(Disponível no Cine Antiqua, no YouTube, em 1/2022.)
The Ox-Bow Incident, no Brasil e em Portugal Consciências Mortas, é um drama sério, pesado, denso. É um western, passa-se no Velho Oeste – em Montana, em 1885, segundo faz questão de especificar ao final dos créditos iniciais. Mas não é um western para agradar a todos os fãs do gênero.
Lançado em 1942, o primeiro ano em que os Estados Unidos estavam participando da Segunda Guerra Mundial, não é um filme de mocinho contra bandido. É sobre quem respeita as leis contra quem não respeita. Quem é a favor da Justiça contra quem defende o justiçamento, a Lei do Talião, o olho-por-olho dente por dente.
Em última análise, sobre a divisão entre quem defende a barbárie e quem prefere a civilização.
Exatamente por isso é que não é um western que agrade a todos os fãs do gênero. Tem pouco tiro e muita palavra. Palavra demais. Este grande filme de William A. Wellman é muito provavelmente um dos westerns mais palavroso que já foram feitos.
Como os cidadãos reagem a um assassinato
Não sou bom em sintetizar tramas, em fazer sinopses curtas, mas vou tentar:
The Ox-Bow Incident mostra como os habitantes de uma pequena cidade do distante Montana, uma região de criadores de gado, reagem à informação de que um de seus mais queridos e respeitados cidadãos, Larry Kinkaid, teve dezenas de cabeças roubadas e em seguida foi assassinado em seu rancho.
No momento em que a informação circula pela cidade, o xerife, Risley (Willard Robertson), está fora, resolvendo alguma coisa em outra cidade. Vários moradores e fazendeiros da região que estavam na cidade naquele momento querem formar imediatamente uma patrulha e sair à cata dos ladrões e assassinos. O mais agitado, eloquente desse grupo é um grande amigo de Larry Kinkaid, um tal Jeff Farnley (Marc Lawrence).
No extremo oposto está um senhor mais idoso, Arthur Davies (o papel de Harry Davenport). Davies tenta esfriar os ânimos, demonstrar que é necessário esperar a volta do xerife Risley para que ele conduza a perseguição aos ladrões.
Para defender essa mesma posição vem o juiz da cidade, Daniel Tyler (Matt Briggs), sujeito mais velho, um tanto pomposo, vestido como se estivesse indo para a igreja no domingo.
O grupo que se formou na rua principal se impacienta com as falas de Davies e do juiz Tyler. Uma fazendeira gordona, obviamente benquista pelos seus conterrâneos, Ma Grier (Jane Darwell), excita a pequena multidão argumentando que o juiz faz tudo muito devagar.
Surge um sujeito que parece o figurão mais rico e mais respeitado da cidade, o major Tetley (Frank Conroy). Logo demonstra que está do lado de Farnley, o exaltado fazendeiro que quer logo caçar os bandidos.
No meio daquela turba há um rancheiro passional, briguento, mas respeitado, chamado Gil Carter (o papel de Henry Fonda). A narrativa começa com Carter chegando com seu fiel amigo Art Croft (Harry Morgan) ao saloon do vilarejo, e rapidamente o espectador vê que o cara é passional e briguento. No entanto, apesar disso, não vai demorar para que Carter se alinhe aos que defendem que é preciso ter calma e esperar o xerife.
Alguém chega avisando que três homens foram vistos relativamente perto do rancho de Kinkaid.
O assistente do xerife, Butch Mapes (Dick Rich), é obviamente alguém não muito confiável – mas é o representante da Lei naquele momento em que o xerife Risley está fora. Eele logo se apressa em tomar o juramento de todos os que estão ali e que são tornados assim assistentes de xerife também.
E o grupo parte atrás dos bandidos.
Eventualmente, eles encontram três homens desconhecidos, nunca vistos antes na região – e rapidamente o grupo determina que foram eles que roubaram o gado de Kinkaid e o mataram.
Entre os três homens há um velhinho que parece simplesmente louco, insano. Há um mexicano que diz que não entende uma palavra de inglês – o papel de Anthony Quinn. É um tipo um tanto misterioso – mais tarde alguém o identificará como um jogador, um espertalhão. O outro homem parece ser o líder do estranho trio; chama-se Donald Martin (o papel de Dana Andrews), e jura inocência de pé junto e desde o primeiro momento. Ele tem uma expressão de absoluta surpresa no rosto que demonstra cabalmente que não não teve absolutamente nada a ver com o roubo do gado de Kinkaid e seu assassinato, ou com qualquer outra ação ilegal.
Há alguns indícios de que foi, sim, aquele trio. Mas Martin garante que não, diz que acabou de chegar à região, que esteve de fato com Kinkaid, que comprou gado dele – apenas isso. É um homem honesto, tem mulher e filhos pequenos para criar, acabou der chegar em busca de um lugar para viver em paz.
Uma discussão sobre o processo civilizatório
A base da trama é essa aí que não consegui resumir em poucos parágrafos. A maior parte dos personagens principais foi apresentada aí. Mas isso é apenas, repito, a base da trama, o que é mostrado no início dos curtos 85 minutos de duração do filme.
The Ox-Bow Incident é um estudo de personagens, uma radiografia de uma pequena comunidade que é o espelho de uma sociedade como um todo. É uma discussão sobre aquela questão básica: o que se quer, o que se busca? É o justiçamento ou a Justiça? A barbárie, a Lei do Talião – ou a tentativa de se construir algo que pareça uma civilização?
Meu, fazer um western que na verdade apenas usa diversos códigos do gênero para na verdade discutir conceitos morais, éticos, em 1942… Isso é algo formidável, excepcional!
É de se tirar o chapéu para o diretor William A. Wellman, para o roteirista (e também produtor) Lamar Trotti, para o autor do romance em que o filme se baseia, Walter Van Tilburg Clark.
Não que o western seja um gênero que se resuma a duelos entre mocinhos e bandidos, a lutas entre a Cavalaria e os índios.
Com o western – assim como com a ficção científica – se pode fazer tudo. É um gênero aberto a qualquer tipo de coisa. E aqui me permito reproduzir parte da anotação que fiz sobre o filme O Purgatório/Purgatory, que o alemão Uli Edel fez nos Estados Unidos em 1999:
No western, um dos mais antigos, tradicionais gêneros do cinema, cabe tudo.
Anthony Mann, um dos grandes realizadores de westerns nos anos dourados de Hollywood, ao lado de John Ford e Howard Hawks, disse, numa entrevista: “Você pode pegar qualquer dos grandes dramas, não importa se é Shakespeare, ou uma das peças gregas. Tudo. Sempre se pode situá-los no Velho Oeste. De algum modo ganham vida, e esse tipo de paixão, esse drama, você pode ter parricídio, qualquer tipo de homicídio no Velho Oeste. E vai dar certo, porque é onde toda a ação se desenrola.”
Sabia do que estava falando. Ele mesmo fez um western que na verdade é um melodrama sobre conflitos familiares, que beira a tragédia grega, Almas em Fúria/The Furies (1950).
Martin Ritt transformou o genial clássico Rashomon (1950), de Akira Kurosawa, o realizador que me parece o Shakespeare do cinema, em um western, Quatro Confissões/The Outrage (1964).
Um realizador pouco conhecido, Gerd Oswald, fez em 1957 um interessante western sobre amor e ciúme que é também filme de tribunal, de crime, de mistério, Valerie.
Houve westerns feministas – o mais conhecido deles, é claro, é Johnny Guitar (1954), mas antes dele tivemos A Renegada/Woman They Almost Lynched, de Allan Dwan, de 1953. Houve westerns com clima absolutamente erótico, como O Proscrito/The Outlaw (1943) e Duelo ao Sol (1946).
Houve westerns cômicos, como Banzé no Oeste/Blazing Saddles (1974) e Dívida de Sangue/Cat Ballou (1965).
Os italianos fizeram westerns exageradíssimos, que eram quase uma gozação do próprio gênero, os western spaghetti. Um dos italianos do western spaghetti, Sergio Loene, fez um dos mais belos westerns da História, Era Uma Vez no Oeste (1968).
Os japoneses, com os filmes sobre samurais, criaram os seus próprios westerns. Se bem que, no caso, easterns.
O Brasil usou o cangaço para produzir uma safra de nordesterns – alguns muito bons, como O Cangaceiro (1953), de Lima Barreto, reverenciado em Cannes.
E houve até esse western-gospel que é O Purgatório.
Se o western influenciou tanta gente, se nele cabe de tudo, por que não um western-cabeça que discute Justiça, processo civilizatório como este Consciências Mortas aqui?
Uma história em que não há um protagonista
O que espanta, surpreende, e me deixa maravilhado, neste filme aqui, não é que ele venha com a roupagem de western – porque, como está claramente demonstrado, creio, nos parágrafos acima, no western cabe tudo.
O espantoso, surpreendente, maravilhoso é que este Consciências Mortas tenha sido feito em 1942!
Tão cedo!
Ahnnn… Confesso que pode haver aí algo muito pessoal: embora eu veja filmes e leia sobre filmes há seis décadas, e conheça pelo menos um pouco do cinema americano feito entre os anos 30 e 60, eu jamais tinha ouvido falar em Consciências Mortas/The Ox-Bow Incident – ou, se alguma vez tinha ouvido falar, não lembrava, o que dá na mesma.
Não vi todos os westerns importantes, é claro – mas achava que pelo menos já tinha ouvido falar sobre eles. E então esta obra de William A. Wellman de fato me pegou de surpresa.
O filme tem uma característica interessantíssima, fascinante, marcante. É uma história sobre uma comunidade – não sobre um, dois ou três elementos importantes daquela comunidade.
Não é um filme sobre um ou dois ou três protagonistas. É um filme sobre um grupo, uma comunidade. Um microcosmo – um pequeno exemplo de como é a sociedade inteira que está em torno dele.
Não são conceitos muito óbvios. Para tentar deixar bem claro o que quero dizer, faço uma comparação com um western que é uma obra-prima, e que também pretende ser – e é – o perfeito retrato de um microcosmo que é um exemplo da sociedade inteira, Matar ou Morrer/High Noon, de Fred Zinnemann, lançado exatos dez anos depois, em 1952.
High Noon mostra os esforços de um homem honrado, o xerife Will Kane feito por Gary Cooper, para pedir a ajuda de sua comunidade para defendê-la contra o iminente ataque de um grupo de bandidos. Os bandidos estão vindo atrás dele, para se vingar dele, mas é óbvio que vão atacar toda a comunidade, e então o xerife vai de porta em porta suplicando a ajuda das pessoas – mas ninguém quer ajudá-lo.
O grande filme foi interpretado – corretissimamente – como uma crítica à sociedade americana como um todo, cuja imensa maioria não movia uma palha contra a grotesca, infeliz, injusta, absurda caça às bruxas que estava sendo empreendida pelo Comitê das Atividades Anti-Americanas da Câmara dos Deputados contra qualquer pessoa do show business que tivesse algum dia tido alguma posição que pudesse fazer lembrar algo simpático ao comunismo.
Pois bem. High Noon é uma obra-prima em todo e qualquer sentido, e é um maravilhoso retrato de um microcosmo que espelha a grande sociedade como um todo. Mostra diversos tipos de cidadãos da pequena cidade. Mas é uma história centrada em um personagem, um protagonista, o xerife Will Kane. Mesmo as duas mulheres da história, a noiva, uma quaker imaculada, toda vestida de branco (o papel de Grace Kelly com aquela beleza capaz de cegar o espectador), e a antiga amante, uma mulher nada respeitável, toda vestida de preto (o melhor papel da vida de Katy Jurado, eu ousaria dizer), são coadjuvantes. Tudo gira em torno do protagonista, o xerife Will Kane.
The Ox-Bow Incident é um filme sobre uma comunidade, um grupo, um grande grupo de pessoas. Acompanhamos as ações de umas 15 pessoas.
A rigor, rigor, não há um protagonista na história.
O personagem feito pelo maior astro do elenco, Henry Fonda, não é mais importante na trama que vários outros cidadãos ali do lugar interpretados por atores de fama muitíssimo menor. O que diferencia os atores – a fama – não faz com que haja diferença entre os personagens.
Não há um protagonista. É um filme sobre um grupo, os habitantes de uma cidadezinha.
A ordem dos nomes dos atores só tem a ver com a fama
A ordem em que aparecem os nomes dos atores nos créditos iniciais e nos cartazes, nos filmes de Hollywood, em especial entre os anos 20 e 60, segue rigorosamente a ordem de importância do ator no momento do lançamento. Quem é mais astro/estrela, quem tem mais fama, quem chama mais gente para as bilheterias aparece primeiro. Não interessa muito a importância do personagem que ele/ela interpreta, o tempo em que o personagem fica na tela: o que interessa – e define – é sua estatura como astro/estrela.
O primeiro nome a aparecer nos créditos iniciais e nos cartazes é o de Henry Fonda. Nos créditos, ele surge junto com o título. No mesmo letreiro vemos: “Twentieth Cenrtury Fox presents The Ox-Bow Incident starring Henry Fonda”.
No letreiro seguinte surgem, nesta ordem, os nomes de Dana Andrews, Mary Beth Hughes, Anthony Quinn, William Wythe, Henry Morgan.
Para, no letreiro seguinte, com nomes em tamanho um pouco menor do que no anterior, aparecerem Jane Darwell, Matt Briggs, Harry Davenport, Frank Conroy, Marc Lawrence, Paul Hurst, Victor Killian,
Chris-Pin Martin, Willard Robertson.
Quando bati o olho nesses dois letreiros com esse grande número de nomes de atores – 15 no total! –, achei interessante. Não é algo usual nos filmes de Hollywood da época.
Nada menos de 15 personagens, gente com falas, com alguma importância na trama.
O número de atores que têm “lines” a dizer, que têm alguma importância na trama, é algo a ser bem levado em consideração. A ordem em que os nomes deles são apresentados, no entanto, só tem a ver com razões mercadológicas. Marketing.
O importante é o seguinte: na trama deste The Ox-Bow Incident, o personagem interpretado pelo astro Henry Fonda tem a mesma importância do representado pelos hoje absolutamente desconhecidos Paul Hurst ou Victor Killian, ou qualquer outro. A intenção bem clara dos realizadores é a de mostrar o grupo, o agrupamento, aquele conjunto de pessoas do vilarejo. O microcosmo.
Claro, não conheço o romance The Ox-Bow Incident, de Walter Van Tilburg Clark – mas dá para perceber perfeitamente que o roteiro que Lamar Trotti escreveu com base no livro realça um pouquinho a figura de Gil Carter apenas e tão somente porque quem o interpreta é Henry Fonda, que, em 1942, era o maior astro do elenco.
Gail Carter não tem, a rigor, um papel fundamental no desenrolar da trama. Ele sequer é o líder dos poucos cidadãos que se pronunciam a favor da calma, de se esperar pela presença do xerife, de não – de maneira alguma – condenar à morte os suspeitos sem que eles tivessem tido um julgamento justo. Quem lidera a posição anti-barbárie, pró-civilização, é o idoso sr. Davis – mas o ator que o interpreta, Harry Davenport, jamais foi um astro, e então ele aparece em oitavo lugar nos créditos.
Os três que viram suspeitos de terem roubado e matado Kinkaid só aparecem quando dois terços do filme já foram. mas Donald Martin era interpretado por Dana Andrews, e Dana Andrews era o segundo ator mais famoso do elenco – por isso ele aparece em segundo lugar. Anthony Quinn já começava a ser notado pelas platéias, e então seu nome vem em quarto lugar.
Anthony Quinn em ascensão, Henry Fonda astro
Fiquei curioso por checar como estavam as carreiras de Henry Fonda, Dana Andrews e Anthony Quinn em 1942.
O mexicano Antonio Rodolfo Quinn Oaxaca é de 1915; começou a carreira em 1936, fazendo pequenas pontas e, em 1942, ano de lançamento do filme, estava portanto com 27 anos apenas, mas tinha já uns 30 títulos na filmografia. Anthony Quinn fazia filmes demais, em especial no começo da carreira. Quando morreu, em 2001, sua filmografia colecionava 169 títulos. Ganharia a partir dos anos 1950 dois Oscars como coadjuvante (por Viva Zapata! e Sede de Viver), e teria indicação a outros dois como ator principal (por A Fúria da Carne e Zorba, o Grego).
Dana Andrews (1909-1992) estava com 33 anos em 1942, e já havia feito nove filmes antes deste Consciências Mortas; apenas dois anos depois, em 1944, passaria a ter status de astros, com sua interpretação do tenente detetive Mark McPherson no clássico Laura, de Otto Preminger.
O pai de Jane Fonda e Peter Fonda, avô de Bridget Fonda, é um caso à parte. Não era muito mais velho que Anthony Quinn e Dana Andrews – nasceu em 1905 –, mas já era um grande astro, um ator respeitado, querido pelo público, benquisto pelas platéias. Em 1942, já havia feito, entre outros, e sempre nos papéis principais, Vive-se Só Uma Vez (1937), de Fritz Lang, Jezebel (1938), de William Wyler, Jesse James (1939), de Henry King, A Mocidade de Lincoln (1939), Ao Rufar dos Tambores (1939) e As Vinhas da Ira (1940), estes três últimos do grande John Ford.
Toda a carreira de Henry Fonda (assim como, é bom lembrar, as de Spencer Tracy e Gregory Peck) foi marcada por personagens íntegros, honestos, corajosos, de bom caráter, bom coração. Não havia ninguém melhor que ele para interpretar o jurado número 8 na obra-prima 12 Homens e uma Sentença/12 Angry Men (1957) – o único dos 12 que, no primeiro escrutínio, na sala fechada em que o júri se reúne, vota “inocente”. E vai, calmamente, pacientemente, argumentando com os demais jurados que não há provas cabais para condenar o réu à morte sem qualquer sombra de dúvida.
Neste Consciências Mortas, seu personagem, Gil Carter, está do lado certo, assim como o jurado número 8 de 12 Homens e uma Sentença. Mas, ao contrário do que acontece no filme de Sidney Lumet, ele não é o sujeito que lidera a sua posição. Não são dele os principais argumentos contrários ao enforcamento dos três suspeitos.
(Que eu me lembre, só em um filme Henry Fonda fez papel de bandido – e é preciso registrar o fato. Foi em Era Uma Vez no Oeste, o maravilhoso western nada spaghetti do italiano Sergio Leone.)
No trailer de The Ox-Bow Incident (disponível no YouTube, assim como o próprio filme), um Henry Fonda engravatado e em um belo terno está ao lado de uma estante de livros, falando diretamente para a câmara, ou seja, para os olhos do espectador, a respeito da beleza e da importância do romance The Ox-Bow Incident, de Walter Van Tilburg Clark, que deu origem ao filme.
“Um dos maiores westerns de todos os tempos”
O filme teve uma única indicação ao Oscar – e justamente na categoria principal, de melhor filme. Naquele ano, o vencedor foi Casablanca.
Leonard Maltin deu ao filme a cotação máxima de 4 estrelas: “A ironia e o terror da ‘lei da selva’ são vividamente mostrados neste drama inesquecível sobre um grupo de linchadores querendo fazer justiça com suas próprias mãos, apesar dos protestos de alguns cidadãos sensatos. Baseado no livro de Walter Van Tilburg Clark; roteiro soberbo de Lamar Trotti.”
A expressão usada por Maltin é “mob rule” – literalmente, as regras da turba; segundo os dicionários, o fato ou o estado de grandes grupos de pessoas atuando sem a permissão do governo, das autoridades. Achei que lei da selva serviria como uma tradução razoável.
Eis o que diz Pauline Kael, na tradução de Sérgio Augusto para a edição brasileira de 1001 Noites no Cinema:
“Um western passado em Nevada, em 1885, que é também uma tentativa de tragédia poética sobre a violência popular. Dois vaqueiros (Henry Fonda e Harry Morgan) chegam a uma cidadezinha solitária de criação de gado e envolvem-se na histeria de um linchamento popular. Três inocentes (Dana Andrews, Anthony Quinn e Francis Ford) são enforcados, enquanto acompanhamos não apenas seu medo e desespero, mas os diversos motivos dos membros do bando armado que faz justiça com as próprias mãos. É fácil rejeitar os cenários de estúdio, a iluminação e a abordagem-década de 40 a um tema ‘sério’, mas o diretor, William Wellman, fez as personagens tão reais que, passados muitos anos, as pessoas talvez ainda se lembrem de Frank Conroy como o sádico prefeito sulista, e das rápidas mudanças de expressão de William Eythe, como seu filho. Com Harry Davenport como o sr. Davies, Leigh Whipper como Sparks, e Jane Darwell no papel da velha lasciva e tagarela que curte a emoção melhor que sua Ma Joad em Vinhas da Ira. Do excelente romance de Walter van Tilburg Clark, cujas ambigüidades o roteiro de Lamar Trotti não conseguiu abranger; ler o livro amplia o filme.”
Coisa rara: uma Pauline Kael sóbria, séria, sem brincadeiras, gozações, ironias. Bom, isso…
O CineBooks’ Motion Picture Guide dás 5 estrelas, a cotação máxima, e é taxativo: “Um dos maiores westerns de todos os tempos, The Ox-Bow Incident é um poderoso retrato da violência da turba que se eleva ao nível da tragédia grega. Baseado em um evento ocorrido em Nevada em 1885, essa obra-prima dirigida por William A. Wellman brilhantemente penetra na psiquê de seus personagens.”
Baseado em evento real! Só aqui vi essa informação.
Bem mais adiante (os textos desse guia são sempre longos, cuidados), vêm mais informações importantes, interessantes.
O filme só existe – relata o CineBooks’ Guide – por causa do diretor William A. Wellman, que tinha ficado impressionado e apaixonado pelo livro, e insistiu muito com o chefão da 20th Century Fox, o lendário
Darryl F. Zanuck, para que o estúdio topasse o projeto. Zanuck e também outros executivos do estúdio não queriam filmar o livro, argumentando que o tema era chocante demais, que não agradaria às platéias.
Na verdade, Hollywood já havia tratado de violência de turba e sede de linchamento antes, em Fúria (1936), de Fritz Lang, com Spencer Tracy, e Esquecer, Nunca!/They Won’t Forget (1937), de Mervyn LeRoy, com Claude Rains.
Wellman prometeu a Zanuck que dirigiria mais dois filmes para o estúdio caso o projeto de The Ox-Bow Incident fosse tocado. E finalmente obteve o sinal verde do estúdio – mas foi uma produção com orçamento bastante limitado.
O filme foi finalizado em 1942, mas o estúdio continuava temendo pelo seu resultado nas bilheterias – e ele acabou chegando às telas apenas no ano seguinte.
O CineBooks’ conclui seu texto assim:
“Quando The Ox-Bow Incident foi lançado, a maioria dos críticos elogiou o filme, mas alguns poucos menosprezaram esse clássico; um crítico míope chegou a compará-lo aos westerns B. Foi sempre um dos filmes favoritos de Wellman, apesar do fato de não ter tido sucesso de público. Sabe-se também que Fonda considerava o filme como um dos poucos que fez durante os anos em que foi contratado da Fox que lhe deram orgulho. (De maneira bem interessante, o filme tem similaridades com o tom e a postura de outro filme de Fonda, 12 Angry Men.)”
É isso aí. Só vim a saber dele 80 anos depois que foi feito, mas isso não tem qualquer importância. O que interessa é que é um grande filme, um filmaço.
Anotação em janeiro de 2022
Consciências Mortas/The Ox-Bow Incident
De William A. Wellman, EUA, 1942
Com Henry Fonda (Gil Carter), Dana Andrews (Donald Martin, um dos suspeitos), Mary Beth Hughes (Rose Mapen, uma ex-namorada de Gil Carter), Anthony Quinn (Juan Martínez, outro dos suspeitos), William Eythe (Gerald Tetley, o filho sensível do major), Harry Morgan (Art Croft, o amigo de Gil Carter), Jane Darwell (Ma Grier, a única mulher do grupo). Matt Briggs (Daniel Tyler, o juiz), Harry Davenport (Arthur Davies, o homem honrado), Frank Conroy (major Tetley, o líder do bando armado), Marc Lawrence (Jeff Farnley, o mais exaltado do bando), Paul Hurst (Monty Smith, o dono do bar), Victor Kilian (Darby), Chris-Pin Martin (Poncho). Willard Robertson (xerife Risley), Ted North (Joyce), Dick Rich (Butch Mapes, o assistente do xerife), Francis Ford (Alva ‘Dad’ Hardwicke, o velhinho, terceiro suspeito)
Roteiro Lamar Trotti
Baseado no livro de Walter Van Tilburg Clark .
Fotografia Arthur C. Miller
Música Cyril J. Mockridge
Montagem Allen McNeil
Direção de arte James Basevi, Richard Day
Figurinos Earl Luick
Produção Lamar Trotti, 20th Century Fox.
P&B, 85 min (1h15)
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