The Good Wife – A Segunda Temporada

4.0 out of 5.0 stars

Parecia humanamente impossível, mas os caras conseguiram: a segunda temporada de The Good Wife é tão boa quanto a primeira.

Quando vi a primeira, anotei: “The Good Wife supera tudo o que de melhor se poderia esperar de uma série feita para a TV. É um show de talento, inteligência, criatividade, sensibilidade. Se fosse um livro, poderia rivalizar com a Trilogia Millennium, do sueco Stieg Larsson, o Guerra e Paz da literatura de lazer.”

E mais: “É uma obra feita para adultos, e exige que seu espectador seja inteligente e bem informado. Não se pode dizer o mesmo para a imensa maior parte do que se produz para a TV, ou mesmo para o cinema. Trata com maturidade de uma imensa gama de assuntos – leis, Justiça, erros da Justiça, da polícia, dos aparelhos do Estado, política no sentido mais amplo possível, política rasa, racismo, lealdade, fidelidade, casamento, família. Mas trata, sobretudo, da condição feminina, dos papéis da mulher na sociedade moderna e desenvolvida, pós tantas vitórias do feminismo e ainda assim tão longe da igualdade de direitos e deveres entre os gêneros.”

Repito o que escrevi porque cada elogio feito à primeira temporada vale perfeitamente para a segunda.

Duas grandes histórias, dois fios condutores da série

Acho que aqui é preciso fazer um lembrete, que pode parecer óbvio, mas talvez não seja tanto.

Ao contrário do que acontece com séries como, por exemplo, Law & Order e seus filhotes, tipo o ótimo Special Victims Unit, ou Columbo, ou A Gata e o Rato, não dá para o espectador curtir a segunda temporada se não tiver visto a primeira.

Nessas séries citadas aí acima, se o espectador conhecer um mínimo dos personagens centrais, pode perfeitamente ver qualquer episódio de qualquer temporada. Cada episódio tem começo, meio e fim. Às vezes há referências a personagens ou tramas do passado, mas não compreendê-las não impede que se acompanhe o episódio específico.

The Good Wife, não. Nisso, a série se aproxima de Dexter, True Blood, Damages – e da Trilogia Millennium. Há uma grande história acontecendo, e evoluindo, e progredindo, e é preciso acompanhá-la episódio por episódio, na ordem correta.

Na verdade, são duas grandes histórias, dois fios condutores da série.

De um lado, há Alicia Florrick, a “boa esposa” do título da série – interpretada com maestria por Julianna Margulies. Acompanhamos sua vida pessoal, suas questões na criação dos dois filhos adolescentes, Zach (Graham Phillips) e Grace (Makenzie Vega), seus enfrentamentos com a sogra intrusiva Jackie (Mary Beth Peil), seus sérios problemas no casamento com o ex-promotor de Justiça Peter Florrick (Chris Noth). Acompanhamos também a atração mútua entre Alicia e seu antigo colega e hoje patrão Will Gardner (Josh Charles, na foto abaixo), e mais a carreira de Peter, sua candidatura para retornar ao posto de promotor, a acirrada campanha eleitoral.

O segundo fio condutor da série, a segunda face da grande história, é a vida dentro do escritório de advocacia Lockhart & Gardner, em que Alicia trabalha – a competição entre os profissionais, os desentendimentos, traições, conchavos, ciúmes, invejas, disputas, toda essa coisa desagradabilíssima, às vezes abertamente nojenta, repulsiva, que toda empresa grande tem.

Roteiristas de imenso talento, criando excelentes tramas

Como na primeira temporada, cada episódio trata de um caso jurídico específico em que se envolve o escritório de advocacia Lockhart & Gardner. De uma maneira geral, cada um desses casos jurídicos começa e termina em cada episódio.

É impressionante o talento das pessoas envolvidas na produção desta série. O trabalho dos roteiristas é magnífico, soberbo – tem talento saindo pelo ladrão. O engenho, a arte dos roteiristas em criar boas histórias, praticamente 23 boas histórias, uma em cada episódio, e juntar os diversos relatos – a vida pessoal de Alícia e a campanha eleitoral de Peter, o dia-a-dia no grande escritório de advocacia, mais cada caso jurídico de cada episódio – é de babar, de aplaudir de pé como na ópera.

Esse brilho dos roteiristas, complementado por uma realização perto da perfeição total – todos os atores muito bem dirigidos, todos os personagens sólidos, diálogos interessantes, inteligentes – é a primeira das três grandes características que me impressionaram nesta segunda temporada.

Todos os grandes temas que dividem a sociedade são abordados nos episódios

A segunda característica admirável é a abrangência e a atualidade dos temas abordados nos casos jurídicos. Discutem-se praticamente todos os grandes temas que dividem a sociedade americana (e diversas outras, como a brasileira também): pena de morte, aborto, preconceitos raciais, imigração, direitos individuais, responsabilidade do Estado, relações trabalhistas. Todos os temas fundamentais que opõem progressistas e conservadores, democratas e republicanos, independentes e religiosos, todos eles, ou no mínimo a imensa maior parte deles, aparecem na trama, são levada aos tribunais.

E, claro, há diversos tipos de juízes. Há os mais abertos a uma visão progressista das questões, e outros bem mais conservadores. Há juízes preconceituosos, há juízes rígidos demais, há juízes imperiais – há até juízes corruptos, embora a grande maioria seja honesta e digna.

Abrangência impressionante, atualidade impressionante. Tudo é mostrado na ótica da sociedade de uma grande metrópole – a ação se passa em Chicago – na entrada da segunda década do novo século e novo milênio. A internet está presente na maioria dos casos levados pelo escritório Lockhart & Gardner às barras dos tribunais – e me ocorre que esta é uma expressão antiga demais para se usar num texto sobre temas tão absolutamente up to date. Todo mundo se fala nas redes sociais, no Facebook, no Twitter, todo mundo usa o YouTube para denegrir os outros.

Um dos episódios envolve a disputa das novas e poderosas empresas de informática pelo mercado chinês: um dissidente foi preso e torturado pela polícia política chinesa porque seu provedor de internet, uma grande empresa americana, entregou o IP dele para as autoridades.

Outro dos episódios é obviamente, muito obviamente inspirado no caso de Dominique Strauss-Kahn, o líder socialista francês e então presidente do FMI foi acusado de estuprar uma camareira de hotel chique em Nova York. O episódio não pretende ser uma reconstituição do episódio de DSK – mas é uma reflexão sobre ele.

É uma produção pós Obama – esta segunda temporada foi apresentada na TV americana entre setembro de 2010 e maio de 2011 –, e, portanto, fala-se, é claro, de Obama, dos efeitos da crise financeira aguda de 2008. A filha mais jovem do casal Peter e Alicia Florrick, Grace (Makenzie Vega), aí com uns 13 anos, sente simpatia pelos ideais progressistas: “A política virou cool com Obama”, diz. (Cool, me parece, é um dos adjetivos de mais longa vida entre os jovens; acho que cool é cool desde antes de Elvis e James Dean, e continua sendo legal, bacana, supimpa, jóia, até hoje.)

Em um episódio, fala-se da política atual da Venezuela, as estatizações de empresas, o autoritarismo absoluto de Hugo Chávez, capaz de mudar uma lei nacional a qualquer momento para beneficiar seus interesses. Nesse episódio, aparece a própria figura do ditador tragicômico – não se vê seu rosto, numa tela de TV em que se realiza uma teleconferência, mas vemos sua eterna farda vermelha e ouvimos a voz de um ator que imita a voz dele. Lá pelas tantas, Will Gardner não consegue se conter e exclama:

– “Parece que estamos num filme de Woody Allen!”

A referência, claro, é a Bananas, o filme do jovem Allen que goza os ditadores tragicômicos de Nuestra America Latina às vezes tão latrina.

“É uma obra feita para adultos, e exige que seu espectador seja inteligente e bem informado.” Minha observação sobre a primeira temporada vale perfeitamente para esta segunda. Quem não lê jornal ou, no mínimo, não acompanha o noticiário pela internet, poderá solenemente boiar, diante de alguns temas apresentados na série.

Uma personagem que faz rir da própria atualidade da série

Entre os cerca de, sei lá, 20 personagens periféricos da trama, há uma advogadinha lourinha que se faz de burra, mal informada. Já havia aparecido na primeira temporada, volta nesta em uns dois ou três episódios, enfrentando Alicia e seus colegas do escritório Lockart & Gardner nos tribunais. É um tipo fascinante, como diversos desses personagens coadjuvantes da série. É danada de esperta – mas usa uma expressão de sonsa, e uma argumentação de gente simples, para atrair a simpatia dos jurados. Num caso em que a ré – defendida por Alicia e colegas – é a dona e criadora de um site de incentivo a encontros sexuais de pessoas casadas, ela finge ignorar alguns termos relativos a sexo, a sadomasoquismo. Num caso em que os réus são ligados também à informática, ela finge desconhecer alguns termos básicos do informatiquês, como IP, por exemplo.

Delícia: os roteiristas criaram um personagem para rir da própria atualidade dos temas tratados na série.

Um mergulho profundo nos meandros de uma campanha política dos dias de hoje

A terceira característica fascinante desta segunda temporada de The Good Wife, na minha opinião, é a forma como ela expõe, com clareza cristalina, os meandros de uma campanha política nos dias de hoje.

Claro: há um certo exagero, um certo superdimensionamento da campanha para a eleição do procurador de Justiça do Condado de Cook, em Chicago, o local onde transcorre a ação. O escritório da campanha de Peter Florrick é gigantesco – mais parece o escritório de campanha de um candidato ao governo de um grande Estado, ou mesmo à presidência da República.

É evidentemente proposital esse exagero, esse superdimensionamento. Os autores de The Good Wife estão usando o exemplo da eleição para o cargo de procurador de Justiça do Condado de Cook como uma metáfora para qualquer eleição majoritária nos Estados Unidos de hoje. Sim: qualquer semelhança com o que acontece nos bastidores de uma campanha para o governo da Califórnia, de Nova York, do Texas, de Michigan, ou de uma campanha presidencial como a deste ano, não é mera coincidência coisa alguma. É absolutamente proposital.

Peter Florrick tem dois adversários nas eleições para o cargo de promotor de Justiça do condado. O primeiro é Glenn Childs (Titus Welliver), o promotor atual, que concorre a mais um mandato. Childs havia sido assistente de Peter quando este era o promotor – antes que ele se envolvesse em um caso com uma prostituta e fosse acusado de manipular provas e envolver-se em irregularidades no exercício do cargo. A segunda adversária é uma juíza, uma negra, que entra na corrida com a simpatia do grande eleitorado negro de Chicago.

A campanha de Peter é dirigida por um marqueteiro e lobista experiente, tarimbado, raposão felpudo, Eli Gold (Alan Cumming, à direita na foto, excelente, muito à vontade no papel, que consegue se sobressair em meio a uma penca de bons atores bem dirigidos). Eli Gold é assim uma espécie de cruzamento de Duda Mendonça com Márcio Thomás Bastos – só que com uma imensa simpatia de que não são possuidores o marqueteiro do caixa dois e o criminalista esperto. Sabe que um candidato vence se for vendido como um bom sabonete, um bom xampu.

É melhor o candidato não expor muito suas idéias – pode perder votos

Não importam os ideais, as idéias, os princípios. A rigor, não importam muito os fatos: importa a aparência.

Importam as pesquisas de opinião. Para onde vão as pesquisas, vai a campanha de Peter Florrick, sob a batuta de Eli Gold. Durante um bom tempo, a campanha foca o voto dos negros. Lá pelas tantas, Eli cruza as informações, os dados das pesquisas, e chega à conclusão de que sem o voto dos brancos conservadores Peter não será eleito. Dão-se as costas, então, aos líderes da comunidade negra, passa-se a tentar agradar às famílias da classe média branca conservadora.

Não há espaço para defender pontos de vista claros, nítidos – porque se fizer isso o candidato terá a repulsa dos eleitores que pensam de maneira oposta.

Em um dos episódios, aparece um grupo que os marqueteiros políticos chamam de pesquisa qualitativa, ou, entre muros, aqui no Brasil, de pesquisa do negão – negão no sentido de pessoa comum, eleitor. Botam-se dentro de uma sala pessoas que representam os diversos grupos da sociedade, em termos percentuais de acordo com a representatividade de cada grupo no conjunto de eleitores: tantos por centro de negros pobres, tantos por cento de negros classe média, tantos por cento de brancos isso, e aquilo e aquilo outro. Cada pessoa tem uma espécie de joystick: aperta um botão se estiver gostando do que está sendo dito no debate na TV, aperta outro botão se não estiver gostando. Os marqueteiros ficam de olho na telinha que demonstra as percentagens do gostar e de não gostar, e com base nessas oscilações vão dando as dicas para o seu candidato dizer isso ou aquilo.

Lá pelas tantas, surge do nada o irmão de Alicia, um homossexual, que, numa aula em universidade lá do outro lado do país, no Oregon, declara que Peter é homofóbico. Um aluno presente à aula grava a fala no celular, põe na internet – pânico no escritório da campanha! Lá vai Eli à procura dos líderes dos movimentos gays, dizer que não é nada daquilo, que o irmão de Alicia foi mal interpretado. Aliás, ele está agora vindo do Oregon para passar uma temporada no apartamento da irmã e de Peter, e os líderes da comunidade gay são convidados para um jantar lá, para ver como Peter não é homofóbico coisa alguma. E, como surgem dúvidas sobre a posição de Peter com respeito ao eterno conflito Israel x palestinos & árabes, Eli junta as duas coisas e convida líderes gays e da comunidade judaica para comemorar o Yom Kipur no apartamento de Peter – e lá vai Alicia, the good wife, ajudar a preparar comida palatável para judeus, depois de um dia exaustivo no escritório e nos tribunais.

Nunca a plastificação das campanhas eleitorais foi apresentada com tanta crueza, tanta clareza

O retrato que The Good Wife faz de uma campanha política é arrasador, aterrorizante, apavorante. Não há espaço para ideais, idéias, propostas – não há espaço para nada sério. É tudo show, fantástico show da vida. É tudo aparência. É tudo a ditadura dos números das pesquisas. Quem é eleito não é eleito porque é melhor, tem propostas mais sólidas – é eleito porque tem o marqueteiro melhor, mais esperto, mais safo, e o candidato menos firme, mais maleável, que aceita abrir mão do que pensa, do que acredita, para agradar à maioria do momento.

Nada extremamente novo, nada que a gente já não saiba. Mesmo quem nasceu em meados da década de 70, como minha filha, está cansado de saber disso, depois de ter visto oito campanhas presidenciais, e mais outras tantas municipais e estaduais.

No entanto, o absurdo, a falta de valores importantes, a plastificação, a sabonetização das campanhas eleitorais da nossa era nunca foram apresentada com tanta crueza, tanta clareza, tanta eficácia, quanto nesta admirável série de TV.

Uma parábola sobre como os nossos grandes ideais vão se desvanecendo

De uma certa maneira, The Good Wife, até aqui, mas especialmente nesta segunda temporada, é uma metáfora, uma parábola sobre como os grandes ideais vão se desvanecendo, se esgarçando, diante da realidade do mundo que nos cerca.

É uma forma de dizer o que Ettore Scola, eterno socialista, eterno sonhador, sintetizou em uma das frases mais belas (e mais tristes) da história do cinema: “Pensávamos que íamos mudar o mundo, mas o mundo é que nos mudou”.

Os dois sócios do grande escritório de advocacia, Diane Lockhart (Christine Baranski) e Will Gardner (Josh Charles, repito), estão agora na maturidade, depois dos 40 anos. (Checando: na vida real, Josh Charles estava com 40 anos em 2011; Christine Baranksi é mais velha, estava com 59.) A formação dos dois foi liberal, progressista, claramente da ala esquerda do Partido Democrata. O sócio anterior deles, que fundou no passado o escritório, e trouxe para junto de si Christine e Will quando eram jovens, era um daqueles liberais radicais dos anos 60.

Hoje, no entanto, para poder manter a estrutura do escritório, o grande número de advogados associados, os funcionários, Diane e Will vão pouco a pouco abrindo mão de seus ideais, suas crenças, suas convicções. No passado, recusariam terminante e simplesmente a oportunidade de ter como clientes gente da direita, republicanos, ou empresários envolvidos em negócios escusos, ou grandes traficantes de droga. Hoje, pensam duas, três vezes, antes de dizer não a um cliente que pode trazer para o escritório ações envolvendo alguns muitos milhões de dólares.

Peter Florrick é um sujeito de boas intenções. Cometeu asneiras, no passado, antes de a narrativa da primeira temporada começar. Mas pagou por elas, ao ser preso e depois ao ser colocado no gelo pela esposa bela, atraente, cada vez mais admirável. E agora aparentemente está querendo fazer o bem, no cargo que disputa. Mas a cada momento tem que contemporizar, engolir sapos, deixar as convicções de lado em prol do pragmatismo.

Num mundo em que o pragmatismo não dá lugar a convicções, à firmeza de ideais, a protagonista, essa Alicia Florrick que me parece um dos personagens mais ricos, fascinantes, da ficção destes primeiros anos de novo milênio, tenta desesperadamente remar contra a maré dos oportunismos, das escalas de valores cambiáveis diante da quantidade de dinheiro que pode alterá-las.

Alicia tenta ser firme como uma rocha no meio do terreno mais pantanoso do planeta, na era das maiores incertezas.

Não é propriamente fácil ser Gibraltar diante de um tsunami.

Uma abertura brilhante, portentosa como a de Cem Anos de Solidão

A segunda temporada abre exatamente no ponto em que a primeira terminou.

A primeira temporada abre no momento em que Peter Florrick, de mãos dadas com Alicia, entra no salão coalhado de repórteres para anunciar que renuncia ao cargo de promotor do Condado de Cook, por ter se envolvido em um episódio indigno – o caso com a prostituta –, mas que não se envolveu em nenhuma malversação de dinheiro público e conta com o apoio da esposa, a quem pede perdão.

Ao longo da primeira temporada, Alicia Florrick – que havia abandonado a advocacia bem jovem, para ser a esposa do ascendente promotor Peter e mãe de seus filhos – retoma a carreira, na empresa da qual é sócio seu namorado dos tempos da faculdade. Sai-se bem; passa a ser a provedora do lar, enquanto o marido está na cadeia. Mas a atração que a unia ao Will Gardner nos tempos de jovem volta com tudo. Ao final da primeira temporada, no momento em que Peter, inocentado das acusações de corrupção, anuncia à imprensa que concorrerá às eleições para o cargo de promotor, Will liga para Alicia.

A segunda temporada começa exatamente aí. Peter está discursando diante de apoiadores e da imprensa. Alicia, the good wife, escoltada pelo marqueteiro Eli Gold, está pronta para ser chamada ao pódio. O telefone toca, Will faz um aceno, uma insinuação, e Alicia, firme, pragmática, corta o papo: pede um plano.

O início da segunda temporada de The Good Wife é espetacular, magnífico.

(Adoro uma boa abertura. Sou jornalista, jornalista tem que saber fazer lead, a abertura, o começo de uma narrativa.)

O começo da segunda temporada de The Good Wife é um dos mais brilhantes que já vi. É tão portentoso quanto o lead de Cem Anos de Solidão, que aprendi a declamar de cor:

Muitos anos mais tarde, diante do pelotão de fuzilamento, Aureliano Buendia iria se lembrar do dia em que seu avó o levou para conhecer o gelo.

Pragmática, Alicia pede a Will um plano. Fica implícito o que ela quer dizer: se ele tiver um plano de como eles podem ter um caso sem que ninguém fique sabendo, tudo bem, ela topa.

Nesse momento, ela é chamada para subir ao pódio, para estar como boa esposa ao lado do marido que apresenta sua candidatura.

O celular dela fica com Eli Gold, o marqueteiro. Will liga novamente, deixa dois recados na secretária eletrônica. Eli, obviamente, ouve os dois recados. E apaga um deles.

Um brilho de início de segunda temporada.

Mas então: Alicia e Will Gardner vão, enfim, se comer?

Ali do meu lado, Mary, nos últimos episódios da segunda temporada ficou puta com Alicia. Achou-a rígida demais, rígida demais com os outros, e não tão rígida assim para com ela mesma. Exigindo dos outros uma retidão moral, um Gibraltar de retidão moral, que ela mesma não tinha.

Talvez Mary esteja certa. Talvez seja um ponto de vista feminino. Talvez seja o ponto de vista de quem estava danada da vida porque a segunda temporada estava terminando, e vamos levar um tempão para ver a terceira.

Eu acho Alicia Florrick uma maravilha de personagem.

Agora, se alguém conseguiu ler todas essas trocentas linhas, e achar que, como pagamento por ter lido tantas trocentas linhas, ficará sabendo se Alicia resolveu enfim comer Will Gardner…

Ah, não, aí o eventual leitor está muito enganado.

Seria um spoiler. E é contra meus princípios fazer spoiler.

***

Credo: trocentas linhas, e nada sobre a fantástica Kalinda, a personagem interpretada com brilho, mistério e imensa sensualidade por Archie Panjabi (na foto acima).

Que coisa.

Anotação em fevereiro de 2012

The Good Wife – A Segimda Temporada

De Michelle King e Robert King, criadores e produtores executivos, EUA, 2009-2010

Com Julianna Margulies (Alicia Florrick)

No escritório: Archie Panjabi (Kalinda Sharma), Josh Charles (Will Gardner), Christine Baranski (Diane Lockhart), Matt Czuchry (Cary Agos)

Na família: Chris Noth (Peter Florrick), Makenzie Vega (Grace Florrick), Graham Phillips (Zach Florrick), Mary Beth Peil (Jackie Florrick)

E mais: Alan Cumming (Eli Gold), Joe Morton (Daniel Golden), Titus Welliver (Glenn Childs), Chris Butler (Matan Brody), David Paymer (juiz Richard Cuesta), Kim Shaw (Amber Madison), Dreama Walker (Becca), Gary Cole (Kurt McVeigh),

Direção de Charles McDougall, James Whitmore Jr., Félix Enríquez Alcalá e outros

Argumento Michelle King e Robert King

Roteiro Michelle King e Robert King, Corinne Brinkerhoff e outros

Fotografia Fred Murphy

Música Danny Lux e David Buckley

Produtores executivos Michelle King, Robert King, David W. Zucker,

Ridley Scott, Tony Scott e outros

Produção Scott Free Productions, King Size Productions, Small Wishes, CBS Television Studios. DVD Paramount

Cor, 999 min

****

12 Comentários para “The Good Wife – A Segunda Temporada”

  1. A série é um luxo só: como você disse, roteiro, elenco, amplitude de temas. Eli Gold me revelou um Alan Cumming de quem eu ignorava a capacidade (não deveria, pois já vi mais de um filme com ele). Um dos raros casos em que simpatizo com um mau carater (ou que se aproxima disso; mas Eli também tem seu lado humano, que certos episódios dessa temporada demonstram).
    Alicia Florrick (Julianna Marguiles) é maravilhosa.
    E sua matéria está ótima.

  2. Esqueci de dizer: realmente faltaram suas impressões sobre a fascinante Kalinda (Archie Panjabi), a “mágica” do ramo dos investigadores, sempre capaz (parece!) de tirar um coelho da cartola…
    E não, não sou jornalista. Sou bibliotecária.

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