

Ellen Burstyn coleciona 36 prêmios e outras 55 indicações – números de abril de 2018. Teve seis indicações ao Oscar, e levou a estatueta por seu papel em Alice Não Mora Mais Aqui, que lhe deu também o Bafta. Para outro prêmio importante, o Globo de Ouro, foi indicada sete vezes, e ganhou por sua Doris em Tudo Bem no Ano Que Vem.

“O que você sabe sobre mulheres?” Scorsese responde: “Nada. Mas gostaria de aprender

Aí estão, nesses parágrafos sobre Ellen Burstyn que escrevi depois de ver Tudo Bem no Ano Que Vem, duas informações fundamentais sobre Alice Não Mora Mais Aqui: foi ela que tinha os direitos de filmagem, e foi ela que escolheu o jovem diretor Martin Scorsese.

A página de Trivia sobre o filme no IMDb – que tem nada menos que 68 itens – confirma a informação. Diz que, depois do sucesso de O Exorcista (1973), a Warner deu à atriz o controle total sobre esse novo projeto. E ela tinha dois objetivos: fazer um filme sobre os problemas da vida real de uma mulher, e entregar a direção a um diretor jovem, promissor.

Brian De Palma falou a ela de Francis Ford Coppola, Coppola falou de Scorsese.

Diz ainda o IMDb que Ellen viu Caminhos Perigosos, gostou muito, mas ficou em dúvida se aquele rapaz saberia dirigir um filme sobre uma mulher. Perguntou a ele o que ele sabia sobre as mulheres, e a resposta foi: – “Nada. Mas gostaria de aprender.”

Se non é vero, é bene trovato.

É necessário fazer um registro sobre duas atrizes que também brilham no filme, além de Ellen Burstyn: Diane Ladd e a garotinha-prodígio Jodie Foster (na foto abaixo).

Diane Ladd está excepcional como Flo, a garçonete mais experiente da lanchonete de Mel (Vic Tayback), em que Alice vai trabalhar quando chega em Tucson. Flo é expansiva, alegre, boca suja, despachada – e Alice a princípio não gosta nada dela. Mas Flo vai se mostrar uma grande pessoa, uma ótima amiga, um bom ombro.

Diane Ladd – não conseguia parar de me lembrar disso – foi casada com Bruce Dern, e é mãe de Laura Dern, outra grande atriz.

Jodie Foster, como já foi dito, estava com 12 anos, mas já era uma veterana – começou a carreira aos 2 anos, fazendo comerciais, e aos 6 fez a primeira de várias séries de TV. Ela está lindinha e excelente como uma garotinha filha de pais divorciados, precoce, independente, com uma tendência perigosa para atitudes marginais tipo roubar coisas em lojas. Chama-se Doris, mas adotou para si o nome mais charmoso de Audrey. Será uma influência ousada sobre o solitário Tommy, o filho de Alice.

Tommy é interpretado por Alfred Lutter III – e esse garoto dá um show. Sua atuação é incrível, absolutamente fantástica.

Vejo agora que, logo depois de Alice…, ele interpretou Bóris quando garotinho – Bóris, o personagem de Woody Allen em A Última Noite de Bóris Grushenko/Love and Death, de 1975. Escolha acertadíssima: Alfred Lutter III era perfeito para fazer Woody Allen quando criança.

Fez apenas 4 filmes e 5 séries de TV. Não dá para compreender como não teve uma carreira gloriosa.

“Um dos mais sensíveis, engraçados e dolorosos retratos de uma mulher americana”

Leonard Maltin deu 3.5 estrelas em 4: “Excelente olhar sobre a odisséia de uma mulher em busca de si mesma e de algum tipo de felicidade depois que seu marido morre, deixando-a e a seu filho sem um tostão. Kristofferson é um homem gentil, de boas maneiras, que tenta conquistar seu amor. Burstyn ganhou um merecido Oscar de Melhor Atriz. Rico roteiro de Robert Getchell. Procure com muito cuidado, na última cena do jantar, pela filha de Ladd, Laura Dern, tomando um sorvete no canto. Mais tarde retrabalhado para uma série de TV chamada Alice.”

Vou ver de novo essa cena para tentar achar Laura Dern…

A série de TV Alice… Uau! Durou nove temporadas, de 1976 a 1985. Alice era interpretada por Linda Lavin.

Nem mesmo Pauline Kael, a prima donna da crítica americana, cricri a não mais poder, teve coragem de falar mal de Alice Não Mora Mais Aqui. “Cheia de engraçada malicia e vertiginosa vitalidade, é absorvente e inteligente mesmo quando as questões que suscita terminam se confundindo”, escreveu ela. E acrescentou que “o pequeno desengonçado Alfred Lutter tem um ótimo senso de comédia”.

Roger Ebert deu a cotação máxima de 4 estrelas. Depois de descrever a abertura e falar da morte do marido de Alice, Ebert escreve que ela se lança numa odisséia pelo Sudeste com seu filho e seus sonhos. “O que acontece com ela em sua jornada resulta em um dos mais sensíveis, engraçados e ocasionalmente dolorosos retratos de uma mulher americana que já vi”. “O filme tem sido atacado e defendido nas questões feministas, mas eu penso que ele pertence a algum lugar fora das ideologias, talvez na área do mito e do romance contemporâneos. Há cenas em que levamos Alice e sua jornada de maneira perfeitamente séria. Há cenas de devastador realismo, e há outras cenas (incluindo algumas passagens hilariantes em um restaurante em que ela trabalha como garçonete) em que Scorsese desliza para um leve, alegre exagero.”

Filho da mãe o Roger Ebert. Ele sintetizou nessa última frase muito do que senti ao rever o filme agora, e não consegui expressar nestas trocentas linhas aí acima. É exatamente isso: o filme é uma abençoada mistura de realismo cru com momentos de um tom exagerado, cômico, irreal.

Mas creio que uma coisa fundamental sobre o filme foi dita por mim mesmo, meio sem perceber, quando fiz minha anotação sobre Tudo Bem no Ano Que Vem.

Ao lado de A Mulher Descasada, de Paul Mazursky, de 1978, com Jill Clayburgh, Alice Não Mora Mais Aqui foi uma das obras que definiram o status da nova mulher que surgia no Ocidente após a década que havia mudado tudo (ou ao menos parecia que havia mudado).

São muito provavelmente os dois filmes mais importantes, mais icônicos, mais emblemáticos sobre a mulher que o cinema americano fez nos anos 70.

Anotação em abril de 2018   

Alice Não Mora Mais Aqui/Alice Doesn’t Live Here Anymore

De Martin Scorsese, EUA, 1974

Com Ellen Burstyn (Alice Hyatt),

e Alfred Lutter (Tommy Hyatt), Kris Kristofferson (David), Diane Ladd (Flo), Vic Tayback (Mel, o dono da lanchonete), Jodie Foster (Doris-Audrey, a amiga de Tommy), Valerie Curtin (Vera), Harvey Keitel (Ben Everhart), Lane Bradbury (a mulher de Ben), Billy Green Bush (Donald Hyatt, o marido), Lelia Goldoni (Bea, a vizinha e amiga), Murray Moston (Jacobs, o dono do bar), Mia Bendixsen (Alice menina)

Argumento e roteiro Robert Getchell

Fotografia Kent L. Wakeford

Montagem Marcia Lucas

Produção David Susskind, Warner Bros. DVD Warner.

Cor, 112 min (1h52)

R, ****

 

6 Comentários para “Alice Não Mora Mais Aqui / Alice Doesn’t Live Here Anymore”

  1. Prazer de sempre te ler, Sérgio Vaz. Mas em nosso tempo, os textos eram longos… Já nem lembrava o quanto. Bj

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