(Disponível na Netflix em 12/2022.)
Poucas vezes se viu um sucesso tão gigantesco – e tão absolutamente instantâneo – quando este de Wednesday, no Brasil Wandinha, a série com a grife do maior especialista em esquisitices do cinema mundial, Tim Burton, que usa os personagens de histórias em quadrinhos criados nos anos 1930 pelo cartunista Charles Addams e torna protagonista a filha do casal Gomez e Morticia Addams.
A série – oito episódios de cerca de 45 minutos cada – estreou em um cinema de Los Angeles em 16 de novembro de 2022. (Para concorrer ao Oscar e a outros prêmios, os filmes devem ser exibidos em cinema antes de chegar à TV.) E foi lançada mundo afora pela Netflix no dia 23 de novembro. Em menos de um mês, ultrapassou a marca de um bilhão de horas assistidas e alcançou o posto de terceira série mais vista em um mês na plataforma, perdendo apenas para Round 6 e para a quarta temporada de Stranger Things.
Já ganhou duas indicações ao Globo de Ouro de 2023, nas categorias melhor atriz para Jenna Ortega, que interpreta Wandinha, e melhor série de drama ou comédia.
Virou trend no Tik Tok.
Minha neta Marina, 9 anos de idade, confirmou o extraordinário sucesso da série: no dia 11 de dezembro, menos de 20 dias, portanto, após a estréia, relatou para os pais e avós que “todo mundo na escola só fala em Wandinha”.
Não pode haver maior comprovação do sucesso. É só pensar que a mesma coisa está acontecendo em todas as escolas do Brasil, Noruega, França, Itália, Zimbabue, Moçambique, Indonésia, Índia…
Uma adolescente inteligente, ativa – e funérea
No inicinho do episódio 6, Wednesday/Wandinha está invocando os mortos – a rigor, uma morta específica, Goody Addams, uma antepassada longínqua. Ela fala com o espectador:
– “Não sou muito de fazer sessões espíritas. Mal posso aguentar os vivos, por que iria procurar os mortos?”
Adorei a frase. É uma perfeita definição da personagem central desta série, criada pela dupla Alfred Gough e Miles Millar, com base os personagens da Família Addams inventada pelo cartunista Charles Addams (1912-1988).
Wandinha é uma adolescente de 15, quase 16 anos (ela completa 16 no episódio 6), bastante chatinha, como tantos e tantos e tantos adolescentes mundo afora – só que extremamente diferente da quase totalidade deles. Detesta a noção de amizade, de namoro; nunca teve amiga ou amigo, muito menos namorado/a. Sente repulsa pelo fato de seus pais serem absolutamente apaixonados um pelo outro e ficarem se pegando e fazendo declarações de amor a todo momento. Tem horror a flores e cores – só gosta de roupas negras. Abraço, carinho – eca, isso nem pensar. Cruz credo!
Quando era criança, brincava com aranhas. Nunca dá um sorriso – nunca jamais em tempo algum. Exibe sempre a mesma cara séria, fechada, azeda, de quem comeu e não gostou. Adora enterros, cadáveres, dor, sofrimento, tristeza, desgosto, morte.
Mas não é de ficar quieta, amuada, num cantinho, sem fazer nada. Bem ao contrário. É inteligente, astuta, esperta, leu e lê demais, a respeito de tudo; tem conhecimentos amplos sobre as mais diversas áreas. Sabe várias línguas, até Latim. E é cheia de energia, determinação, vontade. Toca violoncelo, é ótima na esgrima, está escrevendo um romance.
Quanto à inteligência, a capacidade intelectual, Wandinha é assim uma Hermione Granger, a melhor aluna da escola de Harry Potter. Só que é dark, macabra, funérea até a medula.
Quando, bem na abertura da série, os garotos da escola praticam violento bullying contra seu irmão mais novo, aí de uns 10 anos – enfiam o coitado do Pugsley, no Brasil Feioso, o papel de Isaac Ordonez –, dentro do armário de Wandinha, a reação da menina é radical. Ela vai até a piscina onde os garotos do bullying estão reunidos e solta lá dentro um bando de piranhas.
Mais tarde Wandinha comentará que foi bom uma piranha ter comido os testículos de um dos meninos: assim o pestinha não poderá ter filhos.
Expulsa de mais uma escola, entre tantas, Wandinha é levada pelos pais para a Nevermore Academy, a Escola Nunca Mais, onde os dois – Gomez e Morticia – haviam estudado, se conhecido e se apaixonado.
Jenna Ortega já era uma estrela famosa
É impossível não pensar nos atores que interpretaram os pais de Wandinha e Feioso, Wednesday e Pugsley, nos dois filmes já “clássicos”, A Família Addams, 1991, e A Família Addams 2, 1993, ambos dirigidos por Barry Sonnenfeld. Raul Julia e Anjelica Huston estão absolutamente perfeitos como Gomez e Morticia – assim como Christina Ricci parecia ter nascido para interpretar Wandinha.
Pois é, eram excelentes, eram perfeitos. Mas – quem diria? – a lindérrima galesa Catherine Zeta-Jones deu-se maravilhosamente bem como Mortícia. A gente leva um tempinho para se acostumar com um Gómez tão cheinho e tão feio como o porto-riquenho Luis Gusmán, depois do igualmente porto-riquenho porém belo Raul Julia – mas depois não tem como não apreciar sua interpretação.
Claro que a grande estrela é mesmo Jenna Ortega. Eu nunca a tinha visto antes, mas a menina californiana de pais de origem mexicana e porto-riquenha nascida em 2002 começou a carreira ainda aos 9 anos, em séries de TV, várias delas produzidas pela Disney. Entre 2016 e 2018, interpretou a personagem central da série A Irmã do Meio/Stuck in the Middle, da Disney, e entre 2014 e 2019 fez a Jane jovem em outra série de gigantesco sucesso nos Estados Unidos e em vários outros países, Jane the Virgin. Em 2022, antes de fazer Wandinha, participou de um novo capítulo da franquia Pânico/Scream, ao lado das veteranas na série Neve Campbell e Courtney Cox. Ah, e a moça ainda canta.
Numa sacada interessante, os realizadores de Wandinha chamaram para participar da série a Wandinha dos dois filmes do início dos anos 90. Christina Ricci interpreta Marilyn Thornhill, uma das professoras da Nevermore Academy, que ensina Botânica – mais especificamente um ramo da botânica dedicado a plantas estranhas, esquisitas.
Plantas, coisas, pessoas estranhas, esquisitas: a Escola Nunca Mais foi criada, muito mais de um século atrás, para acolher os outcasts – os excluídos, como se usa nas legendas em Português.
Outcasts. Literalmente, lançados fora. Os dicionários usam proscritos, párias, desterrados, rejeitados, banidos.
O pano de fundo é a dicotomia “padrões” x “excluídos”
Na saga Harry Potter, as pessoas se dividem entre bruxos e trouxas – estes últimos sendo os seres humanos “normais”, digamos assim, embora a gente saiba, como bem resumiu Caetano Veloso, que de perto ninguém é normal. E os bruxos se dividem entre os “puro-sangue”, os filhos de bruxo com bruxa, e os “mestiços”, os de bruxo com trouxa. Muggle, no original inglês.
Na trama que Alfred Gough e Miles Millar criaram para a série Wandinha, as pessoas se dividem entre os outcasts e os normies. Normy, claro, óbvio, é uma referência a “normal”, palavra que em Inglês e Português são homógrafas, com perdão pelo uso do termo elegante.
Normies e outcasts. Nas legendas da série, padrões e excluídos.
Entre os excluídos há de tudo. Os descendentes de sereias. Os descendentes de lobisomens. Os psíquicos, que têm visões, percepções extra-sensoriais. Os Hydes (termo tirado de O Médico e o Monstro, Dr, Jekyll and Mr. Hyde), que são os que viram monstros. Os metamorfos, que se transformam em outras pessoas.
Wandinha, além de dark, gótica, macabra, necrófila, doidinha da silva telles, é também psíquica.
A Escola Nunca Mais fica na área rural de uma pequena cidade interiorana chamada Jericho – e há uma relação historicamente complicada, complexa, entre os normies de Jericho e os outcasts da escola. A economia da cidade em boa parte depende do movimento da escola, das compras feitas pela escola, pelos alunos e por seus pais, quando visitam o lugar. Mas há normies que não toleram, que sequer aceitam a existência dos outcasts.
É bastante óbvia a comparação, a imagem, a metáfora. Padrões x excluídos – os caretas, os conservadores, os puristas de um lado, e, de outro, as pessoas das minorias, os LGBTs todos, os negros, os índios, os do poliamor – tudo o que não é “normal”, careta, padrão.
Exatamente como na saga Harry Potter há a dicotomia “puro-sangues” x “mestiços” – os racistas, os supremacistas de um lado e, de outro, os que defendem a convivência dos diferentes.
Exatamente como na saga Harry Potter (e na vida real), os racistas, os supremacistas, são como a extrema direita, o fascismo – o Mal em Si.
Padrões x excluídos. Essa dicotomia, essa rivalidade, essa disputa é o pano de fundo da trama criada por Alfred Gough e Miles Millar.
Uma trama maravilhosa, personagens interessantes
E é uma beleza de trama. De fato, uma beleza. Muita imaginação, muita criatividade: os dois autores bolaram sem dúvida uma trama gostosa, envolvente, fascinante, com personagens interessantes, intrigantes.
Confesso que, ao fim do primeiro episódio, tanto eu quanto Mary pensamos na possibilidade de não ver Wandinha até o fim.
Tudo é extremamente, extremamente bem feito, com a qualidade Tim Burton. Além de ser um dos produtores executivos, o mago da esquisitice dirigiu quatro dos oito episódios, os quatro primeiros, se não estou enganado. Ele estabelece, assim, todo o padrão visual que os diretores James Marshall e Gandja Monteiro seguem na metade seguinte da série. (O mais exato seria dizer desta temporada, porque obviamente virão outras. Os realizadores não iriam deixar barato um sucesso dessa envergadura…)
E padrão visual de esquisitice é, definitivamente, com esse californiano da classe de 1958 que é sinônimo de histórias malucas com personagens freak, weird, odd, eerie e todos os demais adjetivos para pessoas esquisitas, extravagantes, bizarras, excêntricas, estapafúrdias, exóticas, mirabolasntes, proscritas, párias, desterradas, rejeitadas, banidas – como em Os Fantasmas se Divertem (1988), Edward Mãos de Tesoura (1990), Marte Ataca! (1996), Sweeney Todd, o Barbeiro Demoníaco do Rua Fleet (2007), Sombras da Noite (2012), para citar só uns poucos.
Tudo extremamente bem feito, com a qualidade Tim Burton… Mas, ao final do primeiro episódio, que vimos com grande curiosidade, Mary e eu, como dizia, ficamos na dúvida se seria o caso de continuar vendo a série. Não por causa da série – mas por uma questão nossa, de gosto pessoal. Não tenho muito interesse em terror cômico, assim como Mary também. Pior: devo admitir que não tenho, de forma alguma, a inteligência necessária para compreender e gostar de qualquer coisa parecida com humor negro.
Quando, por curiosidade, me dispus a ver A Família Addams – em 2021, 30 anos depois do lançamento do filme –, anotei: “Não me parece muito fácil de compreender esse estranho fenômeno de as crianças gostarem tanto desses personagens estranhos, ‘assustadores, excêntricos, misteriosos, apavorantes, totalmente horripilantes’.”
No entanto…
Muitos mistérios, muitos suspeitos
Pois é: nos dispusemos a ver o episódio 2 – e aí a trama nos pegou.
Há um monstro à solta nas florestas que cercam a Nevermore Academy, e o xerife de Jericho, Donovan Galpin (Jamie McShane), está atordoado, sem pistas. Já haviam sido mortos, com os corpos dilacerados, umas três pessoas. Wandinha atrai o interesse de dois rapazes ao mesmo tempo, um normy, padrão, Tyler Galpin (Hunter Doohan), exatamente o filho do xerife, e um absolutamente outcast, excluído, Xavier Thorpe (Percy Hynes), um dos mais doidões entre os alunos doidões da escola, um psíquico que tem visões do monstro – e que Wandinha passará a desconfiar que pode ser ele mesmo o monstro.
Há toda uma vasta questão misteriosa sobre o que teria de fato acontecido ali, na cidadezinha de Jericho e na Nevermore Academy, exatos 30 anos antes, quando Gomez e Morticia, eram alunos, Morticia e Larissa Weems, agora diretora da escola, eram colegas de quarto, e Larissa era apaixonada por Gomez, que preferiu Morticia. Naquela época, um rapaz padrão, bem padrão, chamado Garett Gates (Lewis Hayes), havia se apaixonado perdidamente por Morticia – e tinha aparecido morto por um golpe de espada. Gomez havia sido preso como o principal suspeito do crime pelo então delegado de Jericho, Noble Walker – que, nos dias atuais da ação, é o prefeito da cidade. Por falta de provas, no entanto, Gomez havia sido solto.
Temos, portanto, alguns mistérios a serem solucionados: quem é o monstro que mata gente no entorno da escola? Quem foi, afinal de contas, que matou o tal do Garett Gates, 30 anos antes? Quem irá conquistar o coração de Wandinha – o normy Tyler, filho do xerife, ou o absoluto outcast Xavier, ele próprio suspeito de ser o monstro?
Haverá coisas mais misteriosas – e importantíssimas – no passado distante, da época da fundação da cidade de Jericho, lá pelo século XVIII, no tempo dos peregrinos – o tempo em que viveu Goody Addams, a antepassada de Wandinha que aparece nas visões da garota. (Goody é interpretada pela própria Jenna Ortega.)
E ainda tem mais. Parece bastante suspeito o comportamento da diretora da escola, Larissa Weems (o papel de Gwendoline Christie, na foto abaixo, excelente, maravilhosa no papel), que no passado foi colega de quarto, unha e carne com Morticia, mas apaixonada pelo mesmo homem que ela. O que será que ela tem a ver com os mistérios todos? Da mesma forma, é um tanto suspeito o comportamento da psicóloga Valerie Kinbott (Riki Lindhome, também muito boa atriz), que a diretora Weens obriga Wandinha a ver.
Se o espectador for esperto, pensará duas vezes também sobre a tal Marilyn Thorhill, tida e havida como a única padrão a dar aulas na Nevermore Academy. Por que raios Christina Ricci (na foto acima) teria aceitado o convite para fazer aquele papel?
A diretora e a colega de quarto – que personagens!
E não é apenas porque sua trama é muito bem costurada, bem urdida, e nos apresentar mistérios fascinantes, que Wandinha envolve os espectadores – mesmo os não apaixonados por humor macabro.
Os personagens – vários, vários, vários personagens – são muitíssimo bem construídos, e muitíssimo bem interpretados.
Larissa Weems, a diretora da escola, é fascinante – e essa Gwendoline Christie, de quem eu jamais tinha ouvido falar, é uma ótima atriz!
Bem, eu jamais tinha ouvido falar em Gwendoline Christie porque sou um bobão que não conhece coisa alguma. A moça está em 42 episódios de Game of Thrones (2012-2019), a série que só um habitante do planeta Terra não viu (eu mesmo). Está em Star Wars: O Despertar da Força (2015), Star Wars: Os Últimos Jedi (2017), e ainda em um dos filmes da série Jogos Vorazes. Ela está uma maravilhosa como essa diretora de quem o espectador é levado a suspeitar.
Me impressionou seu tamanho: ela é maior que todos os atores que ficam junto dela em cada tomada. Vejo no IMDb que tem 1 metro e 91; inglesa do Sussex, dedicou-se à dança e à ginástica quando criança. Tenho certeza de que, se tivesse se dedicado ao vôlei, teria ido para a seleção inglesa.
Mas, para mim, a personagem mais fantástica da série (desta que em breve será conhecida como a Primeira Temporada da série) é Enid Sinclair, o papel de Emma Myers (na foto abaixo).
Enid é a aluna da escola que, no momento da chegada de Wandinha, estava sozinha no quarto – e na escola os quartos são sempre ocupados por duas pessoas. E então a diretora Weems e a professora Thorhill levam Wandinha para dividir o quarto com ela.
Imagine só o eventual leitor: a garota está tendo, por acaso, o privilégio de ocupar um quarto sozinha. Chega uma aluna nova para dividir o espaço com ela – e é uma total de um freak, uma doidona, macabra, gótica, mal-humorada, incapaz de dar um sorrisinho sequer. O mais normal seria Enid detestar Wandinha, certo? Pois é, mas Enid recebe Wandinha com o coração aberto. Wandinha é chata, com aquela eterna cara fechada de quem odeia a vida – pois Enid é o exato oposto. É alegre, sorridente, positiva; adora cores – suas roupas, suas coisas são sempre primaveris, coloridérrimas.
Enid toma para si a tarefa de apresentar a Nevermore Academy à sua nova colega de quarto, de fazê-la se enturmar.
Mas enturmar é tudo que a pentelhíssima Wandinha não quer na vida.
Os criadores da história capricharam ao fazer Enid.
Ela é filha de lobisomens – mas, até ali os 15, quase 16 anos, ainda não se lobisominou. Apenas as unhas ficam grandes – mas a metamorfose pára por aí. Claro que aquilo a deixa apreensiva, preocupada. Ela quer, sim, seguir o que determina seu DNA – mas não quer, de forma alguma, ficar forçando a barra.
E aí os criadores da história introduziram uma coisa interessantíssima.
Na festa anual em que os pais dos alunos visitam os filhos e passam com eles um fim de semana, a mãe de Enid apresenta para ela diversos folhetos de clínicas de aceleração e/ou facilitação da “lobisomidade” dos jovens filhos de lobisomens.
Achei isso sensacional, fantástico – umas das idéias mais fascinantes de toda a série, perdão, da Temporada 1 da série.
É uma óbvia referência às chamadas “clínicas da cura gay”, essa absurda excrescência defendida por pessoas de extrema direita – autênticas prisões, campos de trabalhos forçados em que pais de jovens com tendência homossexual sofrem todo tipo de tortura física e mental até confessar que são héteros. Um filme extraordinário mostrou bem como essa coisa insana funciona – Boy Erased: Uma Verdade Anulada/Boy Erased (2018), de Joel Edgerton.
Só que é uma referência às “clínicas de cura gay” ao contrário – em que os pais lobisomens botam os filhos que ainda não demonstraram ser lobisomens. “Wolf out” – como diz o IMDb. Tirar o lobo do armário.
Para tristeza da mamãe, Enid se recusa a ir para uma das clínicas de botar pra fora o lobisomismo. Bate o pé e diz que só vai virar lobisomem quando chegar a hora certa.
É uma absoluta delícia!
Adorei essa garota Emma Myers. Assim como Jenna Ortega, é de 2002, e estava portanto com 20 anos quando a série foi lançada, mas, exatamente como Jenna Ortega, parece mais jovem – tem a aparência de uns 16 mesmo, que é a idade de Enid.
Bem diferentemente da atriz-estrela que faz Wandinha, no entanto, Emma Myers fez poucos filmes, até agora – apenas nove. Não vi nenhum deles.
Um especial cuidado com as palavras
Esta série de visual caprichadíssimo tem especial preocupação com as palavras – os nomes, os títulos. Os diálogos são sempre afiadíssimos, inteligentes, com belas sacadas.
Nevermore, nunca mais, o nome da escola, obviamente é uma referência ao poema famoso de Edgar Allan Poe, “The Raven”, o corvo que repete sempre ao poeta a palavra dura, “nevermore”.
A festa de arromba, com DJ famoso, que rola no episódio 4, tem o nome de “Rave’N” – rave é delírio, desvario, mas também festa, balada com muita dança, e o N serve para salientar a referência ao poeta e escritor de histórias extraordinárias, algumas com gostinho gótico, dark.
O nome da cidade é o mesmo de Jericó, a cidade da antiga Palestina que é citada cerca de 70 vezes na Bíblia – o que tem a ver com os peregrinos que fundaram a cidade fictícia onde fica a Nevermore Academy.
E os realizadores tiveram imenso cuidado ao criar os títulos de cada um dos oito episódios. Os títulos incluem gostosos jogos de palavras, brincadeiras com os sons – e, é claro, perdem muito na tradução.
Todos os oito títulos contêm a palavra “woe” – pesar, desgosto, infortúnio, desgraça. Creio que “woe” é uma palavra mais usada na literatura, nas letras de canções de amor do que propriamente na fala do dia a dia.
Além de ser uma rima perfeita com o sobrenome do poeta, Poe…
A riqueza da brincadeira é bastante prejudicada, repito, insisto, na tradução. Mas as sacadas são ótimas. Algumas vezes o “woe” é usado só pelo som, porque lembra alguma outra palavra, ou rima com outra palavra. O episódio 4, em que acontece a grande festa-baile – e nele Jenna Ortega brilha especialmente fazendo os passos de dança mais esquisitos do mundo –, se chama “Woe What a Night”. Baita jogo de palavras: uou, que noite! Os tradutores que fizeram as legendas para a Netflix usaram “Noite de desgosto”. Em Português, todos os títulos levam a palavra desgosto.
No episódio 5 acontece o tal Fim de Semana dos Pais, em que os pais visitam os filhos na escola, passam os dois dias com eles. Wandinha tenta descobrir informações sobre o passado de seus pais, procura saber o que aconteceu 30 anos antes, quando morreu o tal Garett Gates. O título é “You Reap What You Woe”. De novo, um jogo de palavras, desta vez com o dito popular “you reap what you sow”, você colhe o que plantou. Em Português ficou “Quem Planta Desgosto Colhe…”
Detalhinhos saborosos. Gosto demais de filmes que cuidam de detalhinhos saborosos.
Não sei se vou me interessar pelas Segunda, Terceira, Quarta Temporadas de Wandinha, que certamente virão. Mas gostei de ver esta primeira.
Anotação em dezembro de 2022
Wandinha/Wednesday
De Alfred Gough e Miles Millar, criadores, EUA, 2022
Direção Tim Burton, James Marshall, Gandja Monteiro
Com Jenna Ortega (Wednesday Addams/Wandinha – e também Goody Addams),
e Gwendoline Christie (Larissa Weems, a diretora da escola), Riki Lindhome (dra. Valerie Kinbott, a psicóloga), Jamie McShane (xerife Donovan Galpin), Hunter Doohan (Tyler Galpin, o filho do xerife), Christina Ricci (Marilyn Thornhill, a professora), Catherine Zeta-Jones (Morticia Addams), Luis Guzmán (Gomez Addams), Isaac Ordonez (Pugsley Addams/Feioso, o irmãozinho), Fred Armisen (Uncle Fester/Tio Chico), Tommie Earl Jenkins (Noble Walker, o prefeito), Percy Hynes White (Xavier Thorpe), Emma Myers (Enid Sinclair, a companheira de quarto), Joy Sunday (Bianca Barclay), Georgie Farmer (Ajax Petropolus), Naomi J. Ogawa (Yoko Tanaka), Johnna Dias-Watson (Divina), Oliver Watson (Kent), Victor Dorobantu (Thing/Mãozinha), Moosa Mostafa (Eugene Ottinger, o garoto das abelhas), Luyanda Unati Lewis-Nyawo (Ritchie Santiago, a assistente do xerife), Daniel Himschoot (o monstro), Iman Marson (Lucas), Calum Ross (Rowan Laslow), Cezar Grumazescu (Vlad ), George Burcea (Lurch), Morgan Beale (Jonah), Islam Bouakkaz (Carter), William Houston (Joseph Crackstone), Rina Mahoney (Janet Ottinger), Georgia Goodman (Sue Ottinger), Lewis Hayes (Garett Gates, o “padrão” morto 30 anos antes), Philip Rosch (Ansel Gates, o pai de Garett), Karina Varadi (Wednesday/Wandinha aos 6 anos), Lucius Hoyos (Gomez jovem), Gwen Jones (Morticia jovem), Oliver Wickham (Larissa Weems jovem), Ismail Kesu (xerife Walker jovem)
Roteiro Alfred Gough, Miles Millar (criadores), Kayla Alpert, April Blair, Matt Lambert
História de Alfred Gough e Miles Millar
Baseada em personagens criados por Charles Addams
Música Danny Elfman, Chris Bacon
Fotografia David Lanzenberg, Stephan Pehrsson
Montagem Jay Prychidny, Ana Yavari, Paul G. Day,
Casting Florina Fernandes, Sophie Holland, John Papsidera
Desenho de produção Mark Scruton
Figurinos Colleen Atwood
Produção Carmen Pepelea, MGM Television, Millar Gough Ink, Tee and Charles Addams Foundation, Glickmania, Tim Burton Productions, 1.21 Pictures, Toluca Pictures, Netflix.
Cor, cerca de 360 min (6h)
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