Jezebel

Nota: ★★☆☆

Anotação em 2011: Jezebel, como se sabe, é um classicão respeitadíssimo, dirigido por um mestre, William Wyler, e com dois atores maravilhosos, dos melhores, Bette Davis e Henry Fonda. Teve cinco indicações ao Oscar em 1939, inclusive a de melhor filme, e levou dois prêmios, melhor atriz para Bette Davis e melhor atriz coadjuvante para Fay Bainter.

Pois é. Ao revê-lo agora, achei o filme bobo. Não propriamente ruim. Mas bobo. Bocó.

Pode ser cansaço, pode ser porque esteja vendo filmes demais, e agora com a obrigação de escrever sobre eles para este site. Pode ser. Mas achei bobo. E Mary também.

Muito barulho por nada: por que tanto drama só por causa de um vestido vermelho, meu Deus do céu e também da terra? E por que será que os americanos são tão absolutamente fascinados por aquelas tradições todas do Sul atrasado, retrógado, escravagista? Por que tamanha fixação com as belles sulistas, as Scarlett O’Hara, a Miss Julie deste filme aqui, essas mulheres fúteis, vazias?

Miss Julie, a personagem interpretada por Bette Davis, é uma jovem riquíssima, na Nova Orleans de 1852. É órfã, vive com a tia, Belle (o papel de Fay Bainter), num imenso casarão. A cidade toda parece ser apaixonada por ela, é a socialite mais importante daquela Corte sem rei. É uma mulher vaidosérrima, fútil a não mais poder, cheia de manhas e de vontades imperiais. Uma imbecil, uma babaca, uma chata de galocha. Como é possível gostar de uma história em que a personagem central é uma idiota?

O filme tem sua importância, é óbvio – até porque foi feito um ano antes de … E o Vento Levou, com o qual tem muito a ver. Então o melhor é parar de resmungar feito mendigo na chuva e pegar outras opiniões já, de uma vez.

“Um deslumbrante melodrama romântico”

Leonard Maltin dá 3.5 estrelas, quase a cotação máxima de 4: “Davis ganhou seu segundo Oscar como a tempestuosa belle do Sul que vai longe demais para fazer seu noivo ficar com ciúme; Bainter também recebeu o Oscar como a simpática tia de Davis. Ótima produção, todo o elenco excelente. John Huston foi um dos autores do roteiro.”

Maltin informa que o filme chegou a ser lançado em versão colorizada por computador. Houve essa mania ridícula, grotesca, ali pelos anos 80. Felizmente, a versão lançada em DVD é a original, com bela fotografia em preto-e-branco.

A resenha de Pauline Kael, uma crítica extremamente exigente, de língua sempre ferina:

“Um deslumbrante melodrama romântico. Bette Davis é a impulsiva, complexa Julie, a belle do Sul que destrói suas chances de felicidade por perversamente zombar das convenções. William Wyler produziu e dirigiu esta evocação suntuosa da Nova Orleans antes da Guerra Civil, com seus grandes bailes em que a tradição decretava que moças solteiras deviam se vestir de branco – e onde o vestido vermelho de Julie destrói sua vida. É difícil saber qual é a ‘grande cena’ de Davis no filme – o doloroso, resplandescente erro de seu surgimento em vermelho, ou o momento de tirar o fôlego de seu pedido de perdão em branco. O material já era datado na época, mas foi trazido de volta do arquivo e repolido por causa da popularidade da novela Gone With the Wind, que a produção antecipou nas telas; sem a reavivada que Davis deu a ele, poderia ter parecido de fato muito musgoso. (…) O roteiro de Clements Ripley, Abem Finkel e John Huston (baseado na peça de Owen Davis, Sr.) tem algumas passagens notáveis.”

E noto de novo: são poucos os filmes que merecem só elogios e poucas reprimendas de Pauline Kael.

Mais opiniões. O CineBooks’ Motion Picture Guide dá 4 estrelas em 5; os textos do CineBooks’ são imensos, às vezes até maiores que os meus. Transcrevo trechos. “Jezebel é estrelado por Bette Davis em um performance vencedora de Oscar como uma egocêntrica belle do Sul. O lançamento do filme criou um alto padrão para os épicos do Sul, mas Jezebel foi para sempre eclipsado por Gone with the Wind (1939), no ano seguinte.”

“O filme custou um pouco mais de US$ 1 milhão, mas rendeu muito dinheiro para todos os envolvidos. A ação do filme é totalmente implausível, no entanto, e a idéia de que Jezebel teria uma mudança de coração tão abrupta no último rolo do filme voa para longe da lógica. Apesar disso, Davis e Fonda estão ambos soberbos. De fato, sob o punho firme mas benevolente do diretor William Wyler, Davis é tão persuasiva que somos tomados pelo artifício, e ficamos esperando que ela e Fonda eventualmente terminarão juntos. Fay Bainter estava igualmente magnífica no seu papel.”

O bebê que viria a ser Jane Fonda fez Henry ter pressa em terminar o filme

Esse tal de CineBooks’ é fantástico. Os textos sobre cada filme são coalhados de informações. Sob o intertítulo “Antecedentes”, vêm estas informações:

Jezebel (a peça na qual o filme se baseou) tinha sido um pequeno sucesso na Broadway com Miriam Hopkins no papel principal, e ela ficou amargurada por ter sido preterida para o papel no filme. O mesmo se deu com Tallulah Bankhead, que sentia que ninguém a não ser uma autêntica sulista poderia interpretar o papel. Apesar disso, Davis foi a escolhida e deu uma das melhores performances de sua vida.”

“A excelência de Davis pode ter sido o resultado do orgulho que tinha por seu trabalho, ou pode ter sido pelo fato de que ela não foi levada em consideração por David O. Selznick na procura por Scarlett O’Hara, um papel que ela queria desesperadamente. A Warner desejava emprestá-la para Selznick, mas insistia em que ele escalasse Errol Flynn como Rhett. Davis achava que Flynn não era era apropriado para o papel. A Warner então acelerou a filmagem de Jezebel, para se aproveitar do interesse nacional despertado pela produção, ainda em curso, de Gone With the Wind.”

“Fonda fez um acordo com o estúdio: seu trabalho teria que ser feito até o início de dezembro (de 1937), para que ele pudesse voltar para Nova York onde sua mulher estava esperando o nascimento de seu primeiro filho (Jane, nascida no dia 21 de dezembro). Embora eles tentassem acelerar as coisas, o modo lento de Wyler atrasou as filmagens, e Davis teve que fazer os close-ups dos dois sem ter (Henry Fonda) por perto. Davis não se incomodava com a forma esmerada de filmar de Wyler, e faria The Letter e The Little Foxes com ele nos anos seguintes.” (A Carta/The Letter é de 1940; The Little Foxes, baseado na peça de Lillian Hellman, de 1941, no Brasil chamou-se Pérfida.)

Todos concordam: é um grande filme. No entanto…

Não sei o eventual leitor, mas eu fico fascinado com esses detalhes, essas pequenas histórias, essas pequenas informações.

Legal. Eis aí, portanto, as opiniões de três fontes diferentes, todas importantes, e um monte de informações sobre o filme. Como é um filme respeitável, ainda vou atrás de uma quarta opinião, de um não-americano. O Guide des Films do mestre Jean Tulard dá três estrelas para L’Insoumise, a insubmissa, como o filme se chamou na França:

“Dois momentos fortes no filme célebre: a cena do baile, soberbamente filmada, e a seqüência da epidemia. A atuação de Bette Davis a impõe.”

Quatro fontes, quatro aplausos a Jezebel. Não resta dúvida, portanto: é um grande filme. E, se eu o achei bobo, bobo certamente sou eu.

Et pourtant…

E, no entanto…

Aquela seqüência em que Miss Julie chama seus escravinhos para cantar com ela uma canção sulista, para chocar a ianque Amy (a bela, muito bela Margaret Lindsay), e os escravinhos e os escravões todos se reúnem em volta dela, alegres, felizes, saltitantes… Hum… Se aquilo não é a coisa mais bocó do mundo…

E o duelo verbal que se segue a essa mesma sequência entre Ted (Richard Cromwell), o irmão do banqueiro Preston, e o sulista triunfante Buck Cantrell (George Brent)… E o duelo propriamente dito…

E a sequência no bar em que o banqueiro Preston cai e a multidão reflui como havia refluído no baile do vestido vermelho… Hum…. Coisa boba. Bocó.

E o duelo verbal final, o auge, o apogeu, o ápice do melodrama, entre a belle do Sul e a bela ianque… Hum… Bobão, tudo muito, muito bobão.

Um personagem que de repente muda completamente de caráter

Bem, falta um parágrafo sobre Jezebel, a personagem bíblica que dá nome ao filme. Ah, a falta de cultura. Lá pelo meio do filme, eu já convencido de que era muito talento desperdiçado para contar uma história boba, perguntei: mas, afinal, quem foi mesmo Jezebel? Mary se lembrava vagamente de uma coisa bíblica. Fui à Brittanica de papel (poderia mais rapidamente ter ido à Wikipedia, mas sou um velhinho que gosta de manter velhos hábitos), e fiquei sabendo que Jezebel, citada nos Livros dos Reis I e II do Velho Testamento, viveu lá pelo ano 843 antes de Cristo; foi a mulher do Rei Ahab, e se especializou em lançar irmãos contra irmãos, passando para a História como o arquétipo da mulher malvada.

Santa ignorância. Eu achava que o protótipo da mulher malvada, pérfida, era Bette Davis, a protagonista deste filme aqui, e de tantos outros, e como Pérfida e A Malvada, em que a verdadeira malvada era Anne Baxter, que nos Dez Mandamentos de Cecil B. de Mille faz a Rainha Nefretiri, que era apaixonada por Charlton Heston, o porta-voz da National Rifle Association.

Mas aí o bocó estou sendo eu mesmo, tentando fazer piada sem graça.

Já a sequência dos escravinhos e escravões cantando junto com Miss Julie parece feita a sério.

E, se fosse para falar sério, seria assim: qualquer história em que o personagem central de repente, não mais que de repente, faltando alguns poucos minutos para a narrativa acabar, muda completamente, vira outra coisa, passa da água ao vinho, ou mesmo do vinho à água, que fosse – qualquer história assim não é, definitivamente, uma boa história.

Jezebel

De William Wyler, EUA, 1938

Com Bette Davis (Julie Morrison), Henry Fonda (Preston Dillard), George Brent (Buck Cantrell), Margaret Lindsay (Amy), Fay Bainter (tia Belle Massey), Richard Cromwell (Ted Dillard), Donald Crisp (Dr. Livingstone), Henry O’Neill (General Theopholus Bogardus)

Roteiro Clements Ripley, Abem Finkel, John Huston, Robert Buckner

Baseado na peça Jezebel, de Owen Davis, Sr.

Fotografia Ernest Haller

Montagem Warren Low

Música Max Steiner

Produção William Wyler Productions, Warner Bros. DVD New Line Home Vídeo.

P&B, 103 min

R, **

Título na França: L’Insoumise. Título em Portugal: Jezebel, a Insubmissa

13 Comentários para “Jezebel”

  1. Ai, ai, ai…acabei de descobrir que é bobo um dos filmes que mais gosto (no presente ainda, esse verbo). Não sei se é a Davis, acho que sim, porque o encanto do filme não me deixa. O único senão que encontro é agravante pra você, vejo Jezebel e desejo E o vento levou…Fazer o quê, todo mundo tem direito às suas esquisitices, a minha é gostar destes filmes assim, bobinhos.

  2. Ô Luciana, gosto é gosto, né? Eu achei bobo, mas botei aí um monte de gente elogiando…
    Agora, te lanço um desafio. Se da próxima vez que você vir o filme, você não achar bobíssima a cena da Bette Davis cantando a canção sulista pra irritar a ianque, e os escravões e os escravinhos cantando com ela, te pago um belo jantar.
    Hêhê…
    Um abraço.
    Sérgio

  3. Estou te devendo um jantar desde agora, eu não quis revelar no primeiro comentário 😉 mas realmente acho essa cena tola e tosca demais. Já escolheu onde vocês querem ir?

  4. Não se preocupe, não vamos explorar você. Vamos a um lugar legal mas com preços razoáveis… Um abraço.
    Sérgio

  5. Nóssa um filme com o meu nome……..perece lokura mais muito legal gostaria muito de ver esse filme pena que não consegui emcontrar em lugar nenhum muito dificil de baixar da internet mais um dia terei a opórtunidade de assistir um clasico como esse…Jezebel

  6. Sergio,você esta certo….acabei de ver e bobinho mesmo… Decepcionou…
    Marcelo

  7. Tb n achei o filme nada de especial. É agradável, prende a atenção, n aborrece, n causa tédio. mas é sobrevalorizado. A história é uma historinha, nada de soberbo. O destaque para o vestido chega a irritar. Mesmo assim, o filme agrada graças ao bom andamento, às boas interpretações, aos cenários magnificos ao estilo de GWTW e à beleza de Bette Davis. Ela não era mt bonita mas em Jezebel está bastante airosa. The Letter é bem melhor, o meu favorito de Wyler/Bette e Tle little Foxes o melhor dos três, se bem que prefiro The Letter

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